domingo, 27 de fevereiro de 2011

Reflexão do dia – Antonio Gramsci

No sentido mais imediato e determinado, não se pode ser filósofo – isto é, ter uma concepção do mundo criticamente coerente – sem a consciência da própria historicidade, da fase de desenvolvimento por ela representada e do fato de que ela está em contradição com outras concepções ou com elementos de outras concepções. A própria concepção do mundo responde a determinados problemas colocados pela realidade, que são bem determinados e “originais” em sua atualidade. Como é possível pensar o presente, e um presente bem determinado, com um pensamento elaborado em face de problemas de um passado frequentemente bastante remoto e superado? Se isto ocorrer, significa que somos “anacrônicos” em face da época que vivemos, que somos fósseis e não seres que vivem de modo moderno. Ou, pelo menos, que somos bizarramente “compósitos”. E ocorre, de fato, que grupos sociais que, em determinados aspectos, exprimem a mais desenvolvida modernidade,em outros manifestam-se atrasados com relação à sua posição social,sendo, portanto, incapazes de completa autonomia histórica.

GRAMSCI, Antonio. Cadernos do Cárcere, vol. 1, pág. 95. 4ª edição. Civilização Brasileira, 2006.

O novo Iuperj:: Merval Pereira

Depois de longa crise financeira que culminou com a transferência de todo o seu corpo docente para o Instituto de Estudos Sociais e Políticos (IESP), da UERJ, em meados do ano passado, o Iuperj (Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro), ligado à Universidade Cândido Mendes, está se reorganizando sob a direção do cientista político Geraldo Tadeu Monteiro.

Considerado patrimônio das ciências sociais, durante os últimos 45 anos foi fundamental para o desenvolvimento da sociologia e da ciência política do Brasil. Criado em 1964 como instituto de pesquisas, cinco anos depois se transformou em centro de pós-graduação e pesquisa.

O projeto do Novo Iuperj, explica Tadeu Monteiro, quer preservar o que era sua marca, a excelência acadêmica, representada no conceito 7 da Capes, mas modernizando-se e buscando maior impacto, abrindo-se para a sociedade. Um dos problemas de gestão do antigo Iuperj era sustentabilidade, uma vez que, em se tratando de um curso de pós-graduação, despesa sempre será maior que receita.

Foi preciso reestruturar salários e instituir o pagamento de mensalidades para que seja possível fechar a conta. Foi feito um processo seletivo para a escolha de novos docentes e, entre mais de 40 candidatos, foram selecionados 20 professores que começaram a trabalhar nos novos cursos de mestrado e doutorado, reconstituindo linhas de pesquisa.

Foram agregados ao Iuperj o Cesec, o Centro de Estudos das Américas, e o Centro de Estudos Afroasiáticos, assinado um acordo sobre a Revista Dados e criado um novo Regulamento para a pós-graduação. Também foi incorporado ao Iuperj o antigo Instituto de Humanidades da UCAM, com cursos de graduação em relações internacionais, ciências sociais, história, letras, etc.

Além da renovação do convênio com a Escola de Políticas Públicas e Governo, de Luiz Salomão, para dar continuidade à parceria, será criada a Escola Brasileira de Governo e Políticas Públicas San Tiago Dantas (EBGP), que, segundo Tadeu Monteiro, pretende se converter em uma grande escola de governo para aprimorar a qualidade da gestão das políticas púbicas no Brasil.

Em poucos dias serão lançados os editais das 4 novas turmas, duas de mestrado e duas de doutorado em ciência política e relações internacionais e sociologia. Em março mais de 20 cursos de pós-graduação serão abertos nas mais diferentes áreas das ciências sociais. A Biblioteca do Iuperj, com 33 mil volumes de livros especializados e mais de 3 mil periódicos especializados em ciências sociais (hoje é a segunda maior biblioteca de ciências sociais do Brasil), vai ser instalada numa loja no térreo do prédio da Praça Pio X e será tornada pública.
Tadeu Monteiro considera este "um momento crucial dessa trajetória", às vésperas do lançamento das novas turmas. Ele, que foi diretor-presidente do Instituto Brasileiro de Pesquisa Social (IBPS), é especialista em análises eleitorais, autor de vários livros, como do Manual do Candidato às Eleições, publicado pela Gramma em 2010, e ajudará a dar continuidade aos estudos das eleições brasileiras, uma das principais especialidades do Iuperj, que tem um dos melhores bancos de dados das eleições brasileiras.

Acompanhando o debate sobre reforma política, ele diz que, embora o sistema político brasileiro comporte ajustes pontuais, não é passível de ampla reforma com medidas radicais que vão de encontro à nossa tradição política e cultural. Considera que, pelo menos em parte, o que acontece é jogo de cena puramente retórico de alguns políticos que querem "dar uma resposta" à sociedade que repudia a insensibilidade de uma classe política que só aparece nos jornais pelas disputas de cargos, pelas vantagens e pelo aumento de 63,8% nos salários.

Por outro lado, diz Tadeu Monteiro, há os "aprendizes de feiticeiro" que defendem certas medidas de "ouvir dizer", como a lista fechada ou o voto distrital misto. "Fala-se genericamente em fortalecer os partidos através da instituição da lista fechada e de acabar com a corrupção com a instituição do financiamento público de campanha". No entanto, lembra Tadeu Monteiro, "os nossos partidos estão longe de ter identidade programática (para não falar em "ideológica") e são, em sua maioria, dominados por oligarquias".

Como a lei partidária remete os mecanismos internos aos estatutos dos partidos, o que existe, na sua opinião, é centuado centralismo nas decisões partidárias, e em geral, as executivas decidem e as instâncias deliberativas homologam. Tadeu Monteiro ressalta que a lista fechada é adotada por poucos países no mundo e só teria sentido com partidos reformados, dotados de amplos mecanismos democráticos internos, como as primárias, que garantissem igualdade de acesso dos seus militantes às decisões partidárias e, particularmente, à colocação na lista partidária.

Para ele, o método proporcional de escolha que adotamos, utilizado praticamente em toda a América Latina, em Portugal, na Espanha, Itália e Suiça, entre outros países, "a despeito dos casos Enéas e Tiririca, funciona muito bem na maior parte dos casos, e permite fiel representação do eleitorado".

O "distritão", diz Tadeu Monteiro, é que provocaria distorções e, sobretudo, individualização das campanhas na medida em que o candidato só depende de si mesmo para se eleger, e não do resultado da lista do seu partido. Esse sistema é típico dos países de tradição anglo-saxônica do velho Commonwealth (Estados Unidos, Inglaterra, Canadá e Índia) e funciona bem em contextos bipartidários com distritos de menor dimensão.

Os EUA são divididos em 435 distritos congressuais de aproximadamente 600 mil eleitores, que elegem um deputado cada, o que garante certa igualdade entre distritos. Colocar todos os candidatos no mesmo "distritão" vai subrepresentar o Interior do Estado, por exemplo, em favor da Capital, como aconteceria no Rio, onde a Grande Tijuca tem mais eleitores que Campos.

Para Tadeu Monteiro, em vez do financiamento público de campanha, deveria haver o estabelecimento, pela Justiça Eleitoral, de um teto de gastos para cada Estado e cargo. Outra reforma simples seria impedir doações de pessoas jurídicas a candidatos. O cidadão - pessoa física - pode e tem direito de financiar seu candidato, até o limite determinado por lei, mas não uma empresa, que não tem outro interesse que não comercial.

FONTE: O GLOBO

Informar é preciso:: Dora Kramer

Uma sugestão singela para as excelências senatoriais que depois de amanhã fazem a primeira reunião da comissão que discutirá a reforma política: que tal ouvir o que pensam os eleitores a respeito, conhecer seus anseios e a partir daí estruturar um sistema de comunicação capaz de integrar representantes e representados num esforço conjunto de aperfeiçoamento?

Como? É ingênua a proposta? Não, apenas lógica. Como falamos de sistema representativo, é preciso levar em conta os dois lados da história, a fim de que não estejamos mais uma vez tratando de mudanças que interessam apenas a um deles.

O eleitor pode não entender, e a maioria não entende mesmo, os jargões da política. Mas sabe bem, ou ao menos intui, o que lhe desagrada.

Um obstáculo evidente nessa história é a desigualdade de condições: enquanto os políticos dominam muito bem o assunto, a sociedade nem sequer sabe o significado de determinados termos e conceitos.

Quantos conseguem dizer o que é voto distrital? Quem domina os cálculos do sistema proporcional? E a chamada "janela" de infidelidade partidária, as pessoas por acaso sabem que na prática isso altera por determinado período sua vontade expressa nas urnas?

Pelo seguinte: se, como se ventila agora, durante os últimos seis meses antes da próxima eleição o parlamentar puder ir para onde quiser estará subtraindo em seis meses o tempo de validade do voto dado à época da eleição, quando estava no partido.

E o voto obrigatório, alvo de críticas de todos os lados, mas justificado com o argumento de que o "brasileiro" não está suficientemente educado e politizado para o voto facultativo?

Por acaso alguém informa que dos 232 países do mundo apenas 24 adotam o voto obrigatório, sendo 13 deles na América Latina?

E assim a desinformação grassa também em relação a temas como escolha por lista fechada, financiamento público de campanha - já existente nas verbas do fundo partidário e no horário "gratuito" no rádio e na televisão - e a distorção federativa da representação da Câmara.

E o que seria esse ponto de nome tão pomposo? Simples: por obra do regime ditatorial, o general Ernesto Geisel promoveu uma mudança no critério de formação das bancadas, estabelecendo um mínimo (8) e um máximo (70) de deputados por Estado.

A ideia era fortalecer a representação de Estados mais dependentes do governo federal. Pois a ditadura acabou e hoje há Estados sub-representados e outros super-representados. Exemplo: São Paulo tem um deputado para cada 585 mil habitantes, enquanto em Roraima um parlamentar representa 51 mil cidadãos. Nos Estados Unidos a representação é alterada conforme a variação populacional.

E a diferença entre presidencialismo e parlamentarismo, o Brasil sabe qual é? No plebiscito de 1993 venceu a desinformação, porque se convenceu a Nação de que o parlamentarismo significa apenas que deputados mandam e desmandam no País.

Aquela parte sobre a efetiva corresponsabilidade com o bom andamento do governo que pode cair mediante voto de desconfiança foi relegada ao limbo do desconhecimento.

Assim vamos de novo entrando na discussão sobre reforma política em situação de desequilíbrio total: os políticos sabendo demais e a população sabendo de menos.

Se os especialistas no tema se dedicassem a esmiuçar cada ponto, tudo muito explicado, detalhado com prós e contras, o cidadão então bem informado poderia fazer suas escolhas, cobrar e se manifestar, com conhecimento de causa, sobre o que acha certo ou errado.

Utópica a sugestão? Não, apenas lógica, mas sem a menor chance de ser aceita pela óbvia evidência de que à ampla maioria do Congresso não interessa saber o que pensa a sociedade muito menos contribuir para a educação política do público. Pois sabemos como é: na falta de informação prevalece a manipulação.

Inspiração. Carlos Ayres Britto, ministro do Supremo Tribunal Federal: "O Rio de Janeiro é Deus com sua melhor roupa de sair".

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Kassab socialista, PSB ruralista:: Eliane Cantanhêde

Uma andorinha só não faz verão, mas um Kassab só pode dar um calorão danado na política partidária brasileira.

Para se livrar do DEM, desistir do PMDB e pular no PSB, Kassab quer criar o PDB (Partido da Democracia Brasileira) e tentar fugir dos rigores da lei e de processos por infidelidade partidária que podem, em tese, chegar à perda de mandato.

Abre assim as porteiras do DEM e do PPS e uma janela para tucanos descontentes, com a oposição há oito anos fora do poder, sem discurso, união e perspectiva.

Mas é cedo para o governo federal e o PT comemorarem. Ok, o apoio a Dilma vai aumentar, mas o PSB, que já tem Eduardo Campos e Ciro Gomes e colecionou vitórias nas eleições de 2010, vai encorpar e disputar forças com o PMDB. Os dois podem "ensanduichar" o PT.

O PMDB já é o maior partido, o PSB infla, e o PT está cheio de si e de cargos, mas não é porto seguro para os "neogovernistas" loucos para virar dilmistas desde criancinhas. Como ficam os "aliados" agora e na eleição de 2014?

Não bastasse, o movimento do prefeito da principal capital brasileira terá, evidentemente, efeitos na política paulista e na armação do jogo de 2012 tanto no PSDB quanto no PT. E poderá, eventualmente, desabar no Supremo.

Basta o Ministério Público ou um partido -o DEM, por exemplo- questionar a manobra sinuosa de Kassab para desabar no PSB, arrastando para o "socialismo" até a senadora ruralista Kátia Abreu.

Aliás, como diz o ministro Ricardo Lewandowski, do STF, quanto mais a oposição se enfraquece no Congresso, mais o Supremo se fortalece nas decisões políticas.

Vai decidir a ficha limpa (vale já ou não?), os suplentes (do partido ou da coligação?), o salário mínimo (pode ser por decreto?) e agora pode ser chamado a analisar a manobra Kassab: é criar partido ou driblar a lei e a ideologia para virar socialista no PSB?.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

Escolhas fundamentais::Sergio Fausto

Gouverner c’est choisir - governar é fazer escolhas -, dizia o intelectual e político francês Mendez-France, primeiro-ministro daquele país na segunda metade dos anos 50.

O governo Dilma está diante de escolhas. Não falo das que fazem parte da rotina de qualquer governo, a qualquer tempo, em qualquer lugar. Falo das que podem definir rumos para o País. A demanda global crescente por minerais, petróleo e, principalmente, alimentos - tendência estrutural que não deve esmorecer tão cedo e em grande medida nos favorece - gera receita e oportunidades para os setores produtores de commodities, ao mesmo tempo que cria pressões sobre o meio ambiente e a indústria de transformação.

Não são propriamente questões novas. Já estavam aí. Tornaram-se, no entanto, mais prementes. E menos suscetíveis de decisões que representem puro compromisso circunstancial. Dilma terá de impor com mais nitidez limites às muitas agendas setoriais em disputa dentro do seu governo. E sinalizar rumos com mais clareza, em questões centrais e conflituosas que pedem decisão.

Tremendo desafio político, considerando a diversidade das forças que compõem a base de apoio construída por Lula para a sua eleição.

Em artigo recente neste espaço, André Nassar apresentou estimativas sobre o aumento do consumo global de um conjunto de produtos agropecuários. Vale a pena citá-lo: "A FAO nos diz, com base em cenários de demanda, que a produção de carnes precisa crescer 48% de hoje a 2030 e mais 21% de 2030 a 2050. O milho (...) terá de crescer 30%, no primeiro período, e mais 17%, no segundo. Oleaginosas, como a soja, (...) terão de crescer 43% e 37%, respectivamente. Açúcar, 60% e 15%, levando em conta iguais períodos. Mesmo o arroz, produto menos dinâmico, terá de crescer 19% e 4%. De hoje a 2050 o mundo terá de produzir mais 1 bilhão de toneladas de milho e oleaginosas, sendo necessários 90 milhões de hectares a mais; 60% dos quais terão de estar em produção até 2030 (só para essas culturas)".

Em todos os produtos mencionados, acrescenta Nassar, a produção brasileira tem ampliado a sua fatia na produção mundial. E aqui ainda há terras disponíveis, de boa qualidade e relativamente baratas, a despeito da valorização recente. Não surpreende, portanto, que o investimento na compra de terras para produção agropecuária venha crescendo no Brasil, atraindo, entre outros, grandes fundos de investimento estrangeiros.

Nas últimas duas décadas, a produção agrícola brasileira cresceu praticamente sem expansão da área plantada, indicando ganhos significativos de produtividade, sobretudo em grãos. Segundo os especialistas, no entanto, será difícil que os futuros ganhos de produtividade acompanhem o crescimento da demanda por alimentos. Já a pecuária se expandiu de forma extensiva, sendo a principal responsável pelo desmatamento nesse período. Tem muito a ganhar em produtividade.

Será possível abocanhar parte significativa da demanda global por alimentos nas próximas décadas "apenas" substituindo pastagens degradadas por área plantada e intensificando o uso da pecuária nas pastagens de boa qualidade, sem desmatamento adicional algum? Ou valeria a pena incorporar novas áreas do Cerrado, sabidamente aptas à agricultura, ainda que com o sacrifício de alguma cobertura vegetal? São questões que a controversa mudança do Código Florestal não esgota e que exigirão do governo, se quiser enfrentá-las, e não apenas empurrá-las com a barriga, o uso do capital político recebido das urnas, seja qual for a escolha que vier a ser feita.

Chegou a hora também de fazer escolhas sobre o futuro da indústria brasileira. Desde os primórdios da abertura da economia ergueram-se vozes contra a suposta "desindustrialização" do País. Choradeira da "velha indústria" acostumada com a proteção estatal? Em boa parte, sim: descontados problemas metodológicos, que engrandecem artificialmente a perda de participação da indústria de transformação no PIB, ela até aqui se mostrou capaz de responder aos desafios da competição, mesmo em condições adversas, como indica, por exemplo, o fato de que não caiu, na pior das hipóteses, o emprego total na indústria de transformação, desde meados dos anos 90, a despeito de sua redução nas áreas metropolitanas.

Houve, porém, uma quebra estrutural nas condições do jogo global, com a entrada em campo da China e outros produtores competitivos de manufaturas, na contraface do aumento global da demanda por commodities. E essa quebra se vem aprofundando. A queda da participação dos manufaturados na pauta exportadora do País nos últimos anos chama a atenção, assim como o número de empresas que reportam perda de mercados para competidores chineses, aqui e lá fora, em pesquisa recente da Confederação Nacional da Indústria (CNI).

Para Antonio Barros de Castro, diretor e assessor do BNDES no governo Lula, a indústria brasileira, quando vista da ótica global, é quase toda ela "descartável". Tudo aponta na direção de uma veloz especialização da economia brasileira em recursos naturais. Isso nos favorece no longo prazo, em matéria de emprego e progresso técnico, portanto de desenvolvimento e bem-estar futuros? A resposta não é simples, mas implicará escolhas. De imediato, cabe perguntar: haverá desoneração da folha de pagamento da indústria de transformação, para toda ela ou para alguns setores? E, se houver, novos cortes de despesa deverão ser feitos? A médio prazo, é preciso saber se vale a pena apostar tantas fichas numa atividade baseada na exploração de um recurso natural não renovável - o petróleo -, grande emissora de gases de efeito estufa, toda ela articulada em torno da Petrobrás e que certamente absorverá grande quantidade de recursos financeiros e fatores de produção. Também não há respostas claras para essas perguntas. Mas uma coisa é certa: escolhas deverão ser feitas, e não será possível satisfazer a todos.

Diretor Executivo do IFHC, é membro do GACINT-USP

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Um fracasso global:: Clóvis Rossi

Ouso discordar da manchete de ontem desta Folha, que dizia: "EUA atropelam a ONU e anunciam sanções à Líbia".

Na verdade, aconteceu mais ou menos o contrário: o mundo, o mundo todo, é que foi atropelado pelas revoltas árabes e, talvez por isso, demora uma eternidade para tentar conter os massacres.

Se alguém disser que previu a onda de revoltas que começou em dezembro na Tunísia, ou está mentindo ou o fez em voz tão baixa que ninguém ouviu.

O fato é que o mundo todo está feito tonto tentando entender o que está acontecendo e antever o futuro, pelo menos o futuro imediato.

Há especialistas que até se atrevem a fazê-lo, geralmente em tom apocalíptico.

Diz, por exemplo, Elliott Abrams, que serviu no Departamento de Estado sob George Walker Bush e agora é pesquisador do Council on Foreign Relations: "[Gaddafi] deixará para trás uma terra arrasada sem governo alternativo, sem verdadeiros partidos políticos, sem experiência em eleições livres, imprensa livre, tribunais independentes ou qualquer um dos blocos constitutivos da democracia".

Apocalíptico ou realista, o diagnóstico não deixa margem para corrigir o passado. Mas, quanto ao presente, deveria haver meios de intervenção que impeçam a terra arrasada. Nada contra impor sanções à Líbia, congelar contas do ditador, parentes e cúmplices.

Mas nada disso serve para enfrentar o problema imediato que é parar a sangria.

Aí entra-se no território da governança global, que, a rigor, inexiste. A exasperante lentidão com que se move a ONU, só pior no caso da União Europeia, denuncia essa inexistência. As sanções, tal como até agora propostas, parecem destinadas mais à consciência do público ocidental do que a evitar o sangue. Que, de resto, ninguém sabe onde mais vai correr.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

No levante tudo é possível::Alberto Dines

Muamar Kadafi (ou Qadafi, não importa a grafia) é o mais encarniçado inimigo de Israel no mundo árabe depois do iraniano Ahmadinejad. A aparente derrota de um feroz adversário, mesmo situado a confortável distância de suas fronteiras, não pode ser considerada irrelevante. O governo de Benjamin Netanyahu não se mexe nem dá sinais de que é capaz de mexer-se.

Desde 1993, quando começaram as negociações em Oslo patrocinadas por Bill Clinton, dizia-se em Israel que os palestinos não perdem uma oportunidade de perder oportunidades. Agora, ironicamente, desde que o tufão começou a revirar o Oriente Médio de pernas para o ar, quem está deixando escapar preciosas aberturas e chances para contornar impasses são os espirituosos israelenses.

A coligação da direita com os religiosos que mantém Nethanyahu no poder não teve a sensibilidade para fazer a leitura correta da mensagem que veio da Tunísia, apavorou-se quando viu Hosni Mubarak despencar, despertou da paralisia quando o marechal Tantawi prometeu respeitar os acordos internacionais e, em seguida, mergulhou num estado cataléptico quando o clima de revolta instalou-se no Bahrein, Iêmen e logo incendiou a Líbia.

Depois de desistir de financiar o terrorismo, Kadafi passou a operar ativamente nos bastidores da ONU para deslegitimar a existência do Estado de Israel, colocando-o no banco dos réus na esfera dos direitos humanos. Sua derradeira façanha pode ter sido a moção aprovada por 14 dos 15 membros do Conselho de Segurança (e vetada pelos americanos) considerando ilegais os assentamentos nos territórios ocupados na Cisjordânia.

No momento em que o tirano líbio aparece sem disfarces aos olhos do mundo como um alucinado que importa mercenários estrangeiros para massacrar os seus cidadãos, Israel não consegue emitir qualquer sinal mais convincente de que está disposto a rever a sua insensata e desumana política nos territórios ocupados.

Esta é a hora de remover um dos contenciosos potencialmente mais explosivos do Oriente Médio que não apenas coloca Israel na contramão do inesperado impulso libertário do mundo árabe como prejudica diretamente todos os esforços de Barack Obama para livrar a sua política externa do penoso legado do antecessor.

A opção pela imobilidade só aumenta as possibilidades dos movimentos de surpresa. O atual governo de Israel está amarrado à intransigência, esquecido de que no levante tudo é possível. Na Cisjordânia também há uma classe média jovem, informada, secular, mais politizada do que a egípcia, beneficiada pelo convívio com os pacifistas israelenses e, sobretudo, também conectada nas novas mídias. Talvez não ouse insurgir-se contra Israel, mas pode levantar-se contra a enfraquecida Autoridade Palestina, aproximar-se dos seus pares na Jordânia ou até do Hamas em Gaza se este abdicar do seu fundamentalismo tal como o fez agora no Egito a Irmandade Islâmica.

Netanyahu e seus parceiros não têm qualquer compromisso histórico com a Partilha da Palestina decidida pela ONU em 1947. que validou a criação do Estado de Israel. A endiabrada minoria da direita não admitia um Estado árabe e os ortodoxos eram contra um Estado judeu que não fosse proclamado pelo Messias. Apenas os sionistas de esquerda – hoje minoritários – defendiam a partilha (os mais extremados preconizavam um Estado binacional). Porém as comunidades judaicas espalhadas pelo mundo, sobretudo a americana, tiveram a sabedoria de cerrar fileiras em torno do projeto da Partilha, aprovado em memorável sessão presidida pelo brasileiro Oswaldo Aranha.

Em situações voláteis como a de agora convém não perder de vista as referências. Nem desperdiçar oportunidades. O que não significa oportunismo. Mesmo sem endossar o marxismo convém rever o que disse o judeu Karl Marx: “tudo o que é sólido desmancha no ar”.

» Alberto Dines é jornalista

FONTE: JORNAL DO COMMERCIO (PE)

A tragédia dos povos pobres:: Luiz Carlos Bresser-Pereira

As revoluções são sempre realizadas pelo povo, mas, muitas vezes, ele é, no fim das contas, derrotado.

Faço essa afirmação pensando no que acontecerá depois das revoluções na Tunísia e no Egito, e do banho de sangue que está acontecendo na Líbia.

As revoluções podem ser revoltas contra o "antigo regime", como o foram a Revolução Francesa de 1789 e a russa de 1917, ou podem ser revoluções de união nacional, como foram as revoluções de Bismarck na Alemanha e a de Garibaldi na Itália, ou podem ser revoluções de libertação nacional como foram a de Gandhi e Nehru, na Índia, e a de Mao Tse-tung, na China.

Há ainda as revoluções de afirmação nacional, como foi a Revolução Mexicana de 1910.

Mas quando o povo é, afinal, vitorioso nessas revoluções? Não é fácil responder a essa questão. Nunca suas esperanças maiores são efetivamente realizadas.

Ao mesmo tempo, é impossível negar que o povo avançou em cada uma das revoluções que eu citei acima, exceto a soviética.

Deixemos, porém, grandes revoluções de lado e pensemos nas revoluções nacionalistas nos países em desenvolvimento -nas bem sucedidas como a de Kemal Atatürk na Turquia, em 1922, ou a de Getúlio Vargas no Brasil, em 1930, e no grande número de revoluções que, afinal, fracassaram.

A grande tragédia dos povos pobres, como são os povos do Oriente Médio que estão se revoltando, é que eles só serão vitoriosos se os novos governos forem capazes de conduzir seus países à revolução nacional e capitalista e, portanto, ao desenvolvimento.

Mas, para isso, falta a esses povos uma sociedade civil forte como existe nos países ricos e nos países de renda média. No Oriente Médio, muitas revoluções de libertação ou de afirmação nacionais foram realizadas, mas poucas vingaram.

Algumas foram simplesmente esmagadas pelas potências imperiais, como foi o caso da revolução de Mossadegh no Irã, em 1955, ou de Nasser, no Egito, em 1967.

Outras, localizadas no extremo oposto, não vingaram porque o político ou o militar vitorioso logo se associou às potências imperiais e às elites locais corrompidas e também se corrompeu.

Foi o caso, por exemplo, de Ben Ali na Tunísia ou de Saddam Hussein no Iraque. Outras ainda, como é o caso da revolução na Líbia de Gaddafi, inicialmente pretenderam ser libertadoras de seu povo, e, por isso, encontraram forte oposição das potências ocidentais, mas também dele se desligaram e se corromperam, sendo então seus dirigentes aceitos pelas potências ocidentais.

Existe solução para esta tragédia dos povos pobres? Sim, mas o caminho é difícil. Eles são fortes no momento da revolução, quando se mobilizam e, muitas vezes, se tornam heroicos, como estamos hoje vendo no Oriente Médio.

Mas depois perdem coesão e abrem espaço para o domínio das velhas elites e dos interesses estrangeiros. É preciso que cada povo se constitua em nação e logre fazer valer sua vontade nacional, mas a pobreza e o baixo nível de educação são obstáculos para atingir isso.

A alternativa é contar com um líder comprometido moralmente com a população, mas tal situação depende da sorte ou da fortuna -uma deusa amada, mas com a qual não podemos contar.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

Os pobres e os ricos do Nordeste :: Suely Caldas

Nos últimos dias o Nordeste ganhou destaque duas vezes na mídia: em Barra dos Coqueiros (Sergipe), a presidente Dilma Rousseff fez sua primeira reunião com governadores locais; na quinta, o Ministério da Justiça divulgou o Mapa da Violência 2011 - Os jovens do Brasil, despontando os Estados nordestinos como "campeões da violência", título tomado do eixo Rio-São Paulo.

Ao criar a Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (Sudene), em 1959, o economista Celso Furtado queria levar progresso para a região mais pobre do País com projetos financiados com dinheiro público. Em sua cabeça, a justiça seria feita, transferindo renda de Estados ricos do Sul e Sudeste para desenvolver os pobres do Nordeste. Meio século depois, quase nada mudou e o Nordeste segue pobre, subdesenvolvido e subnutrido. Com exceção de José Sarney, do Maranhão, os coronéis, donos do poder naquela época, aposentaram-se ou morreram, mas a elite política local - com raras exceções - ainda usa a pobreza como argumento para arrancar dinheiro de Brasília.

Da presidente Dilma, ouviu-se um rotundo "NÃO" em resposta a duas demandas: criar uma nova CPMF para financiar a saúde e alterar o indexador para reduzir dívidas com a União, o que implicaria jogar no lixo a Lei de Responsabilidade Fiscal. Ao contrário de seu antecessor, Dilma não fez demagogia, recusou os pedidos no ato, sugeriu que administrassem melhor o dinheiro da saúde e procurassem crédito em fontes como o Banco Mundial.

A pesquisa sobre violência mostra mudanças que refletem a ação ou omissão, competência ou fracasso das gestões estaduais de políticas de combate ao crime. Entre 1998 e 2008, enquanto São Paulo reduziu em 62,4% o número de homicídios, a Bahia aumentou em 237,5%; o Maranhão, em 297%; o Pará, em 193,8%; e Alagoas, em 177,2%. Segundo o pesquisador Julio Jacobo Waiselfisz, em São Paulo "o aparato repressivo foi recuperado, as polícias foram depuradas, as investigações ganharam nova tecnologia e o sistema de informação melhorou". Ou seja, a ação eficaz e a correta aplicação dos recursos deram bons resultados. Já no Nordeste, explica, surgiram novos polos econômicos, a população em torno cresceu, mas o Estado não acompanhou, manteve-se ausente.

A persistência da pobreza no Nordeste é muito mais decorrente da incompetente (e muitas vezes mal-intencionada) gestão dos políticos locais do que da falta de recursos públicos. O dinheiro sai de Brasília, passa pelo governo do Estado, mas não chega à população. Os serviços públicos não funcionam e a multiplicação de fraudes e escândalos de projetos fantasmas da Sudene prova que há uma elite de empresários, políticos e seus amigos e parceiros que retêm indevidamente o dinheiro. Há governadores que resistem e outros que cedem (ou são compadres) a lobbies para suprir gastos de campanha eleitoral ou engordar patrimônios privados.

A pesquisa aponta Alagoas como o Estado campeão em mortes e onde a violência quase triplicou - cresceu 2,7 vezes em dez anos. Em vez de gerir o dinheiro com eficiência, é um dos mais rápidos e persistentes em correr a Brasília quando a situação aperta.

Em 1995, quando a queda da inflação tirou a máscara da contabilidade dos governos, Alagoas tinha três folhas de salários atrasadas, as polícias (civil e militar) entraram em greve, as escolas fecharam, os hospitais entraram em colapso, o Judiciário entregou as chaves do tribunal ao STF. Alagoas vivia um caos nunca visto. O dinheiro nos cofres públicos pingava porque o ex-governador Fernando Collor abdicou da principal fonte de arrecadação de impostos ao isentar os usineiros de açúcar do pagamento do ICMS. O governador que o sucedeu, Divaldo Suruagy, correu a Brasília atrás de dinheiro. FHC negou e despachou para Alagoas um interventor federal para tirar o Estado do caos.

Pois bem. Na reunião com Dilma, na segunda-feira, foi justamente o governador alagoano, Teotônio Vilela (PSDB), o primeiro a defender a mudança do indexador para reduzir o pagamento das dívidas do Nordeste com a União.

Jornalista e professora da PUC-Rio

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Tropa de elite:: Danuza Leão

Foi bonita a festa, pá.

A nata do empresariado e do jornalismo esteve presente na comemoração dos 90 anos da Folha, na Sala São Paulo. Marcada para as 19h30, a noite se estendeu até a meia-noite, devido ao atraso das autoridades, faz parte. Mas são Pedro ajudou, e a tempestade diária, com direito a raios e trovões, nesse dia chegou mais cedo, foi às 3h da tarde.

Digna de registro a elegância dos convidados. Impossível não pensar que, se fosse no Rio, haveria homens e mulheres de jeans rasgados e tênis, como costumam frequentar o Municipal. Num universo de 1.500 pessoas, apenas uns três homens, se tanto, usavam camisa esporte; todos os outros, terno escuro e gravata, ponto para São Paulo.

Foi bacana o ato multireligioso, mas o cônego Aparecido Pereira não precisava -e não devia- fazer a plateia ficar de pé e rezar o Pai Nosso, já que os outros líderes religiosos não o tinham feito. Afinal, nem todos ali eram católicos.

Na hora de se levantar para fazer seu discurso, a presidente Dilma -distraída- não sabia para que lado ir, se esquerda ou direita. Elementar: faltou um assessor para acompanhá-la até a escada que levava ao palco.

Dilma não é boa de improviso; é bom mesmo que ela evite falar em público para não errar, como aconteceu. Mas em compensação, deve ter emagrecido uns bons cinco quilos; qual foi a dieta, presidente?

Se quiser ficar melhor ainda, precisa corrigir sua postura, pois dá a impressão de estar levando o mundo nos ombros. Pilates três vezes por semana resolveria lindamente o problema.

Legal ela ter mencionado o nome de FHC em seu discurso, mas o de Serra foi forçação de barra. Afinal, no momento, o ex-governador não ocupa nenhum cargo público; não convenceu.

Depois dos discursos, chegou a grande hora: a Osesp, Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo, orgulho da cidade, apresentaria, regida por Isaac Karabtchevsky, a "Sinfonia nº 6", de Villa-Lobos. Mas eis que se vê um pequeno agito onde estavam as autoridades; seria um atentado? Não; a presidente simplesmente se levantou e saiu, seguida do seu séquito. Como assim? Assim mesmo: ela se foi antes da apresentação da orquestra. E antes que eu me esqueça, elegantíssima, perfeita, a casaca do regente. O autor, maestro, o autor.

Voltando: foi uma grande indelicadeza, que fica maior ainda quando feita pela presidente da República. As pessoas se olhavam sem acreditar, e imagino que os músicos da orquestra tenham ficado decepcionados. Afinal, teria sido uma grande honra para eles se apresentar diante da mais importante autoridade da nação. E quando ouvimos, emocionados, o Hino Nacional, ficou mais pesada ainda a descortesia. Pegou mal.

Vamos falar a verdade: a sinfonia foi difícil de ser acompanhada por ouvidos mais leigos, mas o Hino, tocado por uma orquestra de tal ordem -afinal, só estamos acostumados a ouvi-lo em estádios de futebol- foi maravilhoso.

Na saída, os comentários. Um deles eu ouvi, e guardei para contar: duas pessoas -uma petista, a outra tucana- comentavam sobre a saída de Dilma (era o assunto geral).

Uma delas disse que a presidente saiu porque não sabia que a orquestra ia tocar o Hino Nacional, que não tinha sido culpa dela. A outra respondeu: "mas Alckmin, FHC e Serra ficaram". A primeira continuou defendendo Dilma, dizendo que se ela não sabia, era culpa do cerimonial, ao que a outra respondeu: "e desde quando o PT tem cerimonial?"

FONTE: FALHA DE S. PAULO

'Distritão' favoreceria PT, PMDB e PSDB

Reforma política divide especialistas, que acreditam que partidos pequenos e nanicos perderiam com mudança

Carolina Benevides, Dandara Tinoco e Sérgio Roxo

RIO e SÃO PAULO. Todas as vezes que uma nova legislatura se inicia, o debate em torno da reforma política volta à tona. Desta vez, o tema foi abordado no discurso de posse da presidente Dilma Rousseff, e uma comissão para analisar as mudanças foi instalada no Senado. Hoje, o Brasil tem o sistema proporcional com coligação, que leva em conta o coeficiente eleitoral - em que se divide o número de votos válidos pelas vagas em disputa; esse cálculo determina a distribuição das vagas pelos partidos. Agora, o Congresso se prepara para discutir as diferentes propostas, entre elas, se acaba com as coligações ou se adota o sistema majoritário, o "distritão", que simplesmente elege os mais votados.

De acordo com estudo feito pelo Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), levando em conta a eleição de 2010, os três maiores partidos - PT, PMDB e PSDB - serão os mais beneficiados pelo "distritão". Os médios, como PP, PR, PSB e PDT, perderiam tanto se a proposta fosse aprovada quanto se as coligações acabassem. Aqueles que hoje têm menos de 20 deputados também seriam prejudicados, e alguns nanicos, como PHS, PRB e PSL, correm o risco de perder a representatividade na Câmara.

-- O "distritão" favorece os grandes partidos. Os nanicos perdem em qualquer hipótese, e os pequenos perdem com o fim das coligações. O PSB é contra, por exemplo, porque quer vida partidária. O fato é que, se acabarmos com as coligações, os nanicos, pequenos e até partidos médios, como o DEM, vão reagir. Mesmo o PV, que na última eleição teve candidato à Presidência, tende ser prejudicado a médio prazo - diz o diretor de documentação do Diap, Antônio Augusto Queiroz.

Com "distritão", PT manteria a maior bancada

De acordo com o levantamento, com o "distritão", o PT passaria dos 88 deputados federais para 91. O PMDB, que hoje tem 78, ficaria com 88. O PSDB pularia de 53 para 65. Já o PDT perderia quatro cadeiras e iria de 26 para 22 parlamentares. O PV cai de 14 para oito deputados.

A polêmica não se restringe aos partidos. Especialistas ouvidos pelo GLOBO também divergem sobre os benefícios das diferentes propostas.

- É preciso que essa reforma tenha como objetivo restabelecer a ligação entre eleitor e eleito e que fortaleça o sistema representativo. A credibilidade dos políticos está em baixa, e uma das razões é a incapacidade do sistema atual de promover essa relação mais próxima. Qualquer que seja o sistema haverá ganhos e perdas - diz o professor do Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília (UnB) João Paulo Peixoto.

Para o cientista político Marcus Figueiredo, do Instituto de Estudos Sociais e Políticos (Iesp), o "distritão rompe o princípio constitucional da proporcionalidade":

- É uma mudança drástica e um mecanismo de concentração de representantes nos grandes partidos, eliminando a possibilidade de representatividade da minoria. As forças políticas que têm tamanho relativamente pequeno seriam eliminadas. Isso significa a possibilidade de parte do eleitorado ficar sem representatividade e a cassação da vontade popular.

João Paulo Peixoto, no entanto, vê vantagens na diminuição do número de partidos.

- Com a multiplicidade de partidos, a propaganda na televisão vira uma coisa complexa: não há tempo para analisar candidatos com profundidade, e os menores estão tirando o tempo e a atenção dos partidos estruturados. Na Câmara Legislativa do Distrito Federal, são 24 deputados e uns 19 partidos representados. Não é difícil concluir que a pulverização é prejudicial ao funcionamento do sistema.

Em São Paulo, maior colégio eleitoral do país, o PSDB seria o partido mais beneficiado caso a última eleição para deputado federal fosse majoritária. A sigla saltaria de 13 para 20 parlamentares. No geral, a eleição majoritária mudaria os ocupantes de nove das 70 cadeiras da bancada paulista na Câmara. O DEM ficaria com as outras duas vagas. Por outro lado, o PV seria o mais prejudicado e perderia quatro dos cinco parlamentares. PDT e PP ficariam sem dois deputados cada um e o PSB, sem um.

No Rio, PMDB teria o maior número de parlamentares

Mesmo uma alteração menos radical no sistema eleitoral, como o fim das coligações, já seria suficiente para provocar mudanças na composição da bancada paulista na Câmara. Com essa regra em vigor, cinco dos 70 parlamentares do estado não teriam sido eleitos no ano passado. O PR, do campeão de votos Tiririca, seria o mais beneficiado e pularia de quatro para seis deputados. Como o partido se aliou ao PT, PCdoB, PRB e PTdoB, os 1.353.820 votos do ex-palhaço ajudaram a eleger os candidatos de todas essas legendas.

Um deles foi o delegado Protógenes Queiroz (PCdoB), escolhido por 94.906 eleitores e que teria ficado de fora sem a ajuda. Caso não houvesse coligação, a votação de Tiririca teria eleito o cantor Agnaldo Timóteo, seu colega no PR, que teve apenas 25.174 votos. Ganhariam uma vaga cada com o modelo: PP, PSDB e PV. Perderiam uma cadeira: DEM, PC do B, PPS, PRB e PT.

No Rio, segundo levantamento do Diap, com a adoção do "distritão", o PMDB seria a bancada com maior número de parlamentares, passando de oito para 12. O PT manteria os atuais cinco deputados. O PDT iria de três para cinco. PHS, PTdoB e PRTB, que hoje têm um parlamentar cada, perderiam a representação na Câmara. Se a proposta da eleição proporcional sem coligação fosse adotada sairiam da bancada do Rio Stepan Nercessian (PPS), Simão Sessim (PP), Walney da Rocha Carvalho (PTB), Felipe Bornier (PHS), Cristiano José (PTB) e Aureo Lidio (PRTB). O PMDB também seria o partido com a maior bancada, passando de oito para dez. PT e PSDB manteriam o número atual de deputados.

FONTE: O O GLOBO

Na era pós-Brizola, PDT vive crise de identidade

Pedetistas históricos reclamam da postura de Lupi no comando do partido; para deputado, legenda está morta

Cássio Bruno

Partido criado por Leonel Brizola e de origem da presidente Dilma Rousseff, o PDT atravessa uma de suas piores crises desde a fundação, em 1979. O desgaste entre o ministro do Trabalho e Emprego, Carlos Lupi, e o governo, antes da votação do novo valor do salário mínimo, foi o estopim para filiados históricos mostrarem insatisfação com a atual condução da sigla, comandada por Lupi, presidente licenciado do diretório nacional e ex-homem de confiança de Brizola.

O ex-governador do Rio Grande do Sul Alceu Collares é um dos descontentes. Para ele, o partido pôs em risco a permanência no governo. Apesar de não atacar Lupi, que defendeu um aumento maior do que os R$545 propostos por Dilma, Collares admite o enfraquecimento do PDT, a partir da morte de Brizola, em 2004.

- O partido precisa rever as suas posições ou deve se afastar do governo - disse Alceu Collares.

Isolados politicamente, alguns pedetistas, entre eles o ex-deputado federal Vivaldo Barbosa, ameaçam abandonar a legenda. Segundo ele, a sigla se distanciou do trabalhismo e do nacionalismo.

- Falta orientação pragmática, com alianças coerentes - diz Barbosa, que criou o Movimento de Resistência Leonel Brizola para resgatar os princípios do PDT estabelecidos na fundação.

O deputado estadual Paulo Ramos, do Rio, vai além:

- O PDT virou um partido de aluguel, um partido nanico, morto, distante das causas trabalhistas. O Brizola deve estar se revolvendo no túmulo. Deve estar agoniado.

Deputado federal por São Paulo e presidente da Força Sindical, Paulo Pereira da Silva ataca o fisiologismo de aliados:

- O partido tem um programa histórico, desde Getulio Vargas. Temos compromissos com os trabalhadores. Se isso incomoda gente no PT, nós sentimos muito. Se a Dilma tiver dificuldades no governo, nos próximos quatro anos, que eu acredito que venha a ter, ela verá quem está realmente ao lado dela. Não vamos mudar por causa de um carguinho aqui e outro ali.

FONTE: O GLOBO

Economia reacende divergência no PT

Esquerda do partido ataca corte de gastos e política de juros de Dilma, a exemplo do que fez com Lula na reforma da Previdência

Roldão Arruda

Esquerda do partido ataca corte de gastos e política de juros de Dilma, a exemplo do que fez com Lula na reforma da Previdência

O estilo de governar dos petistas Dilma Rousseff e Luiz Inácio Lula da Silva pode ser diferente, como já tem sido dito. Há, porém, uma característica idêntica entre os dois que está ficando cada vez mais evidente: a capacidade de, no início do mandato, irritar a ala à esquerda do PT.

Olhando com atenção é possível notar também a presença de um personagem comum nas duas histórias: Antonio Palocci. Ministro da Fazenda na partida do governo Lula e chefe da Casa Civil com Dilma, tanto antes como agora ele tem sido apontado como mentor de medidas econômicas que, segundo os críticos, ficariam melhor no ideário neoliberal do que no petismo.

Em 2003, a esquerda atacou a proposta de reforma da Previdência e as metas de superávit primário, que ficavam acima das estabelecidas no governo anterior, do tucano Fernando Henrique Cardoso, e significavam contenção de gastos. Agora, critica-se a forma como Dilma quer frear a inflação, com mais juros e redução de gastos.

Em artigo postado no site do PT, o consultor Vladimir Pomar, um dos fundadores do partido e coordenador da campanha de Lula, em 1989, diz que as medidas adotadas por Dilma tendem a comprimir o consumo e favorecer a continuidade da miséria. "Superar a miséria significa, em termos bem precisos, elevar o poder de consumo de alguns milhões de brasileiros desprovidos dessa capacidade", diz ele.

Na maior central sindical do País, a CUT, vinculada ao PT, o presidente Artur Henrique também critica a opção do governo: "Sou contra a ideia de que o único instrumento para controlar a inflação é o aumento da taxa de juro, com redução da demanda".

Coro. Os dois engrossam um conjunto de vozes que começou a ganhar evidência na reunião do Diretório Nacional do PT, no dia 10. Na ocasião, tanto o presidente José Eduardo Dutra quanto José Dirceu, um dos líderes da corrente Construindo um Novo Brasil, a mais forte no partido, manifestaram preocupação com as medidas de Dilma. Dirceu, repetindo o que já havia dito em seu blog, também bateu na tecla de que aumentar juro não é a única forma de se combater a inflação e ainda citou casos de países que adotaram saídas diferentes, como Chile, Turquia e Rússia.

Não foram os únicos. Outros integrantes do diretório, com menor projeção política, também manifestaram preocupação, cuidando para que suas declarações não fossem tornadas públicas, nem aparecessem no documento final da reunião.

Markus Sokol, da corrente O Trabalho, situada na ponta extrema da esquerda, distribuiu um documento no qual afirmava, entre outras coisas, que "o povo não votou por arrocho salarial e redução de despesas". O deputado estadual Raul Pont (PT-RS), da corrente Democracia Socialista, também manifestou preocupação. Disse que o governo Lula só acertou o passo quando apostou no crescimento econômico, com o PAC e a nomeação de Guido Mantega para a Fazenda.

Para Pont, a política econômica do início do governo Lula, que parece trilhada por Dilma, foi desenhada por Palocci, hoje na Casa Civil. "Acho que o PT deve chamar o Mantega para pedir explicações", afirma.

Na semana passada, o PC do B, partido da base aliada do PT, fez um disparo mais direto. Altamiro Borges, integrante do Comitê Central, divulgou um artigo no qual dizia: "As velhas teses ortodoxas voltaram a ganhar força no Palácio, sob o comando do todo poderoso ministro Antonio Palocci".

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Isolada, Erundina ameaça deixar o PSB

Deputada critica flerte com Gilberto Kassab (DEM) e promete abandonar a sigla se prefeito virar "socialista"

Ex-prefeita admite ser minoria, mas promete lutar contra a filiação; "não vou transigir com o que acredito", afirma

Bernardo Mello Franco

SÃO PAULO - A possível chegada do prefeito Gilberto Kassab, que prepara a saída do DEM, ameaça provocar uma baixa histórica no PSB. Desiludida, a deputada Luiza Erundina (SP) promete deixar o partido se o flerte for consumado.

Ela anunciou a decisão à Folha na noite de anteontem. Em tom de desabafo, acusou a direção da sigla de desprezar os ideais socialistas ao negociar a filiação de Kassab, que planeja levar aliados como o vice-governador Guilherme Afif (DEM).

"Eles representam forças claramente conservadoras, de direita. Se forem aceitos, não terei mais espaço no partido. Não terei razão para estar nele", afirmou Erundina.

Aos 76 anos, a primeira mulher a governar a capital paulista (1989-92) não poupou adjetivos para atacar a aproximação: "absurda", "inconsequente", "incoerente". Prometeu lutar "até o fim", mas admitiu ter poucas chances de brecá-la.

"Já estou isolada no partido há muito tempo. Se isso acontecer mesmo, não vou mais respirar politicamente no PSB", sentenciou.

"Não digo que serei um incômodo para eles porque não estarei mais lá. Se for o preço a pagar, não tem importância. Não vou transigir com o que acredito."

Filiada ao PSB desde 1997, Erundina disse que a negociação ameaça rebaixar os socialistas ao papel de linha auxiliar do ex-presidenciável José Serra (PSDB) na disputa com outro tucano, o governador Geraldo Alckmin.

"O PSB não pode ser barriga de aluguel. Kassab é o plano de Serra para derrotar Alckmin. É um pedaço do PSDB tentando derrubar outro pedaço do PSDB."

Para ela, os personagens em jogo são "absolutamente incompatíveis" com a história do PSB e não podem militar num partido que "tem o S de socialista no nome".

"Se admitir isso, o partido vai passar da esquerda para a direita. O DEM sustentou a ditadura militar, que nos impôs tortura, exílio e desaparecimentos. É uma mistura que a química não admite."

A ex-prefeita também criticou a aposta em candidatos sem identificação com o partido, como o recém-eleito deputado Romário (PSB-RJ)."Está havendo uma frouxidão além do razoável. Isso não é crescimento, é inchaço. Inchaço é doença, e essa doença vai matar a identidade do partido."

Reeleita para o quarto mandato com 214 mil votos, Erundina mantém a força nas urnas, mas sofre derrotas em série na legenda.

Em 2008, foi impedida de se candidatar a vice na chapa de Marta Suplicy (PT) a prefeita. No ano passado, não impediu o PSB de bancar a candidatura ao governo paulista do empresário Paulo Skaf, presidente da Fiesp.

No último revés, foi obrigada a engolir a adesão do presidente regional do partido, Márcio França, ao secretariado de Alckmin. "Ele decide tudo sozinho. Não faz consultas, não comunica nada a ninguém. Age como se fosse o dono do PSB."

Apesar do pessimismo, Erundina ainda sonha em convencer o presidente nacional do partido, o governador pernambucano Eduardo Campos, a interromper a negociação com Kassab.

Ela evitou antecipar os próximos passos em caso de nova derrota. "Se for para disputar pelo poder pelo poder, poderia estar no PT, que é um partido maior e que ajudei a fundar", disse.

"Essas coisas não me motivam a permanecer na política. Não preciso disso, não tenho nada a ver com isso."

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

Advogados criam a sua ‘memória da resistência'

Profissionais que enfrentaram a ditadura ao defender militantes nos anos de maior repressão vão criar centro de documentação

Marcelo Godoy

Profissionais que enfrentaram a ditadura ao defender militantes nos anos de maior repressão vão criar centro de documentação

Conservar a história dos profissionais que lutaram contra a ditadura militar. Esse é o objetivo de um grupo de advogados que decidiu montar um centro de documentação com os depoimentos de advogados de presos políticos no Brasil durante a ditadura militar.

O material reunido em São Paulo, Rio, Curitiba, Porto Alegre e Recife deve servir de base para um documentário a ser dirigido por César Chalone (responsável pela fotografia do filme Cidade de Deus).

Um dos depoimentos já foi gravado. É do criminalista e diretor de teatro Idibal Pivetta. Depois devem vir os de Belisário dos Santos Junior, José Carlos Dias e Tales Castelo Branco. "Nossa ideia é entregar o arquivo para uma universidade, como a Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), para qualquer pesquisador ter acesso", disse Belisário, um dos idealizadores do projeto.

De 1970 a 1983, o criminalista Belisário acostumou-se aos corredores das auditorias militares - defendeu estudantes, sindicalistas e militantes políticos como o senador Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP). Só uma parte do que ele e outros defensores fizeram nesses anos está registrado nos processos. O que ficou fora, na lembrança de advogados e clientes, é um mundo cheio de denúncias contra o arbítrio das leis de segurança nacional e contra as torturas, os desaparecimentos e os assassinatos.

"Vivíamos como em uma peça de teatro: de conflito em conflito", afirmou Belisário. Havia pouco mais de uma dezena desses advogados em cada cidade importante do País. Eram poucos, mas estavam entre eles o católico Sobral Pinto, o professor Heleno Cláudio Fragoso, Pivetta e jovens como José Carlos Dias. Por tradição, não cobravam pelo trabalho. Muitas vezes foram ameaçados ou acabaram na cadeia por causa dos clientes.

O criminalista Tales Castelo Branco, de 75 anos, era um deles. Entre os seus mais de 50 clientes acusados de delitos políticos estavam o diretor de teatro José Celso Martinez Corrêa, a arquiteta Lino Bo Bardi e o engenheiro Ricardo Zarattini Filho, então militante do Partido Comunista Revolucionário (PCR).

"Advogar era assumir riscos. Um dia, o Zé Celso ligou para meu escritório. Disse que ia para o Dops, que o haviam convocado", disse Tales. O advogado foi encontrá-lo. Ao chegar, um investigador que Tales defendera em um processo o chamou de lado. "O senhor é advogado do moço do teatro?" Tales disse que sim. "Então tira ele daqui que ele vai ficar (preso)." O advogado pegou o cliente pelo braço e o mandou fugir. Da recepção do Dops, Zé Celso partiu para o exílio em Moçambique e em Portugal.

Risco. Tão arriscado quanto dar fuga a um cliente era apresentá-lo à Justiça Militar. Era 1968 quando a arquiteta Lino Bo Bardi teve a prisão decretada. Lina abrigara em sua casa uma reunião do que os militares chamavam de "cúpula da subversão em São Paulo". "Ela era simpatizante e emprestou a casa. Enquanto eles se reuniam, ela ficou trabalhando em sua prancheta", disse Tales. Quando tudo foi descoberto, ela foi se refugiar em Milão, sua terra natal.

Seu marido, o então diretor do Museu de Arte de São Paulo (Masp), Pietro Maria Bardi, procurou o advogado. "Tive de convencê-lo a chamá-la de volta. Tinha certeza de que revogariam a prisão se ela voltasse." Tales estava certo. Lina retornou, e a Justiça Militar a absolveu.

Tales sofreu ameaças, mas nunca foi preso como Idibal Pivetta, que passou 94 dias no Destacamento de Operações de Informações (DOI), no Departamento de Ordem Política e Social (Dops) e no presídio do Hipódromo, na zona leste. Pivetta defendeu quase 600 acusados de participação em grupos armados e outro tanto que militava em partidos ilegais.

Também entrou com cerca de 400 ações na Justiça para passaporte para os exilados, como o dramaturgo Augusto Boal, que viveu na Argentina, Portugal e França.

Pivetta, que trabalhava com teatro universitário, encenava na zona leste a peça Rei Momo quando foi detido por agentes do DOI, que considerou o espetáculo subversivo. No DOI, Pivetta encontrou cerca de 20 clientes, a maioria alunos da geologia da USP. "Imagine a situação: eu, o advogado que devia tirá-los dali, estava preso", afirmou.

Gritos. Em 1973, Pivetta ficou na cela onde antes estivera o estudante Alexandre Vannucchi Leme, morto pouco antes pela polícia. O advogado não foi fisicamente torturado, mas presenciou muitos que foram. "O pior era a rotina, escutar os gritos."

Tão importante quanto conseguir sentenças mais brandas e absolvições de clientes era mostrar às autoridades que a prisão de alguém não era mais um segredo. "Muitas vidas foram salvas desse jeito", disse Belisário.

Depois da anistia, em 1979, a atividade dos advogados na Justiça Militar minguou. Passariam pelo banco dos réus toda a cúpula do PCB e Luiz Inácio Lula da Silva, enquadrado pelas greves que comandou no ABC. Foi assim até o fim do regime, em 1985. "Foram anos terríveis. Ninguém dormia em paz", lembra Pivetta.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Governo busca saída legal para Battisti no Brasil

Se STF barrar extradição, terrorista deixa prisão e se torna imigrante ilegal

Opções do governo incluem concessão de visto, cumprimento de pena e procura de abrigo em outro país


Vera Magalhães

SÃO PAULO - Antes mesmo de o STF (Supremo Tribunal Federal) dar a palavra final sobre o impasse jurídico em que se transformou o julgamento da extradição de Cesare Battisti, o governo quebra a cabeça para resolver outro dilema: o que fazer com o terrorista italiano caso fique no Brasil?

A Folha apurou que o governo calcula que o STF vai considerar válida a decisão do ex-presidente Lula, que decidiu não extraditar Battisti. A extradição foi pedida pelo governo italiano e recomendada pelo tribunal.

Caso a previsão se concretize, Battisti, hoje preso em Brasília, terá de ser solto imediatamente. O imbróglio é que, como o STF lhe negou refúgio no país e não o considerou refugiado político, o terrorista está num limbo jurídico. É um imigrante ilegal.

Mais: Battisti entrou no Brasil usando passaporte com nome fictício e carimbo de visto falsificado.

Para pedir visto de trabalho no país -primeira opção em pauta nos estudos técnicos do governo-, terá, antes, de obter um passaporte, que a Itália não lhe dará.

Diante da singularidade do caso, o governo também estuda a possibilidade de Battisti deixar o Brasil e procurar abrigo em um país que não tenha assinado tratado de extradição com a Itália.

Nesse caso, no entanto, ele teria de cumprir a pena à qual foi condenado no Brasil, graças à falsificação dos documentos -a prisão foi convertida em prestação de serviços e pagamento de multa.

"Se o entendimento do presidente permanecer, ele [Battisti] fica no país e pode pleitear a legalização de sua condição. Se não conseguir, pode ser instado a deixar o país", disse à Folha anteontem o advogado-geral da União, Luís Inácio Adams.

HISTÓRICO

O terrorista está preso desde 2007. Antes, fora condenado à revelia em seu país sob a acusação de participação em quatro homicídios.

Sua extradição foi negada por Lula no último dia de seu mandato, 11 meses depois de o Supremo ter julgado o caso.

Agora, a AGU e o Ministério da Justiça se debruçam sobre o caso para encontrar uma saída legal para Battisti.

"Não sei qual será a solução", admite Adams. "Ele terá de pedir um visto de permanência. E se tiver de deixar o país, tem antes de cumprir pena pelos crimes aos quais responde no Brasil."

Existe, ainda, a possibilidade de a maioria dos ministros do STF entender que Lula descumpriu a decisão da corte e negar a validade do decreto presidencial.

O presidente do Supremo, Cezar Peluso, pretende colocar o caso em julgamento logo depois do Carnaval, quando a composição da corte estará completa após a posse do ministro Luiz Fux.

O relator do caso, Gilmar Mendes, votou pela extradição no julgamento do caso, em 2009. A tendência é que não reconheça o decreto.

Nesse caso, a decisão voltaria para Dilma, que teria de extraditar Battisti ou achar novas razões jurídicas para embasar a permanência.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

Aggio dá entrevista sobre Gramsci no seu tempo

Tilda Linhares

A Radio Unesp FM convidou Alberto Aggio para uma entrevista sobre o lançamento de Gramsci no seu tempo, livro que organizou em 2010 junto com Luiz Sérgio Henriques e Giuseppe Vacca para a Fundação Astrojildo Pereira e a Editora Contraponto. Concedida ao programa “Perfil Literário”, está disponível para ser ouvida ou baixada diretamente em: http://aci.reitoria.unesp.br/radio/perfil_literario/

A entrevista, que significa de fato uma aula sobre Antonio Gramsci, está numerada como 1015, ao lado de outras que compõem o rico acervo da emissora. Foi conduzida por Oscar D’Ambrosio, jornalista, escritor e chefe da Assessoria de Comunicação e Informação da Unesp.

FONTE: GRAMSCI E O BRASIL

O Rio – continuação: João Cabral de Melo Neto

Ou
relação da viagem
que faz o Capibaribe
de sua nascente
à cidade do Recife

Da Ponte de Prata a Caxangá

A gente das usinas
foi mais um afluente a engrossar
aquele rio de gente
que vem de além do Jacarará.
Pelo mesmo caminho
que venho seguindo desde lá,
vamos juntos, dois rios,
cada um para seu mar.
O trem outro caminho
tomou na Ponte de Prata;
foi por Tijipió
e pelos mangues de Afogados.
Sempre com retirantes,
vou pela Várzea e por Caxangá
onde as últimas ondas
de cana se vêm espraiar.

Entra-se no Recife
pelo engenho São Francisco.
Já em terras da Várzea,
está São João, uma antiga usina.
Depois se atinge a Várzea,
a vila pròpriamente dita,
com suas árvores velhas
que dão uma sombra também antiga.
A seguir, Caxangá,
também velha e recolhida,
onde começa a estrada
dita Nova, ou de Iputinga,
que quase reta à cidade,
que é o mar a que se destina,
leva a gente que veio
baixando em minha companhia.

Vou deixando à direita
aquela planície aterrada
que desde os pés de Olinda
até os montes Guararapes,
e que de Caxangá
até o mar oceano,
para formar o Recife
os rios vão sempre atulhando.
Com água densa de terra
onde muitas usinas urinaram,
água densa de terra
e de muitas ilhas engravidada.
Com substância de vida
é que os rios a vão aterrando,
com esse lixos de vida
que os rios viemos carreando.