quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

Economia vai bem, mas o povo ainda mora mal

Segundo especialista, levantamento do IBGE mostra apenas uma parte da precariedade urbanística do Brasil

Donizeti Costa

SÃO PAULO. O aumento do número de pessoas vivendo em favelas no país na última década chama a atenção sobretudo por abranger os oito anos do governo Lula - época de economia em crescimento e de maior distribuição da renda, mas que não impediu esse viés negativo do ponto de vista habitacional. Para a arquiteta Ermínia Maricato - que foi secretária de Habitação e Desenvolvimento Urbano da prefeitura de São Paulo de 1989 a 1992, na gestão Luiza Erundina -, esse desencontro de índices é fácil de explicar:

- Mesmo entrando dinheiro para as camadas menos favorecidas, sem uma regulação dos preços da terra e dos imóveis urbanos, elas continuarão sem ter acesso à casa própria. E, como consequência, morando em imóveis irregulares, de elevado risco e na periferia.

Segundo Ermínia, a aplicação do Estatuto da Cidade, aprovado em 2001, ajudaria a corrigir essa distorção. Ela lembra que, quando o município, usando dinheiro público, leva benfeitorias como asfalto, água, esgoto e eletricidade a regiões sem infraestrutura, a valorização do bem vai para o bolso do dono do imóvel. As Zonas Especiais de Interesse Social (Zeis), previstas no Estatuto, corrigiriam isso:

- O terreno só poderia ser usado para a construção de determinado imóvel, que seria vendido por um preço determinado para moradores de determinada faixa de renda.

Raquel Rolnik, outra referência em arquitetura e urbanismo no país, diz que é preciso certo cuidado na análise do levantamento de moradias irregulares. Para ela, além da mudança de metodologia, reconhecida pelo instituto, é preciso que se levem em conta outros fatores:

- Na pesquisa não se levam em conta, por exemplo, loteamentos clandestinos. Nem grupamentos subnormais em número inferior a 51 moradias - diz a especialista, lembrando ainda que um estudo feito por ela em 2000 indicava que apenas 30% dos domicílios do Brasil tinham condições urbanas adequadas. E cita, como exemplo, bairros inteiros do Litoral Norte de São Paulo que não eram servidos por rede de esgoto.

- O levantamento do IBGE é um retrato parcial da realidade, mostra apenas uma parte da precariedade urbanística do Brasil.

A arquiteta e urbanista constata ainda que, além de não implementarem a total aplicação do Estatuto da Cidade, os governos vêm ajudando a aumentar a massa de excluídos habitacionais com projetos como os da Copa 2014, das Olimpíadas de 2016 e, no caso específico de São Paulo, do Rodoanel e da recuperação da várzea do Rio Tietê.

- Para recuperar o rio, querem que os moradores do Jardim Pantanal, na região de São Miguel, troquem área que tem metrô, escolas e postos de saúde por Itaquá, a 40 quilômetros dali, num lugar que não tem nada disso - exemplifica ela. - Isso é produção em massa de favelas, o mesmo que enxugar gelo.

Roberto Romano, professor titular de Ética e Filosofia Política da Unicamp, afirma que o conflito entre a atual pujança econômica e o declínio habitacional do país apontado pelo estudo do IBGE remete aos tempos da ditadura militar:

- Na época do governo do general Médici havia até uma frase para definir isso: "O país vai bem, mas o povo vai mal".

Ele até reconhece que nos últimos anos houve uma evolução nos ganhos da população de baixa renda, mas não o bastante para tirá-la da quase clandestinidade habitacional.

O secretário da Habitação de São Paulo, Ricardo Pereira Leite, faz questão de frisar que os 41% de aumento das moradias irregulares no estado de São Paulo se devem a mudanças no critério de pesquisa. Como exemplo, cita que habitações que antes não eram consideradas subnormais agora aparecem assim enquadradas:

- Nós (a Prefeitura e o instituto) trabalhamos com um número bem próximo de pessoas morando em favelas, de cerca de 1,3 milhão. Mas, nestes dez anos, o crescimento no números de habitantes desse tipo de moradia foi semelhante ao aumento populacional na cidade, da ordem de 3%.

- O processo de urbanização dos grandes centros metropolitanos não foi acompanhado por políticas públicas habitacionais - diz o professor e doutor do Núcleo de Estudos de População da Unicamp Roberto Luiz do Carmo, ao comentar os índices divulgados ontem pelo IBGE sobre o processo de "favelização" das regiões metropolitanas.

Governo não quis comentar dados sobre favelas

Após a divulgação do levantamento, técnicos do IBGE participaram de reunião com a secretária Nacional de Habitação do Ministério das Cidades, Inês Magalhães. Entretanto, a assessoria da pasta informou que ela só tomou conhecimento dos números ontem e não poderia se pronunciar porque ainda estuda os dados do IBGE.

Colaborou: Mauricio Simionato

FONTE: O GLOBO

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