segunda-feira, 7 de março de 2011

Reflexão do dia – Fernando Henrique Cardoso

Talvez seja este o enigma a ser decifrado pelas correntes que desejem ser "progressistas" ou "de esquerda". Enquanto não atinarem ao "novo" nas circunstâncias atuais - que supõe, entre outras coisas, a reconstrução do ideal democrático à base da participação ampliada nos circuitos de comunicação para forçar maior igualdade -, não contribuirão para que a cada surto de vitalidade em sociedades tradicionais e autocráticas surjam de fato formas novas de convivência política. Agora mesmo, com as transformações no mundo islâmico, é hora de apoiar em alto e bom som os germens de modernização, em vez de guardar um silêncio comprometedor.

Há silêncios que falam, murmuram, contra a opressão. Mas há também silêncios que não falam porque estão comprometidos com uma visão que aceita a opressão. Não vejo como alguém se possa imaginar "de esquerda" ou "progressista" calando no momento em que se deve gritar pela liberdade.

HENRIQUE CARDOSO, Fernando. Silêncios que falam. O Globo, 6/3/2011

Pós-consumismo :: José Roberto de Toledo

O brasileiro é antes de tudo um consumidor. Na economia, o consumo das famílias impulsionou o maior salto econômico do País em um quarto de século. Na Justiça, a maior parte da pilha acumulada é de ações movidas por consumidores insatisfeitos. Na política, o bolso do eleitor decidiu todas as campanhas presidenciais recentes.

As razões que comandaram esse processo são conhecidas: décadas de estagflação, séculos de exclusão. A histórica falta de renda e de crédito para a maioria da população criou uma demanda reprimida de dezenas de milhões de não-consumidores. Gente que só podia olhar a vitrine.

Quando o dique rompeu, a onda de consumo encheu as lojas, inundou os tribunais e levou de enxurrada tudo o que dificultava o acesso às gôndolas dos mercados. Não se pode dizer que ela lavou a política, mas fez naufragar alguns partidos. Outros emergiram.

As consequências de o Brasil estar se tornando uma nação de consumidores ávidos vão muito além do provinciano confronto PT-PSDB. É uma questão de prioridades, do que é mais importante para os habitantes de Pindorama.

Isso tem impacto direto sobre o exercício da cidadania. Tome-se a pesquisa que a Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas faz a cada três meses em todo o Brasil sobre a confiança no Judiciário e o que motiva alguém a pisar num tribunal.

Pouco menos de metade dos brasileiros adultos declarou já ter movido algum tipo de ação na Justiça. Desses, 1 em cada 3 foi movido por cobranças indevidas, serviços pagos e não realizados, ou seja, por julgarem que seus direitos de consumidor não foram respeitados.

Nenhum outro tipo de demanda judicial provocou a abertura de tantos processos. Nem mesmo as ações trabalhistas (25%), como pedidos de indenização. Tampouco as queixas relativas ao direito da família, como divórcios, pensões, guarda dos filhos.

Do ponto de vista do movimento da Justiça brasileira, o consumidor vem antes do trabalhador, do cônjuge, dos pais. Não se faz aqui juízo moral, não se pretende tachar esse movimento de bom ou ruim. Antes, é preciso constatar sua amplitude.

Fernando Henrique Cardoso se elegeu presidente após controlar a inflação. Reelegeu-se quando os neoconsumidores temeram que ela voltasse. Quatro anos de estagnação econômica depois, os mesmos eleitores arriscaram uma mudança. Sob Lula, o consumo explodiu. Ele se reelegeu, fez a sucessora.

A cronologia que antepõe o acesso ao consumo à vitória eleitoral soa simplista, mas é factual. Difícil encontrar correlação mais forte nas eleições presidenciais. Em todas, ganhou o candidato que conseguiu vender a si mesmo como o caminho mais seguro do consumidor até o mercado.

Prioridades. Estão erradas todas as pesquisas que sempre apontam educação, saúde e segurança como os temas que mais preocupam os brasileiros? As pessoas mentem aos pesquisadores? Não e não (ao menos a maioria). Mas nem sempre o que se diz a si próprio ser o mais importante é o que se faz primeiro. O mesmo vale para o eleitor.

É politicamente correto declarar que o interesse individual deve se submeter ao coletivo. Mas não é apenas em Brasília que a ordem dessas prioridades é invertida. Na solidão da cabine de votação também.

O resultado da urna não é uma declaração de boas intenções, mas a soma dos interesses individuais da maioria. Se o principal símbolo de status social são os bens que cada um possui, não deveria espantar que o candidato que parecesse mais apto a distribuí-los a mais gente vença.
Pode-se imaginar que isso é uma etapa. Que quando a maioria puder comprar os mesmos carros, roupas e grifes, os sinais de diferenciação social tenderão a mudar.

Pesquisas mostram que uma das ambições do neoconsumidor é ser socialmente aceito nos ambientes que passou a frequentar. Saber "se comportar" é uma preocupação. É sinal de que priorizar de fato a instrução será o passo seguinte ao acesso ao consumo?

Pode ser otimismo, mas é também uma necessidade coletiva. Nenhum país conseguiu sustentar seu crescimento econômico sem investir na qualificação de sua mão de obra, ou seja, na educação da população.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Bolo de cenoura:: Melchiades Filho

A temporada de reorganização partidária não se resume ao encolhimento da oposição, vítima do adesismo de uns e do personalismo de outros. Movimento importante ocorre também na base do governo: o PSB tenta ganhar musculatura para reivindicar o papel de parceiro preferencial do PT.

O PSB colheu boas votações em 2010, tem líderes com índices lulistas de popularidade e está empenhado em crescer -leia-se, em acomodar todo mundo e qualquer um.

A Dilma interessa uma força que rivalize com o PMDB. Lula falava numa frente ampla de esquerda. A sucessora, prática, optou por engordar o PSB. Daí a bênção à incorporação do prefeito de São Paulo, o serrista Gilberto Kassab (DEM).

Para manter os dois aliados sob controle, o Planalto balança a mesma cenoura: a posição de vice na chapa presidencial de 2014.

Como deseja reeditar a dobradinha de 2010, Michel Temer, presidente do PMDB, pacientemente tolera rasteiras em antigos redutos do partido (Funasa, Correios, Furnas).
Como sonha em substituir Temer daqui a quatro anos, Eduardo Campos, presidente do PSB, começa a fechar portas a amigos da oposição.

O mapeamento do segundo escalão feito pela Folha, no entanto, escancara a essência do jogo.

A presidente nomeou 124 filiados do PT. Do PMDB e do PSB? Só 13 e 10. "Critério técnico" é isso aí.

A mesma lógica prevaleceu nos cortes do Orçamento. Ministérios do PT levaram um talho de menos de 10%. Saúde e Desenvolvimento Social passaram quase batidos.

Repartições dos aliados, por sua vez, sofreram brutalmente. Nas mãos do PT, o Turismo era a pasta mais beneficiada pelas emendas parlamentares. Entregue agora ao PMDB, perdeu 84% das verbas.

Dilma cuida de seus correligionários. Modula e ao mesmo tempo contém o poder de fogo dos aliados. PSB, PMDB e "traíras" da oposição se acotovelam hoje pelo direito de serem estrangulados amanhã.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

Renovação no PT?:: Fernando de Barros e Silva

A sucessão de Gilberto Kassab é um assunto extemporâneo. Mas não, certamente, para aqueles que vão protagonizá-la. Hoje, nem o prefeito, nem o PSDB, nem o PT têm ainda candidato. Até por isso, especula-se à vontade.

Todos, na situação e na oposição, aguardam José Serra. Mas ninguém se ilude mais com sua figura hamletiana. O sinal de fumaça branca, se vier, sairá da chaminé do tucano na undécima hora.

No PT é crescente a pressão por um nome diferente na disputa. Alguém que, além de representar uma renovação, tenha perfil e potencial para seduzir as classes médias, historicamente refratárias ao partido na cidade. Sem invadir a mancha azul (tucana) do mapa de votação, o petismo tenderá a morrer mais uma vez abraçado ao cinturão vermelho da periferia.

Os nomes que poderiam preencher esses requisitos são todos ministros: José Eduardo Cardozo (Justiça), Fernando Haddad (Educação) e Alexandre Padilha (Saúde).

Cardozo tem mais história e inserção partidária que Haddad. Mas seu prestígio com Lula é muito baixo. O ministro da Educação, pelo contrário, é filho dileto do ex-presidente, mas no PT paulistano a má vontade em relação a seu nome é imensa. São problemas simétricos. Padilha é dos três quem transita melhor na máquina partidária, mas é também o mais cru politicamente.

Entre os veteranos, Marta Suplicy hoje está praticamente descartada, mas Aloizio Mercadante ainda não. Apesar das duas derrotas para os tucanos no Estado, ambas em primeiro turno, é improvável que seja atropelado. Mesmo a contragosto, devem lhe dar, em algum momento, a opção de compra. Com ele, no entanto, não há renovação e a sedução das camadas médias ficaria mais difícil.

Muita água ainda vai rolar (e muitas enchentes junto), mas o PT hoje tem a avaliação de que, com ou sem Serra, o campo tucano-demista estará mais frágil do que na eleição anterior. Faz sentido.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

Depois da festa, a conta :: Paulo Brossard

A 31 de dezembro do Ano da Graça de 2010 findou-se o octonado do presidente Luiz Inácio, que proclamou ter sido o maior e melhor de todos os governos. No dia 1º de janeiro de 2011 teve início o quadriênio da senhora Dona Dilma e, sem demora, o Banco Central elevou o juro básico, ao mesmo tempo em que deixava claro que outros aumentos estavam previstos. Já agora, mal completados 60 dias de governo, o mesmo Banco Central, pressurosamente, aumentou pela segunda vez em meio por cento o juro básico, que passou para 11,75%, tudo por conta da inflação. Desta maneira, o Brasil cresceu na liderança mundial do juro real, descontada a inflação, agora a 6,1% ao ano, ficando a Austrália em segundo lugar, com 2% ao ano.

Não votei na senhora presidente, nem tenho por que aplaudir seus dois primeiros meses de governo, mas me parece conveniente, senão necessário, salientar que, enquanto ao governo do ex-presidente cabem todas as benemerências, as maleficências vêm sendo imputadas ao governo que se inaugura. Assim, a inflação apregoada surgiu de inopino no dia 1º, 2 ou 3 de janeiro, e dela não se sabia gorda e luzidia antes de 31 de dezembro, guardada nos refolhos oficiais para aparecer no dia 19 de janeiro a motivar o primeiro Ukase do Banco Central? Ou alguma coisa está mal contada nessa estória?

Afinal, houve o propósito de mascarar a inflação para não obnubilar o maior e melhor de todos os governos, deixando à malícia a incumbência de colocar no colo da senhora presidente, entre as flores da posse, a febre que se alastra? Sem falar em inapagável traço burlesco, o ministro da Fazenda do maior e melhor dos governos continua sendo o ministro da Fazenda do governo que acaba de descobrir uma conta de “saldos a pagar” que rivaliza com o dobro do custo estimado do trem bala do Rio a São Paulo.

Outro dado de particular relevo envolve a responsabilidade do ex-presidente da República, no dia 1º do corrente mês, depois de terem sido quitados R$ 28 bilhões, destinados por ele no ano eleitoral, sobrevêm mais de R$ 98 bilhões a pagar, ou seja, quase o dobro do corte ou do “condicionamento” decretado pela atual presidente. Bastaria esse número para retratar o montante excepcional do gasto. Tenho receio de não ser exato em tais dados, mas o que me parece sem sombra de dúvida é que um governo regularmente organizado não pode gastar somas desta ordem de maneira anárquica. Nem de longe falo em desvios ou locupletamentos, pois não tenho elementos a respeito, mas me limito a registrar o fato em sua objetividade. E estes são espantosos. De tal maneira que, segundo a mesma fonte, o governo de Dona Dilma estaria examinando a hipótese de não honrar despesas bilionárias contraídas pelo governo qualificado de “o maior e melhor de todos os governos em todos os tempos”.

Não sei qual será a decisão da senhora presidente diante da seleção de despesas contratadas pelo governo do ex-presidente, sabendo-se, contudo, que o cancelamento de contratos poderia alcançar R$ 39,9 bilhões. Os números são astronômicos e a facilidade com que se agia em matéria de dinheiro público autoriza o mais complacente observador a duvidar da sentença do presidente Luiz Inácio, segundo o qual o seu governo teria sido o maior e o melhor de todos os governos do país em todos os tempos.

* Jurista, ministro aposentado do STF

FONTE: ZERO HORA (RS)

Um páreo de cavalos chucros:: José de Souza Martins

Motoristas, motociclistas, ciclistas e pedestres movem-se possuídos por uma concepção ditatorial do espaço e seu uso

O atropelamento de um grupo grande de ciclistas por um motorista de carro, em Porto Alegre, é um desses casos que expõem a complexidade de problemas sociais relativos à nefasta articulação de urbanização patológica com democratização inconclusa. Muita coisa foi atropelada naquela manhã de sexta, na Rua José do Patrocínio, naquele atropelamento dos ciclistas que faziam uma manifestação em favor do uso da bicicleta no deslocamento urbano dos moradores.

Não se trata de um acidente nem de um acaso. De um lado, porque o atropelador já altercara com os ciclistas quanto ao uso da rua. De outro, porque, segundo o Ministério Público, tem ele um histórico de violações: “Possui três processos por ameaça e agressão física, além de multas de trânsito por excesso de velocidade, trânsito na calçada, na contramão, em marcha à ré e por conversão proibida”. O autor da violência é funcionário de banco, pessoa de classe média, supostamente esclarecida, consciente das violações. Os ciclistas têm contra si o fato de que não notificaram a autoridade competente quanto à demonstração que fariam para que recebessem a devida proteção e para que os demais usuários da via pública, com urgências diversas das suas e motivações próprias, não fossem eventualmente prejudicados.

A ocorrência justamente indica que as irracionalidades sociais não se limitam àquelas populações ainda pouco familiarizadas com o mundo urbano, cotidianamente surpreendidas e mesmo vitimadas por violações de regras que desconhecem e uso impróprio de espaços e lugares. Por diferentes motivos, de ambos os lados, os envolvidos entraram conscientemente no jogo de tensões relativas ao uso do espaço urbano.

Os ciclistas são militantes do movimento internacional Massa Crítica, que em muitos países procura despertar as consciências para a alternativa da bicicleta no transporte urbano. Querem humanizar o trânsito, arrancando os seres humanos de sua insalubre passividade física no deslocamento espacial. É um movimento de jovens. Portanto, um movimento de renovação das mentalidades na perspectiva das demandas próprias das novas gerações, cansadas dos abusos e conformismos da geração que, no último meio século, foi a dos diletos filhos da sociedade de consumo.

O automobilista impaciente e imprudente está do outro lado, o da geração do automóvel e de tudo de problemático que o automóvel, símbolo maior da sociedade de consumo, representa nos dias de hoje. Inúmeras ocorrências semelhantes, em diferentes lugares do Brasil, e mesmo em outros países, já mostraram que o automóvel se tornou um instrumento de afirmação violenta de direitos de seus motoristas, o panzer da blitzkrieg urbana, a arma de afirmação da identidade dos que, nessa modalidade de uso do carro, se revelam instrumentos de seu instrumento, forma extrema e exacerbada da alienação moderna, o homem convertido em coisa de suas coisas.

Alienação, também, porque muitos motoristas se imaginam pessoalmente possuídos da força de suas máquinas, supondo-se protegidos por elas quando transgridem e fogem, movidos pelo medo ou pela covardia. O caso indica, também, que hoje temos acesso a bens modernos, como o carro, ainda que movidos por uma mentalidade arcaica e antiurbana.

No cenário geral, o caso de Porto Alegre é indicativo da nossa persistente intolerância política com os movimentos sociais. Embora eles constituam a forma moderna e pacífica de anúncio e proposição das demandas sociais. Foi neles que a sociedade civil encontrou um democrático instrumento de reivindicação social e política. É verdade que não raro os movimentos de rua se apresentam como arrogante forma de peitar os circunstantes e os democraticamente indiferentes.

Criou-se com isso, sobretudo entre nós, uma cultura de absurdos, que se estende muito além do carro, nessa espécie de prerrogativa generalizada dos mais fortes contra os mais fracos. Os motoqueiros, tomados de ira contra os carros, fazem com os pedestres o que os automobilistas fazem contra eles. E mesmo os ciclistas se lixam para os pedestres, pondo-os em risco com seu trânsito desregrado. Nem por isso os pedestres são flores que se cheire: atravessam fora da faixa (até porque sabem que a faixa, no desrespeito geral, é mais perigosa do que a travessia arbitrária e imprudente). E não são raros os que preferem caminhar pelo leito da rua em vez de fazê-lo pela calçada, numa proclamação perigosa de que os pedestres têm direitos absolutos sobre o espaço público.

Em tudo, na verdade, uma mentalidade rústica, motoristas, motoqueiros, ciclistas e pedestres movendo-se como se estivessem cavalgando cavalos chucros, todos possuídos por uma concepção ditatorial do espaço e seu uso. Como se cada um tivesse o direito de inventar suas próprias regras de trânsito. São reiteradas as demonstrações de incompetência e insensibilidade para reconhecer o urbano como tecido da diversidade e da pluralidade, que deveria ser o lugar do encontro e não do desencontro.

José de Souza Martins, Professor Emérito da Universidade de São Paulo, é autor de A sociabilidade do homem simples (Contexto)

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO / ALIÁS

Mais inflação e menos crescimento:: Paulo Guedes

O registro é do Federal Reserve (Fed), o banco central americano, em seu último relatório de acompanhamento da atividade econômica: “A expansão continuou em ritmo moderado em vários distritos nos meses de janeiro e fevereiro, com a indústria de manufaturas e o comércio varejista repassando as pressões de custos para os preços ao consumidor.”

Aqui no Brasil, com a inflação em torno dos 6% anuais, o problema não é apenas de um nível bem acima da meta de 4,5% ao ano, mas também que a disseminação dos reajustes de preços continua a se alastrar por toda a economia, atingindo número cada vez maior de produtos e serviços.

Na China, os preços de alimentação subiram 10,3% nos últimos doze meses, enquanto os custos de habitação aumentaram 6,8% no mesmo período. Os índices de preços no atacado subiram 8,23% na Índia, 7% na Indonésia, 6,1% na União Europeia e atingiram os dois dígitos na Inglaterra.

As pressões de custos estão em toda parte. A crise da Líbia apenas colocou em destaque a explosão do preço do petróleo. Mas com os combustíveis sobem também os custos de transportes. E, junto com os custos das matérias-primas industriais e dos grãos, que já estavam em alta, sobem agora os preços da carne, das frutas, dos vegetais e dos laticínios, críticos para as futuras negociações de reajustes de salário em todo o mundo.

Os repasses das pressões de custos ao longo da cadeia produtiva e as expectativas adversas de inflação ascendente são o mais novo e importante desafio da economia global.

“O efeito mais provável do recente salto nos preços das commodities é um aumento temporário e modesto no ritmo de elevação de preços ao consumidor. Mas uma alta ininterrupta nos custos de insumos básicos ameaçaria a estabilidade de preços e o crescimento”, opinou o presidente do Fed, Ben Bernanke, em depoimento ao Senado.

Pois bem, alguém precisa avisar a Bernanke que essa temida alta contínua e generalizada de custos já está ocorrendo globalmente. Não há como escapar ao “cost-push?”: já estamos condenados a mais inflação e menos crescimento. Se os bancos centrais mantêm a política de juros baixos para atenuar o desemprego, estimulam os repasses de preços e agravam o processo inflacionário. Se, ao contrário, tentam comprimir os repasses de custos subindo os juros para moderar seu impacto inflacionário, derrubam o crescimento e agravam o problema do desemprego. É hora de pagar a conta da farra global.

FONTE: O GLOBO

Moacyr Scliar:Literatura feita de vida e amor

Com rara erudição, cortante crítica social e observações cáusticas, textos de Moacyr Scliar apontam sempre para as questões essenciais da tragédia humana

Guiomar de Grammont

Moacyr Scliar era daquelas pessoas sem reposição. Nunca mais haverá ninguém como ele, tão solícito com os amigos, tão discreto e elegante diante de uma confidência, tão generoso ao dar um bom conselho. Ele era, como muitos vêm lembrando, nosso Príncipe das Letras, caracterizava-se pela nobreza e solicitude no trato com as pessoas. Ele e Judith, a esposa que, em geral, o acompanhava em suas viagens, conseguiam tornar qualquer conversa agradável, passar alguns momentos com eles era um privilégio. Quando a conheci, julguei-a tão encantadora, que lhe perguntei se ela era "a segunda esposa do Moacyr". Os dois riram muito, pois eram casados há mais de 40 anos, a "primeira esposa" era ela mesma. Tentei, atabalhoadamente, explicar que havia julgado o par tão harmônico, ambos tão próximos um do outro, que não podia ser que tivessem acertado tanto logo de primeira, sem nenhuma tentativa prévia. Judith replicou, sorrindo: "Tu és uma figura, Guiomar!". A anedota entrou para o repertório dos Scliar e tive que confirmá-la algumas vezes, junto de outros amigos.

Fiquei muito surpresa quando, ao ser apresentada a Moacyr, ele contou que já me conhecia, pois havia lido meu livro sobre Don Juan, Fausto e o Judeu Errante em Kierkegaard. Passamos um par de horas falando sobre o judeu que vagava eternamente pelo mundo, sem repouso, lenda que o fascinava. Ele gostava de contar uma história em que sua mãe que, ele dizia: "Como toda mãe judia, só pensava em alimentar bem os filhos", ao perceber que seu irmão não comia nada, o seguiu e descobriu que o pequeno rebelde recusava a comida dela, mas pedia alimento aos operários que faziam uma obra em frente à rua. "Foi aí que minha mãe, antes do Lula, fez o primeiro pacto com os operários da história do Brasil...", dizia Moacyr, arrancando gargalhadas da plateia. E completava: ... "ela passou, então, a encher a marmita dos operários para que o filho não deixasse de comer sua comida". A plateia ia abaixo, de tanto rir, mesmo que já tivesse ouvido a história, tamanha era a graça com que ele a contava.

A cultura judaica, matéria de muitos de seus livros, para ele, era marcada por contradições, como revela seu interessante ensaio, O Enigma da Culpa, em que desfia muitas histórias de sua juventude. Como memória de infância, porém, sempre julguei que o livro que realmente retratava o imaginário esfuziante do menino que viria a se tornar um dos maiores escritores brasileiros, era A Guerra no Bom Fim, seu primeiro romance, um conjunto de histórias fantásticas, vividas na época da 2.ª Guerra, nessa espécie de país surreal que, não por acaso, tinha o nome do mesmo bairro de imigrantes judeus de Porto Alegre, em que Moacyr havia crescido. Ali moravam o menino Joel e sua turma, mas Bom Fim era também povoado por personagens extraordinários, como Kafka, Chagall e também super-heróis de revistas em quadrinhos da época, além de personagens não menos fantásticas, como uma sensual jumenta que arrebatava os corações dos homens.

O primeiro livro que li de Moacyr foi A Mulher Que Escreveu a Bíblia e passei a ler todos que ele publicava, desde então. Lembro-me que tinha chegado de viagem e devia ainda buscar condução para Ouro Preto, mas o livro era tão envolvente que não consegui tomar nenhuma providência para comprar passagem de ônibus, enquanto não o terminei. Nesse livro, que passei a presentear, emprestar e recomendar a todas as pessoas que eu conhecia, um professor de história faz experimentos não ortodoxos em seus alunos das virtudes da "terapia das vidas anteriores" e, por essa estranha via, surge a voz da narradora, uma concubina de Salomão invocada nos experimentos espiritualistas. O livro é a narrativa das peripécias tragicômicas dessa mulher de natureza apaixonada, porém, de feiura sem remédio, para fazer com que o rei a escolha, dentre as 700 esposas de seu harém. Finalmente, Salomão acaba atraído pela inteligência de sua consorte, a qual teria sido a verdadeira fonte de todas as sábias decisões atribuídas ao rei pela tradição. O soberano lhe confia a tarefa de escrever uma narrativa histórica que culmine com a descrição de sua glória e poder. Não por acaso, o livro virou peça de teatro, tão delicioso e engraçado o discurso da personagem.

Talvez para justificar as divertidas interpolações de expressões contemporâneas nas histórias bíblicas, Scliar utilizava com frequência o recurso, comum na literatura romântica, de inserir uma história dentro de outra. Frequentemente, personagens do presente, como médiuns ou professores, eram os narradores do enredo, contado, em geral, em primeira pessoa, sem mediações. Dessa forma, ele reinterpretava as passagens da Bíblia, fazendo a crítica do presente através de curiosos anacronismos, como no recente Manual da Paixão Solitária, em que Judá sonha em abrir uma franquia - que fará muito sucesso e se espalhará em tendas pelo deserto - para explorar o extraordinário dom de interpretação de sonhos de seu irmão José. As figuras lendárias do livro sagrado acabavam personificando vícios e virtudes dos seres humanos. Apesar da cortante crítica social, Moacyr tinha tanta simpatia por seus personagens, que não era difícil nos identificarmos com suas mazelas e fraquezas, com seus atos impensados e desejos recônditos. Em uma das vezes em que mediei mesas com ele, perguntei a meu amigo por que recorria à Bíblia para falar da vida atual. Sorrindo, ele respondeu que assim era mais seguro. Não corria risco de nenhum conhecido julgar que fora retratado em seus livros.

Em vários das suas obras, como é o caso desse maravilhoso best-seller, em que a protagonista escreve para superar suas desventuras e também do Shelá de Manual da Paixão Solitária, a escritura confere a seus personagens um lugar no mundo. O narrador escreve para dar vazão a desejos não realizados. Escrever é ato que realiza e redime, faz com que o homem supere as limitações impostas pela existência.

Certa vez, na Bienal de Minas, alguém enviou um twitter estranhando que apresentássemos Moacyr Scliar como um escritor irônico, pois a imagem que tinham dele era de um senhor sério e engravatado. Da mesma forma, achei graça quando alguns alunos que o haviam conhecido no Fórum das Letras me manifestaram quanto ficaram surpresos e encantados com seus livros. Acharam incrível que aquele senhor sábio e simpático, que lhes lembrava os mestres do filme Guerra nas Estrelas, fosse o autor de uma literatura com tanto erotismo e sarcasmo. Ficaram maravilhados com as observações cáusticas do autor sobre a vaidade, as pretensões e a concupiscência da humanidade.

Ele sempre tinha um bom conselho: em Ouro Preto, quando lhe disse que estava escrevendo um romance sobre a Guerrilha do Araguaia, me disse para continuar a ler tudo que pudesse encontrar sobre esse episódio da história brasileira. Porém, ao contrário do que eu fazia no trabalho acadêmico, ao escrever ficção, devia deixar de lado as fontes de pesquisa e "soltar o verbo, o mais livremente possível". Essa delicadeza era parte dele, uma característica de seu espírito generoso, sempre disposto a ouvir e compreender as inquietações mais simples dos jovens escritores que o procuravam. Em Salvador, em um café da manhã, me advertiu que jamais, em hipótese alguma, devia confessar que havia esquecido o nome da pessoa para quem deveria dedicar um livro. Disse, com o gostoso sotaque do Sul: "Tu não te lembras daquela pessoa, mas ela está ali, satisfeita porque tu fizeste parte da vida dela e nunca te perdoará o esquecimento". Ele e Judith me fizeram rir, contando casos sobre situações em que Moacyr precisou encontrar uma saída de emergência.

Ele costumava escrever mais de um livro por ano e já havia publicado mais de 70. Contei-lhe que seu conterrâneo, o escritor Amílcar Bettega, me disse que, em Porto Alegre, circulava a lenda de que Scliar tinha uma legião de anões que escrevia por ele. Dias depois, em Lyon, no Festival Belles Latinas, sem saber que esta seria a última vez que veria meu amigo querido, lhe perguntei: "Como é isso, como consegue ser tão profícuo?". Ele me disse que escrever tinha se tornado como "respirar" e que eu devia "escrever sem parar, para exercitar". A sábia Judith comentou: "Moacyr tem uma concentração impressionante. Ele escreve o tempo todo, até no avião". E fazia-o, sempre, com rara erudição, apontando sempre para as questões essenciais da tragédia humana.

Escreveu ensaios sobre os mais diversos assuntos, sempre com uma percepção acurada do absurdo da existência. A medicina, além do interesse pela saúde pública, também fornecia matéria para as reflexões delirantes de seus personagens. Não é incomum, em sua ficção, que um órgão do corpo humano comece a narrar suas desventuras, ainda que através da imaginação da pessoa que o abriga. Esse recurso é hilariamente utilizado em seus últimos livros, como no interessante Eu Vos Abraço, Milhões, sobre a febre proselitista do marxismo no início do século. Em seus livros, espermatozoides, baço, próstata metaforizam ambições e angústias humanas. As referências escatológicas apontam sempre para a finitude do corpo, ínfimo e desprezível. A vontade do homem não é nada diante das imperiosas necessidades biológicas.

Moacyr Scliar ganhou notoriedade internacional ao ser vítima do plágio do tema insólito e genial criado por ele no livro Max e os Felinos, em que um jovem alemão embarca em direção ao Brasil para escapar ao nazismo. Porém, o navio transporta também animais a um zoológico e a turbulenta carga acaba fazendo-o naufragar. Max escapa em um barco, contudo, subitamente, para seu terror, um outro sobrevivente salta do navio para viajar com ele: é um jaguar. Além de revelar a extraordinária potência onírica de sua imaginação, a novela, que alcança profundidade metafísica, é uma alegoria da truculência da ditadura. O escritor canadense Yann Martel se apropriou do ponto de partida e construiu um romance semelhante, ainda que mais centrado na relação entre o homem e o divino. O assunto chegou aos noticiários internacionais porque o canadense acabou ganhando o prestigioso prêmio Booker com essa obra. Até aí tudo estaria bem, nada é original no mundo (exceto, talvez, a literatura de nosso autor), contudo, o problema é que Martel esforçou-se por esconder essa influência. Em seu prefácio, entre muitos agradecimentos, sem mencionar Moacyr Scliar, o canadense atribui o tema central de seu livro à vida, motor da inspiração. Em nenhum momento ele menciona Max e os Felinos e, quando foi questionado, ele disse que tinha sido inspirado por "uma crítica depreciativa sobre o romance de um escritor menor da América do Sul", escrita por John Updike no New York Times. Esse jornal havia, de fato, publicado uma crítica do livro de Moacyr Scliar, porém, muito elogiosa e assinada por Herbert Mitgang.

Tive a oportunidade de inquirir Moacyr Scliar sobre esse fato quando mediei mesa com ele na Maison d"Amérique Latine, de Paris e, sem deixar de manifestar seu desapreço pela atitude do colega, nosso autor soube colocar a questão em termos elevados, buscando tirar dela lições mais universais. Moacyr lembrou que o problema não era o fato de ter sido plagiado, mas a forma como a literatura latino-americana é tratada no mundo, o desequilíbrio de forças com que temos que lidar no mercado e na mídia internacionais.

A sensação que temos, todos os amigos, é de que Moacyr não morreu, está apenas em meio a mais uma viagem e vai responder, mesmo em trânsito, às nossas mensagens, descobrindo, de todas as formas, um pequeno espaço em sua agenda impossível para nossos convites, muitas vezes, apenas pelo prazer de nos encontrarmos. Ele sabia que o interesse pela literatura só se mantém no contato com os leitores. Folheio agora seus livros, e há tanta vida no estilo febril e despudorado, que o escritor me faz sorrir a cada linha. Ele escrevia com tanto prazer que essa sensação se comunica a quem o lê. Moacyr Scliar estará sempre vivo, em seus livros e na memória de todos que o conheceram.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO / CADERNO 2

'Financiamento público pode zerar caixa dois'

Relator da reforma política defende regra de transição para fazer mudanças entre 2012 e 2016

O relator da reforma política na Câmara dos Deputados, deputado Henrique Fontana (PT-RS), já traça estratégias para assegurar que os parlamentares alterem o sistema eleitoral, de tal forma que eles mesmos possam ser atingidos pelas mudanças. A ideia é escalonar regras de transição que levem a reforma a ser implementada entre 2012 e 2016. Fontana minimizou a presença de deputados como Paulo Maluf (PP-SP) e Valdemar Costa Neto (PR-SP) na comissão especial, e admitiu que é praticamente impossível obter consenso em qualquer item da reforma.

Roberto Maltchik

O senhor não teme que a comissão seja prejudicada pelo grande número de parlamentares com problemas na Justiça em sua composição?

HENRIQUE FONTANA: Não temo. O parlamento tem todas as condições de votar uma reforma que responda ao anseio fundamental da sociedade, que é mudar o sistema político para melhorar. Quando a gente lê um conjunto de críticas, é preciso avaliar que a maior parte dos problemas nasce de um sistema político inadequado. Este perfil (de parlamentares) sai de um processo democrático, onde a população escolhe os seus candidatos.

Mas, no caso da comissão, a indicação foi dos partidos, não da população.

FONTANA: O meu papel como relator da reforma política não é analisar a indicação dos partidos, dos membros que a compõem. O meu papel é construir maiorias para que o relatório seja aprovado na comissão e, depois, no plenário.

O que é prioritário na reforma política?

FONTANA: A adoção do financiamento público exclusivo, com forte redução dos custos de campanha. E que esse financiamento seja absolutamente transparente e republicano. Eu entendo que os governos serão mais saudáveis se nascerem a partir de um financiamento público de campanhas. Boa parte dos problemas que enfrentamos hoje na gestão pública e nas eleições nasce do modelo de financiamento privado.

Como o financiamento público pode frear a prática do caixa dois?

FONTANA: Pode, tem potência para praticamente zerar. Só que nunca podemos dizer que algo ilegal vai deixar de acontecer. Mas a questão é simples: um partido, para deputados de um determinado estado, tem tantos milhões para gastar. Qualquer gasto fora desse valor é considerado uma ilegalidade, passível de perda de mandato. O sistema não será perfeito, mas será muito melhor do que é hoje.

O que mais é prioritário?

FONTANA: É a forma de votação. A proposta do PT é a votação em lista de candidatos, pré-ordenada com voto secreto de todos os filiados ao partido. E no outro extremo, defendido por alguns setores do PSDB, é o voto distrital puro, que divide o país em 513 circunscrições e cada uma delas elege um deputado. E há as propostas intermediárias, chamadas de propostas mistas. Outro tema é o fim da reeleição e a criação de um mandato de cinco anos para presidente, governadores e prefeitos.

A fidelidade partidária também muda com a reforma?

FONTANA: Temos dois extremos que devemos evitar: o troca-troca, que desrespeita a escolha do eleitor, e a prisão perpétua de um líder político dentro de um partido.

Há espaço para acabar com a regra do Senado na qual os suplentes de senadores assumem mandatos sem receber um único voto?

FONTANA: O sistema atual está exaurido. Não deve continuar. Esse é um debate que vai depender mais do Senado. Mas acredito que o Senado vai encontrar uma outra forma para garantir a substituição.

Onde há consenso?

FONTANA: Há assuntos com maioria sólida para serem aprovados, como o financiamento público. Sobre esse tema, o meu sentimento é bastante positivo. Mas consenso entre os 81 senadores e 513 deputados na reforma política, não existe em praticamente nenhum item. A sociedade precisa se mobilizar como se mobilizou com o projeto Ficha Limpa.

Como apostar na aprovação de uma reforma política se os líderes partidários são praticamente os mesmos da legislatura passada, que impediram o avanço da reforma?

FONTANA: Eu sempre olho para o futuro. Não é tarefa fácil, mas eu vou trabalhar muito para conseguir fazer essa reforma. Se nós conseguirmos resolver bem seis ou sete temas, isso já será uma enorme vitória.

Por que foram criadas duas comissões, uma no Senado e outra na Câmara? Isso não prejudica a definição de um texto?

FONTANA: O ideal é que nós tivéssemos uma comissão mista. Mas, como não temos, já conversamos para fazer reuniões periódicas entre as duas Casas para afinar os textos. Aprovar uma reforma aqui na Câmara, que seja obstruída no Senado, ou vice-versa, não resolveria o nosso problema. Vamos em busca de consenso de prazos e de assuntos possíveis.

Quanto tempo o Congresso deve levar para aprovar a reforma política?

FONTANA: Podemos começar a votar nossos relatórios tanto no Senado quanto na Câmara ainda neste semestre. Talvez, final de maio ou início de junho. E devemos concluir a votação ainda em setembro para que a reforma entre em vigor já nas eleições municipais do ano que vem.

FONTE: O GLOBO

Kassab: longe do DEM e perto do PT

Com proposta de criar novo partido, prefeito entraria para a base governista

Flávio Freire

SÃO PAULO. Enquanto preparava sua viagem para passar o carnaval em Paris, o prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, não só reafirmou o interesse em deixar o DEM como abriu espaço na agenda para discutir com integrantes do governo federal um possível acordo político com vistas a 2014. Ciente da falta de espaço para negociar com o PSDB aliança em que seria cabeça de chapa na disputa ao governo de São Paulo, o prefeito teria aceitado inflar a base da presidente Dilma Rousseff com o propósito de receber o apoio do governo federal e do PT na próxima eleição estadual. Há, porém, forte resistência de petistas.

Emissários do Planalto teriam garantido espaço ao novo aliado na administração federal - a forma como ele poderia participar é mantida em segredo e vista como "absurda" por membros do PT de raiz. Ao deixar o DEM, o prefeito criará nova legenda, informalmente batizada de Partido Democrático Brasileiro (PDB), que pode se fundir ao PSB. Até o vice-governador paulista, Guilherme Afif Domingos (DEM), teria mostrado interesse no novo partido.

Em troca de apoio a Kassab, o governo federal espera do prefeito a mesma fidelidade que ele mostrou ter ao ex-governo José Serra (PSDB).

- Esse é um assunto que já circula no partido, mas de forma embrionária - diz um membro do PT estadual.

Aos dirigentes do DEM, na semana passada, Kassab avisou que está disposto a engrossar a base dilmista. Por mais que petistas radicais rejeitem a ideia, o prefeito vem costurando alianças informais. A direção petista já avalia a possível dobradinha com Kassab. Se antes ele era visto como inimigo, principalmente pela relação com o malufismo, agora petistas não escondem a possibilidade. O ex-ministro da Casa Civil José Dirceu dissera que não é verossímil discutir apoio a Kassab em 2014 agora em 2011, mas afirmou que Kassab na base de Dilma é bem-vindo.

- Não podemos desqualificar Kassab. Posso ter divergência, mas tenho o maior respeito por ele - disse Dirceu.

O eventual acordo de Kassab com o governo federal estaria sendo visto pelo PT como forma de neutralizar o tucano Serra, que teria interesse em voltar à cena política novamente pelas portas do Palácio dos Bandeirantes, e não mais pela prefeitura, o que aconteceria em 2012. A proposta de criação de um novo partido, inclusive, teria saído de dentro do Planalto.

FONTE: O GLOBO

Turbinada, ala independente se nega a alinhamento automático

Dois ex-governadores e um suplente se unem a Requião e Simon contra projeto de Renan de apoio irrestrito ao governo

Eduardo Bresciani e Andrea Jubé Vianna

Apesar de não querer briga com a presidente Dilma Rousseff, o PMDB do Senado já deu sinais de que não pretende ter a fidelidade absoluta exibida pelo partido na Câmara na votação do salário mínimo. Dos 19 senadores da bancada, 5 já indicaram que não serão aliados automáticos e poderão criar dificuldades para o governo.

A ala independente, encabeçada por Jarbas Vasconcelos (PE) e Pedro Simon (RS), ganhou a adesão dos ex-governadores Luiz Henrique da Silveira (SC) e Roberto Requião (PR) e do suplente Casildo Maldaner (SC). Na eleição presidencial, Jarbas e Luiz Henrique fizeram campanha para o candidato tucano, José Serra.

Esse grupo age afinado contra a tentativa do líder do partido, Renan Calheiros (AL), de entregar cada vez mais votos ao governo, e, assim, aumentar seu poder de barganha com o Executivo. "Ser aliado automático é ridículo, é uma submissão", disse Requião ao Estado.

Único do grupo que se destaca abertamente como oposicionista, Jarbas não participa mais das reuniões da bancada e sofreu represália de Renan ao não ser indicado para a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), a mais importante da Casa. A mesma retaliação recaiu sobre Simon.
Os independentes novatos, porém, ainda são cortejados pela liderança da bancada. Luiz Henrique até se surpreendeu ao ser indicado para a CCJ e para a Comissão de Assuntos Econômicos (CAE), além da comissão especial de reforma política, cujos membros foram escolhidos pelo presidente José Sarney (AP).

Requião também tem sido cortejado por Renan. Conseguiu ser indicado para presidir a Comissão de Educação. Mesmo assim, continua atuando de forma isolada. Na última terça-feira, ajudou a oposição a pedir verificação de quórum e garantir a votação nominal da medida provisória de criação da Autoridade Pública Olímpica (APO). O líder do PSDB, Álvaro Dias (PR), precisava do apoio de três senadores. Contou com Lúcia Vânia (PSDB-GO), Demóstenes Torres (DEM-GO) e Requião.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

PMDB revê tática e evita confrontar Dilma

Para não emperrar ainda mais a disputa por postos estratégicos, partido vai preferir intermediários a falar diretamente com presidente

João Domingos

Um mês e meio de confronto com a presidente da República por causa dos cargos nos ministérios e no segundo escalão foi suficiente para o PMDB mudar a sua forma de conviver com Dilma Rousseff. A partir de agora, a decisão dos peemedebistas é de não mais falar em cargos nas conversas com a presidente, pois é sabido que ela detesta o assunto.

Está prevista uma nova rodada de negociações em torno de nomes do PMDB depois do carnaval, quando serão definidos os postos em que deverão ser acomodados alguns dos derrotados, como o ex-ministro Geddel Vieira Lima (Integração Nacional), os ex-governadores José Maranhão (Paraíba), Iris Rezende (Goiás) e Orlando Pessutti (Paraná).

Em nenhum momento, porém, a cúpula falará com a presidente. O interlocutor será o ministro da Casa Civil, Antonio Palocci.

A Dilma o PMDB tem outro tipo de mensagem, a de que se convenceu de que é governo de fato e de direito e, com ela, quem conversa é o vice, Michel Temer, presidente licenciado da legenda. Qualquer queixa que o partido tiver, no máximo será levada a Temer, que decidirá se vai encaminhá-la à presidente.

São dois os motivos que levaram o PMDB a se recolher, informam dirigentes da legenda. Em primeiro lugar, o partido percebeu que Dilma não se deixa pressionar por cargos. Ela sabe que os partidos têm direito a eles, na divisão dos pedaços do bolo para a base aliada. Mas quer que as coisas ocorram no devido tempo. E nos lugares apropriados.

Por exemplo: para as vice-presidências do Banco do Brasil e da Caixa não quer nomes de partidos, mas técnicos que entendam de assuntos financeiros. Não se importa se esses técnicos forem apadrinhados por alguma legenda. Assim, tanto Geddel quanto Iris e Maranhão, candidatos às vices dos bancos oficiais, dificilmente serão nomeados para algum cargo por lá. Palocci já avisou que outras vagas deverão ser encontradas para os candidatos.

Em segundo lugar, o PMDB decidiu ficar na moita para preservar o líder do partido na Câmara, Henrique Eduardo Alves (RN). Pressionado pelo deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), que mandava na direção de Furnas Centrais Elétricas - e viu o comando da estatal fugir de suas mãos, por decisão da presidente -, Henrique Alves atritou-se não só com Dilma, mas também com o ministro de Minas e Energia, Edison Lobão. A ponto de dizer a Lobão que não aceitava a indicação de Flávio Decat para a presidência de Furnas.

Acontece que Henrique Alves é o nome do partido para ocupar a presidência da Câmara de 2013 a 2015, no sistema de rodízio com o PT. Se continuasse se desgastando por causa da disputa por cargos dos ministérios e do segundo escalão, não teria nenhuma condição se candidatar. Numa conversa com Temer, foi aconselhado a mudar de tática. Deu certo. Henrique Alves acabou por levar o PMDB da Câmara a dar os 77 votos a favor do salário mínimo de R$ 545, voltando a cair nas graças da presidente, com quem conversou descontraidamente na quarta-feira, num papo recheado por brincadeiras.

Senadores. No Senado, onde o PMDB tem cinco dissidentes, a orientação é para que não sejam tratados a pão e água, apesar da resistência que ainda têm para votar a favor de projetos do governo. Um deles é Roberto Requião (PR), que votou contra o mínimo de R$ 545, mas disse que em outras propostas ficará com o governo. Requião ganhou a presidência da Comissão de Educação.

Quanto aos outros dissidentes, Luiz Henrique (SC) foi indicado pelo líder Renan Calheiros (AL) para todas as comissões pedidas: Constituição e Justiça, Assuntos Econômicos e Relações Exteriores; Jarbas Vasconcelos (PE) e Pedro Simon (RS) foram para a Comissão de Relações Exteriores; Casildo Maldaner (SC) foi contemplado com posto na CAE.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Freire condena novo imposto para saúde: não há justificativa

Freire defende mobilização da sociedade contra nova investida do governo

Valéria de Oliveira

“É um abuso, em um país que já tem uma carga tributária elevadíssima”, disse o presidente nacional do PPS, Roberto Freire, ao rechaçar a volta de um imposto para financiar a saúde, nos moldes da CPMF, conforme vem ensaiando a base do governo, aproveitando o mote da regulamentação da emenda 29 – que trata do financiamento do setor –, que tramita na Câmara.

A proposta de emenda à Constituição estabelece percentuais mínimos da receita corrente líquida a serem aplicados na saúde por cada ente federativo. Substitutivo do petista Pepe Vargas propõe a criação da CSS Contribuição Social da Saúde.

Arrecadação recorde

“É desnecessário, porque o governo vem mantendo recordes de arrecadação; então não há justificativa”, diz Roberto Freire, lembrando que no mês de janeiro esse pico foi de 15%.

“Para que novo imposto? A não ser que, por trás disso, haja a necessidade de dinheiro para enfrentar a crise do gasto absurdo para a manutenção de 38 ministérios, para um maior aparelhamento do Estado, de todo um processo de sem-vergonhice no uso da máquina pública para fins partidários”.

Freire acrescenta ainda que o imposto “tem algumas perversidades” para a atividade econômica. “Não é um bom imposto, da forma como ele é cobrado, sem nenhuma compensação, pura e simplesmente arrecadado em qualquer movimentação financeira”. Entretanto, o deputado adverte que só será possível derrotar a nova investida do governo com ampla mobilização da sociedade.

FONTE: PORTAL PPS

Terceirização ilegal ameaça hospitais universitários

Com dívidas e falta de pessoal, rede fechou 1.500 leitos nos últimos anos

Adauri Antunes Barbosa, Carolina Benevides e Catarina Alencastro

Um longo processo de terceirização de funcionários, considerado ilegal pelo Tribunal de Contas da União (TCU), ameaça hoje o funcionamento de boa parte dos 46 hospitais universitários federais, todos ligados ao Ministério da Educação (MEC). Os hospitais têm hoje 70.373 profissionais, dos quais 26.500 são terceirizados, segundo estudo da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes). O MEC vem sendo questionado sucessivamente pelo TCU. Em levantamento de 2009, o MEC reconhecia que 59,03% do total eram servidores federais concursados e contratados por regime jurídico único; os demais trabalhavam pela Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), sendo terceirizados, autônomos ou cedidos por outros órgãos.

Responsáveis por atendimento de alta e média complexidade e por fazer transplantes, as unidades têm sofrido com falta de pessoal e gastos com os terceirizados. O problema já atinge quem precisa dos serviços: 1.500 leitos, diz a Andifes, estão desativados. Segundo o MEC, em 2009, havia 10.277 leitos ativos e 1.188 fechados.

- O maior problema da rede é de recursos humanos, crise que se arrasta há duas décadas. Os hospitais, que são escolas, não conseguem formar quadros e contratam profissionais de modo ilegal, repassando verba do SUS às fundações, que deveria ser para manutenção e compra de insumos - diz Natalino Salgado Filho, presidente da Comissão de Hospitais Universitários da Andifes e reitor da Universidade Federal do Maranhão.

Para solucionar o problema, o TCU havia determinado no acórdão 1520/2006 que o pessoal terceirizado fosse substituído até dezembro de 2010, dando quatro anos para a mudança. Mas, quase no apagar das luzes do governo Lula, foi publicada no Diário Oficial da União a medida provisória que cria a Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares S.A., vinculada ao MEC e parte do conjunto de medidas do Programa de Reestruturação dos Hospitais Universitários Federais (REHUF), que vai liberar este ano R$200 milhões para as unidades. A empresa vai permitir que os funcionários sejam contratados pela CLT, condicionada à aprovação em concurso público, mas a medida divide opiniões.

- A MP é uma solução jurídica e institucional mais sustentável se tiver em cada universidade um conselho responsável por preservar a autonomia na gestão. Nosso problema é grave: para reabrir 1.500 leitos, precisaríamos de dez mil funcionários, sendo que o déficit é maior na área de saúde - diz Natalino Salgado.

O Hospital São Paulo (HSP), da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), que lidera o ranking de hospitais universitários mais eficientes do país, tem cinco mil funcionários, dos quais apenas dois mil concursados e três mil contratados pela CLT, o que desagrada ao TCU. A contratação pela CLT foi a maneira encontrada pelo HSP para repor os funcionários que se aposentavam ou morriam, já que não há concursos gerais desde 2005.

O diretor superintendente do HSP, José Roberto Ferraro, diz que, com a autonomia das universidades, cada um dos 46 hospitais lidou com o problema de falta de pessoal do modo que achou mais adequado. Como o HSP decidiu contratar pela CLT, preenchendo as vagas que surgiram, diz, nenhum serviço foi interrompido.

No Fundão, déficit de 914 profissionais

O Hospital Universitário de Brasília (HUB) enfrenta dívida de R$6,5 milhões - em boa parte com fornecedores. Hoje, só atende dois grupos de pacientes na ala emergencial: crianças e grávidas. Adultos que precisam de atendimento de urgência não podem recorrer ao centro.

Nas últimas décadas, só foram realizados dois concursos: em 2002, quando foram admitidos cem novos funcionários, e em 2006, quando menos de 30 pessoas entraram. Hoje, quase metade do quadro de servidores do hospital é terceirizada, o que, segundo o diretor do HUB, Gustavo Romero, tem sido o centro dos problemas financeiros:

- A gente não tem recursos para trocar os equipamentos obsoletos, principalmente os mais caros. A gente vai se equilibrando como pode. Sempre digo que é meio miraculosa a maneira como o HUB sobrevive.

Com capacidade para trabalhar com 307 leitos de internação, o HUB só tem, no momento, 228 funcionando. Segundo o diretor do HUB, há 740 concursados. Outros 623 trabalham com contratos de prestação de serviço.

No hospital da Universidade Federal do Maranhão, 60% do quadro são contratados pela Fundação Josué Montelo. O hospital nunca fez concurso desde que a UFMA assumiu sua gestão em 1991, e corre o risco de fechar as portas caso a MP não seja aprovada criando regras claras para a substituição dos contratados de maneira gradual.

O diretor, Vinicius Nina, lembra que até 2013 não haverá mais ninguém do quadro original do hospital:

- Muitos dos serviços que prestamos estão no limite.

A reposição dos contratados por concurso é uma determinação do TCU que o hospital tentou cumprir em 2010, quando programou concurso para 1.225 vagas. Mas foi impedido, já que dependia da aprovação do Ministério do Planejamento. Com 576 leitos, o HU é o único hospital público no Maranhão de alta complexidade e considerado o terceiro no ranking dos hospitais universitários no país, destacando-se em cirurgia do coração e transplantes de córnea e rins. Tem as únicas dez UTIs pediátricas do estado.

Em 2010, foram realizadas 6.689 consultas e 7.055 cirurgias. Reitor da Universidade do Maranhão, Natalino Salgado diz que o governo não reconhece que essa e as outras 45 unidades da rede funcionam "dentro da ilegalidade":

- Esses hospitais têm dívida de R$400 milhões com fornecedores e com processos trabalhistas.

No Rio, há dez hospitais universitários federais. No maior, o Clementino Fraga Filho, o Hospital do Fundão, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), trabalham 2.249 efetivos e 914 terceirizados. O déficit de pessoal é de 914 pessoas. Dos 500 leitos, 135 estão desativados. Segundo a assessoria de imprensa, há carência de médicos e enfermeiros para que emergência, terapia intensiva e anestesiologia possam crescer, além de setores que hoje não têm condições parciais ou totais de operação, como as unidades de transplante de medula óssea e intensiva neurocirúrgica e hemoterapia.

No Hospital Gaffrée e Guinle, da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UniRio), a falta de profissionais prejudica o atendimento. Única responsável por tratar crianças com HIV no ambulatório do hospital, a imunologista Norma Rubini conta:

- Quando saio de férias, entrego mais de uma receita aos responsáveis e deixo meus telefones. Não é o ideal, mas o último concurso foi em 2003, e médicos também se aposentam e morrem. Temos menos a cada dia.

Colaborou: Raimundo Garrone

FONTE: O GLOBO

Kadafi inicia bombardeio de propaganda

O ditador da Líbia, Muamar Kadafi, embarcou numa nova estratégia para reforçar seu regime diante da rebelião que varre o país, palco de combates intensos ontem. Ele anunciou a tomada de cidades que ainda estão em mãos dos revoltosos.

Guerra de bombas e propaganda

Governo líbio anuncia tomada de cidades que continuam com rebeldes e intensifica ataque aéreo

TRÍPOLI - Sob uma chuva de bombas e ataques de artilharia pesada, os rebeldes líbios se viram ontem diante de uma nova estratégia de Muamar Kadafi: a guerra de propaganda. No dia em que o governo intensificou os bombardeios aéreos aos principais centros revoltosos, as autoridades foram à TV estatal anunciar a reconquista de Zawiya, Misurata, Ras Lanuf e Tobruk. O que testemunhas viam em campo, no entanto, sugeria uma situação bem diferente, com as quatro cidades permanecendo em poder dos opositores. A confusão atingiu Trípoli, que registrou disparos de artilharia pesada pouco antes do amanhecer, no que o governo justificou como "comemorações pela vitória".

Na única vitória comprovada do governo ontem, as tropas fizeram os rebeldes recuarem em seu avanço pela costa leste. Grupos anti-Kadafi armados com artilharia leve foram recebidos por tanques e blindados, apoiados por aviões e helicópteros de combate, em Bin Jawad, 160 quilômetros a leste de Sirta. Os opositores tiveram de recuar de volta a Ras Lanuf e ainda tentaram uma segunda investida, mas foram novamente rechaçados. Alguns falavam em 25 mortos. Um homem contou ter visto um prédio residencial ter sido atingido por uma bomba durante o combate.

- Kadafi está nos fazendo em pedaços. Está disparando em nós com tanques e mísseis - contou o combatente Momen Mohammed.

Trípoli desperta com metralhadoras

Bin Jawad é importante por sua proximidade de Sirta. Se a cidade natal de Kadafi cair, o cerco a Trípoli se aceleraria, acreditam especialistas. Mas mesmo esse bastião do ditador pode já estar enfrentando divisões internas. Há rumores de que soldados da tribo ferjan teriam sido executados em Sirta por se recusarem a combater.

Para a TV estatal, foi um dia de conquistas do governo. Autoridades anunciaram a captura de líderes do recém-formado Conselho Nacional Líbio, a retomada de cidades e afirmaram que os soldados estariam marchando para Benghazi - o centro da revolta. Mas os anúncios contrastavam com relatos de testemunhas.

Alvo de uma das mais violentas batalhas de ontem, Misurata foi invadida pelas forças de Kadafi, com tanques e blindados disparando em todas as direções. Foram cinco horas de combate, em que moradores usaram metralhadoras e até pedaços de madeira para proteger o tribunal, usado como central de operações pelos rebeldes, até obrigarem os soldados a recuar. Na batalha pelo único enclave rebelde entre Sirta e Trípoli, morreram ao menos nove soldados e quatro rebeldes.
- Hoje Misurata teve o pior combate desde o início da revolta - contou um morador. - Eles vieram de três lados e conseguiram entrar, mas quando chegaram ao centro, os rebeldes os fizeram recuar.

Assim como Misurata, Zawiya voltou ontem a ser alvo de fortes ataques do governo, com tanques tentando invadi-la. Mas tudo indica que continua em poder dos rebeldes. Ontem, os celulares estavam mudos e o funcionamento dos telefones fixos era irregular, dificultando o contato com a região.

A desproporção entre os revoltosos e as forças do governo é grande. Em geral, as forças anti-Kadafi contam com um arsenal modesto: metralhadoras, lançadores de granadas, baterias antiaéreas e canhões antitanques. Isso pode ser pouco se comparado ao equipamento das unidades de elite pró-Kadafi, que contam com tanques, aviões de combate, artilharia pesada e helicópteros. Mas quando os rebeldes entram nas cidades, conseguem apreender armamento e rapidamente voluntários engrossam suas fileiras.

Normalmente fora dos combates, a capital Trípoli despertou ontem ao som de metralhadoras e de artilharia pesada. Os tiros foram ouvidos mesmo em Bab al-Aziziya, bairro em que Kadafi vive. Os rumores eram de um racha nas forças pró-governo, mas logo simpatizantes do ditador foram às ruas agitando bandeiras verdes. Muitos atiravam para o ar, ao mesmo tempo em que eram ouvidas sirenes de ambulâncias.

- São celebrações porque as forças do governo retomaram o controle de todas as áreas e estão em processo de reconquistar Benghazi - assegurou um porta-voz do governo.

Benghazi, no entanto, continua com os rebeldes, e alguns moradores de Trípoli levantavam a suspeita de que a manifestação seria para encobrir conflitos na capital. A ONU estima que mil pessoas já morreram em 19 dias de revolta. Outras 200 mil, estrangeiras em sua maioria, deixaram o país.

FONTE: O GLOBO

Reflexão:: Graziela Melo

No vazio
destes dias
silentes

entremeados
de algum
torpor

que,
sorrateiro
me invade
a mente,

me
transformando
em
criatura
pálida,
esquálida,
apática
e antipática

pobre
de afeto,
estranha
ao amor!!!

Me escondo
no silêncio
de minha
própria
alma

aguardo
ansiosa
o porvir
da noite

que seja
límpida
tépida
e calma.

Rio de Janeiro, 06/03/2011