quinta-feira, 10 de março de 2011

Reflexão do dia - Antonio Gramsci

"Que é a filosofia? Em que sentido uma concepção do mundo pode se chamar filosofia? Como tem sido concebida, até nossos dias, a filosofia? A filosofia da práxis inova esta concepção? Que significa uma filosofia “especulativa”? A filosofia da práxis poderá algum dia ter uma forma especulativa? Que relações existem entre as ideologias, as concepções do mundo e as filosofias? Quais são, ou devem ser, as relações entre teoria e prática? Como são concebidas estas relações pelas filosofias tradicionais?,etc., A resposta a estas e outras perguntas constitui a “teoria” da filosofia da práxis.

GRAMSCI, Antonio. Cadernos do Cárcere, vol.1, pag.149. Civilização Brasileira, 4ª edição, 2006.

Distorções eleitorais:: Merval Pereira

Nada é mais exemplar da pequena esperteza política que prevalece no Congresso, e também das distorções de nosso sistema eleitoral, do que a insistência da presidência da Câmara de não acatar a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de que os suplentes que eventualmente assumam mandato devem ser os dos partidos, e não os das coligações que disputaram a eleição.

Esse entendimento, que quebrou um hábito de décadas do Congresso, é consequência de uma decisão recente do STF que definiu que a fidelidade partidária é condição para o exercício de mandato eleitoral, e, portanto, a vaga que um eleito ocupa não é um direito pessoal, e pertence à legenda pela qual disputou a eleição.

Em dezembro passado, em decisão colegiada sobre um pedido do PMDB, o Supremo reafirmou esse entendimento e decidiu que os efeitos eleitorais das coligações se encerram após a apuração dos votos, ou seja, que as coligações servem para eleger, não para a substituição dos eleitos.

O artigo 112 do Código Eleitoral se refere exclusivamente aos "suplentes da representação partidária", e não faz qualquer referência aos suplentes das coligações - algo que, a rigor, não existe expressamente no contexto legal do Direito eleitoral, lembra Lauro Barretto, advogado autor de mais de uma dezena de livros sobre Direito eleitoral e Direito partidário.

De acordo com levantamento do site "Congresso em foco", quase metade dos suplentes (22 dos 46 novos parlamentares) que já assumiram mandato na Câmara dos Deputados correm o risco de perder o cargo devido à decisão do Supremo Tribunal Federal.

As mudanças atingiriam as bancadas de 12 estados e do Distrito Federal.

A discussão persiste porque na primeira decisão apenas oito dos onze ministros votaram. Com a posse de Luiz Fux, existe a possibilidade teórica de a determinação mudar, pois além dos ministros Ellen Gracie e Joaquim Barbosa, que não votaram, outros podem mudar de voto.

Nada indica, porém, que isso ocorra, pois até agora todas as decisões sobre mandados de segurança para assegurar a posse de suplentes mantiveram a decisão anterior do STF.

O presidente da Câmara, deputado Marco Maia, tem dado declarações sobre o perigo de ficarem 29 cadeiras vagas se a decisão do Supremo for aplicada, e outros "especialistas" falam sobre a necessidade de serem convocadas "eleições para suplentes", no caso de um partido não ter ninguém para ser convocado como suplente devido aos resultados eleitorais.

São argumentos que indicam uma tentativa de tumultuar o ambiente político, pois não é possível imaginar que a presidência da Câmara não tenha assessoria para orientá-la sobre a legislação eleitoral.

O advogado Paulo Barretto dá um exemplo objetivo que aconteceu nas eleições de 2002, quando Enéas, do Prona, foi eleito deputado federal por São Paulo, com mais de 1,5 milhão de votos, votação que daria para eleger mais seis deputados federais do mesmo partido ou coligação pelas "sobras de legendas".

Como o Prona, que naquele pleito não estava coligado com outro partido, só havia registrado mais cinco candidatos, a outra vaga de deputado federal foi preenchida pela norma definida na legislação eleitoral.

Foi feita uma retotalização da distribuição dos votos de cada partido/coligação, e a cadeira não preenchida ficou para o partido/coligação com direito à próxima vaga decorrente de "sobra".

É o próprio Código Eleitoral, em seu artigo 109, que prevê a distribuição das vagas não preenchidas mediante esta contagem das "sobras de legenda", lembra Barretto.

Como se vê, não há possibilidade de ficarem "cadeiras vazias" na Câmara dos Deputados por falta de suplentes do mesmo partido, nem necessidade de "eleição de suplente".

Essa confusão sobre os suplentes é um efeito colateral de uma distorção fundamental de nosso sistema eleitoral, que são as coligações em pleito proporcional.

Coligações feitas apenas para preencher o chamado "quociente eleitoral", que é o número mínimo de votos para se eleger um deputado ou vereador, quase sempre prescindindo de maiores proximidades ideológicas ou programáticas.

Esse fenômeno faz com que nas eleições de 2010 apenas 86 deputados federais tenham sido eleitos por partidos não coligados.

Para combater o que acusam de ser mais um sintoma da "judicialização" da política, os políticos, através do deputado Ronaldo Caiado, providenciaram a apresentação de uma proposta de emenda constitucional para legalizar o direito de os suplentes das coligações assumirem as vagas em aberto nas casas legislativas.

Essa PEC, no entanto, mesmo que venha a ser aprovada, só terá efeito para os suplentes das coligações nas próximas eleições.

Ela, ao mesmo tempo, é um reconhecimento de que falta um apoio na legislação para a prática de nomear suplentes de coligações, que só vinha sendo aceita porque o Supremo não havia sido consultado a respeito.

Agora que os partidos passaram a ser legalmente os detentores das vagas, e a mudança de partido está sujeita a normas de fidelidade partidária mais rigorosas, a questão veio à tona.

Ela poderia ter uma solução simples com a revogação das coligações nas eleições proporcionais, mas este é um dos pontos de uma eventual reforma política que dificilmente será encarado pelos partidos políticos. A não ser que se aprove o voto distrital puro ou o "distritão", que acabam com o voto proporcional.

FONTE: O GLOBO

Julho, "timing" de Jobim:: Eliane Cantanhêde

Nelson Jobim combinou com Lula que ficaria um ano e meio na Defesa com Dilma, até concluir a arrumação da casa. Agora encurtou ainda mais o prazo. Seu novo "timing" é julho.

Até lá, vai somar, diminuir e ver o que sobra de suas ideias e programas, alguns ambiciosos como nunca antes neste país -nem no regime militar. A depender do resultado, fica ou não.

A relação com Dilma vai bem, embora discordem quanto a Guimarães Rosa. O ministro acha o texto do grande mestre enfadonho, rococó. A presidente adora.

Na verdade, porém, Jobim perdeu sua superautonomia ao ganhar uma chefe. Lula não queria saber de chatices, muito menos militares. Já Dilma lê tudo e quer tudo na ponta da língua e do lápis.

E mais: o ministro virou mortadela de sanduíche. De um lado, Dilma, Maria do Rosário (Direitos Humanos) e a esquerda pressionam pela verdade. De outro, Exército, Marinha e Aeronáutica chiam contra a Comissão da Verdade.

De um lado, Dilma e a equipe econômica, com uma tesoura enorme, cortando verbas, programas, rotinas, navios, aviões, blindados. De outro, generais, brigadeiros e almirantes (e suas tropas, de coronéis a sargentos) embalados por sonhos bélicos de Primeiro Mundo.

Jobim resolve tudo manipulando a riqueza da língua. Põe um adjetivo daqui, tira outro dali e agrada todo mundo. Mas, dizem, não se enganam (nem se agradam) todos o tempo todo.

Uma hora complica.

Nessa hora, ele tem trunfos: ninguém é insubstituível, mas, se há alguém difícil de substituir, é Jobim. Estruturou a Defesa, pacificou uma área sensível e tem comando sobre os comandos. É também consultor na área jurídica e mediador com o Judiciário, o PMDB e parte da oposição. Vários em um.

Sair é ruim para ele, que adora o poder, mas pior para Dilma, pois ministros assim andam em falta no mercado. Mas ficar por ficar não faz bem o gênero de Jobim.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

Controle conservador sobre a reforma agrária:: Maria Inês Nassif

A forma como a estrutura burocrática de reforma agrária foi concebida, desde a criação do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) pela ditadura militar (1964-1985), é a antítese do que se entende por política pública. A excessiva autonomia das superintendências regionais, e o avanço de grupos políticos sobre elas depois da redemocratização, tiraram do governo federal qualquer capacidade de formular e executar políticas nessa área. O superintendente nacional do Incra não consegue, via de regra, penetrar nos redutos políticos que tornaram a questão agrária um negócio entre amigos em alguns Estados, em especial nas fronteiras agrícolas, onde o interesse econômico incentiva um clima permanente de conflito. É impossível controlar políticas e evitar desvios numa estrutura como essa.

Segundo reportagem de Roldão Arruda publicada no jornal "O Estado de S. Paulo", na edição de ontem, o governo Dilma Rousseff estuda formas de aumentar o controle sobre as superintendências regionais do Incra. Isso pode encontrar resistências corporativas de funcionários do instituto, que atuam na ponta burocrática, e de setores que detém o controle regional da política agrária nos Estados em que a pressão por indicação do superintendente tende a favorecer grupos interessados em legitimar a ocupação de terras públicas ou de áreas de preservação ambiental. Aliás, nessas regiões, a questão ambiental e a agrária andam tão próximas que é impossível elaborar uma política de meio ambiente eficaz sem resolver com muita clareza o problema de titularidade da terra.

A questão tende a ser mais polêmica porque faz parte de um plano amplo de reestruturação, que poderá transferir parte das atribuições do Incra para o Ministério do Desenvolvimento Social, articulando-as com a segunda fase do programa de combate à fome. Nesse caso, tendem a reagir os setores ligados à reforma agrária, que não têm nenhum interesse em despolitizar esse debate. A luta pela terra, para os movimentos sociais, é em si uma questão política. Negar isso seria retirar o conteúdo classista do embate pela distribuição da terra concentrada em mãos de grandes proprietários e pela primazia da pequena propriedade na distribuição das terras em poder do Estado. Seria jogar para o Ministério do Desenvolvimento Social, que atua na área de políticas compensatórias (não se pode dizer que meramente sociais, mas menos politizadas), funções que hoje estão sob a responsabilidade do Ministério do Desenvolvimento Agrário. A criação do MDA, se não representou, de fato, a valorização da política de distribuição de terras, ao menos simbolicamente marcou um território para as lutas camponesas, em contraposição a um Ministério da Agricultura que historicamente tem privilegiado a grande propriedade.

Ainda assim, o controle do governo federal sobre as superintendências regionais do Incra é um ganho para os movimentos sociais. Desde a redemocratização, os setores conservadores ligados à terra - no caso brasileiro, à grande propriedade - literalmente aparelharam o Ministério da Agricultura. Isso aconteceu também nos governos do petista Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2006 e 2007-2010). Paralelamente, o PMDB, que foi da base do governo também nos governos anteriores, do tucano Fernando Henrique Cardoso (1995-1998 2 1999-2002), manteve o controle sobre superintendências estratégicas do Incra, como a do Pará e do Mato Grosso do Sul. Nos Estados onde aliados conservadores dominam a estrutura regional do Incra, as superintendências são impenetráveis para os movimentos sociais que militam pela reforma agrária.

Assim, os setores ligados à grande propriedade, nos últimos governos, mantiveram a faca e o queijo na mão. De um lado, tinham controle inconteste sobre as decisões do Ministério da Agricultura. De outro, no Ministério do Desenvolvimento Agrário, teoricamente território dos movimentos sociais, mantiveram o poder de decisão sobre a execução da reforma agrária, valendo-se de posições nas superintendências do Incra em fronteiras agrícolas, áreas onde a luta pela terra - na sua acepção política - é mais literalmente sangrenta no país.

Esse diagnóstico era mais do que evidente no governo de Lula, mas a base governista era menor. O ex-presidente, além de ter vocação para a gestão por conflito, tinha uma dependência maior do PMDB do que tem hoje a presidenta Dilma Rousseff. Uma base mais ampla no Congresso dá alguns confortos, inclusive a de bancar mudanças administrativas que não interessam a banda direita do governo de coalizão. No caso do Pará, talvez o mais crítico, facilita também o afastamento do chefe pemedebista Jader Barbalho, cuja eleição para o Senado foi impugnada pela Justiça Eleitoral.

As superintendências regionais do Incra, portanto, não se situam numa mera disputa partidária entre o PT e o PMDB, não simplesmente um mero desejo de consumo da fisiologia. A disputa é política, onde estão em jogo um enorme poder da bancada ruralista no Ministério da Agricultura, de um lado, e do outro o poder final de veto sobre políticas de reforma agrária pela ocupação de superintendências por setores ligados aos interesses das grandes propriedades. A disputa por cargos de segundo escalão pode se dar no campo da fisiologia, mas tem enorme repercussão no conjunto das políticas públicas.

Maria Inês Nassif é repórter especial de Política.

FONTE: VALOR ECONÔMICO

Silêncio conveniente:: Míriam Leitão

É particularmente interessante a expressão "governo chamado de militar", no documento que as Forças Armadas enviaram ao ministro da Defesa contra a Comissão da Verdade. Quer dizer que um governo que por 21 anos instalou generais na Presidência e julgou seus opositores civis em tribunais militares era então um governo civil? Isso é novidade.

O documento divulgado ontem pelo trabalho do repórter Evandro Éboli, de O GLOBO, revela que os comandantes das três forças consideram que o passado passou, e que qualquer investigação sobre torturas e circunstâncias das mortes dos opositores políticos seria "abrir ferida na amálgama nacional." Diz ainda que este tipo de investigação "pode provocar tensões e sérias desavenças."

Os militares argumentam que os fatos se passaram há mais de 30 anos, que pessoas envolvidas já morreram e documentos e provas perderam-se no tempo e portanto nada deve ser investigado. De fato, o Brasil perdeu tempo demais. Logo após o último general sair do Planalto, há 26 anos, era difícil por dois motivos. Primeiro, o medo imposto por eles de que qualquer mexida nessa ferida fosse entendida como uma provocação à qual reagiriam. Depois, o presidente que por fatalidade assumiu, José Sarney, tinha sido um fiel servidor do regime. As ambiguidades desse início adiaram o encontro com a verdade daquele período sombrio; depois, os presidentes que se seguiram vacilaram e aceitaram o mesmo veto que agora as Forças Armadas tentam impor à Comissão da Verdade.

Existe algum argumento para que não se tente saber em que circunstâncias morreu o deputado Rubens Paiva? Ou como foi morto o jovem Stuart Angel? Como e de que forma foi morto Vladimir Herzog? O corpo do operário Manoel Fiel Filho, após ser preso, foi entregue à família com sinais visíveis de tortura e com a ordem de que fosse enterrado rapidamente, sem perguntas, sem divulgação. Tantos outros simplesmente desapareceram sem que se tenha qualquer vestígio. Por que estamos proibidos de perguntar como morreram? Por que isso iria ferir a "amálgama" nacional?

Se é verdade que os documentos se perderam, por que então as Forças Armadas querem evitar o anonimato para quem entregar documentos ou der depoimentos esclarecedores?

No texto, os comandantes militares consideram que uma das razões para não se olhar para este passado é que "o governo não foi derrubado pelas forças políticas, mas ensejou lenta e gradual transição e devolução do poder aos civis." Essa versão parcial faz pouco da longa resistência, anula a luta de bravos como Mário Covas, Ulysses Guimarães, tantos outros que nunca aceitaram o arbítrio, mesmo sob riscos. Isso apaga da História os milhões que foram para as praças na Campanha das Diretas. Elimina a habilidade da oposição de ir no próprio colégio eleitoral, criado pelo governo militar, e lá arrancar a vitória de Tancredo. Esta versão de que a democracia foi apenas uma concessão ofende os fatos e a memória. Sim, os militares fizeram um lento afrouxamento das piores leis, mas até o presidente Ernesto Geisel, que tem boa imagem por ter enfrentado a linha dura, fechou o Congresso e governou com o AI-5 até primeiro de janeiro de 1979, quando faltavam apenas dois meses e meio para terminar seu período de governo.

Esse trecho do documento, de que eles entregaram o poder espontaneamente aos civis, não conversa com o outro, em que eles se referem àquele período com a expressão "governo chamado de militar." Como a parte em que eles dizem que é legítimo "as famílias buscarem seus entes queridos" não conversa com a parte que discorda da criação da Comissão da Verdade. A quem as famílias perguntarão pelos seus entes queridos se, como diz o documento dos comandantes militares, tudo isso é passado, no qual não se deve mexer para não ferir a paz nacional?

Há ruas no Brasil - em São Paulo, por exemplo - que se chamam 31 de março; a termelétrica de Candiota ainda se chama presidente Médici. Ainda se ensina nos 12 colégios militares às crianças e adolescentes que não houve ditadura militar no Brasil, e que as cassações e a censura foram necessárias por causa da intransigência da oposição, como informou a "Folha de S.Paulo" no ano passado.

Alguns se perguntam se essas informações resgatadas vão levar ou não a processos contra os responsáveis. Ouvido, o Supremo Tribunal Federal (STF) considerou que a Anistia apagou os crimes. Este aspecto da polêmica está, portanto, encerrado. Acho que os militares têm razão em dizer que é preciso saber também dos chamados justiçamentos executados por alguns grupos de esquerda. Eles usam o argumento como chantagem, mas é de fato necessário incluir no mesmo rol de fatos a buscar. Inaceitável é ainda hoje haver o veto dos militares a que uma comissão busque informações sobre pontos nebulosos do nosso passado recente.

Os comandantes militares de hoje não estão comprometidos com os atos cometidos naquele período, mas ao se empenharem tanto em encobrir o que seus antecessores fizeram comprometem a instituição como um todo. Essa tendência de nada apurar, tudo esquecer, lembra a "astuta amnésia" de que falou no artigo de ontem o jornalista Elio Gaspari, sobre outro pedaço infeliz da nossa história, soterrado para não comprometer a versão de que tudo foi suave no Brasil, da escravidão à ditadura.

FONTE: O GLOBO

Não há bala de prata:: Celso Ming

Informações despachadas de Brasília dão conta de que, depois do carnaval, o ministro Guido Mantega abrirá seu poderoso arsenal para inverter definitivamente a trajetória do câmbio.

Avisos assim se repetem cada vez que o governo se vê contrariado nas suas expectativas para o preço da moeda estrangeira. Agora, as cotações voltam a se aproximar do piso informal de R$ 1,60 por dólar e a mesma aflição toma conta das autoridades. O problema é que não há tanta arma no paiol. Não há sequer um foco único a atacar. A moeda estrangeira entra por vários canais e também deixa de sair.

Sempre há aqueles que defendem um aumento do IOF, que hoje é de 6%, na aplicação de estrangeiros em renda fixa. Apesar dos juros atraentes, essa não é a principal porta por onde chegam os dólares. Dá para dizer que a entrada de dólares nas operações destinadas a tirar proveito da diferença de juros (carry trade) é relativamente baixa quando comparada, por exemplo, com os Investimentos Estrangeiros Diretos (IED), que, em 2011, devem ultrapassar os US$ 45 bilhões. Provavelmente são mais elevados os capitais que deixam de sair para tirar proveito dos juros altos aqui dentro do que os que entram. E, no entanto, não há IOF para taxar essas operações fico.

Mais relevante ainda é a entrada de capitais externos tomados por empréstimos por bancos e empresas brasileiras. Mas, decididamente, não é esse necessário capital de giro que se pretende taxar.

Em vez desses, não seria o caso de taxar os investimentos estrangeiros ou, então, impor sobre eles uma quarentena que os deixe parados sem rendimento? Há gente dentro do governo que gostaria de coibir, por exemplo, os investimentos chineses. Mas seriam estes tão expressivos que, uma vez contidos, conseguirão reverter a trajetória do câmbio? E, caso se imponha tal restrição, qual seria o sinal que o governo passaria para os investidores estrangeiros, no momento em que o País mais precisa de capital para garantir o crescimento?

Cercear a chegada dos dólares que vêm para aplicar na Bolsa também parece inútil. Desde janeiro, a Bolsa só tem perdido pontos. Não há entrada expressiva de capitais nesse segmento.

Alguns economistas entendem que a doença principal (doença holandesa) é a alta das commodities e a forte entrada proveniente com suas exportações. Por isso, prega a imposição de um confisco (Imposto de Exportação) sobre produtos primários. O ex-ministro da Fazenda Luiz Carlos Bresser-Pereira é um desses. Mas seria o desestímulo às exportações uma política a ser adotada num momento em que cresce o rombo das contas externas? E, ainda, quando o País está sendo chamado a suprir a necessidade de matérias-primas e alimentos no resto do mundo?

Melhor entender que não há bala de prata contra a valorização do real. Isso posto, parece mais eficiente compensar a perda de competitividade do setor produtivo com a redução do custo Brasil. A já prometida desoneração da folha salarial é um caminho. O diabo é que o governo já avisou que vai compensar essa desoneração com aumento de impostos que podem elevar ainda mais a carga tributária.

Outro caminho são investimentos maciços em infraestrutura. Mas, nesse caso, a entrada de capitais deve ser estimulada, e não o contrário. E ainda seria preciso definir regras mais claras de maneira a não afugentar os interessados, como acontece com o sistema das PPPs, que até agora não decolou.

Confira

Ampliação do leque

O Banco Central afinal confirma que está examinando a proposta de ampliar as consultas (hoje em cerca de 100) da Pesquisa Focus, com o objetivo de aferir a expectativa do mercado sobre a inflação e sobre os principais indicadores da economia.

Além dos bancos

As críticas são de que a pesquisa está excessivamente concentrada no campo financeiro e que, por isso, desequilibra os resultados sempre para o ponto de vista dos bancos. Por isso, o Banco Central deveria ouvir mais empresários e os economistas das universidades.

Vai melhorar?

A crítica é procedente. Mas não se pode deixar de levar em conta as limitações das opiniões que eventualmente estejam fora da amostra. Poucas empresas têm um forte departamento econômico. A grande maioria delas ouve as consultorias que já estão na pesquisa. E os economistas tendem a externar mais sua opinião de momenta do que o resultado da ação das variáveis da economia.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

A falsa escolha entre produção e preservação :: Agostinho Vieira

Quase tão ilusória quanto uma cabeça cortada na comissão de frente da Unidos da Tijuca é a polêmica, sem pé nem cabeça, entre ambientalistas e ruralistas em torno do novo Código Florestal. A agricultura não vive sem o meio ambiente, e o país não sobreviveria hoje sem os recursos do agronegócio. Cerca de 70% de todas as espécies agrícolas dependem da polinização feita por aves e insetos. Culturas como a da maçã, do café e até da soja teriam sérios problemas sem esse singelo serviço ambiental. O mesmo vale para a água, que é usada intensivamente nas plantações.

Portanto, não deveria interessar a ninguém no Brasil, muito menos aos agricultores, ver as florestas destruídas e os rios, poluídos. Com os dois lados tentando segurar os seus radicais, a votação do projeto na Câmara dos Deputados deve acontecer até o fim de março. Os ânimos parecem estar mais serenos, mas ainda existem pontos importantes de divergência.

O principal deles diz respeito à proposta do deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP), relator do projeto, que isenta propriedades com quatro módulos fiscais (de 20 a 440 hectares) de manter uma reserva legal (RL). Uma RL é a fração de toda propriedade rural que não pode ser desmatada, e vai de 20%, na Mata Atlântica, a 80%, na Amazônia. O problema é que esse artigo beneficia não só os pequenos, mas os grandes fazendeiros, que compensariam apenas a área que excedesse essa medida.

A outra polêmica diz respeito à anistia que o relator propõe para quem desmatou reservas legais ou áreas de proteção ambiental (APPs) até 2008. A área ambiental não concorda com os dois pontos, e, não havendo acordo, serão decididos no voto. PV e PSOL já fecharam questão contra a proposta, mas os demais partidos estão divididos, e o resultado é imprevisível.

O Código Florestal foi criado em 1934 e a sua versão atual existe desde 1965, apesar de ter sofrido alterações ao longo do tempo. Para alguns, é uma lei antiga, para outros, sempre foi atual e moderna. O fato é que só ganhou relevância em 2008, quando o governo decidiu que ela deveria ser cumprida e prometeu multar quem estivesse na ilegalidade. O deputado Aldo Rebelo diz que, se a lei for levada ao pé da letra, 100% dos produtores brasileiros estão na ilegalidade. O governo propõe um prazo de 20 anos para que agricultores e pecuaristas façam o replantio das áreas desmatadas e promete financiamento. Além disso, culturas como a do café, da uva e da maçã, que estão em APPs, nos topos dos morros, poderiam ser regularizadas, desde que não sejam consideradas áreas de risco.

Dois estudos divulgados há 15 dias pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e pela Academia Brasileira de Ciências (ABC) dizem que o problema da agropecuária no Brasil não está no Código Florestal e, muito menos, na falta de espaço para plantar. Estaria na ausência de crédito, na precária assistência técnica e na baixa produtividade. Principalmente na pecuária, onde hoje criamos um boi por hectare. Um índice muito abaixo das três cabeças de gado que dividem um hectare nos EUA. Segundo os cientistas, se esse número subisse para um boi e meio por hectare, o país teria 50 milhões de hectares a mais para plantar, quase o dobro do que tem hoje. Ou seja, ainda há muito o que se discutir e melhorar antes de por em risco o nosso patrimônio ambiental.

FONTE O GLOBO

O lado político da crise:: Rolf Kuntz

A crise da economia global é também uma crise para os economistas, disse o diretor-gerente do Fundo Monetário Internacional (FMI), Dominique Strauss-Kahn, ao abrir uma conferência sobre as lições do desastre econômico e financeiro dos últimos três anos. A reunião, coordenada pelo economista-chefe da instituição, Olivier Blanchard, serviu para uma crítica das políticas dominantes nos últimos 20 anos, para um ato de contrição profissional e para um debate sobre um novo manual para os ministros de economia e finanças e presidentes de bancos centrais. Um pouco de humildade pode ser salutar, tanto quanto a disposição para rever teorias e políticas. Mas algumas questões propostas no encontro não são novas e algumas críticas talvez tenham sido mal dirigidas e resultem apenas em mais confusão.

Segundo uma dessas críticas, os bancos centrais erraram ao concentrar seus esforços no controle da inflação, sem levar em conta as condições da intermediação financeira. "A regulação financeira estava fora do esquema da política macroeconômica", escreveu Blanchard num resumo - um tanto caricatural, como ele advertiu - das ideias dominantes na fase pré-crise. Mas a simplificação pode ter ido longe demais. Os bancos centrais não deram prioridade ao controle da inflação em detrimento da regulação financeira. A história é outra. A regulação foi deficiente, nos Estados Unidos e em vários outros países, por uma combinação de ideologia e de outras motivações menos nobres.

Oficialmente, a estabilidade e a segurança do sistema financeiro têm estado há muito tempo na pauta das autoridades. Regras foram discutidas por dirigentes dos mais importantes bancos centrais e convertidas em esquemas de regulação pelo Banco de Compensações Internacionais, de Basileia. Normas até mais severas foram adotadas no Brasil, e isso explica, em boa parte, a resistência dos bancos brasileiros à crise. Mas nenhum desses esquemas foi adotado integralmente em muitas economias desenvolvidas e, além disso, os mecanismos de controle raramente - ou nunca, em muitos casos - se estenderam além dos bancos comerciais. Bancos de investimento e outras instituições ficaram livres de supervisão, nos Estados Unidos, e foram usados como canais de transmissão das operações de altíssimo risco.

A decisão de manter o sistema financeiro livre de controles não teve relação com as concepções de política monetária e muito menos com a adoção de esquemas de metas de inflação. Foi uma decisão política de outra natureza, resultante da combinação de uma pitada de ideologia com um balde de safadezas. Boa parte da história é contada no documentário Inside Job, premiado com o Oscar.

A crise pode ter sido uma surpresa por sua extensão e por sua gravidade, mas houve muitos sinais de alerta, alguns deles emitidos por gente do próprio FMI, dois anos antes do início da quebradeira dos bancos. Economistas e operadores do mercado, incluídos alguns dirigentes do setor bancário, haviam apontado os perigos embutidos no excesso de liquidez global e na formação da grande bolha de crédito.

O assunto foi discutido mais de uma vez no Fórum Econômico Mundial, em Davos, antes de começar a quebradeira dos bancos. Além disso, o grande desequilíbrio internacional entre deficitários e superavitários - um dos aspectos politicamente mais complicados da crise - foi discutido durante anos, por vários especialistas, antes de se tornar um dos temas centrais do Grupo dos 20 e do FMI. A crise deu uma dimensão dramática a problemas debatidos durante anos e realçou a urgência de novos e mais eficientes mecanismos de coordenação de políticas e de supervisão de mercados.

O grande problema não é avalizar a retomada de velhas políticas, como a limitação temporária do ingresso de capitais ou a regulação quantitativa do crédito, rebatizadas com o pitoresco nome de "medidas macroprudenciais". Dirigentes de bancos centrais e ministros de Finanças encontraram essas medidas nos quartos de despejo da política econômica e foram capazes de usá-las, novamente, antes de qualquer discussão acadêmica. Desafio sério, mesmo, é concretizar velhas propostas de regulação internacional do sistema financeiro, de instalação e operação de um mecanismo de alerta e prevenção de turbulências e - acima de tudo - de coordenação efetiva de políticas. Alguma coordenação ocorreu no começo da crise, mas já em outubro do ano passado Strauss-Kahn lamentou o enfraquecimento da cooperação. O assunto envolve dificuldades teóricas, mas os maiores obstáculos são políticos.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Atualidade de San Tiago Dantas:: Cássio Schubsky

San Tiago Dantas consolidou política externa independente, contrária ao alinhamento do Brasil ao jugo norte-americano e sem submissão à ex-URSS

Em que pese o fato de muita gente pregar o desuso das expressões "direita" e "esquerda", sou dos que ainda creem na utilidade desses conceitos para definir o espectro político, posturas ideológicas e práticas de atores sociais em geral e de governantes em particular.

Em resumo muito sumário, ser de esquerda hoje é acreditar que existe, a olhos vistos, um enorme fosso social brasileiro e que impera -sim, senhor!- abjeta concentração da renda, a ser combatida.

Ser de direita é agir para que tudo fique como está, para ver como é que fica... mantendo-se a exploração venal do trabalho, mesmo com o verniz de medidas sociais de caráter paliativo.

É bem verdade que pregação e prática não guardam, muitas vezes, coerência entre si, ou seja, quando o que se proclama não é o que se faz. Exemplo: o sujeito bate no peito para se jactar "de esquerda", mas se aferra a privilégios, mamando, egoisticamente, nas tetas opulentas do Estado.

Escrevo tudo isso para lembrar que neste ano celebra-se o centenário de nascimento de um dos grandes personagens da história brasileira do século 20, Francisco Clementino de San Tiago Dantas.

Ativo integralista na juventude, San Tiago morreu cedo, com apenas 52 anos de idade, dizendo-se de esquerda. E forjou distinção entre o que ele chamava de "esquerda positiva" (que transige e negocia) e de "esquerda negativa" (movida pelo confronto desbragado).

Em clássico prefácio ao não menos clássico livro "Raízes do Brasil", de Sérgio Buarque de Holanda, o crítico literário Antonio Candido assinala essa mudança de rumo ideológico de alguns integralistas, asseverando que San Tiago "era um dos mais brilhantes entre eles".

Carioca, nascido em 30 de outubro de 1911, San Tiago Dantas tornou-se "catedrático menino", aos 26 anos professor da Faculdade Nacional de Direito, no Rio de Janeiro.

Escritor bissexto, jornalista, advogado, deputado federal pelo Partido Trabalhista Brasileiro (o PTB de Vargas e Jango), deixou poucos registros escritos de sua luminosa produção intelectual, em que se destacam pareceres jurídicos, discursos parlamentares, artigos compilados, aulas taquigrafadas por alunos e uma conferência notável intitulada "Dom Quixote, um Apólogo da Alma Ocidental".

No governo João Goulart, comandou as pastas da Fazenda e das Relações Exteriores, atuando ao lado de outros luminares da cultura, como Celso Furtado e Darcy Ribeiro. E manteve-se fiel a Jango, quando ambos definhavam: o governo e San Tiago, acometido de câncer fulminante, que o aniquilou em 6 de setembro de 1964.

Na condução do Itamaraty, consolidou a chamada política externa independente, contrária ao alinhamento do Brasil ao jugo norte-americano e sem submissão à extinta União Soviética.

Sua filiação à esquerda positiva custou-lhe caro -a Câmara recusou a indicação de seu nome para o cargo de primeiro-ministro no breve período parlamentarista.

Em discurso proferido quando foi agraciado com o prêmio "Homem de Visão do Ano", em 1963, semanas antes do golpe civil-militar que apeou Jango do poder, San Tiago cunhou uma farpa contra seus próprios detratores que ainda hoje dá o que pensar: a "elite esclarecida" está aquém do nosso povo.

Cássio Schubsky (1965-2011), foi editor e historiador, organizador do livro "Clóvis Beviláqua -Um Senhor Brasileiro" (Editora Lettera.doc). Este era seu último artigo inédito.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

Defesa confirma divergências internas sobre Comissão da Verdade

Segundo ministério, no entanto, resistência já foi superada

Evandro Éboli


BRASÍLIA. O Ministério da Defesa divulgou nota ontem, confirmando a resistência das Forças Armadas à criação da Comissão da Verdade. Mas informou que as divergências internas sobre o assunto já foram superadas e que prevalece a posição do governo, da presidente Dilma Rousseff, de que a comissão seja instalada e de que o Congresso aprove o projeto original, que prevê apuração de violação de direitos humanos ocorridos durante a ditadura militar.

Em documento, revelado ontem pelo GLOBO, o Comando do Exército, com apoio da Marinha e da Aeronáutica, se posicionou contra a instalação da comissão por considerá-la revanchista, alegando que ela provocaria tensões e sérias desavenças.

"A manifestação do Exército foi superada, ainda no ano de 2010, em face da posição inequívoca do ministro da Defesa (Nelson Jobim) a favor da íntegra do projeto na forma em que foi encaminhado ao Congresso Nacional pela Presidência da República, sem nenhuma objeção do Comando do Exército", diz a nota. "O ministro da Defesa, falando por si e pelas três Forças, reitera seu compromisso de trabalhar pela aprovação, no Congresso Nacional, da íntegra do texto do projeto", diz a nota.

"Saber o que ocorreu é essencial"

O documento gerou reações dos integrantes da Comissão de Mortos e Desaparecidos Políticos, vinculada à Secretaria de Direitos Humanos. O presidente da comissão, Marco Antônio Barbosa, disse que não há propósito revanchista:

- Lamento e considero uma pena que as Forças Armadas tenham essa visão. É um assunto que não diz respeito a essa geração de militares. Saber o que ocorreu nos porões da ditadura é essencial para cicatrizar feridas.

O presidente da OAB do Rio, Wadih Damous, afirmou que o documento é lamentável e que os militares deveriam ser os maiores interessados na apuração desse passado.

- Infelizmente, o Brasil dá péssimo exemplo para a História com essas posições atrasadas. Não é verdade que haverá uma crise ou retaliação se a comissão for criada - disse.

Na nota, a Defesa informou que a informação foi repassada à assessoria parlamentar no Congresso em setembro de 2010. O documento ao que GLOBO teve acesso exibia despacho de fevereiro deste ano.

- O governo precisa afinar sua opinião sobre essa matéria - disse o presidente da Câmara, Marco Maia (PT-RS), antes de tomar conhecimento da nota.

FONTE: O GLOBO

Dilma se reunirá com centrais, mas manterá correção do IR em 4,5%

Marco Maia defende que reajuste de tabela saia por projeto de lei e não por MP

Chico de Gois, Cristiane Jungblut e Leila Suwwan

BRASÍLIA E SÃO PAULO. Na reunião que fará amanhã com as centrais sindicais, a presidente Dilma Rousseff dirá que o governo não vai atendê-las na reivindicação de conceder um reajuste de 6,47% na tabela de Imposto de Renda para Pessoa Física (IRPF). Dilma baterá na tecla que o máximo que o Palácio do Planalto está disposto a oferecer são os 4,5% já anunciados, o que equivale ao centro da meta da inflação do ano passado. Não será uma conversa fácil. Além da tabela do IR, a pauta das centrais incluirá o fim do fator previdenciário e o reajuste para os aposentados que ganham acima do salário mínimo.

Ontem, o presidente da Câmara, deputado Marco Maia (PT-RS), disse preferir que a presidente envie um projeto sobre a correção da tabela do IR, e não opte por uma medida provisória, como está previsto. Ele argumentou que o projeto seria votado mais rapidamente, já que, com urgência (como aconteceu com o projeto de lei que reajustou o salário mínimo), poderia passar na frente das MPs que trancam a pauta.

Centrais chegam divididas ao encontro

Dilma, que não estava muito disposta a receber o presidente da Força Sindical, o deputado Paulo Pereira da Silva (PDT-SP), acabou cedendo. Paulinho da Força, como é conhecido, fez campanha contra o salário mínimo de R$545 e aumentou o tom contra a presidente Dilma. Do encontro de amanhã, além da Força, participarão a CUT, UGT, CGTB, CTB e NCST.

Derrotadas e divididas, as centrais sindicais tentarão transformar a reunião com a presidente em um misto de desagravo e demonstração de unidade. As centrais sindicais querem registrar com Dilma a mágoa com a decisão dela de não negociar com os sindicalistas sobre o prometido aumento real no salário mínimo de 2011. Reafirmarão sua posição contrária à política econômica atual, que será o alvo de uma grande mobilização no mês de julho, ao lado de movimentos sociais.
Porém, o tom será de discordância amiga - daí o escanteamento promovido pelas centrais contra Paulinho, que chegou a dizer que está de "saco cheio" do PT.

Em seu blog, Artur Henrique, presidente da CUT, afirma que Paulinho "não tem moral para falar em independência e direitos dos trabalhadores". "Paulinho está louco para cair no colo do PSDB. Ele anuncia leilão dele mesmo", escreveu Henrique.

O presidente da CTB, Wagner Gomes, disse que a presidente será respeitada, mas ouvirá as reclamações das centrais.

- Defendemos o mesmo modelo de Brasil que ela, mas achamos que começou mal do ponto de vista macroeconômico. Não somos adesistas. Se ela não alterar, teremos em julho uma jornada de luta com os movimentos sociais - disse Gomes.

Já o presidente da CGTB, Antonio Neto, sustenta a postura de superação das divergências:

- Achamos que o governo errou e vou dizer isso pessoalmente à presidente. Sempre fica um pouco de mal-estar. Mas sou um negociador e sei que não é possível ganhar tudo.

Em relação ao reajuste da tabela do IR, há uma dúvida dentro do governo: se a correção será só por este ano ou por quatro anos, como foi a política de reajuste do salário mínimo.

O Ministério da Fazenda, apesar dos discursos alarmistas do ministro Guido Mantega, quer a correção por quatro anos. Na semana passada, Mantega disse que, caso haja a correção da tabela, o governo terá de encontrar meios para tapar o buraco. Ele chegou a admitir que poderá haver aumento de impostos ou novos cortes orçamentários.

No Congresso, o senador Paulo Paim (PT-RS) lembrou que, quando esteve com Dilma, ela mencionou 4,5%. Para ele, a fala de Mantega nada mais é do que o recado que o governo não aceita correção maior, como querem as centrais.

- A presidente Dilma falou em 4,5%. Mas até entendo que o Mantega tem que endurecer: a melhor tática é o ataque. Quando ele diz isso (que tem que criar novos tributos), é que o máximo é 4,5%. Acho que o governo vai endurecer nos 4,5% - disse Paim.

Na semana passada, os líderes do governo no Senado, Romero Jucá (PMDB-RR), e na Câmara, deputado Cândido Vaccarezza (PT-SP), disseram que a correção seria de 4,5% e apenas por um ano.

FONTE: O GLOBO

Dilma dá cargos aos sem-mandato do PMDB

João Domingos

A presidente Dilma Rousseff começou a dar um lugar para os derrotados do PMDB no segundo e terceiro escalões, conforme havia prometido à direção do partido antes da demonstração de fidelidade da legenda na votação do salário mínimo de R$ 545, no mês passado.

O Diário Oficial da União de ontem publicou a nomeação do ex-deputado Colbert Martins, da Bahia, para comandar a Secretaria Nacional de Desenvolvimento do Turismo, do Ministério do Turismo. O ato foi assinado pelo ministro Antonio Palocci (Casa Civil), ao qual cabe nomear as pessoas para esses cargos.

Colbert Martins, que já pertenceu ao PPS e se transferiu para o PMDB por influência do ex-ministro Geddel Vieira Lima (Integração Nacional), tentou a quarta eleição em outubro, mas não obteve êxito numa disputa em que o PMDB se saiu muito mal na briga com o PT no Estado. O próprio Geddel foi candidato a governador e foi derrotado por Jaques Wagner (PT), reeleito.

O Ministério do Turismo é da cota do PMDB do presidente do Senado, José Sarney (AP), que indicou o deputado Pedro Novais (MA) para titular da pasta. Novais protagonizou o primeiro grande escândalo dos ministros de Dilma Rousseff. Em junho do ano passado ele financiou, com dinheiro da Câmara, uma festa num motel de São Luís ao custo de R$ 2,1 mil. A notícia foi divulgada pelo Estado.

Palocci chegou a defender um recuo na nomeação de Novais, mas Sarney fez pressão e o afilhado ficou no posto. Em compensação, seu ministério foi esvaziado pelos cortes no Orçamento.

Brigas. A nomeação do novo dirigente da Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia (Sudam) tem provocado grandes escaramuças entre o PT e o PMDB da Região Norte. O PT faz forte pressão para nomear a ex-governadora paraense Ana Júlia Carepa para o cargo. O PMDB, tendo na trincheira dos padrinhos o senador Eduardo Braga (AM) e o deputado Luiz Otávio (PA), insiste na manutenção de Djalma Mello. Antes, o PT havia lutado para tornar Ana Júlia presidente do Banco da Amazônia.

Para a direção da Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste (Sudene) a briga ocorre dentro do PSB do Rio Grande do Norte. Uma ala defende a ex-governadora Wilma de Faria; outra, o ex-governador Iberê Ferreira. A presidente aguarda o fim da disputa para nomear o dirigente, que será do PSB.

No caso da Superintendência de Desenvolvimento do Centro-Oeste (Sudeco), o nome para a direção do órgão é o do ex-govenador Iris Rezende (PMDB-GO). A Sudeco ainda não foi constituída, mas Dilma garantiu que a tirará do papel este mês.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Tucanos tentam "acordão"

PSDB busca uma solução para a disputa interna pelo comando nacional da legenda

Alessandra Mello

Envolto em disputas internas, agravadas por mais uma derrota na disputa presidencial, o PSDB busca uma solução para pacificar a legenda, hoje dividida entre os apoiadores do ex-governador José Serra, do senador Aécio Neves e do governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, potenciais candidatos à sucessão em 2014. Uma solução que vem sendo discutida na legenda e já conta com a simpatia de muitos tucanos do primeiro escalão é a criação de um conselho colegiado para dirigir o partido e a garantia pelo novo comando do estabelecimento de mecanismo mais democráticos para a escolha do próximo candidato ao Palácio do Planalto.

Essa fórmula agradaria Serra e também os apoiadores de Aécio e Alckmin, atualmente alinhados para tentar barrar a chegada do grupo do ex-governador de São Paulo ao comando nacional do PSDB. O partido realiza, em maio, as eleições para a renovação da Executiva Nacional. O atual presidente, deputado federal Sérgio Guerra (PSDB-PE), aliado de Aécio, é cotado para permanecer no cargo. Guerra conta com o apoio também de Alckmin, cujas relações com Serra estão cada vez mais estremecidas. Recém-empossado governador, Alckmin tem revisto projetos de Serra e ensaiado algumas críticas, ainda que sutis, à sua administração. Além disso, a divulgação recente de documentos do WikiLeaks, com críticas a Alckmin, feitas durante a campanha presidencial de 2006 por tucanos da ala serrista, agravou mais ainda o atual quadro de discórdia dentro da legenda.

Dirigentes tucanos confirmam a existência de conversas em torno da criação do que tem sido chamado de “conselhão”, mas avaliam que ele não será suficiente para evitar, nesse momento, a disputa pelo comando da legenda. Esse conselhão seria, segundo um dos ouvidos pelo Correio, uma forma de compensação para quem for derrotado na eleição para a Presidência da legenda.
Quem conquistar a direção nacional tem mais poderes para articular uma candidatura presidencial em 2014. Por isso, mesmo os defensores dessa solução não acreditam que ela será suficiente para selar a paz na legenda, mas pelo menos pode ajudar a acalmar, ainda que temporariamente, os ânimos tucanos.

Sucessão

Hoje o mais cotado para presidir o PSDB continua sendo Guerra, que, além de Aécio e Alckmin, conta também com o apoio da maioria da bancada do PSDB na Câmara dos Deputados. No entanto, o grupo de Serra articula para impedir a reeleição de Guerra. O nome do ex-governador chegou a ser ventilado, apesar das negativas de Serra, para o posto de Guerra. Embora não tenha muito apoio dentro da legenda para presidir o partido, lideranças tucanas não querem atrito com o ex-governador de São Paulo, um líder importante e o principal representante hoje da oposição ao governo Dilma. O “conselhão” seria uma solução para não deixar Serra de escanteio, caso ele seja mesmo derrotado na disputa pela direção nacional do PSDB.

A maneira como o próximo candidato à sucessão de Dilma Rousseff vai ser escolhido também faz parte das conversas que vêm sendo travadas pela direção da legenda. Ela é uma das exigências, principalmente dos aliados de Aécio, que tentou de todas as maneiras na eleição passada obrigar o partido a adotar esse sistema para definir o nome do candidato à sucessão de Luiz Inácio Lula da Silva. “Independentemente de quem ganhar a eleição para o comando do partido é certo que as discussões sobre a escolha do próximo candidato terão obrigatoriamente de ser feitas de maneira mais democrática e com a participação mais ampla dos nossos filiados”, afirma uma das lideranças tucanas.

FONTE: CORREIO BRAZILIENSE

BNDES já empresta três vezes mais que o Banco Mundial

O BNDES emprestou no ano passado US$ 96,32 bilhões, mais que o triplo dos US$ 28,85 bilhões concedidos pelo Banco Mundial (Bird). Com a crise global, bancos estatais e instituições multilaterais incrementaram sua participação na economia. O ritmo do banco brasileiro, no entanto, foi bem superior ao do Bird. Entre 2005 e 2010, os empréstimos do BNDES cresceram 391% em dólar, enquanto os do Bird avançaram 196%. O banco brasileiro já emprestava mais que o Banco Mundial em 2005 - foram US$ 19,6 bilhões, ante US$ 9,72 bilhões do Bird. O governo estima queda nos desembolsos do BNDES em 2011, para US$ 82,86 bilhões, porque a economia está aquecida.

Créditos do BNDES crescem 391% em 5 anos e já são o triplo do Banco Mundial

No ano passado, banco de fomento concedeu US$ 96,32 bilhões em empréstimos, enquanto o Banco Mundial emprestou US$ 28,85 bilhões

Ricardo Leopoldo

SÃO PAULO - O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) empresta hoje o triplo do Banco Mundial (Bird). No ano passado, o banco brasileiro concedeu US$ 96,32 bilhões em empréstimos, valor 3,33 vezes superior aos US$ 28,85 bilhões do Bird.

Com a crise global, os bancos estatais e as instituições financeiras multilaterais aumentaram sua participação na economia. O ritmo do banco brasileiro, no entanto, foi bem superior ao do Bird. Entre 2005 e 2010, os empréstimos do BNDES cresceram 391% em dólares, enquanto os do Bird avançaram 196%.

Vale ressaltar, no entanto, que mesmo cinco anos atrás o banco brasileiro já emprestava mais do que o Banco Mundial. Em 2005, o BNDES concedeu US$ 19,6 bilhões em empréstimos, o dobro dos US$ 9,72 bilhões do Bird.

O governo brasileiro estima uma queda nos desembolsos do BNDES em 2011 para US$ 82,86 bilhões (ou R$ 145 bilhões). Ao contrário da época de crise, a economia hoje está aquecida e a equipe econômica tenta conter a inflação. Ainda assim, o Tesouro anunciou na última quinta-feira um novo empréstimo de R$ 55 bilhões para o BNDES este ano.

De acordo com o chefe do departamento econômico do BNDES, Fernando Puga, o avanço dos financiamentos concedidos pelo banco está diretamente relacionado ao crescimento da economia brasileira. Em 2010, o Brasil se tornou a sétima economia do mundo, com um Produto Interno Bruto (PIB) que cresceu 7,5% e atingiu R$ 3,6 trilhões.

Puga destaca que a ampliação dos investimentos no País cresceram com a colaboração do BNDES. Os investimentos que contaram com a participação do banco oficial chegaram a R$ 987 bilhões entre 2006 e 2009.

Esse montante deve subir, segundo o presidente do banco, Luciano Coutinho, para R$ 1,6 trilhão até 2014. "A concessão de empréstimos pelo BNDES, que atende a todos os setores, ocorre com controle, o que gerou um nível de inadimplência de 0,2% em 2010 e 2009", disse Puga.

Subsídios. Os especialistas, no entanto, divergem sobre o impacto do crescimento do BNDES para a economia. Enquanto alguns ressaltam o estímulo aos investimentos, outros criticam o custo fiscal para os contribuintes e a restrição imposta à política monetária.

Desde 2008, incluindo o novo empréstimo anunciado na semana passada, o Tesouro repassou R$ 291 bilhões ao BNDES para garantir o crescimento dos seus desembolsos. Há um subsídio embutido nesses empréstimos, porque o Tesouro capta o dinheiro pagando a taxa Selic (11,75%), enquanto o BNDES empresta cobrando TJLP (6%).

O governo nunca divulgou o valor desse subsídio. Cálculo feito pelo pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Mansueto Almeida, aponta que a conta para os contribuintes brasileiros está em torno de R$ 20 bilhões por ano.

Para o professor da PUC-RJ, José Márcio Camargo, "há uma apropriação de recursos da sociedade pelos empresários que tomam empréstimos no BNDES". Outro problema apontado pelos economistas é que, ao garantir o crescimento do investimento via BNDES, o governo torna mais dura a tarefa do BC de desaquecer a economia.

Já o professor da Unicamp Fernando Sarti ressalta que, sem o BNDES para atuar em projetos de longo prazo, a taxa de investimento do País seria bem menor. "Quem investe em estradas, rodovias e hidrelétricas no Brasil se não tiver a participação do BNDES? Poucos", diz.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Remédios vão ficar mais caros

A partir do dia 31 deste mês, 20 mil medicamentos terão alta de pelo menos 6%

Martha Beck

BRASÍLIA. Os brasileiros vão pagar mais caro por remédios importantes como antibióticos e antiinflamatórios a partir do dia 31 deste mês. O governo anunciará nos próximos dias um reajuste de pelo menos 6% nesses produtos, que ainda têm os preços controlados pela Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (Cmed) - ligada à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

Ficarão mais salgadas cerca de 20 mil apresentações de remédios. Como muitos destes medicamentos são de uso contínuo, ou utilizados no tratamento de doenças graves, o governo define o quanto podem subir a cada ano. O objetivo é evitar que a população seja prejudicada por eventuais aumentos excessivos por parte da indústria farmacêutica. Entre os produtos cujos reajustes foram autorizados estão vasodilatadores, como Viagra, e ansiolíticos, como Lexotan.

Alta pode ficar acima do IPCA, dizem técnicos

O IPCA acumulado de março de 2010 a fevereiro de 2011 foi de 6,01%. Mas, como a Cmed calcula o aumento dos medicamentos com base na inflação e em alguns critérios técnicos, o reajuste pode ficar um pouco acima ou abaixo do índice. Isso porque ainda são levados em conta a produtividade da indústria no último ano e a concorrência imposta pelos genéricos (que têm o mesmo princípio ativo dos remédios de marca, mas custam mais barato) no mercado.

Se o governo entender que os laboratórios tiveram ganhos de produtividade, por exemplo, o reajuste máximo autorizado pode acabar ficando menor. No caso dos genéricos, quanto maior for a concorrência com o produto de marca, maior é o reajuste permitido para a indústria. Por isso, se um produto tiver forte concorrência, ele pode ser autorizado a repassar o teto do percentual de reajuste. Já aqueles que dominam o mercado podem ser obrigados a aplicar um percentual menor.

Essa é uma forma de forçar os laboratórios a repassar para os consumidores o menor aumento possível. Quem elevar os preços acima do percentual autorizado pode ser multado em até R$3,2 milhões. Segundo técnicos do governo, é possível que o reajuste máximo autorizado este ano fique um pouco acima do IPCA em função da menor produtividade da indústria em 2010.

Reajuste pressionará inflação de 2011

Os medicamentos serão mais um fator de pressão sobre a inflação de 2011. Segundo o economista-chefe do banco ABC Brasil, Luís Otávio Leal, embora esses produtos não tenham um efeito em cadeia sobre a economia - ou seja, não impactem outros produtos ou serviços -, deverão puxar para cima o índice de abril.

FONTE: O GLOBO

Mortes nas estradas federais chegam a 189

Número de acidentes e de feridos também é o maior em seis anos; ontem, em MG, um morreu e seis ficaram feridos

Sergio Roxo

SÃO PAULO. O número de mortos nas estradas federais brasileiras no carnaval já é 32% maior do que no ano passado. Entre a meia-noite de sexta-feira e a meia-noite de terça, foram registrados 189 óbitos, um média de 37,8 por dia. Em todo o feriado de 2010, em seis dias, foram 143 mortos, média de 23,8 por dia. O balanço final das estatísticas do carnaval nas rodovias neste ano será divulgado hoje.

A quantidade de acidentes e o número de feridos também já superaram as de 2010, o que torna o carnaval deste ano o mais violento nas estradas brasileiras, por todos os critérios, pelo menos, dos últimos seis anos.

O total de acidentes chegou, em cinco dias do feriado, a 3.563. O aumento é de 10% em relação às ocorrências registradas em seis dias do carnaval do ano passado. O número de feridos passou para 2.152, uma elevação de 12% na comparação com 2010.

A Polícia Rodoviária Federal atribui o aumento do número de ocorrências à maior quantidade de carros em circulação nas estradas brasileiras e também à falta de atenção dos motoristas.

Ontem, uma pessoa morreu e seis ficaram gravemente feridas após uma batida na MGT-383, entre São João Del Rei e Lagoa Dourada, na Região Central de Minas Gerais. Também em Minas, na tarde de terça-feira, cinco pessoas morreram, e 28 ficaram feridas, sendo cinco delas em estado grave, após um ônibus da Prefeitura de São Simão (GO) bater de frente contra uma carreta na BR-153, perto da cidade de Prata, região do Triângulo Mineiro. Os passageiros eram pacientes que iam para o Hospital do Câncer da cidade de Barretos, interior paulista.

FONTE: O GLOBO

Não sei quantas almas tenho::Fernando Pessoa

Não sei quantas almas tenho.
Cada momento mudei.
Continuamente me estranho.
Nunca me vi nem acabei.
De tanto ser, só tenho alma.
Quem tem alma não tem calma.
Quem vê é só o que vê,
Quem sente não é quem é,

Atento ao que sou e vejo,
Torno-me eles e não eu.
Cada meu sonho ou desejo
É do que nasce e não meu.
Sou minha própria paisagem;
Assisto à minha passagem,
Diverso, móbil e só,
Não sei sentir-me onde estou.

Por isso, alheio, vou lendo
Como páginas, meu ser.
O que segue não prevendo,
O que passou a esquecer.
Noto à margem do que li
O que julguei que senti.
Releio e digo : "Fui eu ?"
Deus sabe, porque o escreveu.