segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

O PD e o orgulho de salvar a Itália:: Alfredo Reichlin

Parece-me importante raciocinar sobre o papel político que o Partido Democrático está desempenhando e o significado das responsabilidades que assumimos em relação ao destino incerto da democracia italiana. Não quero aqui repetir as coisas ditas sobre o estado de extraordinária emergência no qual nos movemos.

E também não quero voltar à simples verdade de que o dever de “salvar a Itália” é a condição para evitar o massacre do mundo do trabalho italiano. Algo como na Grécia: corte drástico de salários, demissões em massa, hospitais que não têm mais dinheiro para comprar remédios importados. Espero que para nós este risco esteja se distanciando. Quero só acrescentar alguma coisa sobre por que o PD deveria comparecer a este desafio com mais orgulho.

O orgulho de uma força que está redefinindo o seu perfil como aquele partido da nação de que um país tão dividido tem necessidade absoluta e que começa a ter uma visão mais clara dos novos desafios que nos esperam. Mas aqui está a situação decisiva. É agora, é hoje. Depois de muitos anos é no fogo de uma dramática emergência que as forças políticas, as culturas, os ordenamentos sociais e até as bases morais da Itália de amanhã são obrigados a se redefinirem. Mas a condição é que este país não se dissolva. Portanto, existe — é verdade — um estado de necessidade. Mas não é só isso que move o PD.

Entre tantas dificuldades, tanta confusão até mesmo à esquerda e tantos erros de um governo que não é o nosso, devemos estar plenamente conscientes do salto que está ocorrendo e, em parte, já ocorreu na luta política italiana. Não se voltará mais ao jogo político de antes, tal como era jogado pelos partidos de antes. Nós também poderíamos perder, aos olhos das pessoas, todo significado, prestígio e capacidade de direção, se não nos colocássemos no terreno novo e mais avançado que se criou. Estejamos atentos. O que significa propor-se como uma alternativa real e pedir a confiança das pessoas?

Não basta mais dizer as coisas de antes. A luta pela hegemonia (para um partido de vocação majoritária, para falar como Walter Veltroni) implica ter um olhar mais agudo e a capacidade de mover-se não só no terreno nacional. Há de vencer quem pensar as alternativas no quadro dos grandes espaços da Europa, onde está em curso uma guerra, a guerra pelo euro, a qual não diz respeito só à moeda, mas a quem manda e a qual papel assume o velho continente no mundo novo. Seria preciso ler o magnífico discurso de Helmut Schmidt sobre o papel histórico da Alemanha no congresso da social-democracia alemã. As “acompanhantes” de Berlusconi esconderam por muitos anos a realidade verdadeira, e isso também permitiu à direita saquear a nação italiana. Mas a culpa não é só dos outros. A verdade é que tocamos com a mão nos limites dos velhos partidos.

E também quando o jogo retornar num Parlamento novo, eleito e não nomeado, deveremos considerar que mudou a relação entre a política e as tecnoestruturas. Assim, dizer “Salvar a Itália” não é retórica. É a condição para mover-se no terreno em que hoje, não amanhã (quando vencermos), se constroem as alternativas. Às vezes, parece-me rever o velho Marx que volta a nos explicar o sentido das coisas. Não quero espantar ninguém. Só quero notar que o premiê britânico Cameron abandonou a reunião de Bruxelas quando se começou a discutir como defender o euro, até agora moeda sob risco porque sem Estado, e quando, pois, colocou-se o problema de como dar a ele, finalmente, uma superestrutura política capaz de regular os mercados financeiros.

Foi neste ponto que o verdadeiro liberal bateu a porta com o argumento (explícito, não mascarado) de que não podia prejudicar a City, isto é, o lugar onde a alta finança tem o poder de movimentar, sem nenhum controle, os grandes capitais, inclusive especulativos. Deveríamos, por isso, tentar sair de disputas inteiramente inúteis, como aquelas sobre a famosa e aterradora “fotografia de Vasto” [que reúne os líderes do PD, Itália dos Valores e Sinistra e Libertà]. Tanto mais inúteis porque está nas coisas a razão verdadeira, de fundo, que deveria empurrar o PD — todo o PD — a ampliar sua base política e cultural e dar um fundamento mais forte à aliança da esquerda com os democratas moderados. Bastaria ampliar a visão das coisas e perguntar-nos por que a crise que estamos vivendo é tão devastadora.

No fundo, a explicação está no fato de que o pacto político e social que esteve na base da democracia europeia está em dissolução. É disso que se trata. Não é um problema técnico a desafiar os técnicos. O papel do reformismo é enfrentar a grandeza e a dramaticidade desta mudança para propor um novo pacto social, e é compreender melhor o que está em jogo, quais tipos de ordenamento da vida social estão em discussão, quais compromissos históricos estão indo pelos ares. Não se faz grande política sem uma linguagem, e esta não pode se reduzir às banalidades do jornalismo ou ao economicismo dos técnicos. De quais mercados se está falando? Inverteram-se as relações de força entre os governos e as multinacionais, entre o capital e o trabalho, entre a política e a oligarquia financeira.

Tornou-se abissal a distância entre quem produz a riqueza real e quem especula nos movimentos financeiros, criando assim uma enorme renda que, no final, as pessoas comuns devem pagar. Não pretendo acrescentar nada às muitas análises. Pergunto-me se já medimos suficientemente os efeitos do enorme desequilíbrio que está em curso na distribuição da riqueza e, consequentemente, no mundo dos valores e dos significados da existência. Não me parece um problema menor. A busca sem limites dos ganhos na conta capital fez com que valores como lealdade, integridade, confiança, significados da vida fossem pouco a pouco postos de lado, para dar espaço ao resultado monetário de curto prazo. Os técnicos são importantes, mas não é verdade, de modo algum, que a política perdeu espaço. Não concordo com certos argumentos que, afinal, tendem, todos, a desqualificar a esquerda que existe e está resistindo.

É verdade que governar significa arbitrar uma crescente complexidade e variedade de poderes (não só econômicos). É preciso ter em conta a dimensão e o condicionamento internacional dos problemas, e isso implica o uso de agências e instrumentos de conhecimento que os partidos não têm. Mas de modo algum é verdade que os partidos não servem mais. A verdadeira, grande novidade que emerge do modo como o supercapitalismo financeiro desorganizou os laços sociais é que, para garantir o “governo longo” da sociedade, mais do que nunca são requeridos organismos aos quais cabe tornar clara e pôr em campo uma agenda política mais ampla. Este é o ponto. O partido como “dono” do governo recua, mas como fator guia da comunidade avança mais do que antes no cenário.

Um partido também pode parecer menos útil como instrumento de poder, mas mais do que nunca existe necessidade de partidos que se ponham como guias ético-políticos e como reformadores da sociedade, por serem capazes de mobilizar forças, inteligências e paixões. Acredito que esta é a tarefa do PD, aqui está o seu grande espaço e isso é o que torna necessário esta estranha mescla de culturas socialistas e católicas.

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Alfredo Reichlin foi membro da secretaria, da direção e do comitê central do PCI, além de responsável pelo Departamento Econômico e ministro do “governo sombra” daquele partido. Foi também presidente da Direção Nacional dos DS (Democratas de Esquerda). Esteve à frente da comissão responsável pela redação do “Manifesto dos valores” do PD (Partido Democrático), aprovado em 2008. Dirige a Fondazione Cespe — Centro Studi di Politica Economica, em Roma.

FONTE: L'UNITÀ & GRAMSCI E O BRASIL

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