quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

Reflexão do dia - Luiz Werneck Vianna

De passagem, registre-se que o senso comum predominante na imprensa sobre o PMDB como um partido destituído de valores, restrito às práticas fisiológicas, exprime apenas um aspecto parcial, embora significativo, da sua atual presença na política brasileira. Por que há outro: no já longo histórico desse partido não se conhecem senões quanto à sua adesão aos princípios e práticas garantidores das liberdades civis e públicas, aliás, um dos pontos altos no discurso de posse de Dilma, bem analisado em artigo de Rosiska Darcy de Oliveira (O Globo, 08/01/11).

VIANNA, Luiz Werneck. O que há de novo. Valor Econômico. São Paulo, 10/1/2011.

Silêncio de ouro::Merval Pereira

DEU EM O GLOBO

Nunca o adágio popular que diz que "o silêncio é de ouro" foi tão apropriado. Nunca antes neste país um silêncio foi tão comemorado, tão elogiado. Treze dias depois de assumir o governo, a presidente Dilma se mantém na mesma postura de silêncio obsequioso que adotou desde que foi eleita.

Seu discurso de posse, praticamente repetindo o da vitória na eleição de 30 de outubro, foi das poucas manifestações de viva voz que produziu desde então, fora uma ou outra rápida declaração a jornalistas brasileiros, cada vez mais raras por sinal.

Houve também uma importante entrevista ao "Washington Post", na qual ela marcou pela primeira vez sua divergência com o Irã sobre a questão dos direitos humanos.

O silêncio obsequioso é imposto como punição pelo Vaticano a religiosos que defendem doutrinas divergentes da ortodoxia da Igreja Católica.

Foi imposto, por exemplo, a Leonardo Boff, que defendia a Teologia da Libertação.

O de Dilma, embora o PT se assemelhe a uma seita religiosa, não lhe foi imposto, mas adotado por ela como maneira de não entrar em choque com o hiperativo Lula quando ele ainda estava em pleno gozo de suas prerrogativas presidenciais e dava mostras diárias de que lhe custaria muito abandonar o poder.

Depois da posse, Dilma continua em silêncio, o que parece ser uma estratégia para impor um ritmo diferente ao governo sob nova administração.

Parece ser uma sina petista a mudança de comportamento quando um deles assume a Presidência da República.

O ex-presidente Lula venceu a eleição como "Lulinha paz e amor", retirando de sua figura política a agressividade que assustava eleitores não ideológicos, e transformou-se durante os oito anos de mandato em um presidente populista, mas obediente à ortodoxia econômica do capitalismo, esquecendo que no programa do PT ainda há a decisão de lutar pelo socialismo.

Guardou seu esquerdismo anacrônico para as relações externas, e uma ou outra investida de acordo com seus interesses políticos do momento, inclusive contra os meios de comunicação.

Já a presidente Dilma, que quando ministra parecia estar ligada à ala mais radical do petismo, mostra-se nesses primeiros dias de governo de uma sensatez à prova de má vontades políticas, e começa mesmo a corrigir distorções do governo anterior, algumas aliás que a beneficiaram, como o aumento dos gastos públicos.

A mesma ministra que brigou em público com seu colega Antonio Palocci, chamando a proposta de conter gastos de "rudimentar", hoje tem nele o principal conselheiro e tenta conter as divergências públicas de seus ministros.

Além, sobretudo, de comandar os esforços para a contenção dos gastos públicos.

A mudança mais concreta até o momento parece ser na política externa, onde a questão dos direitos humanos ganha ressalvas na relação com o Irã, cujo governo já começa a dar mostras de estar incomodado.

O presidente Lula saiu de cena forçado pela legislação, que não prevê um terceiro mandato consecutivo, mas colocou-se como um "reserva de luxo", na definição do atual secretário-geral da Presidência, Gilberto Carvalho, pronto para entrar em campo em 2014 se o governo de sua pupila não der certo.

Já que estamos usando metáforas religiosas, vamos lembrar que São Tomás de Aquino considerava a soberba a raiz de todos os pecados.

Na política, ela leva à arrogância e ao abuso do poder, e é o contrário do espírito democrático.

O presidente Lula, amparado em uma crescente popularidade, saiu do governo exercendo até o último momento, e mesmo depois dele, as prerrogativas de que se julga merecedor, mesmo quando elas afetam a legislação em vigor.

Ele, que se acha em condições de dar palpites sobre tudo, de decretar quem merece perdão e quem merece críticas, também se considera no direito de continuar usando o Estado em benefício próprio e dos seus.

Menos mau que até o momento ele também está em silêncio, e parte do país pode respirar aliviada sem ter que aguentar seus discursos auto-laudatórios diários, que podem ser um bom instrumento de marketing, mas são também evidências da arrogância do poder.

Mas, para preocupação da presidente Dilma, há também quem sinta falta do estilo histriônico de Lula, e uma sensação de vazio de poder pode trazer-lhe problemas.

Já há políticos alegando que a presidente, com sua ausência pública, estaria deixando um vácuo de poder, ou pelo menos uma sensação de vácuo de poder, o que em política é a mesma coisa.

A presidente Dilma terá que ter muita persistência e tenacidade se seu silêncio quer mesmo marcar uma maneira diferente de governar, de perfil mais discreto.

Os resultados que vier a alcançar é que lhe darão a segurança para persistir nessa batida, e a escolha, se intencional, pode ser uma maneira inteligente de fugir a comparações que só a diminuiriam diante da verborragia e da inegável capacidade de comunicação de Lula.

Escrevo "se intencional" por que, como se conhece pouco a persona política de Dilma, há o risco de que esse silêncio não seja sinal de uma estratégia, mas apenas consequência de uma incapacidade de se comunicar adequadamente, dificuldade que na campanha eleitoral ficou evidenciada.

Correríamos o risco de estar diante de uma nova versão do Pacheco, personagem de Eça de Queiroz no livro "A Correspondência de Fradique Mendes".

Pacheco era tido como brilhante, mas era econômico nas declarações. (...) "Esse talento, que duas gerações tão soberbamente aclamaram, nunca deu, da sua força, uma manifestação positiva, expressa, visível. O talento imenso de Pacheco ficou sempre calado, recolhido, nas profundidades de Pacheco!."

(...)"Deputado, diretor-geral, ministro, governador de bancos, conselheiro de Estado, par, presidente do Conselho - Pacheco tudo foi, tudo teve, neste País que, de longe e a seus pés, o contemplava, assombrado do seu imenso talento". (...) "o seu talento inspirava tanto mais respeito quanto mais invisível e inacessível se conservava lá dentro, no fundo, no rico e povoado fundo do seu ser".

Esperemos que o "enorme talento" da presidente Dilma, pressentido por tantos quanto hoje elogiam sua postura discreta, se mostre na sua inteireza ao país.

Excelência é posto:: Dora Kramer

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

A declaração do ministro das Relações Exteriores, Antonio Patriota, sobre a concessão indevida de passaportes diplomáticos a familiares do ex-presidente Lula, ao pastor mandachuva na TV Record e a parentes de parlamentares a fim de lhes facilitar o trânsito turístico alfândegas afora, não quer dizer nada.

"Nós estamos examinando a situação dos passaportes como um todo. É uma medida tomada pela administração anterior. Não tenho nada a acrescentar." Na realidade não tinha era nada a dizer, ante a impossibilidade de dar à situação a definição que ela merece: desmando.

A concessão dos documentos virou uma farra. E daquelas bem parecidas com as que ocorrem no Parlamento.

A justificativa de Patriota de que a decisão foi tomada na "administração anterior" poderia fazer sentido caso ele não fosse o segundo na linha hierárquica na referida administração, onde ocupava o posto de secretário-geral do Itamaraty.

No Congresso, quando se descobriu a farra das passagens aéreas distribuídas indiscriminadamente a parentes, amigos, correligionários e funcionários de deputados e senadores que também as usavam para fazer turismo, a reação do Legislativo foi semelhante à do chanceler.

O anúncio de revisão da "situação como um todo" é uma excelente maneira de não tratar do assunto e principalmente de não corrigir o malfeito. Não é a regra que precisa ser revista, mas o procedimento na aplicação. A lei é claríssima quanto a quem tem direito e sob quais condições os passaportes devem ser concedidos.

O que se impõe ao novo chanceler não é a exposição de subterfúgios. É a explicação clara a respeito do que acontece no Itamaraty, há quanto tempo grassa a anarquia e por quais motivos a diplomacia brasileira funciona ao molde de uma confraria de privilégios, como ocorre no Congresso.

Antonio Patriota não estreia bem a função quando sai pela tangente e, assim, se alia aos arautos da tese de que a banalização do documento diplomático é uma irrelevância diante de tantos e mais sérios problemas a serem resolvidos no Brasil.

O País de fato tem muito a resolver. A diplomacia, celebrada como uma das mais competentes, profissionalizadas e avançadas áreas do Estado brasileiro, daria uma enorme contribuição ao farto cardápio de providências se incluísse entre suas prioridades a preservação da excelência do Itamaraty, no lugar de rebaixá-lo à companhia das demais mazelas nacionais.

Cenografia. O ministro do Trabalho, Carlos Lupi, não "diverge" do ministro da Fazenda, Guido Mantega, na questão do salário mínimo da perspectiva do governo, mas sob a ótica do político que depende de votos e por isso, assim como os nobres colegas (dele), dá-se ao desfrute da demagogia.

Causa e efeito. Não é para rir nem para chorar, é de se lamentar a politização da tragédia alheia por causa das chuvas: se o governante é de um partido aliado a x, atribui-se tudo ao infortúnio dos chamados fenômenos naturais; se é de outro correligionário de y, a culpa é da incúria administrativa e da insensibilidade social.

De verdade é tudo isso em todos os casos, acrescentando-se anos de negligência, o jogo de empurra, a arte de tirar o corpo fora, a imprevidência, a indiferença ao mérito, a politicagem barata, a corrupção e a ausência de uma relação de causa e efeito entre a incapacidade dos governantes de impedir que as chuvas de todos os anos resultem em catástrofes e o resultado da eleição mais próxima.

Na real. O mundo girou, a Lusitana rodou e das revelações diplomáticas do WikiLeaks nada de fundamental restou.

O PMDB sozinho na Câmara não faz verão:: Maria Inês Nassif

DEU NO VALOR ECONÔMICO

O PMDB está fazendo barulho por cargos, a situação é interpretada como crise na base aliada, mas, convenhamos: o tom de voz está sensivelmente mais baixo do que em outras situações em que o partido - especialmente sua bancada na Câmara - tentava aumentar o seu poder de barganha por cargos no governo federal. Até o previsível deputado Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), posto avançado das chantagens que antecedem as nomeações de ministros, tem evitado de manter uma ofensiva constante contra o governo Dilma Rousseff. A tática tem sido ameaçar e recuar, inclusive aceitando cargos que o partido jurava não aceitar, como a Secretaria de Ações Estratégicas (SAE), comandada agora pelo ex-deputado Moreira Franco. A do governo, parece ser a de adiar as nomeações que faltam para depois da eleição para a presidência da Câmara.

O PMDB é a segunda bancada na Câmara dos Deputados, com 79 parlamentares, atrás somente do PT, que elegeu 88 parlamentares. No total, e sem contar adesões pós-eleitorais, o governo tem uma base de apoio na Casa de 359 parlamentares. Sem o PMDB, a base governista teria 280 deputados - mais do que a maioria qualificada exigida para aprovação de leis complementares, mas menos 28 do que os 308 deputados necessários para aprovação de uma emenda constitucional. Assim como não é difícil rachar o PMDB contra o governo, está longe de ser impossível dividi-lo ao seu favor.

Para o PMDB, é vital dar uma demonstração rápida de força. Tem duas chances relativamente fáceis, daqui até o próximo mês. A disputa pela presidência da Câmara na Era PT tem sido sempre perdida pela divisão interna. Bastam dois postulantes petistas e uma articulação de pequeno grupo de traidores para que se repitam episódios como o da eleição do deputado Severino Cavalcanti (PP), em 2005, que impôs uma derrota histórica no PT ao articular a oposição ao governo e o chamado "baixo clero". A outra manobra de consequências imprevisíveis é o movimento pelo aumento do salário mínimo em nível superior ao estabelecido em medida provisória assinada pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, no apagar das luzes de seu governo. Nem o próprio PT, que tem uma bancada fortemente disciplinada, consegue fugir ao apelo popular desse tipo de projeto.

Se rachar com o Senado, PMDB perde poder na Câmara

Essas são duas questões em que o PMDB pode demonstrar uma força superior à que efetivamente tem, porque são situações em que a lealdade partidária das outras legendas também pode ser relativa. Nos dois casos, os votos do PMDB são mais valiosos do que em questões onde a negociação é possível, pois consegue envolver os votos da minúscula oposição, do baixo clero e de deputados mais sensíveis a demandas sindicais. Se fizer barulho, o PMDB na Câmara consegue vender as possíveis primeiras derrotas do governo Dilma como se elas tivessem resultado da força do partido, não das dissensões e conveniências pessoais do resto da base aliada.

A questão, portanto, não são as "insatisfações" alardeadas pelo partido à imprensa, mas a ocasião para se vender por um preço que não vale, dentro da coalizão governista. É certo que o partido deu muito mais estabilidade ao segundo governo de Luiz Inácio Lula da Silva (2007-2010), mas é igualmente correto considerar que, dadas suas características, o PMDB na Câmara obteve a segunda maior bancada porque estava vinculado à popularidade de Lula, nas regiões onde disputava a hegemonia do voto tradicional com o DEM. O ex-PFL, na oposição a Lula, perdeu espaço; o PMDB manteve os seus redutos de política tradicional. Se os dois partidos estivessem em situação inversa, seria o PMDB a entrar em colapso. Ainda assim, saiu dos atuais 90 deputados para os 79 que assumem a nova legislatura no próximo mês - perdeu 11 deputados, enquanto o PT, com ligação mais direta com a imagem de Lula, aumentou nove. E, como a base aliada aumentou em relação à do governo passado, também o seu peso específico na bancada governista diminuiu no governo Dilma.

No governo Dilma, o PMDB torna-se determinante no Senado. O governo sequer consegue maioria qualificada sem os votos dos senadores do PMDB - ao todo, 18, numa base de 57 senadores. Com a ajuda do PMDB, consegue aprovar até emendas constitucionais com relativa tranquilidade.

Na atual situação, embora o PMDB da Câmara tenha conseguido emplacar o vice da presidente Dilma Rousseff, dificilmente consegue algum poder de barganha sem a ajuda da bancada do partido no Senado. A lógica de um partido dividido em interesses de deputados e senadores, que negociavam em separado - e, assim, conseguiam mais cargos e maior poder de barganha -, tem tudo para não funcionar agora. E a prática de impor derrotas para garantir negociações pode ter sucesso apenas relativo, numa Câmara onde o PT, mais os seus tradicionais aliados de esquerda, somam uma bancada considerável de 165 deputados - e os pequenos e venais partidos de direita têm outro tanto e exigem um preço menor pelo voto em plenário.

Daqui até a eleição da Mesa da Câmara - ou, um pouco além, até a votação da MP do salário mínimo - o que vai ocorrer é uma guerra de nervos. O PMDB ameaça impor derrotas a um governo recém-empossado. O governo, por sua vez, segura nomeações para tentar inverter a ordem das coisas: primeiro o teste de lealdade, depois a divisão de cargos. Os dois têm chances de impor uma derrota um ao outro. Este primeiro momento definirá as relações entre governo e PMDB. E é absolutamente legítima (embora pareça irreal) a torcida para que elas sejam as mais republicanas que o PMDB, ao longo de sua história pós-ditadura, conseguiu estabelecer com sucessivos governos.

Maria Inês Nassif é repórter especial de Política. Escreve às quintas-feiras

Dilma fará mesmo o que tem prometido? E a manipulação da ética do PT contra o PMDB::Jarbas de Holanda

Em lugar da incontida verborragia de Lula (exacerbada na fase conclusiva do segundo mandato), o estilo gerencial e sóbrio da nova presidente Dilma Rousseff tem merecido amplo tratamento crítico positivo. O que – de par com sinais de mudança da rígida postura estatizante que teve na Casa Civil, como a recomendação para a abertura da política aeroportuária à iniciativa privada – vem contribuindo para manter de pé, até agora, as boas (embora ainda incertas) perspectivas geradas pelas suas primeiras manifestações sobre a condução da economia, bem como a respeito de temas institucionais e de relações com a sociedade.

Às diversas avaliações favoráveis a tais manifestações somou-se mais uma, bem significativa – a do ex-ministro da Fazenda de FHC, Pedro Malan, em artigo no Estado de S. Paulo, de domingo último, “O correr da vida...”, inicialmente sobre o chamado “discurso da vitória”: “Acho que o discurso deve ser levado a sério. Afinal, não é mais um dos milhares de improvisos do ex-presidente. Dilma apresentou-se não como chefe de facção política (afinal cerca de 50 milhões de pessoas ou nela não votaram, ou votaram em branco, ou anularam seus votos), mas como presidente de todos os brasileiros. E anunciou compromissos firmes com o futuro, alguns dos quais merecem ser lidos, relidos e cobrados, ao longo dos próximos quatro anos”. Na sequência do artigo, Pedro Malan tratou do discurso de posse da nova presidente: “Já faz parte de nossa cultura recente – disse ela - a convicção de que a inflação desorganiza a economia e degrada a renda dos trabalhadores. Não permitiremos, sob nenhuma hipótese, que esta prática volte a castigar as famílias mais pobres”. Malan, então, qualificou a referência a “nossa cultura recente” como um reconhecimento implícito ao papel do Real na reestruturação da economia brasileira, o que o presidente Lula, com a invenção da “herança maldita” que teria recebido, sempre escamoteou.

Mas, como advertiu o artigo do ex-ministro da Fazenda, a vida corre..., e a nova presidente, tendo em vista crescentes e preocupantes complicações da economia, precisa passar a traduzir em ações concretas os “compromissos” ou propósitos, genéricos, de defesa e reafirmação dos fundamentos da estabilidade macroeconômica, bastante erodidos nos dois últimos anos do governo anterior, a reclamarem respostas imediatas e uma retomada de reformas essenciais postas no arquivo de 2006 em seguida, após a saída de Antonio Palocci do ministério a Fazenda. Precisa fazer isso, de um lado, num cenário econômico externo agora cheio de incertezas, que dificulta – mas torna ainda mais necessária – a reafirmação de tais fundamentos (inclusive para a melhora da competitividade das exportações da indústria com a queda do enorme custo Brasil, não através do corporativismo protecionista).

De outro lado, isso terá de ser empreendido num contexto político doméstico em que tais respostas serão dificultadas – senão bloqueadas, por forte peso do populismo e do corporativismo sindical na base governista do Congresso. Ao qual se soma outro fator de resistência – o aumento da presença de petistas no Executivo, inclusive de correntes mais esquerdistas do partido. Cabendo assinalar que na disputa de cargos na máquina federal entre o PMDB e o PT este, já favorecido por excessivo predomínio na composição do Ministério, empenha-se em estendê-lo, ampliando ainda mais, ao segundo escalão, manipulando para tanto a componente fisiológica da imagem do concorrente, como se sua própria trajetória nos dois governos Lula não incluísse a prática de sucessivos escândalos de natureza ética, entre eles o maior de todos – o mensalão. Porém, não obstante os ingredientes negativos desse cenário político, a força inicial da presidente Dilma poderá – se ela partir logo e decididamente para os propósitos sérios e reformistas que tem proclamado – viabilizá-los pelo menos em parte. Possibilidade que divide com o ceticismo as expectativas da maioria dos analistas a respeito do seu governo.

Os desafios que Dilma Rousseff tem pela frente foram resumidos por Rubens Ricupero, na Folha de S. Paulo, também no último domingo. Dois trechos do seu artigo, intitulado “Morrer na praia” – “Esse custo (deixado pelo governo Lula) se expressa em quatro números fatídicos: inflação de mais de 6%; dólar a R$ 1,60; déficit em conta corrente de mais de R$ 50 bilhões; superávit primário de menos de 1% do PIB (descontando a contabilidade criativa)” “Dessas ações (que Dilma poderá tomar), que definirão o destino do (novo) governo, a principal se refere não só à melhoria na qualidade dos gastos governamentais, mas à sua efetiva redução: corte não na água (despesas postas no orçamento para serem riscadas) mas para valer”.

É jornalista

Na política externa não há espaço para tergiversação::Bolívar Lamounier

Tomara que a presidente Dilma Rousseff vá em frente e refaça de alto a baixo a política externa do governo Lula. Por enquanto só há um sinal de que ela poderá fazer isso – mas é um sinal forte, muito positivo. Trata-se do Irã.

Obviamente não se trata de dar lições de moral para ninguém, nem de dificultar o comércio bilateral, nem a cooperação em outras áreas de mútuo interesse. Mas a presidente brasileira precisa sinalizar claramente ao governo iraniano que manterá a devida em relação a seu programa nuclear.

Na questão dos direitos humanos, Dilma fez bem mais que sinalizar. Referindo-se à condenação de Sakineh à morte por apedrejamento, ela disse com todas as letras que não concorda com a política iraniana, que a considera medieval, e que não pretende respaldá-la em foros internacionais.

Neste assunto, está pois afastada a hipótese de continuidade com a política do governo Lula; aqui me refiro evidentemente à vergonhosa atitude assumida meses atrás pela diplomacia brasileira, abstendo-se de votar pela condenação da política de Teerã no âmbito da ONU.
Conquanto positivo, esse, no entanto, foi o único sinal emitido até agora pelo novo governo.

Não sabemos se Dilma tem intenção de rever também a decisão que Lula tomou no apagar das luzes a respeito do ex-terrorista italiano Cesare Battisti.

Levado presumivelmente por seu antigo viés esquerdóide, Lula recusou, como se sabe, a extradição solicitada pelo governo italiano. Lamentável por todos os títulos, tal decisão teve ainda o condão de deixar um ambiente incômodo para as primeiras discussões do governo Dilma sobre assuntos exteriores.

Salvo os pontos mencionados, o Brasil nada tem a ver com a política doméstica do Irã ou da Itália. Nada temos a opinar sobre os respectivos regimes e processos políticos internos. Com a óbvia ressalva do respeito à soberania, nossos deveres e interesses são maiores nos casos de Cuba e da Venezuela.

Em relação a Cuba, além da indispensável crítica ao regime por suas práticas no campo dos direitos humanos, o Brasil pode e deve exercer sua influência junto aos irmãos Castro, aconselhando-os fraternalmente a cair na real, coisa que deviam ter feito uns 20 ou 30 anos atrás, pelo menos.

É difícil crer que os dois e a nomenklatura local não tenham se dado conta de que o “socialismo realmente existente” acabou; e mais que isso, que a própria viabilidade econômica de Cuba em seu esplêndido isolamento socialista deixou de existir a partir do momento em que o país deixou de ser um client state da União Soviética.

Justo este mês, como se sabe, Cuba dá início a um ajuste fiscal de proporções verdadeiramente thatcherianas, demitindo 500 mil do total de 4 milhões de servidores públicos.

A Central dos Trabalhadores (leia-se o Partido Comunista) já assumiu seu previsível papel de enxergão, solicitando aos servidores toda a aquiescência possível para o bom andamento das medidas decretadas pelo governo.

Mas tal situação, convenhamos, resvala para o surrealismo. Soa estranha, com todo o respeito, a posição enunciada oficialmente pelo comandante Raúl Castro: a de que o mencionado ajuste é condição para os próximos passos de Cuba rumo ao socialismo.

Para concluir, duas palavras sobre a Venezuela.

No que interessa à diplomacia brasileira, poder-se-ia apontar uma semelhança de momento entre Venezuela e Cuba. Em ambos os casos, com cautela e equilíbrio, o Brasil pode desempenhar um papel indutivo, apoiando os respectivos governos e demais forças políticas na busca de um convívio verdadeiramente democrático.

Contudo, a semelhança apontada é superficial. Mais importante, neste momento, é o fosso que parece estar se aprofundando entre os dois países no que toca a suas respectivas conjunturas políticas.

Os governantes cubanos, como já se notou, estão dando início a uma dura reforma. Diga-se o que se disser, a posição deles não é de arrogância, é a de quem se vê forçado a fazer algo que de outra forma não faria.

Em Caracas, arrogância é o nome do jogo. Tão cedo, ao que tudo indica, Hugo Chávez não cairá na real. Suas medidas recentes – desde logo a imposição à Assembléia Nacional de uma lei que o habilita a governar por decreto pelos próximos 18 meses – representam um passo decidido e inequívoco no sentido da ditadura.

Por mais que anseie pela reintegração da Venezuela à comunidade latino-americana de nações democráticas, o que o Brasil tem a fazer de imediato é pois registrar esse aumento da distância política e de valores entre Caracas e Brasília.

A posição brasileira, cultural e constitucionalmente, é por uma democracia plural, na qual a separação entre os poderes e o respeito mútuo entre governo e oposição estejam inequivocamente configurados.

Estupro consentido::Eduardo Graeff

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

"Luiz Inácio falou, Luiz
Inácio avisou, são 300
picaretas com anel de doutor"


Herbert Viana, "Luiz Inácio
(300 Picaretas)"

O mundo escandalizou-se com a violência que Hugo Chávez vem de cometer contra o Congresso venezuelano, porque é de fato um escândalo - um atentado contra a democracia - e porque é fácil se escandalizar com Chávez - ele parece o que é, um tipo truculento. Lula cometeu violências parecidas e ninguém se escandalizou tanto, porque ele, afinal, parece um bom sujeito - filho do povo, operário, etc. - e pouca gente presta atenção no Congresso brasileiro, salvo quando o escândalo é no próprio Congresso.

Chávez obteve do atual Congresso uma delegação legislativa que praticamente anula os poderes do próximo Congresso, onde haverá alguma oposição. Lula usou e abusou de medidas provisórias (MPs) para mais facilmente neutralizar a oposição e legislar por cima do Congresso numa extensão sem precedentes.

Qual a diferença? O instituto da delegação legislativa cabe em Constituições democráticas. O da medida provisória, tenho dúvidas. Mas o perigo não está tanto nas instituições quanto no modo de usá-las.

A Constituição brasileira (artigo 68) manda que a delegação legislativa especifique "o conteúdo e os termos de seu exercício" e proíbe delegação sobre matéria reservada a lei complementar, organização do Poder Judiciário e do Ministério Público, direitos fundamentais e Orçamento. A delegação obtida por Chávez é uma aberração por causa da amplitude: deixa-o legislar por decreto sobre quase tudo nos próximos dois anos.

Os presidentes brasileiros não recorrem à delegação legislativa porque não precisam. Por que se dar ao trabalho de pedir ao Congresso uma delegação limitada, se o presidente pode legislar muito mais amplamente por MP?

Na letra e, talvez, no espírito da Constituição (artigo 62), a medida provisória era para ser, claro, provisória: caducaria se não fosse aprovada pelo Congresso em 30 dias. Virou permanente quando o Congresso e o STF aceitaram a prática da reedição. A Emenda Constitucional n.º 32, de 2001, resultou pior que o soneto. Acabou com a reedição, mas deixou aberta a porta para perenizar a MP não aprovada ou mesmo rejeitada. Se em 60 dias o Congresso não regular seus efeitos por decreto legislativo, eles permanecem válidos.

A Constituição proíbe a edição de MP sobre os assuntos vedados à delegação legislativa, inclusive matéria orçamentária. Com uma exceção: é permitida a abertura de créditos extraordinários por MP. Lula aproveitou essa brecha para abrir créditos suplementares, chamando-os de extraordinários. A diferença é clara: extraordinário é o crédito para atender a uma despesa imprevista e inadiável, como o socorro a uma calamidade. Suplementar é o crédito correspondente a qualquer remanejamento que o governo resolva fazer no Orçamento. A confusão propositada revogou, na prática, a regra de que o Executivo só pode fazer despesas previamente autorizadas pelo Legislativo.

A Constituição prevê a instalação de uma comissão especial para analisar cada medida provisória. Essas comissões nunca são instaladas. A discussão, incluindo a negociação de emendas, é feita a portas fechadas, sem registro oficial, entre o governo, o relator da medida, outros parlamentares e partes interessadas que tenham acesso privilegiado ao relator e/ou ao governo. Assim outro princípio fundamental da vida parlamentar - o da discussão pública das matérias - foi para o espaço.

Que Lula tenha avançado tanto sobre os poderes do Congresso é fácil de entender. Avançou porque pôde. Desde a declaração sobre os "300 picaretas" até o mensalão, nunca escondeu seu desprezo pelo Congresso. Por que perderia tempo preocupando-se com o equilíbrio dos Poderes? Firula de doutores? De resto, ele sempre pareceu aceitar a contragosto a necessidade de dividir o poder presidencial com quem quer que fosse - Legislativo, Judiciário, agências reguladoras, imprensa?

E o Congresso, por que se deixou violar sem espernear? Talvez porque a maioria do Congresso também não ligue para firulas constitucionais. A regra da velha política parlamentar sempre foi ceder prerrogativas gerais do mandato em troca de favores especiais do governo. Houve um tempo em que Lula e o PT vituperavam os "picaretas" ou "fisiológicos". Hoje vituperam os "udenistas" que criam caso por bobagens como legalidade e moralidade. Se de fato existiam 300 picaretas no Congresso, com Lula eles ganharam o interlocutor perfeito no Executivo e perderam a cerimônia. A Venezuela não é aqui. Lula desmoralizou o Congresso, rosnou contra a liberdade de imprensa, atiçou milícias sindicalistas contra a oposição, mas não botou a tropa propriamente dita na rua, como Chávez. Tampouco parece haver por aqui tropa disposta a marchar contra as instituições democráticas. Ótima notícia, considerando nosso passado.

A democracia, mesmo enxovalhada, sobreviveu aos oito anos de Lula. Mas a perspectiva de mais quatro anos da mesma política é preocupante. A confiança do povo no Congresso, nos partidos e nos políticos não para de cair nas pesquisas de opinião. O neofisiologismo lulista é feito caruncho roendo por dentro a legitimidade das instituições. Quanto tempo elas aguentam sem ser golpeadas pelo vento mais forte de uma crise?

Não vejo em Dilma Rousseff, seu governo e sua base parlamentar - muito menos em seu mentor - interesse em reverter tal processo. Isso aumenta a responsabilidade da oposição. Se lhe falta número para barrar a nova-velha política no Congresso, deve ao menos espernear com toda a força. E buscar apoio ativo dos cidadãos - que não são tão poucos - preocupados com a democracia.

Cientista político, foi Secretário-Geral da Presidência da República (governo FHC).

Caindo na real:: Eliane Cantanhêde

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

São Paulo se afoga em lama e em lágrimas, o Rio de Janeiro empilha cadáveres, o Sudeste inteiro vê casas e encostas sendo carregadas pela enxurrada.

Os cidadãos que entulham os rios com plástico (a foto de Juca Varella na Folha de ontem é chocante) culpam os governos, e os governos culpam são Pedro -ou "a chuva excepcional", como disse o governador Alckmin, com a "excepcionalidade" se repetindo teimosamente depois de 16 anos de PSDB no Estado. E com o aliado Kassab incapaz de usar a verba disponível.

Quanto a Dilma Rousseff, por onde anda, o que faz, o que diz e o que pensa sobre a tragédia?

Conforme anúncio do Planalto, ela vai repetir hoje o percurso de ontem do ministro da Integração, sobrevoando a região serrana do Rio, cruelmente devastada.

Certamente vai potencializar a promessa de milhões da Saúde, dos Transportes, do Meio Ambiente, disso e daquilo até o Carnaval chegar. Não necessariamente o deste ano.

Será um bom teste para Dilma, que vem fazendo um contraponto com Lula, que adorava palanques, holofotes, horário nobre e capas de jornais. Desde a eleição, Dilma deu uma coletiva em Brasília, depois gravou algumas declarações na reunião do G-20, em Seul e, por fim, brindou o "Washington Post" com uma entrevista exclusiva de grande repercussão. Ao assumir, sumiu, calou-se. Prefere trabalhar em silêncio, ou trabalhar a aparecer.

Do ponto de vista de gestão, uma opção e tanto. Do ponto de vista de popularidade, sabe-se lá?! O país está embriagado de oito anos de imagens, símbolos, frases de efeito, emoção e maneirismos. Não vai ficar abstêmio da noite para o dia.

Assim, ao sair dos palácios e cair na real, Dilma deve estar calculando milimetricamente até onde ir, o que falar, que roupa usar, que expressão mostrar.

Ou... que personagem assumir. Nem pode se passar por técnica insensível nem pode repetir Lula. Porque não é Lula.

Questão de tempo:: Míriam Leitão

DEU EM O GLOBO

Chuvas despencam em volume espantoso sobre áreas do Sudeste, fazendo mais de duas centenas de mortos só na Região Serrana do Rio. Na Austrália, vive-se a maior enxurrada em 120 anos. O Ibama passa por mais uma crise - a terceira - provocada pela exigência de licenciamento da hidrelétrica de Belo Monte. Assuntos separados? Não, partes da mesma insensatez.

Os cientistas estão avisando há tempos que os fenômenos naturais, que sempre estiveram conosco, como tempestades e secas, vão acontecer com mais frequência e com mais intensidade. No ano passado, o caudaloso, abundante e aparentemente infinito Rio Negro, na Amazônia, enfrentou uma seca que o transfigurou. As imagens que chegavam de seu leito seco em algumas áreas eram inacreditáveis para quem já o viu na cheia. Como outros rios amazônicos, ele tem oscilações fortes de volume de água, mas o extremo a que chegou na seca do ano passado foi impressionante. Anos atrás, uma seca na Amazônia exibiu o solo da região mais úmida do Brasil rachada como se fosse o Nordeste. É nessa região que o governo pretende construir a maioria das 61 novas usinas hidrelétricas, que, segundo matéria publicada no GLOBO, vão provocar o desmatamento de 5.300 km de florestas só nas áreas dos reservatórios e das linhas de transmissão. Uma dessas usinas é a mais emblemática e mais polêmica: a hidrelétrica de Belo Monte. Ontem, o presidente do Ibama, Abelardo Bayma, pediu demissão alegando motivos pessoais, mas a informação do Blog Político da "Época" é que ele saiu por discordar da licença de Belo Monte. Já houve outros episódios de desabamento no Ibama por causa da mesma hidrelétrica.

As cidades brasileiras não estão preparadas para o momento atual, o que dirá do futuro que os climatologistas prenunciam e alertam. A arquiteta e urbanista da Unicamp Andrea Ferraz Young me disse ontem que tudo foi feito errado no passado na ocupação do espaço urbano:

- Nunca foi considerado o funcionamento do sistema de margens dos rios e das várzeas, a vegetação foi suprimida sem planejamento. Toda a lógica das bacias e microbacias foi ignorada. As margens dos rios que deveriam ter matas ciliares foram cimentadas e concretadas. Os rios que serpenteavam foram transformados em canais retos. As galerias foram mal dimensionadas. O lixo obstrui tudo. Aí, quando vem a chuva, o solo não consegue absorver a água, e aumenta o volume que cai nos canais, que eram rios. Por não ter obstáculos, a água corre com mais velocidade e se transforma em enxurrada.

Ela acha que diante do aviso dos climatologistas de maior intensidade dos eventos extremos, é preciso repensar seriamente o espaço urbano. Uma das ideias mais óbvias e de mais difícil execução é a remoção de quem mora em área de risco:

- É preciso criar dentro das cidades áreas verdes para que o solo possa absorver a água, reduzindo o impacto da chuva, e, nas secas, elevar a umidade dos centros urbanos.

Tudo parece simples e é adiado. Só que o país corre contra o tempo. A Austrália parece um espelho avançado dos riscos que corremos com as mudanças climáticas.

Teve quatro anos de secas extremas, consideradas as piores da história do país. Agora tem uma enchente que provocou em algumas áreas fenômenos chamados de "tsunami interno". Brisbane, a terceira maior cidade do país, ficou submersa. O prejuízo já se conta em bilhões de dólares e o governo alerta que a população se prepare para o pior.

É neste contexto global de mudança do regime hidrológico que se pensa em construir às pressas e a manu militari hidrelétricas na nossa parte da maior floresta tropical do planeta. Belo Monte para ser construída terá que acabar com o que é hoje chamado de a Grande Volta do rio Xingu. Vai remover mais terra do que o necessário para fazer o Canal do Panamá. Terá uma instabilidade já prevista de geração de energia. A capacidade instalada será de 11 mil megawatts, na média pode ser de 4.000, se tanto. Mas pode-se chegar a apenas mil megawatts em alguns períodos do ano. Não estão bem dimensionados os custos fiscais, o governo estatizou o risco econômico através das empresas, do financiamento e dos fundos de pensão. Já os riscos ambientais não podem ser devidamente avaliados porque cada vez que o Ibama tenta fazer isso rolam cabeças. Foi assim que aconteceu em dezembro de 2009 com o então diretor de licenciamento Sebastião Custódio Pires e com o coordenador de infraestrutura e energia Leonildo Tabaja. Logo depois, em janeiro de 2010, o Ibama foi chamado à Casa Civil e enquadrado. Que o licenciamento saísse. Publiquei aqui neste espaço no dia 17 de abril, na coluna "Ossos do Ofício", a reprodução dos documentos em que o Ibama foi simplesmente atropelado para dar a licença prévia. Agora querem a licença de instalação da mesma forma. A construção de Belo Monte enfrenta oito ações do Ministério Público.

Que país é este, que mesmo diante dos alertas da Natureza de que todos os riscos ambientais precisam ser bem avaliados porque o clima está mudando de forma acelerada, acha que se deve soterrar as dúvidas com uma barragem de autoritarismo? Que país é este, que acha que pode continuar ocupando o espaço urbano sem planejamento, não corrigir os erros do passado e contratar a repetição de tragédias? Ontem, o Bom Dia Brasil mostrou que moradores estão voltando a morar no Morro do Bumba, em Niterói, que desabou porque era uma favela feita sobre um lixão. Que país canta "Às margens do Ipiranga", mas soterra o Ipiranga sobre concreto, como fez com inúmeros outros rios, córregos, riachos? Se você mora em tal país, está na hora de exigir que ele comece a mudar. É uma questão de tempo.

Reformas ficam fora da lista de prioridades

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

João Bosco Rabello

O governo não pretende patrocinar reformas que possam comprometer o desenvolvimento de medidas que considere essenciais em curto prazo, como a desoneração de impostos da folha das empresas.

A prioridade do Palácio do Planalto neste momento é qualificar mão de obra técnica em curto prazo, com o apoio do Sistema S (Senai, Sesi, Senac, etc), que pode atender à demanda de mercado e, ao mesmo tempo, representar uma porta de saída para os beneficiários do programa Bolsa Família.

A presidente Dilma Rousseff já disse a mais de um interlocutor de sua confiança que não quer se envolver com qualquer reforma que implique alto custo político e que imponha grande desperdício de energia.

Ela já citou a reforma da Previdência nesse contexto. Não pretende promovê-la, segundo integrantes do governo. No mesmo contexto se insere a reforma política, cujas medidas pontuais de consenso devem ser promovidas pelo próprio Congresso.

A reforma tributária mobilizará o governo, mas a presidente a defende de forma gradual, trabalhando aquilo que é mais fácil de conseguir consenso e isolando os pontos mais complexos e de difícil acordo, como a questão da cobrança do Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). Ela está especialmente empenhada em dar forma à promessa de campanha de desonerar a folha salarial das empresas em favor de mais facilidade nas contratações e, por consequência, mais empregos.

Na campanha eleitoral, no entanto, a então candidata Dilma prometeu reforma tributária e também a política. No segundo caso, chegou até a defender o polêmico voto em lista, em entrevista ao programa Roda Viva, da TV Cultura. Por esse sistema, o eleitor não vota em um candidato nas eleições proporcionais, mas em uma lista composta pelo partido político.

Conflito é abafado, mas PMDB não cede a avanços de petistas

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Partido não abre mão de cargos para lideranças derrotadas, e líderes do PT no Nordeste também decidem cobrar governo

Luciana Nunes Leal, Vera Rosa e Leonencio Nossa

O clima de disputa entre o PT e o PMDB pode até ter ficado mais ameno depois que a presidente Dilma Rousseff determinou que as negociações por cargos sejam feitas sem alarde, mas, na prática, os dois partidos continuam irredutíveis nas reivindicações.

O PMDB quer acomodar quatro derrotados nas eleições de 2010: Geddel Vieira Lima (BA), Hélio Costa (MG) e José Maranhão (PB), que foram candidatos a governador, e Orlando Pessutti (PR), que desistiu da candidatura à reeleição no Paraná para apoiar Osmar Dias (PDT).

Os peemedebistas se recusam a abrir mão da diretoria-geral do Departamento Nacional de Obras contra as Secas (DNOCS), vinculado ao Ministério da Integração Nacional, ocupado pelo PSB. É certo que o atual diretor-geral, Elias Fernandes, aliado do líder do PMDB na Câmara, Henrique Eduardo Alves, será substituído. O PMDB afirma que indicará o novo nome. Os socialistas respondem que o substituto pode até ser do PMDB, mas será "resolvido" pelo ministro Fernando Bezerra Coelho e "autorizado" pela presidente.

O setor elétrico é um dos mais difíceis nas negociações. O presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), não aceita perdas em empresas estratégicas. Para os petistas, porém, a manutenção ou acomodação de indicados de Sarney não será tão simples. Em conversas recentes com líderes do PMDB, Dilma e o ministro da Casa Civil, Antonio Palocci, avisaram que querem compensações para garantir o apoio à reeleição de Sarney na presidência do Senado. Em troca, Sarney teria de abrandar seu apetite por nomeações.

Sem cargos de visibilidade na equipe de Dilma, o PT do Nordeste decidiu reagir, cobrar mais espaço no governo e avisar que não aceitará "porteira fechada" para o PMDB. Em reunião realizada ontem, governadores, deputados e senadores petistas entregaram uma extensa lista de pedidos ao presidente do PT, José Eduardo Dutra, mas prometeram seguir a ordem de Dilma de não dar cotoveladas em público.

"O PT do Nordeste está sub-representado no ministério e é importante haver compensações no segundo escalão", resumiu o deputado Fernando Ferro (PE), líder do PT na Câmara. "Não existe essa história de ministério ou estatal de porteira fechada. É possível dividir responsabilidades com o PMDB e outros aliados." No jargão da política, porteira fechada significa a indicação de todos os cargos.

O governador de Sergipe, Marcelo Déda (PT), saiu da reunião com Dutra fazendo piada. "Eu estava brincando de baralho, mas embaralharam minhas cartas e eu fiquei sem nada", disse Déda, numa referência ao Ministério do Desenvolvimento Agrário. Sua indicada, Maria Lúcia Falcón, acabou fora da equipe.

Mais dois filhos de Lula têm passaporte diplomático

DEU EM O GLOBO

Outros dois filhos de Lula têm passaporte diplomático

Depois da revelação do privilégio, Itamaraty deverá mudar critérios para a concessão do documento especial

BRASÍLIA. O Itamaraty confirmou ontem que quatro e não apenas dois filhos do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva têm passaporte diplomático - documento que dá uma série de privilégios em viagens e que só pode ser concedido a autoridades e a também a seus filhos, desde que tenham até 21 anos de idade, o que não é o caso dos filhos do ex-presidente.

Segundo a lista do Ministério de Relações Exteriores, têm passaporte especial Fábio Luiz (35 anos), Sandro Luiz (31), Marcos Cláudio (39) e Luiz Claudio (25). A emissão dos passaportes dois últimos já tinha sido divulgada. O Itamaraty não informou quando os documentos foram emitidos. O ministério ainda avalia se vai divulgar a lista dos netos do ex-presidente Lula que também têm passaporte diplomático. A área jurídica do ministério estuda se, por serem menores de 18 anos, eles podem ter seus nomes divulgados.

Depois da revelação de que dois dos filhos de Lula tinham conseguido o passaporte diplomático dois dias antes do fim de seu mandato, o Itamaraty decidiu tornar mais criteriosas as regras para a concessão do documento. A regulamentação ainda está em estudo no órgão e não há data prevista para ficar pronta. A presidente Dilma Rousseff vai opinar sobre o texto, pois caberá a ela baixar o decreto com as novas normas.

Na terça-feira, o Ministério Público Federal enviou ao ministro das Relações Exteriores, Antonio Patriota, recomendação para que sejam cancelados os passaportes concedidos a quem não tem direito. O Ministério Público quer saber quantas pessoas receberam o documento no período de 2006 a 2010. O ofício foi assinado pelos procuradores Hélio Ferreira Heringer Junior e Paulo Roberto Galvão de Carvalho, que atuam no Distrito Federal. O procurador-geral da República, Roberto Gurgel, encaminhou a recomendação ao ministro Patriota.

Os procuradores pedem que as providências sejam tomadas em 60 dias.

O decreto 5.798 de 2006 permite a concessão de passaportes diplomáticos apenas a agentes políticos e pessoas que exercem funções essenciais ao Estado, como o presidente da República, ministros, governadores e funcionários da carreira de diplomata. Há três exceções: cônjuge, companheiro ou companheira e dependentes; funcionários públicos em missão permanente no exterior; e em função do interesse do país.

Para o Ministério Público, o Itamaraty não tem ampla liberdade para decidir o "interesse do país".

Centrais sindicais dão ultimato e ameaçam ir à Justiça contra o governo

DEU EM O GLOBO

Presidente da Força Sindical sai de reunião no Planalto fazendo ameaças

Chico de Gois e Isabel Braga

BRASÍLIA. O deputado federal e presidente da Força Sindical, Paulo Pereira da Silva (PDT-SP), da base aliada do governo, deu um ultimato à presidente Dilma Rousseff. Ontem, em duas ocasiões, ele cobrou do governo o reajuste da tabela do Imposto de Renda em 6,43% e ameaçou: caso o Palácio do Planalto não chame as centrais sindicais para negociar até segunda-feira, no dia seguinte elas entrarão com várias ações na Justiça pelo país. Para o deputado, ao não mexer na tabela do Imposto de Renda, o governo está praticando um confisco.

Pela manhã, depois de se reunir no Planalto com o ministro Luiz Sérgio, da Secretaria de Relações Institucionais, Paulinho disse que a pauta de reivindicação das centrais contempla três reajustes: o salário mínimo de R$540 para R$580; 10% para os aposentados que ganham acima do mínimo; e 6,43% na tabela do Imposto de Renda.

- Se o governo não abrir negociação até segunda-feira, na terça vamos entrar com uma enxurrada de ações no Brasil inteiro. Para ficar barato para o governo, queremos o reajuste na tabela do IR em 6,43%, que é a inflação do período pelo INPC.

Não é a primeira saia justa imposta pelo PDT. O deputado é do mesmo partido do ministro do Trabalho, Carlos Lupi, presidente licenciado da legenda. Nesta semana, Lupi contradisse o ministro da Fazenda, Guido Mantega, que anunciara que o governo vetará um mínimo superior a R$540. Para Lupi, o Congresso é soberano e, caso decida por um mínimo de R$580 - como querem as centrais sindicais -, o governo tem de ceder. Dilma não gostou nada da divergência pública.

O deputado disse que anteontem protocolou uma carta com essas reivindicações no gabinete da presidente. E avaliou que, na votação da medida provisória que fixa o mínimo em R$540, o governo irá perder. Para Paulinho, o "governo está esquisito":

- Dilma está numa redoma e não deixam ninguém chegar perto dela. O governo está começando a ter problema com os movimentos populares.

À tarde, Paulinho voltou à carga, após reunião da bancada na Câmara. Suas críticas foram endereçadas, desta vez, ao ministro Mantega.

- O governo Dilma está mal nessa história. Pôr o Mantega para negociar não dá. Ele não tem jeito para falar com os trabalhadores. No governo Lula, tínhamos o ministro Luiz Dulci (ex-ministro da Secretaria Geral da Presidência). Com o Mantega não dá - afirmou Paulinho, ressalvando que falava como presidente da Força Sindical.

Ele descartou a possibilidade de o mínimo ir só a R$543:

- Não dá nem para tomar duas cachaças. Quer dizer, não dá nem para uma.

À tarde, o deputado mais uma vez ameaçou o governo:

- Se não corrigir a tabela do IR, é confisco do salário dos trabalhadores. Nosso prazo é até segunda-feira. Não é corda no pescoço. A presidente Dilma que colocou a corda no pescoço do trabalhador, ao não corrigir. Para começar bem o governo, deve corrigir a tabela.

Câmara também em jogo

DEU EM O GLOBO

PDT adia apoio a petista para comando

BRASÍLIA. O PDT parece mesmo determinado a criar dificuldades para a presidente Dilma Rousseff e para o PT. No mesmo dia em que o deputado Paulo Pereira da Silva pediu que o governo abra negociações sobre salário mínimo e reajuste da tabela do Imposto de Renda, a bancada do partido na Câmara se reuniu para decidir sobre a eleição do novo presidente da Casa. Mas adiou a manifestação de apoio ao petista Marco Maia (RS), que preside a Câmara desde dezembro e é o candidato do governo à reeleição.

Os pedetistas alegaram indefinição sobre os cargos que o partido poderá ter na composição da Mesa Diretora e das comissões permanentes. Na verdade, tudo está em jogo: cargos de comando na Câmara, cargos no segundo escalão do governo e as reivindicações das centrais sindicais sobre mínimo e IR. O PDT elegeu 26 deputados em outubro. O líder do PDT, Paulo Pereira da Silva, negou essas vinculações.

- Salário mínimo, aumento dos aposentados e a correção do Imposto de Renda, negociamos com o Planalto. Uma negociação diferente da negociação na composição da Mesa Diretora, que vamos resolver até o dia 31 de janeiro. Hoje tentamos, não conseguimos, não havia maioria de deputados, porque muitos estão viajando. A tendência é apoiar Marco Maia - afirmou ele.

Novo líder do PPS quer parlamentarismo e visão de futuro para o país

DEU NO PORTAL DO PPS

Escolha de Rubens Bueno para liderar bancada foi por unanimidade

Valéria de Oliveira

O deputado federal Rubens Bueno (PR) é o novo líder do PPS na Câmara. Ele foi eleito pela unanimidade dos parlamentares presentes à reunião marcada para tomar a decisão sobre a escolha. O novo líder expôs, nesta quarta-feira, os pontos que devem marcar sua passagem pela liderança. Um deles é a defesa da implantação do parlamentarismo no país. O modelo, diz Bueno, seria adotado após a realização de uma reforma política – “a mãe de todas as reformas, como dizia Tancredo Neves”.

Para Bueno, é preciso abandonar o “presidencialismo imperial” que vigora no Brasil. “E com o parlamentarismo o eleitor votará em programas, não em pessoas. É um ganho de qualidade para a política que não podemos desprezar”.

Embora considere que a pobreza extrema é um dos grandes desafios a ser enfrentado, Bueno ressalva que, tanto quanto o governo anterior, o atual transforma em peça de propaganda programas que depois sequer têm continuidade, como foi o caso do Fome Zero. Ele se referia ao chamado PAC da Pobreza. “O Brasil precisa, sim, minimizar as diferenças sociais e olhar para o futuro, para setores como o da ciência e tecnologia”, disse Bueno.

Previdência e carga tributária

Outra área que merecerá atenção do novo líder é a da Previdência Social. “Não se olha para a Previdência atualmente; é preciso equacionar esse problema e o do salário mínimo, que está sempre sujeito aos custos que trará as contas públicas”, disse. O mínimo, afirmou, deve ser instrumento de distribuição de renda, com pleno emprego, que deve ser a meta do país.

Rubens Bueno falou também sobre a carga tributária. “É necessário não apenas desonerar, mas também simplificar”. Na avaliação do líder, o governo cobra muito, a alto custo, e gasta mal os recursos. “A palavra nesse momento deve ser investimento, porque o país passa por um processo de desindustrialização que pode comprometer seu futuro com o velho modelo agrário-exportador”. Bueno observou ainda que é preciso que o país esteja atento à formação de mão-de-obra qualificada de que o país carece.

A volta da inflação também preocupa Rubens Bueno. “É terrível pensar que temos a possibilidade de voltar àqueles velhos tempos em que a inflação corroía os salários. Estamos vendo esse fantasma bater à porta dos brasileiros, trazendo na bagagem o desemprego e a desesperança”.

Anastasia: ''PSDB é nacional e não tem dono''

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Governador de Minas critica ""luta intestina"" em seu partido e diz que seu Estado sonha ver Aécio na Presidência

Eduardo Kattah

Sucessor no governo de Minas e fiel escudeiro do senador eleito Aécio Neves (PSDB), Antonio Anastasia (PSDB) engrossa o coro do aliado pela necessidade de refundação da legenda tucana.

Ele critica a "luta intestina" na principal sigla de oposição, argumentando que o PSDB é um partido nacional e "não tem dono".

Qual a sua posição e expectativa sobre o governo da presidente Dilma Rousseff?

Acredito que ela tem condições de fazer um bom governo. Teremos com ela um relacionamento administrativo sereno, tranquilo, harmonioso, de muito respeito. Tenho certeza de que ela terá o mesmo com seu Estado, que é Minas Gerais. O fato de sermos governadores de oposição - e somos dez - certamente não vai trazer nenhuma diferença nesse relacionamento.

Como viu a decisão do ex-presidente Lula de negar a extradição de Cesare Battisti para a Itália?

Sendo uma decisão que tem um cunho jurídico, pode ser revista pelo Supremo Tribunal Federal, que na estrutura dos poderes no Brasil sempre é quem dá a palavra final em caso de conflitos.

Como o sr. vê a concessão de passaportes diplomáticos para parentes de políticos, inclusive filhos do ex-presidente?

Sou legalista por natureza. Acho que devemos observar a legislação, que tem critérios da concessão do passaporte.

No que o seu governo será diferente do governo Aécio?

O objetivo nosso é continuar avançando, com os mesmos princípios, os mesmos valores. Mas sabemos que temos que reinventar sempre, criar novidades sempre, avançar sempre, com o foco maior que é a geração de empregos e grande empenho nosso pela diminuição das desigualdades regionais e da agregação de valor aos produtos mineiros. Para conseguir alcançar nesses três itens sabemos que não é só o governo e não é só um mandato, isso depende de um grande processo.

Como o sr. acha que pode, no governo de Minas, ajudar o projeto político do senador Aécio Neves? É possível imprimir uma marca social à administração tucana?

Nos últimos oito anos conseguimos avanços expressivos. Somos o primeiro no Ideb, do ensino básico, conseguimos redução de indicadores de mortalidade infantil muito bons e em saneamento somos o terceiro do Brasil. Então avançamos bem no sentido amplo de qualidade de vida. Mas em razão da injusta distribuição tributária, os Estados não têm recursos suficientes para universalizar grandes programas. Talvez falte aos nossos governos do PSDB - sei em São Paulo que o governador Alckmin e o governador Serra fizeram grandes projetos sociais - alardear um pouco mais isso em vez de ficar só na questão da gestão.

O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso sempre falou em fila no PSDB para justificar a defesa pela candidatura presidencial de José Serra. Por essa lógica, em 2014 chegou a vez do Aécio?

Todos nós mineiros temos essa natural ansiedade, anseio e vontade. Isso ninguém esconde, de ver um mineiro, Aécio, pelas suas qualidades, pelo carisma e até pela grande dedicação e devoção que os mineiros têm com ele, presidente da República. Acho que será um excepcional presidente. Agora, lamentavelmente, não sou eu que escolho quem é candidato. São as várias circunstâncias que ainda vão demorar a chegar. De fato, o PSDB é um partido importante, que perdeu as últimas três eleições presidenciais e, ainda que tenha uma bancada importante, que tenha oito governadores, acho que o senador Aécio tem todas as condições se as circunstâncias permitirem.

O atual ministro Gilberto Carvalho provocou a oposição ao afirmar que em caso de dificuldades da gestão Dilma o governo tem um "Pelé na reserva" - numa referência ao ex-presidente. Como fica o projeto de poder do PSDB com essa sombra do mito Lula?

A gente não sabe o que vai acontecer daqui a quatro anos, quem serão os candidatos. Nós aqui em Minas gostaríamos que o candidato fosse o Aécio e ele sendo o candidato, ninguém escolhe adversário. A pessoa tem de estar preparada para a disputa e querer ganhar e lutar muito por isso.

O sr. concorda que o PSDB precisa de uma refundação?

Foi um termo polêmico, não é? É uma questão semântica, as pessoas ficam se prendendo a palavras, o que é uma bobagem. Acho que todo o partido, sem exceção, precisa de um permanente processo de oxigenação, de reinvenção e de rediscussão. O PSDB é um partido já de mais de 20 anos. Três derrotas presidenciais, ele tem de debater. Por que é que perdeu? Não é nenhum demérito. Acho que a ideia da refundação, que o senador Aécio levantou e é correta, está dentro desse debate permanente interno. O que nós temos de fazer? Onde vamos melhorar? Isso é que é necessário.

O sr. defende algum nome para a presidência do partido? Faz restrição ao ex-governador José Serra?

Acho que ainda não chegou a hora disso, até porque vai demorar alguns meses e naturalmente as especulações agora estão mais centradas nas mesas em Brasília. A presença do senador Aécio em Brasília, no caso do nosso grupo político, vai favorecer muito. Ele é o líder do nosso grupo político, grande em Minas Gerais e com muitos outros parlamentares e políticos de outros estados também.

A rivalidade entre tucanos de São Paulo e Minas pode ser superada?

O PSDB é um partido nacional, não tem dono, não é de A, de B, de C ou de D. É um partido com milhares de filiados e com milhões de eleitores. E o partido tem de ser nacional. Não é Minas, não é São Paulo, não é o Rio Grande, Ceará ou Goiás. Apesar de chamar partido, ele tem de ser uma unidade programática, uma unidade de princípios, de ação, de propósitos e de objetivos. Se houver uma luta intestina muito forte, com essas rivalidades que não vão a parte alguma, claro que vai isso gerar problema. Mas há uma tendência agora de uma unidade muito forte, exatamente desse movimento de recriação e de fortalecimento do partido para nós reconquistarmos a Presidência. Não uma conquista em si do poder pelo poder, mas para implementar as ideias e os programas do PSDB.

Inflação da baixa renda atingiu 7,33% em 2010, diz FGV

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Impulsionado pela disparada de alimentos básicos, como carne, arroz e feijão, índice foi o maior desde 2008

Sabrina Valle

Arroz, feijão e bife mais caros pesaram no bolso das famílias brasileiras em 2010, especialmente as de baixa renda. A alta no preço dos alimentos, inclusive nos itens que compõem o tradicional prato feito, fez com que a inflação para as famílias que recebem entre 1 a 2,5 salários mínimos medida pelo Índice de Preços ao Consumidor - Classe 1 (IPC-C1) da Fundação Getúlio Vargas (FGV) fechasse 2010 com alta de 7,33%.

O resultado ficou bem acima do de 2009 (3,69%) e só perdeu ligeiramente para o de 2008 (7,37%). A FGV mostrou que a inflação foi mais pesada para as famílias de baixa renda do que para as mais abastadas.

Aquelas que recebem até 33 salários e que gastam uma fatia menor da renda com comida sentiram uma inflação de 6,24% no ano passado.

Os alimentos compõem 40% do cálculo do IPC-C1 e sofreram, entre outros, com uma alta de 33,9% na carne bovina, 19,2% no arroz e feijão e 25,5% no leite longa vida, todos itens de difícil substituição no cardápio. Passagem de ônibus urbanos, item com maior peso individual no cálculo, também ficou 9,62% mais cara.

Mas os aumentos na alimentação, que foram especialmente fortes no segundo semestre, já mostraram arrefecimento em dezembro e nos primeiros dados coletados de janeiro, segundo o economista da FGV André Braz. A carne, por exemplo, sofreu com abate de reprodutoras, exportações em alta e a seca que diminuiu pastos e forçou a alimentação do gado com ração. Para ele, a conjunção de maus fatores não deve voltar a se repetir.

"Historicamente, o que aconteceu com as carnes é raro. Já há espaço para uma taxa negativa em janeiro, mas os preços não vão cair muito. A gordura acumulada no preço da carne vai demorar a ser queimada", afirmou.

Segundo ele, os alimentos devem continuar explicando boa parte da inflação em 2011, mas com uma alta um pouco menor. "Mudanças climáticas, por exemplo, podem alterar a previsão. Mas ainda que fique alto, o resultado não deve ser tão forte quanto o de 2010."

Dezembro. Em dezembro, o índice desacelerou para 0,86%, contra 1,33%. Embora ainda em nível elevado, itens que compõem a cesta básica como feijão carioca (-14,12% em dezembro) e batata inglesa (-14,52%) estão começando a dar sinais de arrefecimento, diz Braz.

O economista observa que o preços de alimentos in natura, que serviram como âncora de preços em 2010, estão acelerando nos primeiros dados deste mês. O preço da cebola caiu 53% no ano passado, sendo o item com a maior influência negativa no índice, seguido por batata inglesa (-25%) e cenoura (-33%).

"Todos esses itens sobem muito em janeiro por causa do clima", afirmou. "Mas a alta dos in natura não me preocupa tanto para o bolso da baixa renda, pois eles são de fácil substituição, ao contrário da carne e do leite."

Número de mortos pelas enxurradas na Região Serrana não para de crescer e já passa de 350

DEU EM O GLOBO ONLINE

RIO - O número de mortos na Região Serrana do Rio de Janeiro em decorrência das fortes chuvas subiu para 351. Nesta quinta-feira, mais 18 mortes foram confirmadas em Teresópolis, aumentando para 148 o número total. De acordo com a GlobonewsTV, em Friburgo, subiu de 107 para 168 o número de vítimas. Três delas eram bombeiros que trabalhavam no resgate de vítimas. Em Petrópolis, o número de vítimas subiu para 35 depois que um corpo foi achado na região de São José do Vale do Rio Preto. Nesta quinta-feira, a presidente

O governo federal vai liberar R$ 780 milhões para os estados atingidos, incluindo o Rio e São Paulo. Serão R$ 700 milhões para a área de defesa civil do Ministério da Integração Nacional e R$ 80 milhões ao Ministério dos Transportes, para recuperação de pontes e estradas. A medida provisória com os recursos foi assinada na quarta-feira e publicada em edição extra do Diário oficial da União.

Pezão diz que situação em Friburgo é desoladora

O vice-governador e Secretário estadual de Obras, Luiz Fernando Pezão, disse nesta manhã que o número de mortos vítimas das enchentes na região serrana deverá aumentar muito nesta quinta-feira.

- Estamos preocupados porque voltou a chover. Agora pela manhã, equipes vão usar helicópteros para chegar a locais onde os bombeiros não conseguem alcançar por terra. Há outras cidades isoladas. Há informações de 18 mortos em Sumidouro. Bom Jardim está isolada porque caíram três pontes - disse Pezão, que está em Friburgo onde constatou um cenário desolador.

A situação é desoladora. Estamos entrando com máquinas para remover escombros em várias partes da cidade - afirmou.

Tragédia e descaso

DEU EM O GLOBO

A história se repete. Como se não houvesse previsão do tempo, mais uma tempestade de verão leva destruição e mortes ao Rio, desta vez na Região Serrana. Teresópolis, Friburgo e Petrópolis foram atingidos por um temporal que deixou pelo menos 264 mortos - entre os quais três bombeiros -, provocou deslizamentos, desabamentos e inundações, em nova tragédia que o poder público, ano após ano, não consegue evitar.

Em meio a mudanças climáticas que tornarão as chuvas mais rigorosas, crescem o desmatamento, a ocupação irregular das encostas e a demora na liberação de verbas. Na tragédia de ontem, o Centro de Friburgo ficou inundado e a cidade, isolada, sem energia elétrica e comunicações. O Estado do Rio recebeu apenas 0,6% dos recursos (R$ 1 milhão) do governo federal para prevenção, aplicados na capital, em Rio Claro e em Volta Redonda.

Outro levantamento mostra que a União deixou de repassar recursos até mesmo para as cidades atingidas na Região Serrana. Os R$ 450 mil previstos para obras de contenção na Estrada Cuiabá (Petrópolis) - área destruída pelas chuvas - não foram liberados. Para Friburgo, havia uma estimativa de repasse de R$ 21,7 milhões, mas os recursos também não foram empenhados.

Agora, a presidente Dilma Rousseff autorizou o repasse de R$ 780 milhões para recuperar áreas destruídas pelas chuvas no Rio e em São Paulo. Hoje, Dilma e o governador Sérgio Cabral, que estava no exterior com a família, vão sobrevoar as áreas atingidas.

Temporais deixam 271 mortos

Governo do estado estima que duas mil famílias precisem ser removidas de áreas de risco em Teresópolis

Mais uma vez castigada pelas chuvas de verão, a Região Serrana do Rio ainda contabiliza as perdas depois dos temporais que começaram na madrugada de segunda-feira. Até o fechamento desta edição, Teresópolis, Nova Friburgo e Petrópolis já somavam 271 mortes, em uma contagem dos municípios. Teresópolis concentrava o maior número de mortos: 130. Pelo menos 960 pessoas ficaram desabrigadas, e outras 1.280 desalojadas. A Defesa Civil de Petrópolis registrava 34 mortes, mas a própria prefeitura esperava um número bem maior , pela dificuldade das equipes de socorro em chegar aos locais mais atingidos. Haveria ainda mais de 30 desaparecidos.

Os prolemas de comunicação na cidade de Nova Friburgo, que passou o dia de ontem isolada por barreiras, também dificultavam o trabalho de resgate.

Lá, foram ao menos 107 mortes, sendo três bombeiros, soterrados enquanto se dirigiam para uma operação de salvamento. No último boletim divulgado ontem pela Defesa Civil do estado, às 20h15m, as três cidades totalizavam 209 vítimas. No início da tarde, o prefeito de Teresópolis, Jorge Mário Sedlacek, decretou estado de emergência e calamidade pública.
Dezessete bairros da cidade foram atingidas por desmoronamentos. As mortes ocorreram, principalmente, nas localidades de Poço dos Peixes, Fazenda da Paz (no bairro da Posse), Granja Florestal, Parque do Imbuí, Barra do Imbuí, Vale Feliz, Jardim Serrano, Caleme e em Bonsucesso, na zona rural. Nos cálculos do prefeito, serão necessários R$ 200 milhões para reerguer Teresópolis.
Os desabrigados estão sendo levados para o Ginásio Poliespostivo Pedro Jahara, mais conhecido como Pedrão, e para um galpão na Rua Tamoio, no bairro do Meudon. As escolas dos bairros atingidos também estão acolhendo as vítimas. — Um hospital de campanha já está sendo erguido no ginásio Pedrão. Vacinas contra leptospirose e tétano estão sendo aplicadas em moradores —disse o prefeito.

Seis mil famílias em áreas de risco

Na avaliação do secretário estadual do Ambiente, Carlos Minc, cerca de duas mil famílias devem ser removidas de Teresópolis, sendo que 200 já foram atendidas com aluguel social. O secretário estadual de Assistência Social e Direitos Humanos, Rodrigo Neves, que sobrevoou com Minc a região, afirma que a estimativa é de que, em Petrópolis, existam 4 mil famílias em áreas de risco, sendo que 500 em locais de extremo risco. Para Minc, houve uma combinação de um fenômeno natural com a imprudência dos prefeitos que não contiveram a ocupação desordenada:
— Houve irresponsabilidade histórica de vários prefeitos. Além dos omissos, que não impediram a ocupação desordenada, alguns chegaram a estimular a ocupação nas encostas - disse Minc, lembrando ser fundamental aumentar as áreas de preservação ambiental e a remover famílias de locais de risco. — O trabalho de médio prazo é reorganizar as áreas, realocar as pessoas. O mapeamento de risco está pronto para as três cidades (Teresópolis, Petrópolise Friburgo).
Precisamos de mais aluguel social emergencial e acabar com o populismo, fazendo a realocação de famílias. A Secretaria e o Instituto Estadual do Ambiente (Inea)mobilizaram máquinas e pessoal para ajudar as equipes de socorro. Presidente do Inea, Marilene Ramos conta que, em Teresópolis, a catástrofe atingiu os acessos, impedindo a chegada dos bombeiros e da Defesa Civil aos locais onde a tragédia foi maior .

— Em Teresópolis o cenário é de destruição, e não há acesso para o socorro. Estamos mobilizando escavadeiras, dragas e caminhões para ajudar os prefeitos a abrir caminho até os locais onde estão as vítimas e desentupir os rios. Além disso, estamos trazendo equipe do DRM, geólogos e geotécnicos, para identificar áreas de risco mais críticas e apoiar reassentamentos—disse Marilene, que percorreu Petrópolis e Teresópolis.

A Secretaria estadual de Agricultura também começou ontem a deslocar para Teresópolis máquinas do programa Estradas da Produção. Os equipamentos, usados na recuperação de estradas vicinais, vão auxiliar na desobstrução dos acessos. A secretaria enviará para o município 30 profissionais, inclusive engenheiros.Os trabalhos emergenciais em Teresópolis ocorrem em mais de 20 frentes. — A situação é muito crítica em vários pontos de Teresópolis. Chegaremos a quase mil desabrigados na cidade relatou Rodrigo Neves, que criou um gabinete de crise para levantar as necessidades dos moradores. Moradora do bairro de Bonsucesso, Isabel Cristina Batista Ferreira, de 40 anos, perdeu uma filha de 5anos. Ela conta que estava com as três filhas — uma de 17 anos e duas de 5— e, por volta das 2h foi pega de surpresa pela enxurrada:
— A água começou a entrar em casa devagar . De uma hora para outra, subiu até o teto.Meu pai jogou uma das gêmeas para o telhado e me segurou pelo braço. As outras duas ficaram dentro da casa ate a água baixar . Não durou nem cinco minutos.

Mas a menorzinha não resistiu —desabafou, enquanto esperava a liberação do corpo. Isabel era uma das dezenas de pessoas que se postaram ao longo da tarde de ontem na porta da 110a -DP ,para onde foram levados os corpos. No local, parentes e amigos dos desapareci- dos buscavam noticias de parentes ou amigos. Entre os rostos inconsoláveis, estava Mozair Gonçalves, de 44 anos. Morador do bairro de Campo Grande, ele perdeu a mulher eum filho de 13 anos. Seu vizinho José Luiz dos Santos Barbosa diz que o cenário no bairro era de terror.

— Nunca imaginei que pudesse acontecer isso ali. A mata nativa desceu toda, com paus, pedra, com tudo. Minha casa ficou em pé porque dois carros virados protegeram o muro. Eu e uns amigos ainda salvamos muita gente,mas também encontramos muita gente morta. Rose Mari Barbosa Silva, de 43 anos, perdeu cinco pessoas de sua família no bairro Campo Grande, em Teresópolis. Ela disse que não imaginava que a tragédia fosse tão grande. Rose Mari mora no bairro Perdigueiro eontem caminhava na lama em busca de notícias.

— Perdi minha mãe,minha filha, meu cunhado e dois sobrinhos. Não sei como vou recomeçar a vida sem eles. Mesmo não morando no local da tragédia, vi toda a minha vida e minha família indo pela lama. ■

Chuvas causam maior tragédia natural do Brasil em 44 anos

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Num único dia, deslizamentos matam pelo menos 237 em três municípios da serra no Estado do Rio

Em poucas horas, um temporal na madrugada de ontem matou pelo menos 237 pessoas em três municípios da região serrana do Rio - 122 em Teresópolis, 97 em Nova Friburgo e 18 em Petrópolis. Na maior catástrofe natural desde 1967 no Brasil, deslizamentos de toneladas de terra, quedas de pedras gigantescas e enxurradas de lama comparadas a tsunamis tomaram bairros inteiros. O número de vítimas pode subir, pois equipes de resgate têm dificuldade de acesso aos locais dos desmoronamentos. Em Friburgo, três bombeiros foram soterrados enquanto tentavam salvar moradores. Ha falta de água, energia elétrica e telefone. Além da ocupação irregular de encostas, comum na região, geó1ogos apontam que a tragédia foi agravada por um fenômeno raro, a "corrida de lama e detritos”, quando uma série de deslizamentos acontece ao mesmo tempo. O governador Sérgio Cabral, que esta fora do País e só hoje deve chegar às áreas atingidas, pediu ajuda da Marinha.

Catástrofe no Rio: 271 mortos

Em um dia, a maior tragédia natural desde 1967 no Brasil

Bruno Boghossian, Márcia Vieira, Felipe Werneck, Marcelo Auler, Pedro Dantas, Wilson Tosta, Kelly Lima, Bruno Tavares e Rodrigo Brancatelli

Foi a maior catástrofe natural desde 1967 em um só dia no Brasil. Em poucas horas, um temporal na madrugada matou pelo menos 271 pessoas em três municípios da região serrana do Rio. Até as 23h45, haviam sido encontrados 130 corpos em Teresópolis, 107 em Nova Friburgo e 34 em Petrópolis. Deslizamentos de toneladas de terra, quedas de pedras gigantescas e enxurradas de lama comparadas a tsunamis tomaram bairros inteiros e inundaram prédios em segundos, em um cenário semelhante ao provocado pelo furacão Katrina, que em 2005 devastou a cidade americana de Nova Orleans, nos Estados Unidos.

As prefeituras dos três municípios atingidos dizem que o número de vítimas pode subir, pois equipes de resgate têm dificuldade de chegar aos locais dos desmoronamentos. Faltam água, energia elétrica e telefone. Pelo menos três estradas que cortam a região precisaram ser interditadas parcialmente, o que atrapalhou ainda mais o trabalho de bombeiros e agentes da Defesa Civil. Famílias inteiras morreram com a força da enchente ou dos deslizamentos. Em alguns pontos, rios subiram até cinco metros e invadiram casas enquanto os moradores dormiam. Centenas de casas foram varridas pela terra que desceu as encostas, arrastando árvores e pedras. Em Nova Friburgo, três bombeiros que tentavam resgatar moradores de um prédio desabado foram soterrados.

A região serrana é formada por montes cobertos por Mata Atlântica, onde solos são mais instáveis e propensos a deslizamentos. A construção de casas e prédios em vales, próximos a rios, também facilita a formação de enchentes. Mas especialistas explicam que a tragédia de ontem foi agravada por um fenômeno raro e devastador, conhecido como "corrida de lama e detritos".

A pedido do governador Sérgio Cabral, que está viajando e ainda não foi à região, a Marinha colocou helicópteros à disposição. Em 1967, catástrofe em Caraguatatuba matou cerca de 300 pessoas.

Volta a Pernambuco::João Cabral de Melo Neto

Contemplando a maré baixa
nos mangues do Tijipió
lembro a baía de Dublin
que daqui já me lembrou.

Em meio à bacia negra
desta maré quando em cio,
eis a Albufera, Valência,
onde o Recife me surgiu.

As janelas do cais da Aurora,
olhos compridos, vadios,
incansáveis, como em Chelsea,
vêem rio substituir rio.

E essas várzeas de Tiuma
com seus estendais de cana
vêm devolver-me os trigais
de Guadalajara, Espanha.
Mas as lajes da cidade
não em devolvem só uma,
nem foi uma só cidade
que me lembrou destas ruas.

As cidades se parecem
nas pedras do calçamento
das ruas artérias regando
faces de vário cimento,

Por onde iguais procissões
do trabalho, sem andor,
vão levar o seu produto
aos mercados do suor.

Todas lembravam o Recife,
este em todas se situa,
em todas em que é um crime
para o povo estar na rua,

Em todas em que esse crime,
traço comum que surpreendo,
pôs nódoas de vida humana
nas pedras do pavimento.