domingo, 18 de dezembro de 2011

O poder supremo de Brasília:: Suely Caldas

Às vezes Brasília é tomada por uma atmosfera divorciada do resto do País. Como uma Nação dividida entre uma privilegiada e minúscula minoria com poder de fazer, executar e julgar as leis em benefício próprio e a grande massa de brasileiros que sustenta esse poder pagando impostos, é obediente às leis e regras comuns a todos e que depende unicamente do esforço de seu trabalho para sobreviver. Nos últimos dias esse ar de superioridade suprema entrou em ação em Brasília e, quando isso acontece, os privilegiados espalham frustração e sensação de impotência para a grande massa dos sem privilégios.

Cena n.º 1: na terça-feira uma comitiva de pesos pesados do PMDB saiu do Congresso e atravessou a rua em direção ao Supremo Tribunal Federal, onde já os aguardava o presidente da Corte, ministro Cezar Peluso. O presidente do Senado, José Sarney, não estava no grupo, mas foi quem articulou o encontro e esperava ansioso pelo seu desfecho. O resultado da conversa foi um sucesso, tal a rapidez com que o ministro Peluso anulou os efeitos da Lei da Ficha Limpa para Jader Barbalho assumir o mandato de senador. Amigos de longa data, Barbalho foi ministro da Reforma Agrária quando Sarney foi presidente. Deixou o governo acusado de superfaturar a venda de suas próprias terras no Pará para a reforma agrária. Depois disso se envolveu com outras irregularidades e acabou barrado pela Lei da Ficha Limpa. Com sua decisão, o ministro Peluso frustrou milhões de brasileiros que, saturados por denúncias de corrupção dos políticos, se mobilizaram e pressionaram o Congresso a aprovar a lei, que impediria corruptos de tomar posse e seguir repetindo seus atos ilícitos e impunes.

Cena n.º 2: sorridente e feliz, a cúpula do PMDB cruzou rapidamente a rua de volta. Tinha pressa em reiniciar no Congresso o lobby pela aprovação do reajuste salarial do Judiciário. Afinal, tiveram seu pedido a favor de Barbalho tão prontamente atendido pelo presidente da mais alta Corte... Era preciso retribuir. Dilma Rousseff poderia até resistir, mas o PMDB contava com a pressa da presidente em aprovar o Orçamento - e com ele o reajuste salarial - antes da virada do ano. Um rolo compressor de votação no Congresso poderia funcionar, mesmo que o aumento pretendido pelo Judiciário saísse um pouco menor.

Cena n.º 3: na quarta-feira o presidente da Câmara, Marco Maia (PT-RS), decidiu adiar para fevereiro a votação do projeto que cria o fundo de previdência complementar para funcionários públicos da União que ingressarem na profissão após a promulgação da lei. Em tempos de crise financeira na Europa, seria importante romper o ano dando ao mercado, ao menos, este sinal de disposição de resolver no futuro o crônico e progressivo déficit na previdência pública, que somará este ano a espantosa cifra de R$ 57 bilhões. Mas os senhores deputados argumentaram que a votação entraria na madrugada, atrapalhando as festas natalinas de muitos deles. Afinal, o poder de Brasília lhes confere também o privilégio de antecipar o Natal e o recesso parlamentar. Tal projeto tramita no Congresso desde 2007. São Paulo saiu na frente e, na terça-feira, aprovou em tempo recorde (menos de quatro meses de tramitação) o fundo de previdência para seus funcionários com as mesmas regras do projeto federal.

Sempre que lhes convém, Legislativo e Judiciário proclamam o princípio de independência entre os Três Poderes para arrancar do Executivo algum tipo de favorecimento. É o argumento que usam quando querem aumentar seus próprios salários, não importa se ganham muito acima da média dos trabalhadores brasileiros: Brasília tem a maior renda per capita do País (R$ 4.635,00), quase o dobro de São Paulo (R$ 2.853,00), o segundo colocado.

Quando o Legislativo, escancaradamente, atravessa a rua e intercede no Judiciário em favor de um político de ficha suja não é interferência entre os Poderes. É simplesmente o exercício do poder supremo e superior que eles encarnam quando se trata de defender seus próprios interesses. E não importa o que pensa o resto da população. Onde fica a ética? Ora, às favas a ética!

Suely Caldas, jornalista, é professora da PUC-Rio

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

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