domingo, 4 de dezembro de 2011

Ideias que moveram seu tempo :: Luiz Carlos Bresser-Pereira

Guillermo O"Donnell poderia ter sido um grande político, mas preferiu se dedicar às ideias, por crer que elas são poderosas e movem o mundo

Acabo de receber a notícia da morte de Guillermo O"Donnell aos 75 anos. Perco um amigo da minha geração, e todos perdemos o mais importante pesquisador e teórico da democracia da América Latina.

Conheço Guillermo desde os anos 1970, quando lutávamos pela democracia nos nossos países. Mas o primeiro grande trabalho seu que li foi sobre as alianças de classe na Argentina: o pacto desenvolvimentista associando empresários industriais, burocracia pública e trabalhadores contra o pacto liberal unindo a grande agricultura e pecuária exportadora ("el campo"), o grande capital e interesses estrangeiros.

Fazia, então, a análise e a crítica desse pacto colonialista que Getulio Vargas venceu no Brasil, mas que os argentinos jamais lograram derrotar. Ainda nos anos 1970, como pesquisador do Cedes, Guillermo desenvolveu a ideia do "Estado burocrático-autoritário" - um conceito que se tornou paradigmático na América Latina.

Ele explicou a lógica dos regimes militares como uma consequência do "aprofundamento do capital" que estava ocorrendo na região depois que a substituição de importações de bens manufaturados de consumo se esgotara e se tornava necessário investir em grandes empresas capital-intensivas.

No início dos anos 1980, Guillermo deixou de lado o tema do autoritarismo e se voltou para as transições democráticas.

Liderou um grande projeto de pesquisa sobre essas transições, mas, em vez de explicar as transições como consequência da luta popular e da adesão da burguesia industrial a essa luta quando perdeu o medo do comunismo, defendeu a ideia de que a transição democrática decorreu da vitória dos militares "soft liners" sobre os "linha dura".

Depois da redemocratização da Argentina, do Brasil e do Chile, voltou-se para o problema da qualidade da democracia. Não bastava uma democracia mínima, a liberdade de palavra e de associação e o sufrágio universal; era preciso que o Estado democrático se tornasse cada vez mais democrático, que deixasse de ser apenas uma "democracia delegativa" nas quais todo o poder se concentra no chefe do governo.

Para isso, não bastava que se avançasse na defesa dos direitos sociais e se aumentasse a responsabilização dos políticos; era necessário também avançar na proteção dos direitos civis -do direito à vida, à liberdade, à propriedade e ao respeito- que são assegurados aos ricos, não aos pobres.

Guillermo O"Donnell foi um grande intelectual do seu tempo. Um tempo que ele viveu com paixão e indignação. Durante um certo período de sua vida viveu em São Paulo e foi pesquisador do Cebrap; assim, quase se tornou um brasileiro, mas a Universidade de Notre Dame, nos Estados Unidos, nos venceu. Entretanto, antes de mais nada ele era um argentino, e voltou para Buenos Aires há alguns anos.

Em seu país ele poderia ter sido um grande político -não lhe faltaram convites e oportunidades na sua juventude e maturidade- mas preferiu se dedicar às ideias, porque acreditava que elas são poderosas e que movem o mundo. As suas certamente moveram.

Luiz Carlos Bresser-Pereira, 76, professor emérito da FGV-SP. Foi ministro da Ciência e Tecnologia e da Administração Federal e Reforma do Estado (governo FHC), além de ministro da Fazenda (governo Sarney).

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

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