quinta-feira, 24 de novembro de 2011

A Justiça do ministro C.P. e da corregedora E.C.:: Cristian Klein

No mais novo capítulo da queda de braço entre o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e entidades que representam juízes e desembargadores, o presidente do CNJ, Cezar Peluso, decidiu, nesta semana, voltar atrás e manter sob completo sigilo os processos contra magistrados movidos nos Tribunais de Justiça Estaduais.

Desde o dia 11, o site do CNJ exibia as letras iniciais dos nomes de juízes e desembargadores investigados pelas corregedorias nos Estados. Foi uma resposta de Peluso ao imbróglio em que se envolveu com a corregedora nacional de Justiça, Eliana Calmon.

Agora, nem as iniciais - que protegiam a identidade dos investigados - estão mais acessíveis, o que mostra como o processo de transparência no Poder Judiciário vive um momento de instabilidade. É um período de marchas e contra-marchas no qual a ameaça de retrocesso está sempre no ar.

Desafio é redigir nova Lei Orgânica da Magistratura

Após a polêmica - em que Eliana Calmon não aceitou ser repreendida por ter dito em entrevista que há, no Brasil, "bandidos de toga" - o CNJ divulgou uma relação de processos administrativos que tramitam contra magistrados. Os processos apuram desde denúncias de omissão, morosidade, parcialidade até suspeita de enriquecimento ilícito. A lista, com 1.258 processos, faz parte do Sistema de Acompanhamento de Processos Disciplinares contra Magistrados, que ainda não inclui investigações da Justiça Federal e da Justiça do Trabalho.

O objetivo de Peluso foi o de mostrar que as corregedorias locais funcionam a contento e que não haveria razão para que o CNJ intervenha e fiscalize os Tribunais de Justiça dos Estados.

Apesar de ser o presidente do CNJ, função que exerce por ser também o atual presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Peluso é um dos expoentes do grupo que sempre foi contrário à criação do conselho como um vértice e órgão de controle do Poder Judiciário.

Grupo que tem como entidade mais atuante a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB). Foi a AMB quem pediu a Peluso que retirasse do sistema as letras iniciais nos processos, sob a alegação de que eles são sigilosos e as abreviaturas facilitariam a identificação dos investigados, que, por sua vez, poderiam sofrer "constrangimento" em seu trabalho.

O episódio Cezar Peluso versus Eliana Calmon - ou C.P. versus E.C, como preferiria a discrição de alguns, - põe em evidência as personalidades, com suas virtudes e defeitos, de dois protagonistas da cena pública nacional. E tem como pano de fundo interesses arraigados e a tentativa de se retirar os poderes previstos para o CNJ, quando de sua criação em 2004.

Por sua defesa do conselho, Eliana Calmon transformou-se, subitamente, em arauto da moralidade e raro exemplo de magistrado que não se pronuncia em causa própria. Ou, melhor, em nome de privilégios que sempre são defendidos sob a alcunha de prerrogativas.

No Brasil, o eufemismo "prerrogativa" é a palavra mais utilizada quando magistrados tentam defender alguma vantagem. Seja o uso e o abuso de carro oficial em fins de semana e feriados, as férias de 60 dias ou o trabalho de meio expediente justificado pelo excesso de calor dos trópicos.

A mentalidade de um tempo em que o país era essencialmente patrimonialista permanece. Durante anos - assim descrevem intérpretes como Sérgio Buarque de Holanda e Gilberto Freyre - o Estado teve enorme dificuldade para se impor no território brasileiro. Autoridades públicas não conseguiam penetrar nos potentados de grandes proprietários de terra para fazer cumprir a lei. Corria-se o risco de ser recebido a bala pelos donos, simultaneamente, do poder político e do econômico.

Como conquistadores de espólio de guerra, a elite da burocracia de um Estado que finalmente se impôs insiste em não abrir mão de privilégios que são claramente anacrônicos e inspirados numa sociedade hierárquica, de estamentos.

"É uma cultura de 200 anos que não se muda de uma hora para outra", afirmou Eliana Calmon, ao ser sabatinada pelo "Roda Viva", da TV Cultura, na semana passada.

O argumento, proferido repetidas vezes no programa, soou como excessiva cautela para quem se notabilizou pela coragem de abalar o status quo. Mas Eliana Calmon sabe que o voluntarismo não supera o legalismo. Sem esconder o tom crítico à reação de Peluso, a corregedora já havia antecipado, no "Roda Viva", que a divulgação dos processos, mesmo com as iniciais, infringiria a legislação.

Por isso, o maior desafio, como bem ressaltou, é redigir uma nova Lei Orgânica da Magistratura Nacional. É neste estatuto, cuja redação data de 1979, portanto ainda nos estertores do regime militar, que estão fincadas muitas das bandeiras corporativistas.

É o caso da previsão de penas levíssimas para infrações cometidas pelos magistrados. O máximo que pode ocorrer, a aposentadoria compulsória, é um prêmio e não uma condenação exemplar.

Mexer na lei da magistratura, no entanto, é enfrentar fortes entidades. A fonte de poder da classe dos juízes reside na capacidade de decidir as contendas que envolvem dos grandes aos pequenos interesses. Julgamentos são por natureza sensíveis à subjetividade e poucos são aqueles dispostos a criticar a categoria.

O senador Eduardo Suplicy (PT-SP) é um deles. É de autoria do parlamentar paulista um dos projetos em tramitação no Congresso que visam reduzir as férias de 60 dias da magistratura.

Abolir as chamadas prerrogativas de juízes e desembargadores é atingir o coração de um sistema composto por outros órgãos e instituições. A concorrência entre as carreiras jurídicas faz com que promotores, defensores e procuradores também reivindiquem e se beneficiem da isonomia perante a magistratura.

Uma isonomia em nome - por extenso ou em iniciais - da distinção de tratamento em relação ao restante da sociedade.

FONTE: VALOR ECONÔMICO

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