quinta-feira, 3 de março de 2011

Reflexão do dia – José Serra

Durante a campanha, o PT prometeu 2 milhões de novas casas. Isso era espuma eleitoral. Agora, o governo corta 40% da espuma. Mais ainda, do milhão que tinha sido prometido para 2010, 800 mil tinham ficado pra este ano.

José Serra, Twitter, 28 fev. 2011.

Sempre pode piorar:: Merval Pereira

O lema do palhaço Tiririca, na campanha que o levou à Câmara dos Deputados em Brasília como o deputado federal mais votado do país com 1.353.820 votos (6,35% dos votos válidos), ajudando a eleger outros três candidatos, era "Pior do que está, não fica". Ledo engano. Quando se pensa que já se viu tudo, vêm os políticos para nos mostrar que sempre podem piorar o que já está ruim.

A votação expressiva de Tiririca pode ser a demonstração de que o Congresso é um espelho da representação da nação, mas pode ser também um protesto maciço contra as palhaçadas promovidas pelos políticos profissionais.

O maior ou menor grau de otimismo em relação ao nosso sistema político define a alternativa.

Mas a escolha de Tiririca para fazer parte da Comissão de Educação e Cultura da Câmara, um requintado deboche da opinião pública, é um lance perfeito para quem quer desmoralizar a atuação dos deputados.

A escolha do mensaleiro João Paulo Cunha, do PT, para presidir a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara é outra decisão no mesmo caminho.

A formação da comissão da Câmara que vai discutir a reforma política parece ter sido feita a dedo: deputados colhidos pela Lei da Ficha Limpa, como Paulo Maluf (PP), ou réus em processos de corrupção eleitoral, como Valdemar da Costa Neto (PR), um dos 40 mensaleiros que estão sendo julgados pelo STF, e Eduardo Azeredo (PSDB), réu em processo de uso de caixa 2 na campanha para o governo de Minas.

A escolha de Tiririca teria o objetivo de usar sua experiência circense na parte dedicada à cultura, uma explicação tosca para quem vive, como os políticos, de simbolismos.

Não é possível que ninguém entre eles tenha se tocado de que a escolha para essa comissão específica soaria como uma brincadeira de mau gosto.

Também a desculpa esfarrapada de que os deputados envolvidos em processos não foram condenados, e portanto não podem ser punidos antes que a Justiça se decida, não convence, pois, se é verdade que não devem ser punidos, não precisam também ser homenageados nem promovidos.

Além do mais, no caso dos deputados da comissão da reforma política, como podem decidir sobre temas como financiamento de campanhas eleitorais se estão justamente sendo acusados de irregularidades nesse campo?

A explicação mais cínica seria que eles têm experiências nos assuntos e podem dar sugestões abalizadas sobre caixa 2, assim como as empresas de informática contratam hackers para montar esquemas de segurança nos computadores.

Seria preciso, antes de mais nada, que ficasse provado que esses deputados não têm culpa dos crimes de que são acusados, ou então que se arrependessem de suas transgressões.

Nesse caso, o trabalho na comissão da reforma seria como uma prestação de serviço comunitário com que pagariam por seus crimes.

Suas escolhas, ao contrário, parecem ter sido feitas para desmoralizar a própria reforma, e com isso fazer com que não se chegue a uma proposta que tenha credibilidade.

Essas indicações, desprovidas totalmente de senso crítico, resumem bem o estado de complacência moral em que o país está envolvido não é de hoje, gerando o esgarçamento de seu tecido social.

Após oito anos de um governo leniente com os malfeitos de seus correligionários, está se impregnando na alma brasileira uma perigosa complacência com atos ilegais, que acaba tendo repercussões desastrosas no dia a dia do cidadão comum, que passa a considerar a "esperteza" como atributo importante para vencer na vida.

Desse ponto de vista, o governo Dilma é uma perfeita continuidade do de Lula, com pequenas variações em torno do mesmo tema.

Também o PSDB agiu em relação a seus políticos envolvidos em denúncias com a mesma "compreensão", em vez de colocar-se como um contraponto à política petista.

Quando o senador Eduardo Azeredo foi acusado de ter sido o iniciador dos esquemas fraudulentos do lobista Marcos Valério na disputa pelo governo de Minas em 1998, o partido recusou-se a enfrentar o assunto, dando margem até mesmo a que o PT espalhasse a versão de que a campanha tucana havia sido o embrião do mensalão, quando deveria ter assumido desde logo uma atitude crítica severa.

Os três partidos mais influentes do país - PT e PSDB se revezam na Presidência da República desde 1994 e o PMDB é presença permanente em todos os governos - se confundem nos métodos de fazer política, embora aqui e ali possam restar traços de atuação mais ideológica ou programática no PT e no PSDB, resquícios dos tempos em que a política era feita com pelo menos mais pudor.

Já o PMDB pós-Ulysses Guimarães se caracteriza pela falta completa de ideologia, dedicando-se exclusivamente à conquista do poder e seu usufruto.

Esse ambiente político favorece um compadrio que leva em conta apenas os interesses imediatos da corporação, e faz a instituição ficar surda em relação aos interesses do eleitorado.

Nada a estranhar, portanto, que outro deputado envolvido no escândalo do mensalão, Sandro Mabel (PR-GO), tenha obtido 106 votos na recente disputa pela presidência da Câmara.

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Primeiro, Emir Sader tentou desmentir declarações atribuídas a ele pelo jornal "Folha de S. Paulo", entre elas a de que a ministra da Cultura, Ana de Hollanda, era "autista".

Quando confrontado com as declarações gravadas, e diante da decisão de sua superior de não mais aceitá-lo para dirigir a Casa de Rui Barbosa, passou a atacar os inimigos de sempre, a grande mídia golpista e a direita.

A sorte é que esse sociólogo boquirroto deu um tiro no próprio pé antes mesmo de tentar colocar em prática seu projeto de aparelhamento ideológico de uma instituição de pesquisa importante como a Casa de Rui Barbosa.

FONTE: O GLOBO

PDB mostra sua face:: Dora Kramer

Desfeito o namoro com o PMDB, praticamente selado o divórcio com o DEM e acertado um noivado com promessa de casamento com o PSB, o prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, já começa a reunir adesões ao partido que pretende criar a partir dos idos de abril próximo.

No dia 19 de março Kassab irá a Manaus a convite do governador Omar Aziz (PMN), que na oportunidade pretende anunciar seu apreço à criação da legenda e anunciar filiação tão logo se concretize o projeto. Junto com ele, o prefeito de Manaus, Amazonino Mendes (PTB), e o senador pelo Acre Sérgio Petecão (PMN).

No dia seguinte, Gilberto Kassab estará em Salvador para ouvir o mesmo, em público, do vice-governador Otto Alencar (PP) e mais cinco deputados federais. Note-se: sem qualquer obstáculo imposto pelo governador petista, Jaques Wagner.

O vice-governador de São Paulo, Guilherme Afif Domingos (DEM), também seguirá Kassab, mas outras figuras de destaque de seu atual partido, como o governador de Santa Catarina, Raimundo Colombo, e a senadora Kátia Abreu (TO), se mudarem para o PDB será mais adiante.

Por enquanto ficam, atendendo aos apelos de Marco Maciel, Jorge Bornhausen e José Agripino Maia, que também pediram ao prefeito de São Paulo que reconsiderasse a decisão. Marcaram com ele uma conversa para depois do dia 15, quando o DEM fará uma convenção extraordinária.

Numa escala de zero a 10, a chance de Kassab mudar de ideia é 1. Por essa mesma régua a junção do prefeito ao PMDB que já foi 8 caiu para 2. A hipótese mais provável é a de que se confirmem os entendimentos com o PSB: uma futura fusão, na qual seria mantida a sigla do partido presidido pelo governador de Pernambuco, Eduardo Campos, ou alguma outra forma de parceria: coligação ou bloco parlamentar.

A razão da troca do PMDB pelo PSB é muito simples, o primeiro rejeitou e o segundo aceitou as condições de Kassab: o comando do processo de sucessão municipal em São Paulo no ano que vem e independência para apoiar quem quiser (leia-se José Serra) na eleição de 2014.

O PMDB, que para os planos de Kassab seria mais interessante por causa da densidade e amplitude do partido, achou o preço caro demais. Já Eduardo Campos foi totalmente permeável à proposta cujo invólucro é a criação de uma força política alternativa à supremacia do trio PT, PMDB e PSDB.

O discurso que o prefeito de São Paulo tem feito nessas conversas é o de que não pretende alinhar-se automaticamente ao governo federal. Mas registre-se que todos os partidos e políticos com os quais Kassab tem se articulado pertencem à base governista.

Se tudo sair como pretende o prefeito, o novo partido poderia obter o registro definitivo num prazo de três meses e aí estaria apto para fazer a fusão com o PSB, cujo resultado inicial já seria uma expressiva "bancada" de sete governadores.

O que farão com esse capital é impossível antecipar. Mas que farão algo não há a menor dúvida.

Ladeira abaixo. O que dizer de Tiririca na Comissão de Educação e Cultura da Câmara dos Deputados, diante de João Paulo Cunha na presidência da Comissão de Constituição e Justiça (presidida em 2009 pelo notório Eduardo Cunha) e de Paulo Maluf, Valdemar da Costa Neto e Newton Cardoso na Comissão de Reforma Política?

Apenas lamentar que o eleitor (todos passaram recentemente pelo crivo das urnas) e os partidos com suas escolhas confiram tanto menosprezo ao Parlamento.

Carochinha. A presidente Dilma Rousseff diz que o governo não fez política com o programa Bolsa Família na eleição. E a fada do dente informa que também não.

Nas ostras. O deputado e presidente da Força Sindical, Paulo Pereira da Silva, mandou o PT para aquele lugar. Disse em público com sua habitual rispidez o que o PMDB cansa de dizer em particular com sua proverbial perfídia.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Palhaçada :: Eliane Cantanhêde

"Vocês confundem o palhaço no trabalho lá com aqui. Aqui é outra coisa."

A frase é do deputado Tiririca, lépido, fagueiro, recém-alfabetizado e sentado na primeira fila na instalação da Comissão de Educação. Ele tem meia razão. Estamos mesmo confundindo os palhaços de lá, de cá e do Congresso. É outra coisa?

Se fosse só o Tiririca, tudo bem, porque ele tem a legitimidade de deputado mais votado do país. O problema é que a palhaçada é geral, com Paulo Maluf, Newton Cardoso, mensaleiros e fichas-sujas suprapartidariamente acomodados na comissão especial que vai... analisar a reforma política!

O Tiririca é um fenômeno novo, mas Maluf é um velho fenômeno da política brasileira, que consegue ser incluído ao mesmo tempo na lista de procurados da Interpol e na de membros da comissão que vai definir, por exemplo, financiamento público de campanha e moralização da atividade política.

Por falar nisso, o deputado João Paulo Cunha assumiu a presidência da estratégica Comissão de Constituição e Justiça, a CCJ, chamada de "mãe de todas as comissões". Ninguém é considerado culpado até prova em contrário, mas igualmente ninguém deve presidir a CCJ da Câmara enquanto réu num processo no Supremo Tribunal Federal. Não é pedir muito, vai!

Sem falar que o presidente da Comissão de Meio Ambiente é o deputado gaúcho Giovani Cherini, que é... ruralista. Lobos, galinheiros, palhaços, fichas-sujas e réus. Virou ou não uma palhaçada?

E, depois, os caras ainda reclamam quando a gente fala mal!

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Gaddafi deixou o governo brasileiro perplexo e sem reação ao dizer que os Bric vão cobrir o vácuo de bancos e empresas que saiam da Líbia. Presepada ao gosto de Chávez, um dos últimos apoios ao amigão líbio. O contorcionismo dos chavistas para explicar isso e defender Gaddafi é constrangedor.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

O segundo momento dos partidos pós-79:: Maria Inês Nassif

Este é o segundo momento do quadro partidário brasileiro. O primeiro começou em 1979, quando a ditadura acabou com o bipartidarismo criado pelo Ato Institucional nº 2, de 1966, que extinguiu o quadro partidário anterior. A implosão da esquerda peemedebista, de um lado, em vários partidos; o esvaziamento eleitoral do PDS, legenda de apoio à ditadura, e a tentativa de formar "linhas auxiliares" de um governo ainda militar, de outro, definiram um quadro partidário com tendência à pulverização, tanto à esquerda como à direita.

O PMDB, esvaziado à esquerda, manteve sua centralidade política como herdeiro da oposição institucional ao regime durante algum tempo, quando boa parte do chamado grupo autêntico, que botou a cara para bater e correu riscos inclusive físicos de se opor à ditadura, migrava para outras legendas sem levar junto o prestígio do antigo partido.

Enquanto o centro oposicionista defendia manter a unidade em torno do PMDB, a esquerda, exceto os partidos comunistas, que ainda não haviam sido legalizados, procurou novos rumos. Vindos do exílio, Leonel Brizola e Miguel Arraes reuniram partidários e procuraram consolidar territórios próprios - Brizola, como herdeiro do velho petebismo, perdeu a legenda do PTB devido a manobras legais do regime e fundou o Partido Democrático Trabalhista (PDT); Arraes, sem conseguir ganhar espaço dentro do PMDB, sua primeira escolha partidária, acabou tomando o PSB. PDT e PSB nasceram em torno de lideranças carismáticas e viveram sob o controle absoluto de Brizola e Arraes. O PT, que vinha da experiência do movimento sindical dos anos 80 e atraiu grupos da esquerda mais radical e os movimentos de base da igreja progressista, teve uma origem menos personalista.

O ex-governador de Pernambuco fez um herdeiro, o atual governador Eduardo Campos. Ele toca o PSB ao estilo do avô. Quando Brizola morreu, sem ter deixado sucessores naturais - embora vários de seus netos estejam na política -, jogou o PDT numa profunda crise. O brizolismo é uma opção política em extinção; o PDT, um partido sem rumo.

O PSB, todavia, foi levado pelo pragmatismo do avô Miguel Arraes, e agora pelo neto Eduardo Campos. Arraes manteve suas pretensões políticas dentro dos limites de Pernambuco e fez acordos para ampliar o partido em outros Estados. Manteve uma equação política de absoluta hegemonia na política pernambucana, quebrada pouco antes de sua morte por desgastes acumulados em sucessivos períodos no governo; e controle total sobre as seções estaduais, que manipulava de acordo com os seus interesses regionais e nacionais. Alianças reiteradas nas eleições proporcionais com o PT mantiveram o partido dentro dos limites mínimos de representação exigidos pela lei, depois derrubados pelo Supremo Tribunal Federal. Arraes atraiu, em São Paulo, a ex-prefeita Luiza Erundina, quando ela rachou com o seu partido de origem, o PT; na Bahia, levou um núcleo que sempre atuou junto ao PCdoB e que girava em torno da ex-prefeita Lídice da Mata. Erundina e Lídice mantiveram-se no PSB por absoluta falta de opção, mas tinham discordâncias acentuadas quanto à forma de condução do partido por Arraes. Voltam a entrar na linha de confronto com as articulações de Eduardo Campos para cooptação do prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, hoje no DEM. Não é uma adesão confortável para quadros efetivamente socialistas do partido.

O pragmatismo do neto de Arraes tem mantido o partido em crescimento, embora sob constante crise de identidade. O PDT, acostumado a funcionar sob a batuta de um único líder, não tinha ninguém que minimamente desempenhasse o papel antes exercido por Brizola, nem mecanismos de decisão internos democráticos que o substituíssem. Os partidos comunistas, que ganharam identidade própria apenas após o governo José Sarney, quando foram legalizados, também sobreviveram na órbita de partidos maiores - o PCdoB ganhou representação parlamentar às custas de alianças proporcionais com o PT; o PCB, depois PPS, agora mantém essa equação com o PSDB, embora tenha feito, no passado, algumas alianças com o PT.

O quadro partidário pós-Lula já é um segundo momento daquele formado pós-79, no final da ditadura. Os partidos que se consolidaram e polarizam na política nacional, o PT e o PSDB, vivem crises de identidade - o primeiro, por ser governo; o segundo, por estar a tanto tempo fora do poder federal. Os pequenos partidos de esquerda, alguns perderam as lideranças que lhe davam rumo e outros, a organicidade dada por ideologias que entraram em crise no mundo e projetos de poder que foram assumidos pelo partido que exerceu a hegemonia sobre o bloco nas últimas décadas, o PT. A direita ideológica, em especial o DEM, montou uma estrutura partidária baseada em chefes políticos locais, e eles perderam espaço nas regiões mais pobres durante o governo Lula. Os líderes regionais não estão conseguindo se reaproximar dos velhos redutos - daí a tentativa de Kassab de driblar a lei para se encontrar, mais na frente, com um partido a sua esquerda, o PSB, e por meio dele compor a base do governo federal.

É um quadro que, por exaustão de algumas fórmulas tradicionais de organização partidária, tende a ser menos pulverizado. E vai ser concentrado rapidamente quando for proibida a coligação nas eleições proporcionais. Exceto o PSB, por pragmatismo de Campos, os demais partidos de esquerda dependem da coligação proporcional para sobreviver.

Da mesma forma, os pequenos partidos de direita aliados ao governo terão dificuldade de manter suas bancadas. Os médios e pequenos partidos de direita que se apoiam no PSDB estão com o mesmo problema. Já foram praticamente desalojados pela derrota do candidato José Serra à Presidência. E têm dificuldades de sobreviver fora do poder. A aproximação deles ao governo era previsível. Ainda assim, se a coligação proporcional for proibida, não há governo que os salve.

Maria Inês Nassif é repórter especial de Política.

FONTE: VALOR ECONÔMICO

Salário mínimo e corte de gastos. Contradições do governo e da oposição::Jarbas de Holanda

Beneficiária da explosão dos gastos federais em 2009 e sobretudo em 2010, e dando-se conta das significativas mudanças no cenário econômico internacional restritivas das condições muito favoráveis de que o Brasil desfrutou na década passada, a presidente Dilma Rousseff, logo depois de vitoriosa, surpreendeu negativamente sua base político-eleitoral, em particular o PT, e de maneira positiva a oposição, os agentes econômicos e a grande imprensa, com as promessas de atenção prioritária ao controle das contas públicas (na verdade à retomada desse controle), à preservação dos fundamentos da estabilidade macroeconômica e à melhoria de qualidade da gestão governamental. Preocupações que reiterou no discurso de posse (articulando-as com a valorização do empreendedorismo e à necessidade de privatizações). E usou como justificativas do bloqueio às demandas das centrais sindicais sobre o valor do salário mínimo, bem como ao decidir o pacote do corte de R$ 50 bilhões dos gastos da administração federal este ano.

Tais preocupações e as posturas correspondentes de Dilma Rousseff, ao invés de refletirem um avanço pessoal dela em relação às posições e atitudes de conteúdo oposto que caracterizaram sua passagem pela Casa Civil, poderiam decorrer apenas de um cálculo político oportunista: o imperativo de contenção e reversão das fortes pressões inflacionárias no início do seu governo, combinado com a conveniência de alguma abertura a privatizações numa fase passageira de maior carência de recursos públicos, mas com planos para a retomada de gastos populistas e da intensificação do papel do Estado na economia. O que se assemelharia ao ocorrido na segunda metade do primeiro mandato de Lula, inclusive com novo afastamento do reformista Antonio Palocci de papel relevante no Palácio do Planalto (ao qual está sendo atribuída grande influência sobre a presidente). Na verdade, porém, apontam para um desdobramento contrário a isso no novo governo vários sinais que vêm sendo emitidos por Dilma Rousseff: o estilo sóbrio de gestão, os programas de melhoria da produtividade de vários ministérios, a adoção de critério técnico no preenchimento de cargos diretivos das agências reguladoras (quase todas aparelhadas partidariamente no governo anterior) e os passos dados para a desideologização da política externa.

A avaliação do corte de gastos (nos editoriais da mídia e por muitos analistas) o qualifica como estando na direção certa, mas mantém as restrições básicas: insuficiência das medidas da economia, ampla desconfiança sobre a real implementação delas e, de tom mais grave, falta de credibilidade do corte de despesas anunciado por um ministro como Guido Mantega com perfil de defensor e de um dos principais promotores da explosão de gastos no governo Lula. Outra restrição manifestada nos últimos dias – a simultaneidade do anúncio do pacote com a informação que circula de que na semana que vem o governo fará novo aporte de recursos do Tesouro ao BNDES para empréstimos subsidiados.

Alternativas de oposição – As contradições entre as propostas da campanha eleitoral da presidente Dilma Rousseff e as atitudes delas relativas ao salário mínimo e como resposta à crise fiscal constituem temas legítimos a serem explorados pela oposição parlamentar. Até porque seus candidatos a presidente, aos governos estaduais e ao Congresso, especialmente ao Senado, foram duramente atacados pelo lulismo/petismo como inimigos dos trabalhadores e dos servidores públicos e da geração de empregos, por criticarem os gastos estatais. E porque, também legitimamente, cabe a ela opor-se ao Executivo e aproveitar as oportunidades que tenha para desgastá-lo. Mas esse combate vincula objetivos imediatos a perspectivas e metas de políticas, econômicas e sociais, distintivas de suas lideranças para os diversos segmentos da sociedade. Nos casos concretos dos dois temas, configuram-se duas perspectivas diferentes, até contraditórias, de contraposição ao governo. Uma delas articula o ataque aos referidos projetos à defesa de grande aumento do salário mínimo e à recusa do corte de gastos, esta a pretexto de ilegitimidade do Palácio do Planalto para propô-lo. Ignorando as necessidades econômicas e fiscais da limitação do salário e das despesas previdenciárias, bem como da busca, correta, de controle das contas públicas. A outra perspectiva oposicionista trabalhou a questão do salário mínimo com moderação, tentando com as centrais sindicais um adicional de aumento possível; e, quanto ao corte de gastos, combina a crítica aos efeitos negativos que ele terá (em programas de investimento e em alguns serviços públicos importantes) com a cobrança de medidas de controle fiscal mais amplo. Indicando o que parece ser um melhor caminho de contraposição ao governo: uma pauta legislativa de reformas essenciais – fiscal, previdenciária, das relações capital/trabalho, além da política – que a presidente Dilma dificilmente poderá encaminhar em face do grande peso do lulismo/petismo em sua base de apoio no Congresso.

Jarbas de Holanda é jornalista

Nova dose:: Míriam Leitão

O Banco Central subiu os juros para 11,75% na segunda reunião do governo Dilma. O quadro econômico ficou mais confuso com os dados divulgados ontem: a produção industrial ficou estável, quando se esperava queda, e a venda de carros disparou. A conta do excesso de gastos e de estímulos fiscais numa economia que já estava em alta em 2010 chegou agora.


Quem olha os detalhes da conjuntura acha que a elevação faz sentido. Quem vê o quadro geral e olha para outros países tem noção de que os juros brasileiros são uma anomalia.

O BC não tinha outra saída. Há uma inflação generalizada. Em economia, não existe almoço grátis e as medidas de combate à crise adotadas pelo Ministério da Fazenda em 2009 passaram do ponto, foram mantidas em 2010, ano que já era de recuperação. Os gastos deveriam ter sido contidos e os estímulos eliminados antes. O IBGE divulgará hoje o PIB em torno de 7,5% de 2010.

Há razões internacionais para a alta da inflação, mas isso não explica tudo, porque ela está disseminada. Houve um aquecimento muito forte do consumo, tanto das famílias quanto do governo. Com menos gastos públicos, o governo abriria espaço para o consumo privado.

O BC tomou medidas para reduzir a oferta de crédito, achando que as vendas de bens de maior valor seriam reduzidas. Mas foi espantoso o número divulgado ontem pela Fenabrave. Em fevereiro os brasileiros compraram 24% mais carros do que em fevereiro do ano passado, quando havia redução do IPI para compra de automóveis.

A maioria dos economistas previu queda na produção industrial de janeiro. O número ficou em 0,2%. O indicador foi puxado pela expansão de 6% dos bens duráveis. Segundo análise do banco HSBC, apesar das medidas do Banco Central que encareceram o crédito, o consumo está sendo sustentado pelo mercado de trabalho e pela renda das famílias.

Com o emprego em alta, as famílias se sentem mais seguras para assumir compromisso de longo prazo e para comprar itens financiados como geladeiras, fogões, televisores e automóveis. O Brasil, como se sabe, tem tido juros tão altos que tem uma deformação: o comprador pergunta não pelo custo do dinheiro, mas se as prestações cabem no bolso.

Mesmo assim, a indústria está com ritmo bem menor do que o comércio (veja no gráfico abaixo). A demanda tem sido cada vez mais atendida pela importação. O setor de bens intermediários teve queda de 0,4%. A MCM consultoria calcula que a alta da indústria no ano será de apenas 2%. O economista Newton Rosa, da Sul América Investimentos, também acha que os sinais são de desaceleração:

- Desde o 2º trimestre de 2010 a indústria está praticamente estagnada. Isso acontece tanto pelo aumento das importações, que tira venda dos produtos nacionais, e também pela queda das exportações, fruto do consumo externo mais fraco e do real mais forte.

O vice-presidente da Abimaq (Associação Brasileira das Indústrias de Máquinas e Equipamentos), José Velloso, tem números impressionantes de aumento da importação. O déficit comercial do setor em 2004 era de apenas US$400 milhões. Deve saltar para US$25 bilhões em 2011. A participação dos produtos chineses, que era de 2,1% no mesmo ano, agora é de 14,7%, acima da Alemanha.

- A verdade é que o Brasil não é competitivo em comparação com os concorrentes. Temos a maior taxa de juros, o câmbio valorizado, a mais alta carga tributária, infraestrutura deficiente. Isso em comparação com Alemanha, Suíça, Coreia do Sul, China e Índia - disse Velloso.

Mesmo assim, a previsão da Abimaq é de alta de 15% na produção este ano. Velloso explica que o setor tem um tipo de crescimento diferenciado dos demais. Quando a economia cresce, a venda de equipamentos dispara. Quando a economia se retrai, a produção desaba.

A Abit (Associação Brasileira da Indústria Têxtil) teme uma queda da produção este ano, depois da alta de 4% em 2010. Além da concorrência dos importados, os preços internacionais do algodão dispararam, segundo o presidente da entidade, Aguinaldo Diniz.

- O preço do algodão subiu 200% em 12 meses. Isso aumentou demais a necessidade de capital de giro das empresas, que estão sendo obrigadas a reduzir produção e quadro de pessoal. A importação de produtos chineses subiu 34% em janeiro deste ano na comparação com 2010 - explicou.

Ricardo Trombini, presidente da ABPO (Associação Brasileira de Papelão Ondulado), acha que o setor cresce 5% em 2011, menos que os 12% de 2010. Ele lamenta que o Brasil combata a inflação apenas com taxas de juros.

O problema é o país ter vencido a superinflação há 16 anos e ainda precisar de juros tão astronômicos para controlar os preços. Não foi por falta de aviso: o governo gastou demais e a conta chegou quando vários outros fatores estão empurrando a inflação para cima.

FONTE: O GLOBO

Na tenda de Kadafi :: Demétrio Magnoli

Muamar Kadafi foi muito mais longe que Hosni Mubarak em seus pronunciamentos desesperados, em meio à revolução. Ele se dirigiu aos líbios como faria uma potência ocupante descontrolada, ameaçando emitir uma ordem de extermínio geral. A queda dramática do tirano da Líbia tem importância geopolítica incomparavelmente menor que a do regime egípcio. Contudo, tem um inigualável cortejo de significados simbólicos.

O fim de Kadafi assinala a segunda, e definitiva, morte do nasserismo. "A revolução é o meio pelo qual a nação árabe pode libertar-se de seus grilhões." A Carta Nacional divulgada por Gamal Abdel Nasser em 1962 definia a doutrina do pan-arabismo, que deveria destruir as fronteiras interestatais criadas pelas potências europeias e propiciar a "restauração da ordem natural de uma única nação". O Egito de Nasser figuraria, nesse percurso, como uma entidade transitória: o instrumento para a edificação da "nação árabe". O jovem Kadafi formou-se na academia militar nos anos áureos do nasserismo e liderou o golpe antimonárquico de 1969 para inscrever a Líbia na moldura da revolução anunciada pelo Egito. A humilhação árabe na Guerra dos Seis Dias, em 1967, foi o estampido para o levante dos oficiais líbios do grupo de Kadafi.

Nasser morreu em 1970, mas o nasserismo prosseguiu, sob Anuar Sadat, ainda por alguns anos e uma nova guerra árabe-israelense. A primeira morte do nasserismo se deu pela ruptura do Egito com a URSS e o subsequente tratado de paz com Israel. Então, em 1977, Kadafi enrolou-se nos farrapos da bandeira do pan-arabismo e lançou um ataque militar contra o povoado egípcio fronteiriço de Sallum, sofrendo uma contraofensiva devastadora. Na década seguinte, enquanto no Egito a herança doutrinária de Nasser se dissolvia num antissemitismo caricato, a Líbia de Kadafi, o "cachorro louco", proclamava guerra ao "imperialismo" e organizava atos de terror contra interesses ocidentais ao redor do mundo. Agora, quando o tirano desaba, fecha-se de vez o ciclo inaugurado pela revolução pan-arabista.

O fim de Kadafi assinala o ocaso do longo período em que os povos árabes foram ofuscados pela invocação do espectro do "inimigo externo". A ditadura nasserista no Egito, como as ditaduras baathistas implantadas na Síria, em 1963, e no Iraque, em 1968, reclamavam uma legitimidade derivada da luta contra o imperialismo ocidental e sua suposta cabeça de ponte no mundo árabe, o Estado de Israel. A supressão dos partidos de oposição, a repressão à dissidência interna, a interdição do debate político eram justificadas pelo imperativo da unidade árabe. No caso da Líbia, agentes de Kadafi perpetraram assassinatos de dezenas de "cães vadios", na expressão usada pelo tirano para designar dissidentes exilados, na Europa, nos EUA e mesmo na Arábia Saudita. A nova revolução árabe não segue estandartes antiocidentais. A sua consigna é a liberdade, são os direitos de cidadania, não a utopia geopolítica da "nação única".

O fim de Kadafi assinala a desmoralização das tiranias personalistas que derivam de sistemas de partido único e acabam por lhes tomar o lugar. O modelo do regime de partido-Estado ancora-se no conceito de que o partido dirigente coagula uma verdade histórica superior. Os partidos comunistas se exibiam como locomotivas do "trem da História", em marcha rumo à estação terminal do socialismo. No mundo árabe, os regimes de partido único apresentavam-se como condutores de uma caravana que avançava rumo ao oásis da unidade pan-árabe. Invariavelmente, o modelo evoluía para ditaduras pessoais: Joseph Stalin, Mao Tsé-tung, Kim Il-sung, Fidel Castro, Gamal Abdel Nasser, Hafez Al-Assad, Saddam Hussein. A Líbia de Kadafi não passou pelo estágio primário, organizando-se desde o início como uma tirania pessoal.

O golpe de 1969 substituiu a monarquia liberal do rei Ídris, baseada na rede de poder tribal da região da Cirenaica, por um "Estado de massas" (Jamahiriya) - isto é, de fato, por um Estado de comitês submetidos ao controle do tirano. Kadafi não ocupava nenhum cargo formal no governo líbio, mas enfeixava o poder de fato, concentrado no Conselho de Comando da Revolução, e subordinava as Forças Armadas a milícias especiais. A nação líbia, destituída de contrato constitucional operante, identificava-se à figura de Kadafi, o "Irmão Fraternal e Guia da Revolução".

Mais que qualquer ideologia, essa redução da nação à imagem de um condottieri atraiu a admiração de Fidel Castro e, mais tarde, de Hugo Chávez. Um ano e meio atrás, Lula dirigiu-se a Kadafi como "meu amigo, meu irmão, meu líder", saltando a fronteira que separa a cortesia protocolar da apologia repugnante. O cumprimento representou mais que uma esperteza instrumental, destinada à conquista de votos árabes e africanos para a pretensão brasileira a uma cadeira no Conselho de Segurança da ONU. Ela evidenciou, ao lado da conhecida inclinação do ex-presidente por cortejar ditadores, uma ponta de inveja pelo estatuto de um líder não embaraçado por qualquer limite institucional.

O fim de Kadafi joga mais um facho de luz sobre a facilidade com que o Ocidente imola posições de princípio no altar das conveniências geopolíticas circunstanciais. O tirano operou como elo de articulação logística de variados grupos terroristas, ordenou a explosão do voo da Pan Am em Lockerbie, financiou milícias de mercenários no Chade e no Sudão, ajudou a montar as máquinas genocidas de Idi Amin, em Uganda, e Mengistu Mariam, na Etiópia, treinou o sanguinário exército de Charles Taylor na Serra Leoa. Nada disso evitou uma ignóbil "reabilitação", negociada pela CIA em 2003, na moldura da "guerra ao terror", e conduzida por Washington, Londres e Roma. Há, mesmo pequena, uma chance de Kadafi se sentar no banco dos réus de um tribunal para crimes contra a humanidade. Ele teria histórias interessantes a contar.

Sociólogo e Doutor em Geografia Humana pela USP.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Distritão enfraquece partidos e cria parlamentar "biruta de aeroporto", critica Freire

Freire: Distritão é jabuticaba política, porque só existiria no Brasil

Valéria de Oliveira

A proposta de implantação no Brasil do voto "distritão" enfraquece os partidos políticos, beneficia candidatos financiados por grandes grupos econômicos e cria uma espécie de parlamentar "biruta de aeroporto", que não terá compromisso com projetos políticos de legendas e muito menos com o eleitor. “Cada um vai para onde o vento lhe assoprar e a Câmara será composta de birutas de aeroporto. Não se tem nenhum programa, nenhum projeto para o país; somente o projeto individual de cada um dos 513 mais votados para Câmara dos Deputados”, critica o deputado federal Roberto Freire (SP), presidente nacional do PPS.

Para o deputado, o sistema "distritão", onde os mais votados em cada estado são os eleitos, poderia ser batizado com um outro nome: “jabuticaba política, porque só existiria no Brasil. Nenhum país no mundo levou em consideração propostas desse tipo". Freire ressalta que enquanto nas demais democracias essa possibilidade nunca foi “minimamente discutida”, no Brasil é assunto de conversas do vice-presidente da República, Michel Temer.

O presidente do PPS defende a manutenção do voto proporcional, onde a soma de votos do partido/coligação é que garante a eleição do candidato, e rechaça a adoção do sistema majoritário puro (distritão) para a composição da Câmara dos Deputados, assembleias e câmaras de vereadores. “O voto proporcional garante a representação das minorias. Eu sou adepto da tese de que na democracia não é o direito das maiorias, mas o respeito às minorias, que garante o pluralismo e a alternância de poder”, afirma. Até porque, ressalta Freire, a minoria pode se tornar maioria.

O sistema distritão, por sua vez, acabaria com os partidos. “É eleito apenas o mais votado. E para que se precisaria de partido se ele é eleito apenas com seu voto? É o voto da celebridade, voto do poder econômico, que nada tem a ver com organização da cidadania, pois os candidatos são adversários entre si”, critica Freire.

A Câmara e o Senado já instalaram comissões especiais para debater, além do voto distritão, outros pontos da reforma política.

Distrital Misto

O PPS tem como proposta uma fórmula diferente: o voto distrital misto. Nesse sistema, explica Freire, se trabalha com o voto proporcional e o majoritário. "É a junção de ambos. Teríamos a metade do Câmara dos Deputados eleita por um voto nominal, majoritário, nos distritos (cada estado teria várias distritos), e a outra metade, pelo sistema proporcional (que receberia votos de todo o estado) de uma lista preordenada pelos partidos políticos”.

Segundo Freire, com esse sistema, a eleição em São Paulo, que tem 70 deputados federais, seria feita da seguinte maneira: O estado seria dividido em 35 distritos, que elegeriam, cada um, o seu distrital, o mais votado. Os outros 35 deputados seriam eleitos pelo sistema proporcional, no voto de legenda, na lista preordenada.

“Com isso, teríamos a vinculação de um representante diretamente num distrito, no voto majoritário, e, por outro lado, garantiríamos também uma representação político-partidária daquilo que os partidos têm de melhor”, defende Freire.

Benefício para os grande

De acordo com estudo feito pelo Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), levando em conta a eleição de 2010, os três maiores partidos - PT, PMDB e PSDB - seriam os mais beneficiados pelo "distritão". Os médios, como PP, PR, PSB e PDT, perderiam tanto se a proposta fosse aprovada quanto se as coligações acabassem. Aqueles que hoje têm menos de 20 deputados, caso do PPS, também seriam prejudicados, e alguns nanicos, como PHS, PRB e PSL, correm o risco de perder a representatividade na Câmara.

FONTE: PORTAL DO PPS

BC aumenta os juros pela 2ª vez no governo Dilma

Para conter a inflação, o Banco Central elevou, pela segunda vez no governo Dilma, a taxa básica de juros do país em 0,5 ponto percentual, fixando-a em 11,75% ao ano, o maior nível desde 2009. Nos cálculos do BC, o aperto monetário nos últimos três meses já equivale a 1,75 ponto percentual. Isso considera as duas altas de 0,5 ponto da Taxa Selic em 2011 e as medidas de restrição ao crédito, cujo impacto é estimado em 0,75 ponto. Segundo economistas, os últimos reajustes dos preços, que fizeram a inflação anual chegar a 6,08% - a meta do governo é de 4,5% -, devem obrigar o BC a subir os juros até junho, para 12,50%. Hoje, o Brasil terá a maior taxa real do mundo: 5,9%, contra 2% da Austrália. O governo ainda não incluiu no cenário futuro de inflação impactos negativos da crise no Norte da África e no Oriente Médio. Para a Fiesp, os juros altos vão desaquecer a economia ainda mais.

BC eleva juros pela 2ª vez no ano

Para conter inflação, Selic vai a 11,75%. Analistas projetam que taxa terá novas altas até junho
Patrícia Duarte e Wagner Gomes

OComitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC) fincou posição ontem e, apesar da pressão de parte dos agentes econômicos para acelerar o compasso, manteve o ritmo do aperto monetário ao elevar a taxa básica de juros do país em 0,5 ponto percentual, repetindo o movimento feito em janeiro passado. Com isso, a Selic passou a 11,75% ao ano, o maior patamar desde janeiro de 2009, quando ela estava em 12,75%. Foi a segunda elevação do governo Dilma. Segundo economistas, a alta dos preços nos últimos meses deve obrigar o BC a elevar a Selic pelo menos até junho. Será a única maneira, afirmam os analistas, de a autoridade monetária fazer a inflação convergir para o centro da meta de 4,5% em 2012, já que, para este ano, o objetivo está comprometido.

- O cenário de inflação surpreendeu nos últimos meses, com os preços bem acima das previsões. Isso fará o juro subir até junho, pelo menos, quando deve chegar a 12,75% ao ano. O BC não pode afrouxar o ciclo de aperto monetário se quiser convergir a inflação para o centro da meta em 2012 - disse Alessandra Ribeiro, economista da Tendências Consultoria.

Segundo boletim Focus, pesquisa do BC com analistas de mercado divulgada esta semana, a projeção para a inflação oficial subiu pela 12ªsemana consecutiva. A estimativa para o IPCA passou de 5,79% para 5,8%. Há quatro semanas, a projeção estava em 5,64%. Para 2012, a estimativa permanece em 4,78%. Em fevereiro, o IPCA-15 acumulou 6,08% em 12 meses.

A alta na Selic, que serve de base para os juros cobrados nos empréstimos, deixa os financiamentos mais caros, inibindo o consumo e reduzindo a pressão inflacionária. A expectativa é que, no próximo encontro do Copom, em abril, haverá outra alta de meio ponto e, em junho, mais uma de 0,25 ponto, encerrando o ciclo com a Selic a 12,50%.

Para BC, aperto já equivale a 1,75 ponto

A decisão foi unânime, mas o comunicado, desta vez, foi bem mais conciso do que o usual: "Dando seguimento ao processo de ajuste das condições monetárias, o Copom decidiu, por unanimidade, elevar a Taxa Selic para 11,75% ao ano, sem viés", diz a nota de ontem. Em janeiro, o BC havia ressaltado que as medidas de restrição ao crédito anunciadas em dezembro também ajudavam.

- O comunicado curto indica que o BC está confiante de que esse ritmo (de alta de juros) vai fazer a inflação convergir para a meta (de 4,5% pelo IPCA) - avaliou o economista-chefe da corretora Prosper, Eduardo Velho.

Nos cálculos do BC, com a elevação de ontem, o aperto monetário nos últimos 90 dias já equivale a 1,75 ponto percentual. Isso considera as duas altas de 0,5 ponto da Selic em 2011 e as medidas de restrição ao crédito, cujo impacto é estimado em 0,75 ponto.

Por isso, na avaliação dos técnicos da equipe econômica, o BC não está sendo leniente no combate à inflação. Nos últimos dias, cresceram as pressões do mercado para que o aumento de ontem fosse de 0,75 ponto. Além da ação do BC, contribui para este cenário o corte de R$50 bilhões no Orçamento. A avaliação da autoridade monetária é que, não fosse o arrocho fiscal, os juros teriam que subir ainda mais.

O governo ainda não incorporou possíveis impactos negativos da crise no Norte da África e no Oriente Médio e de problemas climáticos ao cenário futuro da inflação. Considera que a situação ainda é instável.

- Há sim uma maior pressão (sobre os preços) dos alimentos, mas há desaceleração da atividade econômica e o apoio da política fiscal. O BC acertou ao elevar a Selic em meio ponto - defendeu o economista-chefe do banco Fator, José Francisco Gonçalves.

Em reação ao novo aumento, o presidente da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq), Luiz Aubert Neto, afirmou que a decisão foi "um crime". Em nota, o presidente da Força Sindical, Paulo Pereira da Silva, disse que "mais uma vez" o BC atendeu "aos interesses do capital especulativo". Já a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) disse ter recebido a decisão do Copom com "indignação".

- Os impactos desse ciclo de elevação dos juros irão desaquecer nossa economia ainda mais no futuro próximo - afirmou o presidente da entidade, Paulo Skaf.

Com a alta, o Brasil permanece no primeiro lugar do ranking de maiores taxas reais de juros (descontada a projeção de inflação para os próximos 12 meses) de mundo, com 5,9%, segundo levantamento da corretora Cruzeiro do Sul com 40 países.

Num fato inédito, o Copom recebeu novos membros no meio de um processo de decisão do juro básico. Às pressas, depois da aprovação pelo Senado, na terça-feira, foram publicadas ontem no Diário Oficial da União (DO) as nomeações de dois diretores do BC, Altamir Lopes e Sidnei Marques, que ficaram livres para participar do segundo dia da reunião, com direito a voto. Os dois estiveram presentes no primeiro dia também, porém ainda como chefes de departamento, cargo que não lhes dava chances de votar.

Lopes, que durante 16 anos ocupou a chefia do departamento Econômico do BC, foi para a diretoria de Administração no lugar de Anthero Meirelles, que vai dirigir a de Fiscalização. Marques, ex-chefe do Departamento de Monitoramento do Sistema Financeiro e de Gestão da Informação, vai para a diretoria de Liquidações.

Colaborou: Lino Rodrigues

FONTE: O GLOBO

Nova profissão: Na estreia em palestras, Lula foge do improviso e faz elogio de seu governo

Ex-presidente ganha cerca R$200 mil para falar durante 50 minutos

Sérgio Roxo

SÃO PAULO. Em sua primeira palestra depois de deixar o governo, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva manteve o tom que adotava nos palanques e exaltou realizações de sua gestão. Mas, ao contrário do que fazia quando estava no cargo, o petista optou por ler a maior parte de sua fala para um grupo de mil funcionários, fornecedores e clientes da fabricante de eletroeletrônicos LG. O valor recebido por Lula não foi divulgado, mas a especulação no mercado de palestras é que o ex-presidente cobraria R$200 mil.

Jornalistas acompanharam apenas início da palestra

Por exigência de Lula, os jornalistas só puderam acompanhar os primeiros 15 minutos dos cerca de 50 minutos da palestra realizada ontem à noite em um pavilhão de exposições da Zona Sul da capital paulista. Quando os repórteres foram retirados do local, o petista usou mais improvisos em sua fala.

Lula iniciou a apresentação dizendo que "é preciso trabalhar para que o Brasil continue a ser governador por quem pensa em todos e não apenas em alguns". O ex-presidente citou muitos números, como o investimento de US$67,8 bilhões de empresas estrangeiras no país em 2010.

O petista voltou a dizer que durante o seu governo foram criados 15 milhões de empregos, que a taxa de desemprego despencou para 6,7% em 2010 e que 28 milhões de pessoas saíram da pobreza. Lula relacionou a melhoria da renda ao aumento de venda de produtos da LG.

Mas, as primeiras risadas da plateia ocorreram quando o ex-presidente contou como fez, durante a crise econômica de 2008, para que o Banco do Brasil passasse a financiar a venda de automóveis e os dirigentes da instituição disseram que não tinham expertise:

- Eu falei: "Em quanto tempo a gente forma essa tal de expertise?" Eles responderam que demoraria uns dois anos. Então, eu falei: "Vamos comprar essa tal de expertise e compramos 50% do Banco Votorantim".

Lula afirmou ainda que em dezembro de 2008 teve corajosa, ao fazer um pronunciamento para chamar a população a seguir consumindo:

- Quando veio a crise, eu disse que era uma marolinha. Por conta da marolinha, eu fui achincalhado porque estava menosprezando a crise.

- Confio na integridade e no compromisso ideológico da companheira Dilma que vai permitir que as pessoas mais humildes que foram para a classe C possam ir para classe B - disse.

FONTE: O GLOBO

Depois dos cortes, a criação de 624 novos cargos

Senado aprova projeto que dá 610 novas funções comissionadas ao INSS; impacto é de R$75,5 milhões ao ano

Cristiane Jungblut

BRASÍLIA. Apesar do anúncio de que não haveria mais concursos públicos ou nomeações, o governo se mobilizou e aprovou ontem na Comissão de Constituição e Justiça do Senado (CCJ), em caráter terminativo, projeto que cria 624 cargos de comissão e de confiança no âmbito do INSS: 610 funções comissionadas (que têm que ser preenchidas obrigatoriamente por servidores públicos concursados) e 14 cargos de confiança, os chamados DAS, de livre nomeação. O projeto vai direto à sanção da presidente Dilma Rousseff.

Além disso, o texto prevê a criação de 500 cargos de perito médico, no quadro efetivo do INSS. O impacto total é de R$75,5 milhões ao ano, sendo R$10 milhões das funções comissionadas e mais R$65,5 milhões dos 500 peritos, quando houver concurso e todas as vagas forem preenchidas. A oposição concordou com o projeto, mas criticou a forma de escolha dos servidores para as novas funções, temendo aparelhamento da máquina pública.

Como relator do projeto, o líder do governo no Senado, Romero Jucá (PMDB-RR), disse que a criação das novas funções comissionadas é fundamental para a implantação de novas agências do INSS e que o aumento do número de peritos é uma exigência da população.

O texto aprovado prevê a criação de 100 funções gratificadas e 510 funções comissionadas, totalizando 610 funções. Segundo o governo, ambas são preenchidas por servidores do quadro. A argumentação para criação dessas gratificações - que aumentam o salário dos funcionários - é a necessidade de se instalar com gerentes as novas agências do INSS, dentro do Projeto de Expansão da Rede de Atendimento.

Segundo Jucá, o programa tem hoje seis agências prontas para funcionar e ainda outras 256 em obras. No caso das funções gratificadas, a remuneração ao mês não passa de R$421,01. Já as funções comissionadas têm valores de até R$2.425,24 ao mês. Além dessas Funções, foram criados 14 DAS (Cargos de Direção e Assessoramento Superior), sendo 6 DAS-1, 5 DAS-2 e 3 DAS-4.

Em relação aos 500 peritos, o INSS oferecerá um salário de R$9,8 mil, entre salário-base e gratificação do cargo.

O líder também argumentou que faltam peritos no INSS e que isso melhorará o serviço. Nesse momento, o senador Eduardo Braga (PMDB-AM) disse que não adiantava enviar apenas um perito para áreas distantes da Amazônia, pois o serviço continuaria sendo insuficiente para a demanda.

Apesar das críticas, o senador Demóstenes Torres (DEM-GO) disse que o projeto era "importante para atender a população carente".

Na votação, um dos pontos mais polêmicos foi uma regra do Ministério da Previdência que dá pontuação especial aos servidores vinculados a entidades associativas, comunitárias e sociais dentro do processo seletivo para a escolha de funcionários que ocuparão função de confiança. A oposição tentou derrubá-la, mas foi derrotada. Os critérios foram usados na elaboração de uma lista de de servidores habilitados a ocupar cargo de gerente-executivo do INSS, ocupados por servidores de carreira.

FONTE: O GLOBO

Dilma exclui PDT de reunião política

O PDT foi excluído da reunião da coordenação política por não ter apoiado os R$ 545. O líder Giovanni Queiroz (PA) reagiu com ironia. Disse que Dilma “não o deixou no constrangimento" de recusar o convite.

Governo retalia o "não alinhado" PDT

Em represália por ter se recusado a apoiar em bloco o Planalto na votação do mínimo, sigla foi vetada em reunião de líderes na Câmara

Leonencio Nossa e Denise Madueño

Depois de aprovar com folga no Congresso o salário mínimo de R$ 545, a presidente Dilma Rousseff realizou ontem, no Palácio do Planalto, um encontro com 15 líderes aliados sem a presença de representantes do PDT, partido da base governista que apresentou o maior número de dissidentes nas votações.

Para formalizar o enquadramento do PDT , Dilma recebe hoje no Planalto o ministro do Trabalho, Carlos Lupi.

O governo usou o encontro de "confraternização" para marcar posição no momento em que se prepara para levar ao Legislativo um projeto de mudança na tabela do Imposto de Renda. "Foi uma reunião em que a presidente convidou líderes 100% aliados a ela", afirmou o ministro de Relações Institucionais, Luiz Sérgio, em entrevista.

Mais cedo, setores do governo negaram que o Planalto estava no comando direto da retaliação ao PDT. A lista teria sido preparada pelo líder do governo na Câmara, Cândido Vaccarezza (PT). Ao deixar a reunião, o petista confirmou que tinha sido autor da lista dos convidados, mas deixou claro que fez os convites seguindo ordens do Planalto. "Eu assumo a responsabilidade pelos convites. Eu só faço o que a presidente manda", afirmou Vaccarezza. "Nós estamos num regime presidencialista. Essa decisão é do governo. A decisão é sempre do presidente."

A decisão de Dilma em não convidar o PDT foi visto por auxiliares como um aviso à direção do partido, que não estaria "freando" o deputado Paulinho Pereira da Silva (SP), um dos principais críticos à proposta do governo para o salário mínimo. Esses mesmos assessores disseram que Dilma avisou o comando do PDT que a legenda tem um ministério. O Planalto avaliou que Lupi atuou no partido para aprovar os R$ 545, mas foi neutralizado por Paulinho.

Conselho. Em entrevista, o ministro Luiz Sérgio disse que o PDT poderá participar de novos encontros com a presidente. Ele afirmou que o partido vai compor o Conselho Político, órgão que Dilma pretende restabelecer e que reúne presidentes e líderes de partidos aliados.

"Não trabalhamos com retaliação", disse o ministro. "Quero reafirmar: o governo convidou os líderes. Foi um primeiro contato." O líder do PR, Lincoln Portela (MG), disse em tom de ironia que a ausência do PDT sequer foi comentada. "A conversa aconteceu tão naturalmente que nem lembramos. Isso quem está me lembrando agora são vocês", afirmou. "O PDT não está fora da base. É um da base, mas quem responde pelo PDT não sou eu."

O líder do partido, Giovanni Queiroz (PA), ironizou o encontro, mas preferiu não trombar. "A presidente é uma mulher extremamente inteligente. Ela não me deixou no constrangimento de ter de recusar o convite. Aqueles que foram ao Palácio estavam comemorando o salário mínimo de R$ 545 e eu gostaria de estar comemorando outro valor", afirmou. "Sou um perdedor nessa causa."

Ele disse que a bancada atua com uma linha programática. "Não existe alinhamento automático. Somos aliados, e não subordinados." O líder afirmou não ter ressentimento por não ter sido chamado à reunião da base com a presidente e negou que haja uma relação estremecida entre o governo e a bancada.

O PDT não deverá dar trabalho ao governo na votação da correção da tabela do Imposto de Renda. O governo defende o índice de 4,5%, mas há propostas da oposição de 10%.

DESENTENDIMENTOS NA BASE

Caso Lunus

Em 2002, o então PFL deixou o governo FHC após a Lunus, empresa, de Jorge Murad, marido de Roseana Sarney, ser investigada pela PF. A candidatura presidencial de Roseana foi implodida; o PFL culpou o PSDB.

Mensalão

O escândalo, que teve como protagonista o presidente do PTB, Roberto Jefferson, quase fez o partido abandonar a base de Lula. O presidente manteve aliados do PTB no governo, mas Jefferson tornou-se inimigo.

Salário mínimo

9 deputados do PDT votaram contra a proposta do governo federal que estabelecia o piso do salário mínimo em R$ 545

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Reforma política fica com protagonistas de escândalos

Entre os 41 titulares da comissão, estão Paulo Maluf, Valdemar Costa Neto, Eduardo Azeredo e José Guimarães

BRASÍLIA - Com "velhos" personagens da política, a Câmara instalou na terça-feira a comissão especial da reforma política. A missão de mudar a prática eleitoral foi entregue a deputados que são réus na Justiça ou personagens de escândalos.

Entre os 41 titulares estão Paulo Maluf (PP-SP), que travou uma batalha nos tribunais até ser excluído do rol dos fichas-sujas; Valdemar Costa Neto (PR-SP), que renunciou para não ser cassado na esteira do mensalão, e Eduardo Azeredo (PSDB-MG), ex-governador de Minas citado no "mensalinho mineiro". É titular também o deputado José Guimarães (PT-CE), que enfrentou processo de cassação como deputado estadual. Irmão do ex-presidente do PT José Genoino, Guimarães ganhou fama quando um assessor seu foi preso com US$ 100 mil escondidos na cueca.

Presidente do PT à época do escândalo conhecido por "dossiê dos aloprados", Ricardo Berzoini (SP) também tem vaga de titular na comissão. Em 2006, a Polícia Federal apreendeu R$ 1,7 milhão, dinheiro que seria usado para pagar um dossiê forjado contra o tucano José Serra (SP).

A comissão será presidida pelo ex-senador Almeida Lima (PMDB-SE), que ganhou os holofotes em 2007 por liderar a tropa de choque em defesa do então presidente do Senado Renan Calheiros (PMDB-AL). Renan renunciou à presidência do Senado depois de processos de cassação que chegaram ao plenário da Casa. Entre as acusações, teria usado recursos de um lobista para pagar despesas pessoais.

Almeida Lima repetiu a atuação nas acusações contra o atual presidente do Senado, José Sarney, no Conselho de Ética. Em 2009, Sarney teve de responder a uma série de denúncias envolvendo irregularidades na Casa, como a edição de atos secretos.

A comissão, como a instalada no Senado, tem a missão de elaborar um texto unificando as propostas dos diversos partidos e parlamentares, com mudanças na legislação política e eleitoral.

O relator, Henrique Fontana (PT-RS), elegeu o financiamento público de campanha como o pilar da reforma. "O financiamento público traz igualdade para as eleições", afirmou Fontana.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Aécio vai propor ''distritão misto'' nas eleições

Responsável por coletar propostas do PSDB para reforma política, senador tenta consenso entre o que PMDB e PT defendem

Marcelo de Moraes

O senador Aécio Neves (PSDB-MG) assumiu no tucanato a coordenação das propostas de reforma política e já defende a adoção de um sistema de votação já chamado de "distritão misto".

Nomeado como responsável pela coleta e organização das propostas do PSDB, Aécio cita como exemplo o caso da bancada de São Paulo, formada por 70 deputados. Pelo sistema sugerido, as primeiras 40 vagas seriam destinadas aos mais votados, independentemente de coeficiente eleitoral ou de voto de legenda. As 30 restantes seriam preenchidas por listas apresentadas previamente pelos partidos.

A proposta representa um meio termo do que defende o PMDB do vice-presidente Michel Temer, favorável ao distritão, que acabaria com o voto proporcional, e o que sugerem setores do PT, que preferem a votação em listas ou manter o sistema proporcional já existente. "Já estou conversando com os senadores sobre a proposta", afirma Aécio.

Na prática, a sugestão do ex-governador mineiro é um passo na direção de procurar algum tipo de acordo para fazer com que a reforma política possa avançar no Congresso. Hoje, existe consenso em poucos pontos da reforma, os principais partidos defendem pontos opostos, e Câmara e Senado decidiram criar cada um sua própria comissão especial para discutir o assunto.

Viabilidade. Aécio, um dos pré-candidatos do PSDB à eleição presidencial de 2014, concorda que essas dificuldades são um obstáculo. "É superável, mas é um problema. É um tema onde todos são especialistas. Só que 80% olham a partir do seu projeto, da sua viabilidade. Essa é a dificuldade maior que vamos ter para mexer no atual sistema político para eleição de parlamentares. Se é proporcional ou não", diz o tucano. "Eu lembro, ainda menino andando aqui no Congresso, que Tancredo Neves dizia que era mais fácil um boi voar do que um Congresso proporcional aprovar um voto distrital. Mas as coisas mudam."

O senador lembra que "sempre" defendeu o voto distrital misto, mas reconhece que o sistema enfrenta resistências por conta da definição de como seriam estabelecidos os distritos. Ele avalia que isso poderia levar a judicialização da discussão.

"O voto distrital permite essa vinculação maior do cidadão, mas tem o problema da divisão dos distritos. Nós sempre paramos nisso. Porque aí tem uma briga enorme, porque às vezes o sujeito tem a base eleitoral dele espalhada em dois, três distritos. Aí, a Justiça Eleitoral teria que fazer isso, haveria todo um ambiente de contestação judicial. Ou seja, essa discussão não sairia daqui", diz.

Aécio reconhece que a ideia do distritão é mais compreensível para a opinião pública que o sistema distrital misto. "Estamos saindo do conceito do que é melhor e indo um pouco para o pragmatismo. Surgiu essa ideia do distritão, que seria cada Estado", explica. Esse conceito, segundo o senador, "passa para a opinião pública como sendo uma coisa mais justa", mas é prejudicial ao sistema político. "Os partidos passam a ser puro homologadores de candidaturas. Um mero cartório de registro de candidaturas", avalia.

Para ele, a opção pelo "distritão misto" seria uma alternativa viável pois conciliaria dados positivos dos dois sistemas. "Pega o exemplo de São Paulo, que tem 70 parlamentares. Quarenta seriam eleitos pelo distritão. E os 30 restantes pela lista partidária, que é uma forma de você permitir que quadros partidários, que não têm tanta base eleitoral, estejam debatendo no Congresso."

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Tática da oposição vai mirar a classe média

Ideia de PSDB e DEM para se contrapor ao Planalto é fazer blitze de fiscalização sobre serviços públicos e defender consumidores prejudicados

Marcelo de Moraes

Um jantar reunindo parlamentares do PSDB e do DEM selou na noite de terça-feira a consolidação da estratégia de ação das bancadas dos dois partidos na Câmara para tentar enfraquecer o governo federal. A ideia é ampliar a fiscalização sobre serviços públicos e defender medidas que beneficiem diretamente consumidores prejudicados por eventuais atos e omissões do governo da presidente Dilma Rousseff.

Dentro dessa estratégia, o alvo principal é a classe média, mas serão feitas ações que, calcula a oposição, poderão ter efeito sobre as camadas de renda mais baixa da população. Uma das propostas é fazer uma espécie de blitz em hospitais públicos espalhados pelo País e denunciar o mau funcionamento.

"Essa conversa serviu para afinar nossa estratégia", confirma o líder do DEM na Câmara, Antonio Carlos Magalhães Neto (BA). "Chegamos a um consenso de que é importante fiscalizarmos a prestação de serviços que o governo deixa de fazer e mostrar isso para a opinião pública. E isso pode ser feito, de fato, com essas visitas a hospitais públicos, por exemplo, expondo o que o governo deixa de realizar, mas acaba não sendo visto."

O líder do PSDB na Câmara, deputado Duarte Nogueira (SP), também participou do encontro, realizado na casa do deputado Pauderney Avelino (DEM-AM), e concorda com a estratégia. "Queremos qualificar nossos argumentos como oposição. Precisamos ser mais substantivos e menos adjetivos. Aliás, o governo é que tem apelado para o adjetivismo ultimamente", avalia.

Duarte concorda que as blitze que a oposição pretende realizar poderão ter um efeito bastante positivo. "É importante fiscalizar os atos do governo ou a falta deles e oferecer esse material para a sociedade. Pretendemos sim dar visibilidade a isso, mostrando as imagens do que for encontrado."

Modelo. Para o presidente nacional do DEM, deputado Rodrigo Maia (RJ), essa estratégia pode garantir maior interação com a população. Ele lembra que o site do partido bateu recorde de acessos quando disponibilizou o modelo de requerimento para os consumidores entrarem com ação na Justiça contra a Infraero por conta de prejuízos causados pelo apagão aéreo. "Esse tipo de reação recebe resposta imediata. É esse contato com a sociedade que a oposição precisa buscar", diz.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Sociólogo perde cargo por críticas a ministra

Para tentar contornar a crise no Ministério da Cultura, a presidente Dilma Rousseff decidiu sustar a nomeação do sociólogo Emir Sader para a presidência da Casa de Rui Barbosa, subordinada à ministra, Ana de Hollanda, chamada por ele de autista. Mas, para o Planalto, Ana precisa mostrar pulso na condução da pasta.

Dilma entra em cena e tira Sader

CRISE NA CULTURA

Presidente aborta nomeação de sociólogo que chamara ministra da Cultura de autista

Vivian Oswald e Gerson Camarotti

Ogoverno abortou ontem a nomeação do sociólogo Emir Sader para a a presidência da Fundação Casa de Rui Barbosa com o objetivo de tentar por fim à crise que se instalou no Ministério da Cultura nas últimas semanas, depois que o intelectual se mostrou contra a posições da pasta e chegou a chamar a ministra Ana de Hollanda de "meio autista". O nome de Sader havia sido indicado para ocupar o cargo, mas sequer chegou a ser publicado no Diário Oficial da União. Com o respaldo do Palácio do Planalto, a ministra anunciou, por nota oficial assinada por ela, que já estava em busca de outro nome. "Comunico que o senhor Emir Sader não será mais nomeado presidente da Fundação Casa de Rui Barbosa. O nome do novo dirigente será anunciado em breve", diz o texto.

A decisão de sustar a nomeação foi da própria presidente Dilma Rousseff. O ministro da Casa Civil, Antonio Palocci, atuou para contornar a crise e tentar reforçar a autoridade da ministra. Segundo interlocutores, Dilma considerou as declarações do sociólogo à imprensa um ato de insubordinação e quebra de hierarquia. Nas palavras de um ministro com acesso ao gabinete presidencial, Sader teria "passado dos limites" e demostrou não entender como funciona o governo, muito menos a gestão Dilma, em que não há espaço para que subordinados desautorizem publicamente seus superiores.

A confirmação de Sader no cargo inviabilizaria a permanência de Ana à frente da pasta. A avaliação é que a confirmação de Sader para a Casa de Rui Barbosa abriria um grave precedente, mesmo com o forte apoio que ele tem de setores do PT.

Para Planalto, Ana tem de mostrar pulso

No Palácio do Planalto, porém, há o consenso de que Ana de Hollanda ficou extremamente fragilizada com o episódio. Caso ela não mostre autoridade e pulso para conduzir os problemas da Cultura nos próximos meses, será uma forte candidata a deixar o governo numa eventual reforma ministerial. Avaliação feita ontem no Planalto é a de que a ministra não conseguiu conduzir o debate sobre direitos autorais. Um interlocutor que esteve ontem com Dilma lembrou que essa questão virou um embate entre setores do próprio governo, do PT e da sociedade, numa espécie de "Fla x Flu".

Coube ao ministro Gilberto Carvalho, da Secretaria Geral da Presidência, informar a Sader que ele não seria mais nomeado. O apoio ao sociólogo era fortíssimo no PT, e dois de seus padrinhos no governo eram o próprio Carvalho e o assessor especial para assuntos internacionais da Presidência, Marco Aurélio Garcia. Segundo suplente do senador Lindberg Farias (PT-RJ), Sader foi o coordenador do evento de apoio do setor cultural à então candidata Dilma, no segundo turno. O evento reuniu artistas e intelectuais, como o cantor e compositor Chico Buarque, irmão da ministra. Na transição, Sader fez forte lobby para assumir o Ministério da Cultura, mas foi preterido por Dilma, que pretendia contemplar a questão de gênero na composição do primeiro escalão.

- Lamento a ausência de Emir Sader dentro do governo. Ele daria uma enorme contribuição ao Estado. É um grande pensador brasileiro com enorme disposição para contribuir para o país - disse o líder do PT, deputado Paulo Teixeira (SP).

Uma das críticas de Sader era em relação à redução do orçamento do ministério. A pasta teve um corte de R$529,3 milhões, ficando com um orçamento de R$806,6 milhões, contra a previsão original de R$1,33 bilhão. Antes, nos vetos, o governo já havia cortado R$237,3 milhões.

FONTE: O GLOBO

Sociólogo culpa pressões, imprensa e direita

Sader diz que discorda "frontalmente" de posições da nova gestão do Ministério da Cultura

Guilherme Freitas

Pouco após a divulgação da nota em que a ministra da Cultura, Ana de Hollanda, cancelou sua nomeação para a presidência da Fundação Casa de Rui Barbosa, Emir Sader publicou um comunicado em seu blog, no site da revista "Carta Maior" (), atribuindo a decisão à pressão da imprensa e a suas divergências com a administração do MinC. No texto, Sader diz que seu projeto de fazer da Casa um polo de debates sobre o Brasil contemporâneo, anunciado em entrevista ao GLOBO em 5 de fevereiro, desagradou a "setores que detiveram durante muito tempo o monopólio na formação da opinião pública", que "reagiram com a brutalidade típica da direita brasileira".

O sociólogo também criticou o MinC por ter "assumido posições das quais discordo frontalmente, tornando impossível para mim trabalhar no ministério, neste contexto". Embora não cite essas posições na nota, Sader manifestou, na mesma entrevista à "Folha de S. Paulo" em que chamou a ministra de "autista", divergências quanto à postura do MinC sobre propriedade intelectual e os Pontos de Cultura.

Sociólogo e cientista político formado na Universidade de São Paulo (USP) e atual diretor do Laboratório de Políticas Públicas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), onde também é professor de sociologia, Sader é um acadêmico de presença constante no cenário político nacional. Ligado ao Partido dos Trabalhadores (PT), ele foi um dos principais articuladores do evento "Cultura com Dilma", que, na reta final da campanha presidencial do ano passado, reuniu centenas de artistas no Teatro Casa Grande, no Rio, para um ato de apoio à então candidata do PT. Foi também um dos idealizadores do manifesto entregue a Dilma na ocasião, com mais de seis mil assinaturas.

Sader é autor, coautor ou organizador de quase cem obras, como "Latinoamericana - Enciclopédia contemporânea da América Latina e do Caribe", obra de referência de 1.406 páginas publicada em 2006, e "Século XX, uma biografia não autorizada: o século do imperialismo", além de diversos livros sobre marxismo.

Na nota divulgada em seu blog, Sader diz que sua intenção era de também fazer da casa, além de seu perfil atual de centro de pesquisas, um "espaço de debate pluralista sobre temas do Brasil contemporâneo, um déficit claro no plano intelectual atual". Na entrevista ao GLOBO em fevereiro, Sader defendia que o governo adotasse políticas culturais que "consolidem na cabeça das pessoas as razões pelas quais o Brasil está melhor". Depois da decisão da ministra, o sociólogo afirmou que desenvolverá o projeto "em outro espaço público, com todas as atividades enunciadas e com todo o empenho que sempre demonstrei no fortalecimento do pensamento crítico e na oposição ao pensamento único".

Ontem, antes da divulgação da nota da ministra, Sader publicara em seu blog outro texto, intitulado "Pensamento crítico contra pensamento único", no qual elogia intelectuais como Marilena Chauí, Maria da Conceição Tavares e Leonardo Boff, entre outros, que, segundo ele, desenvolvem "formas distintas de pensamento em uma lógica oposta aos dogmas do pensamento único, que continua a orientar a velha mídia".

Sader critica "consenso furioso da velha mídia"

No artigo, Sader diz que seu projeto para a Casa foi prejudicado por veículos de imprensa "que apoiaram a ditadura, foram perdendo leitores, credibilidade, viabilidade, foram sendo abandonados pelos jovens, pelos que preferem o pensamento crítico ao pensamento único".

"Todas as agressões que me reservam, eu as recebo como condecorações ao pensamento crítico. Não tive medo da ditadura, de processos que tentaram me silenciar, resisti, como tanto outros, a toda essa engrenagem e saímos vitoriosos, com a vitória do Lula e da Dilma. Grave seria se me exaltassem", continua Sader. No Twitter, o sociólogo criticou o "consenso furioso da velha mídia": "Eu não mereço tanta deferência assim da mídia. Se dedicam tanto a me criticar pelo medo que o seu pensamento único tem do pensamento crítico", escreveu.

FONTE: O GLOBO

Demissões no governo Dilma

Antes do sociólogo Emir Sader deixar o governo sem mesmo ter assumido o cargo, o advogado Pedro Abramovay abriu mão da Secretaria Nacional de Políticas Sobre Drogas (Senad) depois de ter desagradado a presidente Dilma Rousseff ao defender penas alternativas para pequenos traficantes.

Em entrevista ao GLOBO, Abramovay, que já tinha ocupado a Secretaria Nacional de Justiça, defendia que penas alternativas fossem aplicadas para quem está na situação intermediária entre usuário e traficante, desde que fosse réu primário. No entanto, José Eduardo Cardozo, ministro da Justiça, afirmou que a proposta do governo era oposta: a ideia era endurecer a pena para quem participasse de organizações criminosas. Também em janeiro, o presidente do Ibama, Abelardo Bayma Azevedo, pediu demissão.

Ele havia assumido em abril de 2010, e alegou motivos pessoais para deixar o cargo. Bayma sofria pressões de outras áreas do governo por conta da concessão de licenças ambientais.

FONTE: O GLOBO

O Rio – continuação:: João Cabral de Melo Neto

Ou
relação da viagem
que faz o Capibaribe
de sua nascente
à cidade do Recife

As duas cidades

Mas antes de ir ao mar,
onde minha fala se perde,
vou contar da cidade
habitada por aquela gente
que veio meu caminho
e de quem fui o confidente.
Lá pelo Beberibe
aquela cidade também se estende
pois sempre junto aos rios
prefere se fixar aquela gente;
sempre perto dos rios,
companheiros de antigamente,
como se não pudessem
por um minuto somente
dispensar a presença
de seus conhecidos de sempre.

Conheço todos eles,
do Agreste e da Caatinga;
gente também da Mata
vomitada pelas usinas;
gente também daqui
que trabalha nestas usinas,
que aqui não moem cana,
moem coisas muito mais finas.
Muitas eu vi passar:
fábricas, como aqui se apelidam;
têm bueiro como usina,
são iguais também por famintas.
Só que as enormes bocas
que existem aqui nestas usinas
encontram muitas pedras
dentro de sua farinha.

A gente da cidade
que há no avesso do Recife
tem em mim um amigo,
seu companheiro mais íntimo.
Vivo como esta gente,
entro-lhes pela cozinha;
como bicho de casa
penetro nas camarinhas.
As vilas que passei
sempre abracei como amigo;
desta vila de lama
é que sou mais do que amigo:
sou o amante, que abraça
com corpo mais confundido;
sou o amante, com ela
leito de lama divido.

Tudo o que encontrei
na minha longa descida,
montanhas, povoados,
caieiras, viveiros, olarias,
mesmo esses pés de cana
que tão iguais me pareciam,
tudo levava um nome
com que poder ser conhecido.
A não ser esta gente
que pelos mangues habita:
eles são gente apenas
sem nenhum nome que os distinga;
que os distinga na morte
que aqui é anônima e seguida.
São como ondas de mar,
uma só onda, e sucessiva.

A não ser esta cidade
que vim encontrar sob o Recife:
sua metade podre
que com lama podre se edifica.
É cidade sem nome
sob a capital tão conhecida.
Se é também capital,
será uma capital mendiga.
É cidade sem ruas
e sem casas que se diga.
De outra qualquer cidade
possui apenas polícia.
Desta capital podre
só as estatísticas dão notícia,
ao medir sua morte,
pois não há o que medir em sua vida.

Conheço toda a gente
que deságua nestes alagados.
Não estão no nível de cais,
vivem no nível de lama e do pântano.
Gente de olho perdido
olhando-me sempre passar
como se eu fosse trem
ou carro de viajar.
É gente que assim me olha
desde o sertão do Jacarará;
gente que sempre me olha
como se, de tanto me olhar,
eu pudesse o milagre
de, num dia ainda por chegar,
legar todos comigo,
retirantes para o mar.