segunda-feira, 21 de março de 2011

Reflexão do dia – Ruth de Aquino :: Militantes, “go home”

O mundo das patrulhas ideológicas é muito chato. Convicções se tornam dogmas. Há um ranço nesses grupos que cheira a mofo e não tem mais lugar em nosso país. Militante de esquerda se parece demais com militante de direita. Na Europa, especialmente na França, comunistas desiludidos acabam aderindo a candidatos de extrema direita, racistas, moralistas e xenófobos. Entoam palavras de ordem nacionalistas. Temem por seus empregos e por isso odeiam imigrantes.

O mesmo pode-se dizer dos radicais sociais: são chatos os militantes gays, as militantes feministas, os militantes afrodescendentes, os militantes religiosos, os militantes intelectuais. Não escutam nem debatem, só protestam ou aclamam. Please, go home.


AQUINO, Ruth de. Militantes, “go home”. Revista ÉPOCA, 21 de março de 2011.

A presidente Dilma e a economia:: Luiz Carlos Mendonça de Barros

A entrevista da presidente Dilma ao Valor na última semana é uma fonte muito rica para entender sua leitura da economia brasileira hoje. Apesar do pouco tempo de Dilma Roussef no Palácio do Planalto, já sabemos que ela tem uma forma mais profunda de tratar publicamente os temas relevantes sobre o Brasil. Na era Lula as entrevistas do presidente muito raramente traziam alguma contribuição ao entendimento das prioridades e políticas de seu governo.

Em todas as respostas da presidente à jornalista Claudia Safatle podemos encontrar um ponto em comum: ela está trazendo finalmente ao governo alguns dos conceitos e prioridades do pensamento econômico do PT.

Nos oito anos de Lula isso não aconteceu na medida em que a política econômica foi o resultado de uma simbiose confusa entre conceitos e objetivos herdados do período FHC, respostas pragmáticas a desafios de natureza conjuntural que ocorreram e, claro, algumas prioridades históricas do PT. Esse todo heterogêneo desaguou em um período de sucesso na economia em função do cenário conjuntural extremamente favorável, principalmente pela elevação expressiva dos chamados termos de troca de nosso comércio exterior.

Os preços de nossas exportações em alta e uma deflação dos produtos industriais importados geraram ao longo do segundo mandato de Lula um ganho anual de renda interna da ordem de 1,6% do PIB. Estimulada por essa força externa e trabalhando com uma folga estrutural em setores chaves como o mercado de trabalho, a economia cresceu a taxas elevadas sem que a inflação fugisse do controle. Em 2011 os efeitos positivos da melhora de nossos termos de troca continuam a empurrar a economia, mas as condições conjunturais internas não são mais as mesmas. Por isso as pressões inflacionárias começam a tomar uma dimensão que não tiveram no governo Lula.

A presidente Dilma foi incisiva em defender o controle da inflação, mas seguindo um receituário diferente do estabelecido no sistema de metas de inflação que prevalece desde 1999. Ele segue mais de perto o pensamento econômico do PT histórico, que defende ser possível o combate a uma inflação de demanda, como vivemos hoje, sem comprometer o crescimento. Essa opção da presidente fica clara quando ela promete um combate implacável à inflação mas, ao mesmo tempo, assume um compromisso com um crescimento do PIB da ordem de 5% ao ano. Para este analista esse duplo objetivo é incompatível e um deles terá que ser deixado de lado. Hoje me parece claro que a corda vai arrebentar do lado da inflação.

Essa nova postura do governo tem implicações importantes. Em primeiro lugar o Banco Central está abandonando na prática - depois de mais de 12 anos - uma das cláusulas pétreas do regime de metas de inflação implantado em 1999. Até agora, quando a inflação ameaçava superar de forma sustentada o centro da meta, o Banco Central entrava em cena aumentando os juros. Seu objetivo era o de criar condições para que houvesse - no mais curto espaço possível - uma volta da inflação ao centro do intervalo de metas em vigor. Nessa sua missão, o crescimento da economia passava a ser uma variável dependente da intensidade do aumento dos juros.

Dada a credibilidade que o BC ganhou junto aos agentes econômicos, ao longo de vários anos, o mercado projetava poucos meses à frente o fim do aumento dos juros e - mais importante - o momento em que o Copom passaria a reduzi-los. Em outras palavras, as expectativas de inflação estavam ancoradas em função da credibilidade do Banco Central.

No governo Dilma o Copom trabalha com um mandato duplo, ou seja, o de trazer a inflação para a meta e viabilizar uma meta mínima de crescimento fixada pelo Planalto. Além disso existe uma restrição adicional que é a decisão de não permitir uma nova rodada de fortalecimento do real como instrumento para forçar os preços dos bens que trabalham com preços em dólar para baixo.

Nessas novas condições, mesmo que a intenção do governo seja a de manter a inflação estritamente sob controle - como reafirmou na entrevista a presidente - a trajetória de convergência para o centro da meta será outra, bem diferente da que ocorria até agora. Não vejo um problema grave nessa mudança, se for apenas um ajuste no prazo de convergência da inflação e da utilização - adicionalmente à elevação dos juros - de outros instrumentos de aperto nas condições financeiras. Neste caso estaríamos jogando para 2012 o fim do aperto monetário em andamento.

Mas se a limitação na redução no ritmo de crescimento for um impedimento à liberdade do BC de buscar novamente o centro da meta, estamos diante de uma política monetária de outra natureza. Nas condições atuais da economia brasileira, principalmente com os níveis de desemprego de hoje, essa nova postura do governo vai levar a níveis de inflação bem mais elevados. Portanto, a questão não se trata mais de um prazo maior ou menor de convergência da taxa de inflação, mas sim de uma terrível inconsistência teórica. Que, aliás, faz parte do receituário tradicional do PT e que ficou de lado durante o mandato do presidente Lula.

Luiz Carlos Mendonça de Barros, engenheiro e economista, é diretor-estrategista da Quest Investimentos. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações.

FONTE: VALOR ECONÔMICO

Ó pai, ó! :: Ricardo Noblat

- E Lula, hein? Foi o único ex-presidente que recusou o convite de Dilma para almoçar com Obama. malandro ou zé mané?

Maria Bethânia criará um blog para disseminar poesia de boa qualidade? Ótimo! O blog custará pouco mais de R$ 1.350 mil para se manter durante um ano? Problema dela! Bethânia embolsará R$ 50 mil mensais para declamar um poema por dia? Sortuda! O dinheiro será arrecadado junto a empresas que depois o abaterão do seu Imposto de Renda? Êpa!

Existe uma lei de nome Rouanet aprovada pelo Congresso no final de 1991. Ela permite às empresas aplicarem em projetos culturais até 4% do que pagariam de Imposto de Renda, e às pessoas físicas até 6%. A maior parte da clientela da lei difunde a ideia de que é privado o dinheiro destinado a financiar projetos.

Mentira! Na verdade, o governo abdica de receber uma parcela de impostos para que a cultura floresça entre nós. A intenção inegavelmente é boa. No mais quase tudo é ruim. Onde já se viu dinheiro público escapar ao controle do governo? Aqui é o que ocorre na prática.

Uma vez autorizada a arrecadação de recursos, o negócio passa a ser tratado entre artistas, produtores e suas eventuais fontes de financiamento. Na maioria das vezes o processo é nebuloso. O governo limita-se a receber depois a prestação de contas. Está para existir no mundo civilizado um modelo sequer parecido com esse.

Não pense que é pouco o dinheiro envolvido em transações por vezes tenebrosas. Em 2003 foram R$ 300 milhões. Seis anos depois, R$ 1 bilhão. Cerca de 80% do orçamento do Ministério da Cultura para este ano derivam de impostos que o governo deixará de recolher. O que sobra é uma titica.

A Polícia Federal produziu no ano passado um relatório sigiloso sobre projetos tocados adiante com base na Lei Rouanet. Pelo menos 30% do dinheiro que empresas dizem ter investido em projetos foram devolvidos para elas por debaixo do pano. Devolvidos por quem? Pelos arrecadadores com a cumplicidade de artistas.

Autoridades e artistas enchem a boca quando falam sobre uma política nacional de cultura. Sinto muito, mas não há política – primeiro porque falta dinheiro para outras coisas, segundo porque uma política nacional de cultura teria que ser definida pelo governo depois de consultas à sociedade.

Contudo, por obra e graça dos mecanismos e da ausência de critérios da Lei Rouanet, são os departamentos de marketing das empresas que definem a “política nacional de cultura”. Os responsáveis por tais departamentos escolhem os projetos a serem contemplados com um dinheiro que é do governo. E quem mais lucra?

As empresas, que associam sua imagem à imagem de artistas famosos. Os intermediários entre as empresas e os artistas. E os artistas. Entre pôr dinheiro numa orquestra juvenil da periferia de Fortaleza ou num show de Ivete Sangalo, você imagina qual será a escolha de uma empresa?

E o dinheiro que elas economizam com publicidade? Numa recepção, há dois anos, sem se dar conta da presença de Millú Villela, uma das donas do Banco Itaú, o então presidente Lula comentou numa roda de amigos: “O Itaú faz a maior propaganda dele mesmo com dinheiro de renúncia fiscal”. Millú foi embora aborrecida.

O finado Banco Santos patrocinou em 2009 a exposição de exemplares do exército de terracota desencavado na China. Para celebrar a proeza, publicou páginas de anúncios em revistas e jornais exaltando a contribuição da iniciativa privada à cultura nacional. Tudo pago via Lei Rouanet.

Apenas 3% dos que apresentam projetos ao Ministério da Cultura ficam com mais da metade do dinheiro atraído pela lei. Mais da metade do dinheiro banca projetos nascidos no eixo Rio-São Paulo. Fora do eixo, deu a entender certa vez o produtor paulista Paulo Pélico, “o resto é bumba-meu-boi”.

A presidente Dilma Rousseff está disposta a acabar com a farra feita com o nosso dinheirinho. A Lei Rouanet dará lugar a outra que já tramita no Congresso. Anotem desde já: será ensurdecedora a chiadeira dos viciados em dinheiro público.

FONTE: O GLOBO

O acidente nuclear do Japão :: José Goldemberg

Existem hoje cerca de 450 reatores nucleares, que produzem aproximadamente 15% da energia elétrica mundial. A maioria deles está nos Estados Unidos, na França, no Japão e nos países da ex-União Soviética. Somente no Japão há 55 deles.

A "idade de ouro" da energia nuclear foi a década de 1970, em que cerca de 30 reatores novos eram postos em funcionamento por ano. A partir da década de 1980, a energia nuclear estagnou após os acidentes nucleares de Three Mile Island, nos Estados Unidos, em 1979, e de Chernobyl, na Ucrânia, em 1986. Uma das razões para essa estagnação foi o aumento do custo dos reatores, provocado pela necessidade de melhorar a sua segurança. Com a queda do custo dos combustíveis fósseis na década de 1980, eles ficaram ainda menos competitivos. O custo da instalação de um reator nuclear triplicou entre 1985 e 1990.

Temos agora o terceiro grande acidente nuclear, desta vez no Japão, que certamente vai levar a uma reavaliação das vantagens e desvantagens de utilizar reatores nucleares.

Vejamos quais são os fatos, as causas e consequências do acidente nuclear japonês.

Os fatos são bastante claros: o sistema de resfriamento deixou de funcionar após os terremotos e o núcleo do reator onde se encontra o urânio começou a fundir, produzindo uma nuvem de materiais radioativos que escapou do edifício do reator, contaminando a região em torno dele. Além disso, o calor do reator decompôs a água em hidrogênio e oxigênio, o que provocou uma explosão do hidrogênio que derrubou parte do edifício. A quantidade de radioatividade liberada ainda não é conhecida, mas poderia ser muito grande (como em Chernobyl) se o reator não fosse protegido por um envoltório protetor de aço. O reator de Chernobyl não tinha essa proteção.

As causas do acidente são menos claras: a primeira explicação foi a de que, com o "apagão" causado pelo terremoto, os sistemas de emergência (geradores usando óleo diesel), que deveriam entrar em funcionamento e garantir que o sistema de resfriamento do reator continuasse a funcionar, falharam. A temperatura subiu muito e o núcleo do reator começou a fundir, como aconteceu no reator de Three Mile Island, nos Estados Unidos. Essa explicação provavelmente é incompleta; é bem provável que parte da tubulação de resfriamento tenha sido danificada, impedindo a circulação da água.

O que se aprende com essa sucessão de eventos é que sistemas complexos como reatores nucleares são vulneráveis e é impossível prever toda e qualquer espécie de acidente. Em Three Mile Island não houve nem terremoto nem tsunami, e nem por isso o sistema de refrigeração deixou de falhar.

A principal consequência do acidente nuclear no Japão é o abalo da convicção apregoada pelos entusiastas da energia nuclear de que ela é totalmente segura. Tal convicção é agora objeto de reavaliação em vários países e certamente também o será no Brasil.

Essa reavaliação envolve três componentes.

Em primeiro lugar, considerações econômicas: a competitividade da energia elétrica produzida em reatores nucleares comparada com eletricidade produzida a partir de carvão ou gás é desfavorável a ela. Ainda assim, ela se justificaria porque o uso de carvão ou gás para geração de eletricidade resulta na emissão de gases responsáveis pelo aquecimento da Terra, principalmente o dióxido de carbono. Em funcionamento normal, reatores não emitem esse gás. A competitividade da energia nuclear poderia melhorar se a emissão de carbono fosse taxada.

Em segundo lugar, considerações de segurança no suprimento de energia. A produção de eletricidade em reatores nucleares torna certos países menos dependentes de importações de carvão ou de gás natural - caso do Japão e da França -, mas, em contrapartida, torna-os dependentes da produção de urânio enriquecido ou da sua importação.

Em terceiro lugar, riscos de natureza ambiental e de proteção à vida humana resultantes da radioatividade. Este parece ser o "calcanhar de aquiles" da energia nuclear. Outras formas de produção de eletricidade também oferecem riscos, que vão desde a mineração do carvão até usinas hidrelétricas que, ao se romperem, podem acarretar mortes e outros problemas, como o deslocamento de populações. No entanto, a radioatividade que é liberada em acidentes nucleares causa não só mortes imediatas (como aconteceu em Chernobyl), mas também doenças - inclusive o câncer - que só se manifestam anos após as pessoas terem recebido doses altas de radioatividade.

Escolher a fonte de energia mais adequada depende, pois, de uma comparação entre os benefícios, os custos e riscos que ela provoca e envolve.

Diferentes países têm feito escolhas diferentes e vários deles, na Europa, decidiram no passado excluir a energia nuclear do seu sistema, como a Itália, a Suécia e outros. Já outros, como o Japão e a França, fizeram a opção oposta.

Após 25 anos sem acidentes nucleares de grande vulto, a confiança na segurança de reatores aumentou e houve um esforço para estimular um "renascimento nuclear" com apoio governamental, principalmente nos Estados Unidos.

O acidente nuclear do Japão destruiu essa credibilidade e reviveu todos os problemas já esquecidos que reatores nucleares podem trazer. E também provocou uma reanálise de interesse em expandir a energia nuclear como solução na Europa e nos Estados Unidos.

Essa reavaliação é particularmente importante para os países em desenvolvimento, como o Brasil, que tem outras opções - melhores sob todos os pontos de vista - além da energia nuclear para a produção de eletricidade, que são as energias renováveis, como a hidrelétrica, a eólica e a energia de biomassa.

Professor da Universidade de São Paulo (USP)

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Yes, we créu! :: Fernando de Barros e Silva

Depois de visitar a "favela pacificada", Barack Obama fez à tarde no Theatro Municipal do Rio um discurso calculado para adular o Brasil. Simpático e articulado, mas também demonstrando certa condescendência com o país diante da plateia de elite que estava ali para aplaudi-lo de pé. Um discurso, afinal, protocolar e de conteúdo um tanto chocho, que só foi histórico para nós. Yes, we créu.

Não se pode compará-lo, em importância ou desenvoltura, à sua fala para o mundo muçulmano na Universidade do Cairo, em 2009.

A máquina retórica do presidente americano é sempre poderosa. Conhecendo-se, porém, a realidade a que ele se refere, ficam transparentes as concessões do estadista ao discurso publicitário, preso a generalidades e a clichês amáveis.

Isso vale para o surrado "país abençoado por Deus e bonito por natureza". Vale ainda mais para a citação infeliz de Paulo Coelho, no final. Mas talvez faça sentido. Estamos, como nação, mais próximos do Mago da besteira global do que do Bruxo do Cosme Velho, Machado de Assis. Yes, we créu!

A menção inicial a "Orfeu da Conceição", embora também estereotipada, ao menos recorda a peça de Vinicius de Moraes, em que pela primeira vez um ator negro subiu no palco do municipal carioca. Podemos lembrar, com ironia, que enfim um negro subiu a rampa do Palácio do Planalto. Afinal, somos um país miscigenado. Yes, we créu!

A família Obama, civilizadíssima e despojada, não deixa de evocar para nós uma espécie de "brazilian dream", o sonho de uma sociedade mais inclusiva e educada.

Quem sabe chegamos lá. Enquanto isso, fazemos graça com a foto de Mussum e a legenda "Obamis". Progredimos, mas continuamos tirando vantagem do atraso, cheios de humor de corte oswaldiano, antropofágico. Yes, we créu!

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

Kassab, a tradição que se renova:: César Felício

O movimento partidário desencadeado ontem em Salvador pelo prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, não apenas reafirma uma tradição brasileira - a da irrelevância dos partidos - como se tornou uma espécie de ato inaugural de 2014. Ainda não está claro se o partido de Kassab irá sobreviver a duas eleições, mas há pelo menos uma certeza: o prefeito paulistano migrou para a base de sustentação da presidente Dilma Rousseff. Basta ver quem estava na festa baiana, em que o vice-governador Otto Alencar assumiu a condição de articulador da nova sigla no Estado: os senadores Walter Pinheiro (PT) e Lídice da Mata (PSB) e o deputado federal Nelson Pelegrino (PT).

Esta é uma notícia ruim para José Serra, muito ruim para Geraldo Alckmin, boa para Aécio Neves e preocupante para o PT. Até agora uma ferramenta de Serra em São Paulo, Kassab situou nova perspectiva para o seu antigo líder nas futuras eleições presidenciais: o de ser uma espécie de "plano B", se algum fator externo inviabilizar a reeleição da presidente Dilma Rousseff e se Serra convencer o PSDB a lançá-lo novamente.

É difícil outra leitura das afirmações feitas por Kassab à revista "Veja". " O Brasil tem uma presidente que tem tudo para permanecer oito anos no poder", diz o prefeito, em determinado momento. Em outro, afirma: "Se a presidente Dilma Rousseff não corresponder às expectativas do país, não haverá razão para eu não ficar outra vez ao lado do Serra". O tucano deixou de ter um apoio certo para ter um apoio condicionado.

A aventura partidária de Kassab ganha gravidade para o governador paulista Geraldo Alckmin a partir do momento que envolve o vice-governador Guilherme Afif Domingos. Ao seguir Kassab, Afif atrelou-se a um segredo de polichinelo, o da candidatura de Kassab ao governo paulista de 2014, em relação ao qual toda negativa do prefeito é destituída de credibilidade. Se Alckmin se afastasse do governo paulista para tentar novamente a Presidência, perderia controle sobre a própria sucessão. É um motivo mais do que suficiente para prendê-lo a São Paulo.

Exatamente por prejudicar Alckmin e Serra, sem que esta tenha sido em nenhum momento sua intenção, Kassab termina por favorecer a Aécio Neves no campo oposicionista. O senador mineiro ainda tende a contar com uma base sólida de apoio no DEM, ainda que o partido fique enfraquecido.

O PT paulista é um potencial perdedor com o movimento de Kassab, já que o atual prefeito surge em 2014 como um palanque alternativo para uma nova candidatura presidencial de Dilma Rousseff ou de Lula em São Paulo. Kassab disse à "Veja" não acreditar em uma terceira via na próxima eleição presidencial, mas demonstra estar certo de que poderá quebrar dicotomia entre tucanos e petistas no âmbito regional.

Kassab cria seu partido para viabilizar um projeto pessoal e o principal atrativo da legenda é o de proporcionar um "macete", uma gambiarra para os políticos que desejam trocar de partido e sabem que a possibilidade com menos risco de problemas com a justiça eleitoral é a de participar da criação de uma agremiação. Ao agir assim, o prefeito paulistano está longe de ser inovador. Kassab disse ter se inspirado em um político mineiro, o presidente Juscelino Kubitscheck, para recriar o PSD. Poderia evocar outro, o ex-governador Hélio Garcia, que em janeiro de 1990 inventou um certo "Partido das Reformas Sociais". O PRS só existiu nas eleições daquele ano e teve uma única finalidade: servir de veículo para Garcia concorrer novamente a governador.

O efêmero PRS era a alternativa para Garcia, já que ele não poderia contar com o PMDB, nas mãos do então governador Newton Cardoso, nem com a simpatia do Palácio do Planalto, que ia para Hélio Costa (PRS), nem com o recém-criado PSDB, comandado à época pelo então prefeito de Belo Horizonte, Pimenta da Veiga, e muito menos com o PT. Finda e ganha a eleição, Hélio Garcia não se constrangeu em dissolver o partido.

Um traço distintivo da história brasileira é a pouca significação eleitoral dos partidos. Siglas como PCdoB, PSB, PP, PDT ou PMDB conseguem manter razoável consistência parlamentar graças a mecanismos institucionais que garantem a fidelidade das bancadas às suas lideranças. Do ponto de vista eleitoral, contudo, gravitam em torno de governadores ou de candidaturas isoladas. É um evidente absurdo considerar o presidente da Fiesp, Paulo Skaf, "socialista", o pagodeiro Netinho, "comunista", ou o ex-presidente Fernando Collor, "trabalhista". É sabido, e determinação alguma da Justiça Eleitoral poderá mudar isso, que as siglas são peças intercambiáveis para o funcionamento de uma máquina.

E esta não é uma particularidade da estrutura partidária de hoje. Não se consegue contar a história do Brasil pela de seus partidos. É sintomático que o PSD que inspirou Kassab tenha sido a sigla mais bem sucedida no período de 1946 a 1964 na preservação do poder. Ao contrário do PTB e da UDN, era impossível associar o PSD com qualquer corrente ideológica: o partido encarnava o centro.

Como discorre a cientista política Lúcia Hipólito, em seu livro "PSD-de raposas e reformistas", de 1985, este modelo foi eficaz enquanto o sistema político não apresentava uma radicalização, ideológica e política, em seus polos. No momento em que o cenário foi tomado por posições extremas, o pessedismo se desagregou.

O partido exerceu um papel patético no seu ano final: a frase "declaro vaga a Presidência da República", que selou institucionalmente a deposição de João Goulart, foi dita por um pessedista, o presidente do Senado, Auro de Moura Andrade. No momento em que o Ato Institucional que inaugurou o regime militar foi editado, o presidente nominal do Brasil, era o pessedista Ranieri Mazzilli, presidente da Câmara. Quando Juscelino foi cassado, em 1964, o vice-presidente era um dos ícones do PSD, José Maria Alkimim. Após o AI-2, em 1965, que extinguiu os partidos, 60 deputados pessedistas foram compor a Arena. Apenas 37 migraram para o MDB. Foi talvez a maneira particular que muitos encontraram para se manter fiel ao hino do partido: "O PSD é a voz do Brasil unido, PSD nunca foi nem será vencido".

César Felício é correspondente em Belo Horizonte. O titular da coluna, Luiz Werneck Vianna, não escreve hoje excepcionalmente

FONTE: VALOR ECONÔMICO

Alô Partido Verde! É hora de mudar! :: Aspásia Camargo

Ser sustentável e ser democrático são novas exigências do século XXI. Mas muitos não percebem que o século XX já ficou para trás.

1. Transição democrática - Este é o momento crítico da transição democrática em que o PV tem que fazer a sua prova dos nove e mostrar que é capaz de incorporar em sua estrutura partidária o legado da campanha presidencial de 2010, quando o partido se afirmou como terceira via no impasse entre dois candidatos e assumiu um compromisso de mudança em defesa da qualidade das politicas públicas e de um novo princípio de sustentabilidade.

2. O futuro é agora - A pergunta inadiável que não quer calar é se somos capazes, como partido politico, de absorver internamente os compromissos que a Marina candidata assumiu perante a nação. Se somos capazes, de absorver nosso próprio crescimento incorporando as vozes dos 20% de eleitores dentro de nosso partido para construirmos, juntos, de forma ampliada, um novo Brasil sustentável que possa servir de exemplo ao turbulento e desajustado mundo em que vivemos. Precisamos dividir o poder com os mais jovens. As futures gerações estão batendo a nossa porta. Temos que deixá-los entrar!

3. Miopia suicida - Política é uma força dinâmica que impõe o seu ritmo de maneira implacável. Quando as promessas não encontram respostas criativas em tempo hábil, a atenção do público se frustra e se desloca, em busca de novas promessas e desafios. A hora é essa! O PV tem que mudar! Antes de 2010, que prepara 2014 e não depois, como deseja a maioria da Executiva Nacional.

4. Miopia suicida 2 - Na última reunião da Executiva Nacional, em 17 de março, a maioria de seus membros parecia letárgica, seguindo seu ritualismo usual, sem se importar com a voz das ruas, nem com seu próprio eleitorado. É por isso, talvez, que ficou 6 meses sem se reunir. Para deixar o poder conquistado por Marina esvaziar-se já que talvez não saibam o que fazer com ele. A tese oficial da ‘nomenklatura’ partidária é que os ganhos da eleição passada foram bons para Marina, mas não para o PV, que ficou com o mesmo número de representantes parlamentares.

5. Ganho compartilhado - Tive a oportunidade de dizer, nesta reunião, que a interpretação está errada. Houve ganhos para Marina e maiores ainda para o PV, um pequeno partido que exerceu um papel de gigante, projetando-se como partido médio com força significativa na vida política nacional. O voto majoritário dado a Marina nada tem a ver com o proporcional, dado aos parlamentares, na prática do presidencialismo brasileiro.

6. Avançando para trás - A falta de pressa em agir sinaliza desinteresse por um protagonismo e por novas estratégias políticas e práticas partidárias. É o poder imobilista diante de um Brasil e de um mundo ávido por mudanças e por novas e mais leves estruturas de poder. Vamos crescer, estacionar ou minguar? Ou, pior ainda, quem sabe consolidar uma estrutura de partido tradicional… Deus me livre!

7. Avançando para trás 2 - A proposta do grupo que cerca diretamente o presidente do partido era adiar a reunião da convenção para daqui a dois anos e manter o presidente (em função há doze anos) perpetuando a velha máquina partidária até depois das eleições municipais de 2012!

8. Manobra estranha - O grupo da Marina queria uma nova convenção em julho, a tempo de romper as estruturas oligárquicas, de incorporar novos membros e de usufruir dos bons frutos da redemocratização. Propus um acordo em torno de nova data para a convenção em setembro, antes do prazo final de desincompatibilização (1 ano). Foi a que valeu e foi à votação, afinal adotada pelo grupo da Marina. Do outro lado, a proposta oficial de dois anos, que acabou sendo reduzida para “ até 1 ano” (março do ano que vem, ano eleitoral impróprio para convenções, levando a um possível novo adiamento).

9. Surdez gritante - Outro problema crônico é o desinteresse geral pela conjuntura política, por assuntos da atualidade ou de natureza programática. Operamos até aqui com consensos genéricos, o que me deixa muito insatisfeita, pois minha formação política e profissional me faz valorizar o debate de opiniões e a qualidade das informações. Antes da reunião, previ diante de alguns companheiros que ninguém iria falar da crise nuclear do Japão. Errei. A única voz que mencionou a tragédia foi a da própria Marina.

10. Eleitoralismo não! - Em geral, em reuniões da Executiva, o tempo é curto e costuma ser gasto apenas para resolver questões burocráticas, com prioridade para o calendário pré ou pós-eleitoral. É o eleitoralismo que tanto tenho criticado ao longo dos anos e que subjuga e destrói a vida partidária brasileira. Mesmo o PV, que mantém ainda viva a chama do movimento social e que formalmente se inspira e se alimenta dos mesmos, padece deste terrível mal.

11. Que tal conversarmos? - A reunião foi permeada de embates e confrontos como costuma acontecer em tais circunstâncias. Alguém do lado oficial disse que quem tem o poder partidário não o transfere para quem não tem. O que tiver de ser feito, será pelo grupo que hoje controla o partido. Paira no ar, para o poder oficial, o trauma de que Marina quer se apodere do partido e que defende sua “refundação”. Falta diálogo, eis o problema.

12. Luva de pelica - Em sentido oposto, Marina deixou claro a todos que, quando entrou no PV houve garantia de que iria ser atualizado o seu programa e de que haveria um processo de democratização, com ampliação das consultas e eleições internas, incluindo as bases locais do partido. “Se prometi uma nova forma de fazer política não posso ser uma fraude”, disse ela. “Serei coerente. Por coerência deixei o PT. Pela mesma razão, poderei deixar o novo partido”.

13. Reforma partidária - Como contribuição maior à nossa reunião fiz uma proposta que considero relevante. A Reforma Partidária, uma autoreforma que só depende do comando partidário e de seus militantes, já que os partidos são pessoas de interesse privado. Nossos partidos são obsoletos e parecem com a República Velha. Nada tem a ver com a nossa democracia de massas.

14. PV em Rede - O Partido Verde vem procurando uma nova forma de fazer política. E já tem uma proposta revolucionária de democracia partidária. É O PV em Rede, proposto por Sérgio Xavier. Isso pode cortar definitivamente com a ditadura do controle das filiações e dos filiados e com os rituais eleitoreiros de composição da famosa nominata, a lista de candidatos que devemos fabricar a cada eleição. A maioria para perder, apenas para engrossar as votações. Com a democracia em rede, tudo muda. Amplia-se o debate e a participação.

15. Esperança verde - Ainda é tempo de reconstruir a unidade perdida. Não perca esta oportunidade, PV. Será que outros partidos estão interessados em nos comer aos poucos, pelas bordas? Não devemos perder a chance histórica de nos aproximar da sociedade e de abandonar as velhas práticas condenadas por todos!

Aspásia Camargo é deputada estadual PV/RJ

Desprovinciar a Universidade:: José de Souza Martins

Abrir as mentes é essencial para mostrar o que se produz no meio acadêmico brasileiro e permitir a atualização de nossos cientistas

Somos um país com notório desapreço pelo conhecimento produzido nas universidades, especialmente se forem universidades públicas, o que é um desestímulo. Mas são públicas as nossas seis universidades entre as 500 melhores do mundo, num dos mais consistentes rankings universitários, o Academic Ranking of World Universities (Arwu), de Xangai.

Os rankings têm seu sentido como indicadores comparativos de desempenho entre universidades e entre países, apesar da crítica fundamentada às limitações desse recurso para definir o que seja uma boa universidade. Há padrões s diferentes de produção científica nas ciências exatas, nas biológicas e nas humanas, o que torna complexo estabelecer índices comparáveis. As condições materiais de trabalho e a cultura local tendem a complicar a comparação. Um pesquisador de Cambridge ou de Harvard tem a sua disposição, nas respectivas bibliotecas, o que há de mais significativo da produção científica mundial. Um pesquisador brasileiro está muito longe de ter essas facilidades. Na área de ciências humanas, é ele basicamente dependente de sua biblioteca pessoal.

A indexação do Times Higher Education (THE), sempre muito citada, mede preferentemente reputação e as condições para tê-la. Já o índice chinês, que leva em conta prêmios de titulares e de ex-alunos, tendo como referência básica o Prêmio Nobel, os altos índices de citação de trabalhos de seus membros e também a docência em tempo integral, mede indicadores de competência nos resultados obtidos.

O Brasil só aparece significativamente no índice chinês. Se compararmos as posições dos países emergentes do Bric, veremos curiosos desencontros. O Brasil tem seis universidades na lista (USP, Unicamp, UFRJ, UFRGS, UFMG e Unesp), Rússia e Índia têm apenas duas e a China, 22. Desses países, o Brasil é o único que nunca ganhou um Prêmio Nobel (a Argentina tem cinco), mesmo nos campos que não dependem de qualificação acadêmica, como o da Paz e o de Literatura. A Rússia tem 41 Prêmios Nobel, a Índia, 8, e a China, 2. A falta de prêmios dessa ordem empurra o Brasil para posições inferiores nas listagens internacionais.

A revista Pesquisa Fapesp, em seu número de março, dá uma pista para compreendermos nossa situação adversa: menciona o Ranking Leiden, da Holanda, que mede o volume de publicações das universidades e seu impacto. Cinco universidades brasileiras dele constam. A USP está em 15º lugar no volume de publicações, mas pelo impacto dessas publicações está em 452º. Hoje, a língua da ciência é a língua inglesa, o que nos desfavorece, pois nossa produção científica é majoritariamente publicada em português.

Há o mesmo problema nos índices de citação, que registram quem, em qual artigo científico, citou determinado livro ou artigo de determinado autor. São os Science Citation Indexes. São pouquíssimas as publicações em outras línguas que não a inglesa ali indexadas. Essas citações têm grande impacto nos dois rankings, embora praticamente não contenham as citações em artigos publicados em português, espanhol e mesmo francês. O que vale é sobretudo citação em publicações americanas, o que é pouco e irreal.

Os esforços de internacionalização da ciência brasileira têm sido significativos. Diferentes universidades empenham-se nesse sentido, atraindo pesquisadores e professores visitantes ou estimulando pesquisadores e estudantes de pós-graduação a uma temporada de sua formação em universidade estrangeira de renome. A Fapesp tem um ponderável envolvimento nessa proposta, seja mediante a concessão de bolsas ou de auxílios para participação em congressos, seja através de acordos bilaterais com instituições estrangeiras para troca de pesquisadores e experiências. Um grande empenho em desprovinciar as mentalidades é essencial para abrir canais de atualização permanente de nossos cientistas, dar visibilidade ao conhecimento que se produz nas universidades brasileiras e tornar devidamente influente nossa ciência.

Nesse capítulo, um aspecto essencial é o acesso à bibliografia internacional e, portanto, à atualidade do conhecimento em seus diferentes campos. Em áreas como as ciências humanas, nossas bibliotecas universitárias estão largamente desatualizadas, mesmo com o recurso das publicações eletrônicas, que, tanto quanto os livros e revistas, é preciso comprar e pagar. Os danos para a pesquisa científica são muitos, a menos que o pesquisador saia do País, ainda que por curto tempo, e levante o material bibliográfico em bibliotecas das grandes instituições científicas de outros países. Na realização de uma pesquisa sobre linchamentos no Brasil, encontrei aqui apenas cerca de 10% da literatura comparativa que acabaria reunindo. Se não tivesse trabalhado em bibliotecas de universidades estrangeiras, a análise seria desenvolvida basicamente por referência a ideias ultrapassadas.

José de Souza Martins é Professor Emérito da Universidade de São Paulo e autor de A sociabilidade do homem simples (Contexto)

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO/ALIÁS

Século das novas luzes:: Boris Fausto

O processo histórico é hoje menos codificado e tem mais surpresas – o que o torna mais atraente

A periodização da história, especialmente quando escalonada em séculos, é um artifício para se delimitar, de algum modo, a passagem do tempo. Assim, o historiador Eric Hobsbawn chamou de curto o século 20 porque, a rigor, o corte inicial, segundo ele, inicia-se em 1914, com a eclosão da 1ª Guerra Mundial, e o corte final ocorre em 1991, com o colapso da União Soviética.

Tomando como ponto de partida essa cronologia e com a vantagem da visão retrospectiva, podemos afirmar, em poucas palavras, que o século 20 foi marcado pela tragédia. Morticínio provocado por duas grandes guerras, emergência dos totalitarismos na Rússia, na Itália e na Alemanha, massacre dos judeus, ciganos, “deficientes” físicos ou mentais pela horda nazista.

É possível matizar essa visão profundamente negativa lembrando que, nos dias de hoje, as guerras mundiais são muito improváveis, os regimes totalitários foram derrotados e, mais ainda, que após dois conflitos sangrentos no último século, para não falar da guerra franco-prussiana de 1870–1871, Alemanha e França tornaram-se aliados, com um papel central na União Europeia.

Podemos interpretar o século 20 com ênfases diversas, ou mesmo contrastantes, mas ninguém contesta os fatos que sucederam ao longo de seu decorrer, se jogarmos na lata do lixo “os assassinos da memória”, negadores do Holocausto, como os chamou o historiador francês Pierre Vidal- Nacquet.

Viremos a página para encarar o adolescente século 21, com pouco mais de 11 anos de existência. Quase 90 anos cobertos de neblina surgem diante de nós, ou melhor, das novas gerações, pois muito poucos dos vivos de hoje permanecerão vivos na próxima virada de século.

Nos dias que correm, Clio já nos preparou uma surpresa. Quem poderia prever as revoltas dos povos árabes, estendendo-se dos países do Golfo Pérsico à Argélia, no Norte da África? Certamente essas revoltas terão desfecho diverso e algumas delas poderão fracassar, como é o caso da Líbia. Mas elas vêm demonstrando a inconsistência da afirmação, tantas vezes repetida, de que a cultura dos povos árabes é incompatível com a democracia.

Certamente o ritmo da evolução democrática no mundo ocidental, apesar das ameaças crescentes ao direito das minorias, com fortes traços de xenofobia, não se compara com o quadro existente no Oriente Médio. Mas o fato é que pelo menos uma parcela dos manifestantes dos dias de hoje, além de buscar emprego e uma vida decente, luta pelo direito à livre expressão – um direito que passa pela derrubada de ditadores e tiranos.

Na esfera da economia, o século 21 aparenta ser o século da China, acompanhado de uma queda relativa dos Estados Unidos e mais acentuada dos países da União Europeia. Entretanto, os relatórios recentes dos grandes bancos divergem em seus prognósticos. Num extremo, o Citigroup prevê que já em 2020 o PIB chinês superará o dos Estados Unidos; no outro, o HSBC calcula que a ultrapassagem ocorrerá por volta de 2045. O PIB, por si só, não mede a qualidade de vida da população, pois pouco ou nada diz sobre a renda per capita e o PPP (poder paritário de compra) dos diferentes países, e aí a China tem um longo e complicado caminho a percorrer.

Entretanto, até por volta de 1980 alguns economistas e sociólogos falavam do Japão como a futura potência hegemônica, em contraste com o declínio americano. Hoje, apesar de ainda ser a terceira economia do mundo, o Japão vive uma longa recessão que a recente catástrofe sísmica, infelizmente, deverá agravar.

De uma forma ou de outra, o século 21 seria então, a partir de certo momento, o século da hegemonia chinesa? Talvez. Convém lembrar que o ranking do Citigroup coloca a Índia à frente da China em 2050, enquanto ela fica em terceiro lugar em dois outros rankings (Goldman Sachs e HSBC). A melhor projeção para o Brasil – diga-se de passagem – colocaria nosso país em terceiro lugar, e a pior, em sétimo, a mesma posição de hoje, na hipótese mais pessimista. O ascenso da China e da Índia indica que o maior polo da economia mundial, em meados do século, estará concentrado na Ásia.

Diante de tudo isso, não se trata de dizer que vivemos sob o império do acaso e de um futuro aleatório. As transformações das estruturas socioeconômicas, assim como as culturais, de longa duração, ganharam velocidade, mas permanecem de pé, condicionando e limitando o arco das possibilidades. Convém lembrar, entretanto, que certos conceitos tidos como centrais na história das sociedades contemporâneas perderam muito de seu poder explicativo, como é o caso da luta de classes – chave da história em tempos relativamente recentes.

Estamos hoje longe da crença religiosa nas leis da história e abertos a admitir o imprevisível. Aos nossos olhos, o processo histórico continua a ser um processo, mas menos codificado, mais cheio de surpresas, o que o torna mais atraente.

Boris Fausto é historiador, professor aposentado do Departamento de Ciência Política da USP e autor de A revolução de 30 – historiografia e história (Companhia das Letras)

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO/ALIÁS

Um dia contra a intolerância - uma vida toda pela eliminação da discriminação racial:: J. R. Guedes de Oliveira

Na data de 21 de março, comemoramos o “Dia Internacional pela Eliminação da Discriminação Racial”, entre perplexidades e conquistas, senão vejamos.

Uma enorme gama de pessoas tem demonstrado que ainda, infelizmente, não se deu conta do absurdo que envolve a discriminação racial. Como um mal que transpassa séculos de intolerância, tem ela a faceta de paranóicos, bucéfalos, mentecaptos e outros mais que vicejam na penumbra da ave de rapina e no calor da ignorância.

Não é a toa que estes se sucumbiram ante as forças maiores do pensamento da coexistência pacífica entre povos, raças e credos. E foi com enorme perplexidade que significativo contingente de figuras exponenciais se perfilou para o combate frontal a este mal trágico que assola a humanidade: a intolerância.

Vemos, entretanto, que não obstante o combate frontal a esta enorme desgraça humana, ainda muitos se perpetuam a espalhar a discórdia, como que num sorriso draconiano de felicidade em ares superiores.

Sentimos, lamentavelmente, a presente sorrateira de discriminadores raciais que não aceitam o outro, ou melhor, não desejam a harmonia entre os mortais humanos. E, com isso, tudo e qualquer que se diferencie destes, não estão em acordo com a sua sintonia. E a febre maluca da intolerância ganha terreno fértil e progride em pseudos-cidadãos.

Os racistas são, na verdade “parasitas da humanidade”. Agem com o objetivo principal de levar a discórdia, espalhar o descontentamento e elegerem-se como arautos da verdade. Pura ilusão; pobres e podres mentes.

Perplexos com estes desafios, quais sejam de eliminar, de vez, com todo e qualquer processo discriminatório, os homens de boa consciência e de paz, se estremecem e se movimentam em matizes diferentes, visando o combate frontal, sem trégua e certeiro.

São os desafios de organizações e da sociedade como um todo, no mundo todo, voltado para a conscientização de que a harmonia reside em viver em harmonia. Coisa simples.

São as levas de homens e mulheres destemidas que enfrentam o cotidiano do dia-a-dia na busca incessante da verdade de que somos todos iguais, independentemente de raças e credos. Somos, na verdade, uma unidade indissolúvel de humanos numa Terra que requer e pede uma paz duradoura.

Um dia contra a intolerância não pode ficar tão somente na sua comemoração em questão. É preciso que as nossas forças se sobreponham a todos os que se manifestam contrários a esta eliminação racial. E, em verdade, o processo de eliminação da discriminação racial não é pontual, ou melhor, num só momento. A salvaguarda dessa harmonia é toda ela imprimida em toda vida, porque, em determinados tempos e em determinadas ocasiões, surgem estas figuras que proclamam a revolta e a desordem. E sempre haverá aqueles incautos que seguem vozes vindas do mar, como a que Ulisses ouvia, dos cantos das sereias. Contudo, há necessidade de redobrar os nossos esforços, visando eliminar, de todo, com todo e qualquer tipo de discriminação. E a discriminação racial é a mais dolorosa de todas e requer o nosso esforço sobrenatural para combatê-la, sem trégua, como disse anteriormente.

Num interessante e oportuno artigo sobre esta questão, com o títuilo de “Breves Considerações sobre Racismo e Intolerância Racial”, assim se expressou o ilustre Dr. Ricardo Antônio Andreucci, digníssimo Promotor de Justiça Criminal de São Paulo:

“A discriminação racial, por seu turno, expressa a quebra do princípio da igualdade, como distinção, exclusão, restrição ou preferências, motivado por raça, cor, sexo, idade, trabalho, credo religioso ou convicções políticas. Já o preconceito racial indica opinião ou sentimento, quer favorável quer desfavorável, concebido sem exame crítico, ou ainda a atitude, sentimento ou parecer insensato, assumido em conseqüência da generalização apressada de uma experiência pessoal ou imposta pelo meio, conduzindo geralmente à intolerância. Portanto, em regra, o racismo ou o preconceito racial é que levam à discriminação e à intolerância racial. E nesse aspecto, existe uma preocupação mundial no combate ao racismo e à intolerância racial, que se manifesta através da realização de múltiplos eventos, nacionais e internacionais, com a participação de entidades governamentais e não governamentais, buscando a união dos povos contra toda forma de racismo, intolerância e discriminação, não apenas como caminho de preservação e respeito aos direitos humanos mais básicos, mas também como medida de minimização e erradicação de revoltas, guerras e conflitos sociais.

A Organização das Nações Unidas realizou uma Conferência Mundial contra o racismo, na África do Sul, nos meses de julho e agosto de 2001, com a presença de líderes governamentais, organizações internacionais e
intergovernamentais, organizações não-governamentais (ONGs), entre outras. Na oportunidade, Mary Robinson, ex-presidente da Irlanda e Alta-comissária da ONU para Direitos Humanos, no dia primeiro de maio, ao conversar com membros da Comissão Preparatória, em Genebra, a respeito de suas metas e perspectivas para a Conferência Mundial, observou:

“Esta Conferência Mundial tem potencial para estar entre os mais significativos encontros do início deste século. Pode ser mais: A conferência pode dar forma e simbolizar o espírito do novo século, baseada na mútua convicção de que nós todos somos membros de uma família humana. O desafio está em fazer desta Conferência um marco na guerra para erradicar todas as formas de racismo. As persistentes desigualdades, no que diz respeito aos direitos humanos mais básicos, não são apenas erradas em si, são também a principal causa de revoltas e conflitos sociais. Pesquisas de opinião em vários países mostram que temas ligados à discriminação racial, xenofobia e outras formas de intolerância predominam entre as preocupações públicas hoje. Há uma grande responsabilidade moral de todos os participantes em fazer com que esta Conferência tenha êxito. Depende apenas de todos nós assegurar que tiraremos proveito desta oportunidade e que produziremos um resultado prático, com uma ação orientada, que responda a estas preocupações. Nós devemos isto especialmente às gerações mais jovens, que correm o risco de crescer num mundo cuja população aumenta num ritmo sem precedentes.”

Com efeito, nos dias 4 a 6 de junho próximo, a Assembleia Geral da OEA se reunirá em São Salvador, República de Salvador, para tratar do tema Segurança Cidadão nas Américas. A oportunidade, evidentemente, será para discutir e aprovar diretrizes que envolvam também as questões da discriminação racial, objetivando erradicá-la, de vez, das nações que compõem as Américas. Afinal, a segurança do cidadão nas Américas passa, forçosamente, pelo convívio social harmônico e salutar que, em outras palavras, dá para a eliminação total da discriminação racial. É, pois, um dos tópicos que poder-se-á evidenciar no evento, tendo como escopo o tema primordial da Assembléia Geral da OEA.

Finalizando, a todos aqueles que professam o “amor entre os homens e mulheres pela paz no mundo”, a nossa saudação de 21 de março, Dia Internacional pela Eliminação da Discriminação Racial”.

Obama: Brasil dá exemplo de democracia a mundo árabe

Um dia depois de ordenar do Brasil a ofensiva contra a Líbia de Kadafi, o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, citou a democracia brasileira como exemplo para ditaduras do mundo árabe. Ao discursar no Theatro Municipal, Obama disse que o Brasil mostrou que é possível superar regimes autoritários e conciliar democracia e crescimento econômico. O presidente americano manteve o tom de parceria adotado anteontem, no encontro com a presidente Dilma Rousseff, e disse que as relações Brasil-EUA são entre nações iguais, e não mais como “parceiros sênior e júnior”. Para especialistas, a visita trouxe ganhos políticos para o Brasil, especialmente com a sinalização positiva dos EUA à pretensão brasileira de obter vaga permanente no Conselho de Segurança da ONU. O discurso de Dilma, cobrando o fim das barreiras comerciais, também, é uma marca positiva do encontro. Avanços concretos na agenda econômica e comercial foram limitados, porém, pela relação conflituosa de Obama com o Congresso americano.

Obama: caminho é a democracia

Presidente diz que relação Brasil-EUA não deve ser de subordinação

Cássio Bruno e Chico Otavio

Opresidente americano Barack Obama citou ontem a democracia brasileira como referência para os rebeldes em luta contra os regimes ditatoriais do norte da África. Em discurso no Theatro Municipal, no qual garantiu que as relações entre Estados Unidos e Brasil agora são entre nações iguais, e não mais como "parceiros sênior e júnior", Obama disse que a luta contra o regime militar de 1964, iniciada nas ruas, demonstrou como o anseio popular pela liberdade pode transformar uma nação e até o mundo.

Um dia depois da ofensiva da Otan contra as forças de Kadafi, o presidente americano assegurou que, desde o início da revolta na Líbia, os Estados Unidos "deixaram claro que as mudanças pretendidas devem ser conduzidas pelo seu próprio povo". Embora admita que "ninguém sabe onde as mudanças vão acabar", ele disse que o mundo não deveria temê-las:

- Vimos o povo líbio tomar uma posição corajosa contra um regime determinado a hostilizar os próprios cidadãos. Em toda a região, os jovens se levantam. Uma nova geração exigindo o direito de determinar o próprio futuro.

Citações a Jorge Ben Jor e Paulo Coelho

Iniciado com referências a Jorge Ben Jor e encerrado com uma frase de Paulo Coelho, o discurso de Obama ao povo brasileiro durou 20 minutos. Elogios à democracia brasileira, comparações entre as duas nações, reconhecimento do protagonismo do país no cenário mundial e até uma canja em português - "Alô, Cidade Maravilhosa, boa tarde a todo o povo brasileiro" - fizeram o pronunciamento ser interrompido, muitas vezes, por aplausos.

Com o auxílio de um teleprompter (monitor de vídeo), Obama parecia descontraído diante das 1.800 pessoas que lotaram a plateia. Agradeceu pela presença, "apesar do jogo do Vasco e Botafogo", e disse que uma das primeiras impressões sobre o Brasil veio do filme "Orfeu Negro", do francês Marcel Camus, que assistiu levado pela mãe:

- Minha mãe infelizmente já se foi. Ela nunca imaginaria que a primeira viagem do filho para o Brasil seria como presidente dos EUA - declarou, provocando uma primeira salva de aplausos.

Para os elogios de praxe, Obama recorreu a Ben Jor. Disse que, ao desembarcar no Brasil, descobriu que era mais lindo do que o filme, "um país tropical, abençoado por Deus e bonito por natureza".

Obama explicou que, ao falar diretamente à população, quis partilhar ideias e mostrar as diferenças que brasileiros e americanos podiam fazer juntos no mundo. Entretanto, o discurso se ocupou muito mais de destacar semelhanças entre as duas nações, entre um elogio e outro, do que apresentar propostas objetivas de parcerias futuras.

Após lembrar que americanos e brasileiros combateram lado a lado, na Segunda Guerra Mundial, ele associou as lutas contra a ditadura militar de 64 aos movimentos civis dos EUA, quando "homens e mulheres marcharam, sangraram, morreram para que cada cidadão pudesse ter a mesma liberdade, a mesma oportunidade, não importando o seu rosto e de onde é". Mais interrupção e aplausos.

Ao apontar o Brasil como um país de democracia plena e oportunidades iguais, Obama não escapou de uma pequena gafe:

- O Brasil hoje é uma democracia plena, um lugar onde as pessoas têm a liberdade de falar o que pensam e de escolher os seu líderes. Onde uma criança pobre, de Pernambuco, pode sair do chão de uma fábrica de cobre e chegar ao cargo mais alto do país.

Se Obama se referia a Lula, alguém de seu staff esqueceu de alertá-lo de que as metalúrgicas do ABC não eram "fábricas de cobre".

Em seguida, o presidente parecia se inspirar no lema da primeira campanha de Lula a presidente, em 2002 ("a esperança vai vencer o medo"), para manifestar as impressões sobre a visita à Cidade de Deus:

- Pela primeira vez, a esperança voltou aos lugares onde o medo prevaleceu por muito tempo.

Daí em diante, o discurso enveredou para as questões globais e o papel do Brasil diante delas. Obama instou os brasileiros a ajudar o continente africano a enfrentar a pobreza e a ampliar os esforços na utilização de energia limpa e renovável e no esforço global contra o narcotráfico, a fome e a corrupção.

Ao usar a luta contra a ditadura para justificar a posição americana no norte da África, Obama arrebatou pela última vez a plateia, ao lembrar que a Cinelândia fora palco da resistência democrática. E que, dessa ação, sairia uma jovem que, mais tarde, mudaria o destino do país:

- Ela sabe o que é viver sem os mais elementares direitos humanos que muitos estão lutando até hoje. Mas ela também sabe o que é perseverança e sabe o que é vencer. Porque hoje essa mulher é a presidente da nação.

Das lutas sociais, Obama saltou para Paulo Coelho. Ele encerrou a fala com uma frase do mago:

- Com a força do nosso amor e nossa vontade, podemos mudar o nosso destino e de muitos outros.

FONTE: O GLOBO

Íntegra do discurso do presidente Barack Obama no Theatro Municipal do Rio

"Olá, Rio de Janeiro! Alô, Cidade Maravilhosa! Boa tarde, todo o povo brasileiro! (aplausos).

Desde o momento em que cheguei, o povo desta nação mostrou gentilmente à minha família o calor e a generosidade do espírito brasileiro. Obrigado. thank you! (aplausos), Quero fazer um agradecimento especial a todos vocês por estarem aqui, porque me disseram que vai haver um jogo de futebol do Vasco. (aplausos e vaias) e Botafogo... (risos). Então eu sei que... eu percebo que os brasileiros não desistem muito facilmente do seu futebol (risos).Agora, uma de minhas primeiras impressões do Brasil foi um filme que eu vi com minha mãe quando era muito novo, um filme chamado Black Orpheus (Orfeu Negro), que é ambientado nas favelas do Rio de Janeiro durante o Carnaval. E minha mãe adorou esse filme, com seus cantos e danças contra o pano de fundo dos lindos morros verdes. E ele teve a sua estreia como peça bem aqui no Theatro Municipal. Foi o que entendi.

E minha mãe já se foi, mas ela jamais teria imaginado que a primeira viagem de seu filho ao Brasil seria como presidente dos Estados Unidos. Ela jamais teria imaginado isso (aplausos). E eu jamais imaginei que este país seria ainda mais belo do que era no filme. Vocês são, como cantou Jorge Ben-Jor, "um país tropical, abençoado por Deus, e bonito por natureza" (aplausos).

Eu vi essa beleza nas colinas onduladas, nas intermináveis milhas de areia e oceano, e nos grupos vibrantes e diversificados de brasileiros que hoje aqui vieram. E nós tempos um grupo maravilhosamente misturado. Temos cariocas e paulistas, baianos, mineiros. (aplausos). Temos homens e mulheres das cidades do interior e tantas pessoas jovens aqui que são o grande futuro desta grande nação.

Agora, ontem, eu me reuni com sua maravilhosa nova presidente Dilma Rousseff, e nós conversamos sobre como podemos fortalecer a parceria entre nossos governos. Mas hoje, que quero falar diretamente ao povo brasileiro sobre como podemos fortalecer a amizade entre nossas nações. Eu vim aqui para partilhar algumas ideias porque quero falar dos valores que partilhamos, as esperanças que temos em comum e a diferença que podemos fazer juntos.

Quando se pensa nisso, as jornadas dos Estados Unidos da América e do Brasil começaram de maneiras parecidas. Nossas terras são ricas pela criação de Deus, lar de povos antigos e indígenas. De além-mar, as Américas foram descobertas por homens que buscavam um Novo Mundo, e colonizadas por pioneiros que avançaram para Oeste, cruzando vastas fronteiras. Nós nos tornamos colônias reivindicadas por coroas distantes, mas logo declaramos nossa independência. Depois recebemos ondas de imigrantes em nossas praias, e, por fim, depois de uma longa luta, limpamos a mancha da escravidão de nossa terra.

Os Estados Unidos foram a primeira nação a reconhecer a independência do Brasil, e a estabelecer um posto avançado diplomático neste país. O primeiro chefe de Estado a visitar os Estados Unidos foi o líder do Brasil, dom Pedro II. Na Segunda Guerra Mundial, nossos bravos homens e mulheres combateram lado a lado pela liberdade. E após a guerra, ambas nossas nações lutaram para alcançar as bênçãos plenas da liberdade.

Nas ruas dos Estados Unidos, homens e mulheres marcharam e sangraram, e alguns morreram para que cada cidadão pudesse desfrutar das mesmas liberdades e oportunidades - independentemente da aparência de cada um, do lugar de onde viesse. No Brasil, vocês lutaram contra duas décadas de ditaduras pelo mesmo direito de ser ouvidos - o direito de não ter medo, de não passar necessidades. E contudo, durante anos, a democracia e o desenvolvimento demoraram a deslanchar e milhões sofreram em consequência disso.

Mas eu venho aqui hoje porque esses dias passaram. O Brasil é hoje uma democracia florescente - um lugar onde as pessoas são livres para dizer o que pensam e escolher seus líderes, onde um menino pobre de Pernambuco pode ascender do chão de uma fábrica de cobre ao mais alto cargo no Brasil.

Na última década, o progresso alcançado pelo provo brasileiro inspirou o mundo. Mais da metade desta nação é hoje considerada de classe média. Milhões saíram da pobreza. Pela primeira vez, a esperança está voltando aos lugares onde o medo prevaleceu por muito tempo. Eu vi isto hoje quando visitei a Cidade de Deus - a "City of God"... (aplausos). Não se trata apenas de novos esforços de segurança e programas sociais - e eu quero cumprimentar o prefeito e o governador pelo excelente trabalho que estão fazendo (aplausos) Trata-se também uma mudança de atitudes. Como disse um jovem morador, "as pessoas precisam olhar as favelas não com piedade, mas como uma fonte de presidentes, e advogados, e médicos, e artistas (e) pessoas com soluções (aplausos)."

A cada dia que passa, o Brasil é um país com mais soluções. Na comunidade global, vocês foram de depender da ajuda de outros países a ajudarem agora a combater a pobreza e a doença onde elas existirem. Vocês jogam um importante papel nas instituições globais que protegem nossa segurança comum e promovem nossa prosperidade comum. E vocês receberão o mundo em suas praias quando a Copa do Mundo e os Jogos Olímpicos vierem para o Rio de Janeiro (aplausos).

Agora, vocês devem estar sabendo que esta cidade não foi minha primeira escolha para a Olimpíada (risos). Mas já que os Jogos não puderam ser realizados em Chicago, não há nenhum lugar onde eu mais gostaria de vê-los do que aqui no Rio. E pretendo voltar em 2016 para assisti-los (aplausos).

Durante muito tempo, o Brasil foi um país transbordando potencialidades, mas contido pela política, tanto de dentro como do exterior. Durante muito tempo, vocês foram chamados de um país do futuro. O povo do Brasil deve saber que o futuro chegou. Ele está aqui agora. E é hora de agarrá-lo (aplausos).

Agora, nossos países nem sempre concordaram em tudo. E assim como muitas nações, vamos ter nossas diferenças de opinião no futuro. Mas eu estou aqui para lhes dizer que o povo americano não só reconhece o sucesso do Brasil - nós somos solidários com o sucesso do Brasil. Enquanto vocês enfrentam muitos desafios que ainda têm em casa e também no exterior, fiquemos juntos - não como sócios maior e menor, mas como parceiros iguais, unidos num espírito de interesse mútuo e respeito mútuo, comprometidos com o progresso que eu sei que podemos fazer juntos (aplausos). Estou seguro de que podemos fazê-lo (aplausos).

Juntos podemos avançar nossa prosperidade comum. Como duas das maiores economias do mundo, trabalhamos lado a lado durante a crise financeira para restaurar o crescimento e a confiança. E para manter nossas economias crescendo, sabemos o que é necessário em ambas nossas nações.

Precisamos de uma força de trabalho habilidosa, educada - razão porque companhias americanas e brasileiras prometeram ajudar a aumentar os intercâmbios de estudantes entre nossos dois países, Precisamos de um compromisso com inovação e tecnologia - razão porque acertamos expandir a cooperação entre nossos cientistas, pesquisadores e engenheiros.

Precisamos de uma infraestrutura de classe mundial - razão porque companhias americanas podem ajudar vocês a construir e preparar esta cidade para o sucesso olímpico. Numa economia global, os Estados Unidos e o Brasil devem expandir o comércio, expandir o investimento, para que criemos novos empregos e novas oportunidades em ambas nossas nações. E essa é a razão porque estamos trabalhando para derrubar as barreiras para fazer negócios.

Essa é a razão porque estamos estreitando as relações entre nossos trabalhadores e nossos empresários. Juntos podemos também promover a segurança energética e proteger nosso belo planeta. Como dois países que estão comprometidos com economias mais verdes, sabemos que a solução final para nossos desafios energéticos está na energia limpa e renovável. E é por isso que metade dos veículos deste país podem rodar com biocombustíveis, e maior parte de sua eletricidade vem da energia hidrelétrica. É também por isso que, nos Estados Unidos, aceleramos o início de uma nova indústria de energia limpa. E é por isso que Estados Unidos e Brasil estão criando novas parecerias energéticas - para compartilhar tecnologias, criar novos empregos, e deixar para nossos filhos um mundo mais limpo e mais seguro do que o que encontramos (aplausos).

Juntos, nossos dois países também podem ajudar a defender a segurança de nossos cidadãos. Estamos trabalhando juntos para acabar com o narcotráfico que destruiu tantas vidas neste hemisfério. Buscamos o objetivo de um mundo sem armas nucleares. Estamos trabalhando juntos para melhorar a segurança nuclear em nosso hemisfério.

Da África ao Haiti, estamos trabalhando lado a lado para combater a fome, as doenças e a corrupção que podem degradar uma sociedade e privar seres humanos de dignidade e oportunidade (aplausos).

E como dois países que foram extremamente enriquecidos por nossa herança africana, é absolutamente vital que trabalhemos com o continente da África para ajudá-lo a se erguer. Isso é algo que devemos nos comprometer a fazer juntos (aplausos).

Hoje, estamos ambos dando ajuda e apoio ao povo japonês em sua hora de maior necessidade. Os laços que unem nossas nações ao Japão são fortes. No Brasil, vocês abrigam a maior população japonesa fora do Japão. Nos Estados Unidos, nós forjamos uma aliança de mais de 60 anos. O povo do Japão é um de nossos amigos mais próximos e nós rezaremos com eles, e ficaremos com eles e reconstruiremos com eles até essa crise passar (aplausos).

Nesses e outros esforços para promover a paz e a prosperidade em todo o mundo, os Estados Unidos e o Brasil são parceiros não só porque partilhamos história, não só porque estamos no mesmo hemisfério, não só porque temos laços comerciais e culturais, mas também porque partilhamos certos valores e ideias duradouros.

Ambos acreditamos no poder e na promessa da democracia. Acreditamos que nenhuma outra forma de governo é mais efetiva para promover o crescimento e a prosperidade que atinjam cada ser humano - não apenas alguns, mas todos. E os que pensam diferente, os que pensam que a democracia é um obstáculo ao progresso econômico, precisam discutir o exemplo do Brasil.

Os milhões que este país tirou da pobreza para a classe média, ele não poderia ter feito isso numa economia fechada controlada pelo Estado. Vocês estão prosperando como um povo livre com mercados abertos e um governo que responde a seus cidadãos. Vocês estão provando que o objetivo da justiça social e da inclusão social pode ser melhor alcançado pela liberdade - que a democracia é a maior parceira do progresso humano (aplausos).

Nós acreditamos também que em nações tão grandes e diversas como as nossas, moldadas por gerações de imigrantes de todas as raças, e fés, e antecedentes, a democracia oferece a melhor esperança de que cada cidadão seja tratado com dignidade e respeito, e que podemos resolver nossas diferenças pacificamente, que encontramos força na nossa diversidade.

Conhecemos essa experiência nos Estados Unidos. Sabemos como é importante sermos capazes de trabalhar juntos - mesmo quando com frequência discordamos. Eu compreendo que nossa forma escolhida de governo pode ser lenta e confusa. Nós compreendemos que a democracia precisa ser constantemente fortalecida e aperfeiçoada com o tempo.

Sabemos que países diferentes têm caminhos diferentes para realizar a promessa de democracia. E compreendemos que nenhuma nação pode impor sua vontade a outra. Mas sabemos também que existem certas aspirações partilhadas por cada ser humano: todos buscamos ser livres. Todos buscamos ser ouvidos. Todos ansiamos por viver sem medo ou discriminação. Todos ansiamos por escolher como seremos governados. E todos queremos moldar nossos próprios destinos. Esses não são ideais americanos ou ideais brasileiros. Esses não são ideais ocidentais, Esses são direitos universais, e nós precisamos apoiá-los por toda parte. (aplausos).

Hoje, estamos vendo a luta por esses direitos se estender pelo Oriente Médio e o Norte da África. Vimos um revolução brotar de um anseio por dignidade humana básica na Tunísia. Vimos manifestantes pacíficos afluírem para a Praça Tahrir - homens e mulheres, jovens e velhos, cristãos e muçulmanos. Vimos o povo da Líbia tomar uma posição corajosa contra um regime determinado a brutalizar seus próprios cidadãos. Por toda a região, vimos jovens se erguerem - uma nova geração exigindo o direito de determinar seu próprio futuro. Desde o começo, deixamos claro que a mudança que eles buscam deve ser impulsionada por seu por próprio povo. Mas para nossos dois países, para os Estados Unidos e o Brasil, dois países que lutaram durante muitas gerações para aperfeiçoar suas democracias, os Estados Unidos e o Brasil sabem que o futuro do mundo árabe será determinado por seu povo.

Ninguém pode dizer com certeza como essa mudança terminará, mas eu sei que a mudança não é uma coisa que devemos temer. Quando jovens insistem em que as correntes da História estão em movimento, os ônus do passado pode ser varridos. Quando homens e mulheres exigem pacificamente seus direitos humanos, nossa humanidade comum é fortalecida.

Sempre que a luz da liberdade é acesa o mundo se torna um lugar mais brilhante. Esse é o exemplo do Brasil. Esse é o exemplo do Brasil (aplausos). O Brasil, um país que mostra que uma ditadura pode se tornar uma florescente democracia. O Brasil, um país que mostra que a democracia proporciona liberdade e oportunidade a seu povo. O Brasil, um país que mostra como um apelo à mudança que começa nas ruas pode transformar uma cidade, transformar um país, transformar um mundo.

Décadas atrás, foi exatamente fora deste teatro, na Praça da Cinelândia, que o apelo por mudança foi ouvido no Brasil. Estudantes e artistas, e líderes políticos de todos as correntes se reuniram com bandeiras e disseram, "abaixo a ditadura, o povo no poder". Suas aspirações democráticas só foram concretizadas anos mais tarde, mas uma das jovens brasileiras no movimento daquela geração seguiria em frente para mudar para sempre a história deste país .

Filha de um imigrante, sua participação no movimento levou à sua detenção e à sua prisão, à sua tortura nas mãos de seu próprio governo. E portanto ela sabe como é viver sem os direitos humanos mais básicos pelos quais tantos estão lutando hoje em dia. Mas ela sabe também o que é perseverar. Ela sabe o que é superar - porque hoje essa mulher é a presidente de sua nação, Dilma Rousseff (aplausos).

Nossos dois países enfrentam muitos desafios. No futuro, nós certamente encontraremos muitos obstáculos. Mas no fim, é nossa história que nos dá a esperança de um futuro melhor. É o conhecimento de que os homens e mulheres que vieram antes de nós triunfaram sobre desafios maiores do que esses - que vivemos em lugares onde pessoas comuns fizeram coisas extraordinárias.

Foi esse senso de possibilidade, esse senso de otimismo que primeiro atraiu pioneiros para este Novo Mundo. É isso que une nossas nações como parceiras neste novo século. É por isso que acreditamos, nas palavras de Paulo Coelho, um dos seus mais famosos escritores, "com a força de nosso amor e de nossa vontade, mudaremos nosso destino, assim como o destino de muitos outros".

Muito obrigado. Thank you. E que Deus abençoe nossas duas nações. Muito obrigado (aplausos)."
Tradução de Celso M. Paciornik

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

FH: 'Espero que não tenha sido ciúmes'

Ex-presidente comenta ausência de Lula em almoço com Barack Obama

Germano Oliveira


SÃO PAULO. O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso disse ontem que espera não ter sido ciúmes a causa da ausência do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva do almoço de ontem em torno do presidente americano Barack Obama. Ele, no entanto, tentou minimizar a ausência de Lula.

- Ele realmente pode ter tido outros compromissos. Me parece que tinha o aniversário do filho. Mas realmente é difícil para um ex-presidente ter de voltar a Brasília. Ele pode ter achado que não contribuiria. Achar que foi por ciúmes pelo fato de Obama ter vindo ao Brasil no governo da Dilma e não no dele seria pequeno. E eu espero que não tenha sido isso - disse FH.

Fernando Henrique voltou a dizer que foi "um gesto de civilidade" o fato de a presidente Dilma Rousseff ter convidado todos os ex-presidentes para o almoço com o presidente americano, e que isso mostra que o novo governo petista pode estar corrigindo os rumos do governo de Lula, que em oito anos nunca o convidou para ir ao Palácio do Planalto, pois elegeu o PSDB como inimigo público número um, em vez de dialogar com a oposição.

- Foi um gesto de civilidade. O convite foi uma posição madura da presidente Dilma. É normal na democracia essa atitude, principalmente quando se trata de assuntos de interesse da nação. Quando eu fui presidente, convidei todo mundo para ir ao Palácio, inclusive o Lula. Ele foi ao Palácio do Planalto várias vezes. Depois de eleito, mesmo ainda quando não era presidente, eu cedi a ele a Granja do Torto. Mas no governo dele não me convidou nenhuma vez. Só me chamou para ir ao enterro do Papa. Agora não, a Dilma foi muito gentil - disse FH, que se sentou na mesma mesa de Obama, ao lado de Dilma e de outros quatro ex-presidentes, menos Lula.

Sarney: Lula não quis comparação

Já o ex-presidente José Sarney (PMDB-AP) disse ontem que o convite a todos os ex-presidentes "é prova do amadurecimento do país".

- Mostra que os problemas políticos são menores quando se trata do interesse nacional. É um avanço democrático - sintetizou o presidente do Senado.

Sarney não estranhou a ausência de Lula:

- Ele não quis ir ao almoço com o presidente Obama para não estabelecer uma comparação, um confronto dele com a presidente Dilma, e preservar a visita de possíveis saias justas. Afinal, a presidente trataria com Obama de questões que Lula tratou quando era presidente e a intenção de Lula foi mais no sentido de ajudar para o sucesso da visita de Obama ao Brasil. Não tem nada de pessoal. Foi uma coisa secundária. A posição de Lula mostra que as relações dele com Obama eram de chefe de estado para chefe de estado e agora a chefe de estado é a presidente Dilma.

FONTE: O GLOBO

''O melhor será ajudar a Dilma'', diz Kassab

Na Bahia, prefeito ganha adesões para criar PSD, inclusive do vice-governador

Eliana Lima

SALVADOR - Ao formalizar ontem, em Salvador, a adesão do vice-governador da Bahia, Otto Alencar, ao novo partido que vai criar, o Partido Social Democrático (PSD), o prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, foi ambíguo sobre o lado político que a sigla assumirá, se será aliada do governo ou oposição. Apesar de ter defendido a independência da sigla, Kassab afirmou que "o melhor para o Brasil será ajudar a presidente Dilma Rousseff e o governador Jaques Wagner, na Bahia", ambos petistas. O prefeito anuncia oficialmente hoje, em São Paulo, a criação do partido.

Na Bahia, o DEM - antigo PFL ao qual pertenceu Antonio Carlos Magalhães, e partido que Kassab abandona a partir de hoje - é oposição ao PT. Ontem, Kassab coletou assinaturas para a abertura da legenda, em evento concorrido, que reuniu deputados e ex-deputados, vereadores, prefeitos e ex-prefeitos, além de lideranças da base aliada, sobretudo petistas, dos governos federal e estadual, no Estado.

Futuro comandante da legenda no Estado, Alencar - que chegou a governar a Bahia sob a liderança do ex-senador Antonio Carlos Magalhães (morto em 2007), foi mais direto: "Aqui na Bahia não terá essa história de independência. Eu sou vice-governador e nós estaremos na base. Acredito que em Brasília também será assim".

Kassab e Otto destacaram o caráter democrático e flexível da nova legenda afirmando que uma cláusula do estatuto dará ao filiado amplo direito de se desfiliar quando desejar. "No momento em que qualquer um se sentir desconfortável dentro do partido, terá liberdade para seguir o rumo que bem desejar. Não prenderemos ninguém", garantiu o líder baiano. "Aqui não funcionará a lei do passe, do futebol, agiremos como a lei do divórcio, que permite a separação consensual", comparou.

O prefeito negou que a fundação da nova sigla esteja atrelada a pretensões eleitorais suas. "Sou candidato a ser um bom prefeito de São Paulo", disse. Mas garantiu que no próximo ano o partido estará preparado para disputar as eleições municipais com candidaturas próprias em todos os municípios.

Ele tranquilizou os que temem deixar seus atuais partidos e ficarem impedidos de participar do pleito de 2012. "Não há riscos, estamos nos organizando para conseguir as assinaturas necessárias e consolidar juridicamente o partido", garantiu.

Contra o relógio. Estão agendados outros nove atos de coleta de assinaturas nos Estados de São Paulo, Amazonas, Acre, Alagoas, Goiás, Tocantins, Roraima, Rio de Janeiro e Minas Gerais. Kassab acredita que até julho o PSD estará formalizado.

Na Bahia a legenda já arregimentou quadros históricos do DEM, originários do extinto PFL, como o deputado federal e primo do deputado federal ACM Neto, Paulo Magalhães, e o deputado estadual Gildásio Penedo, um dos nomes que mais fortemente faziam oposição ao governo de Jaques Wagner até 2010.

Dos seis deputados federais do DEM baiano, dois já decidiram marchar com o PSD e um terceiro ainda está indeciso. Dos cinco estaduais, dois estão migrando para a nova legenda. No PMDB, metade da bancada, formada por seis parlamentares, aderiu ao PSD. "Não queremos esvaziar nenhuma partido. Todos que aqui estão, vieram por livre e espontânea vontade", ressaltou Otto.

Ao final do evento, Kassab e outras lideranças almoçaram com o governador Wagner, no Palácio de Ondina, residência oficial do governo baiano.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Oposição se articula para barrar ''janela de infidelidade''

Marcelo Moraes

BRASÍLIA - Preocupados com o impacto que a eventual aprovação de uma janela de troca partidária possa provocar sobre seus quadros, integrantes da oposição já se preparam para tentar barrar a proposta, embutida na discussão da reforma política.

PSDB, DEM e PPS, siglas da oposição ao Planalto, sabem que a permissão de mudança de partido, conhecida como "janela de infidelidade", deverá abrir a porta para que vários de seus quadros partam em direção da base da presidente Dilma Rousseff, eleita pela aliança entre PT, PMDB, PDT, PC do B e PSB.

Na condição de coordenador do PSDB para as propostas de reforma política, o senador Aécio Neves (MG) já avisou que o partido se baterá contra o projeto.

Aécio opera para impedir, inclusive, que a medida seja sequer discutida dentro da comissão especial que trata da reforma política no Senado.

Mas a dificuldade da oposição para barrar o avanço dos debates nesse sentido será muito grande, já que parlamentares de todos os partidos reclamam do engessamento da regra que proibiu a troca de legenda sem razão prevista na legislação eleitoral.

Conforme a lei, só podem mudar de partido os políticos que comprovarem perseguição política, expulsão, mudança radical de rumo programático ou a criação de um novo partido. Este último item é que levou o prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, a criar, a partir de hoje, o PSD.

Antes da lei, aprovada por decisão do Poder Judiciário, era costumeira a troca frequente de filiação. Alguns parlamentares chegavam a passar por mais de dois partidos em um mesmo ano.

Na avaliação de Aécio seria um erro para o Congresso aprovar uma reforma política que fosse baseada apenas nesse ponto. "Nós fazermos a reforma política pela janela é andar para trás", afirma. "Eu acho que isso significa você não fazer reforma, mas sim encontrar uma solução para problemas absolutamente casuísticos", acrescenta.

O temor de Aécio se justifica. Historicamente, na política brasileira os partidos aliados ao governo costumam engordar sua fileiras. O próprio DEM, que perdeu Kassab, foi uma das maiores siglas do País quando fazia parte da gestão Fernando Henrique Cardoso (1995-2002).

O senador defende que o projeto fique de fora da pauta da comissão especial de reforma política. "Se lá na frente isso vier a ser discutido, no final do mandato, por alguma razão específica, tudo bem. Mas eu acho que a janela não tem que estar nem na discussão da comissão", diz.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Não há espaço para uma terceira força nas disputas eleitorais

Entrevista Fernando Limongi

FORMAÇÃO
Mestre pela Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) e doutor pela Universidade de Chicago (Estados Unidos)

ATUAÇÃO
É pesquisador sênior do Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento), professor titular e chefe do Departamento de Ciência Política da USP (Universidade de São Paulo)

LIVROS
-"Política Orçamentária no Presidencialismo de Coalizão" -"Executivo e Legislativo na Nova Ordem Constitucional"

Para cientista político Fernando Limongi, criação do PSD por Kassab não vai quebrar polarização entre PT e PSDB nas eleições para o executivo no Brasil

Uirá Machado

SÃO PAULO - A criação de um novo partido pelo prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, e a provável incorporação do nascituro PSD pelo PSB não quebrará a polarização PT-PSDB, afirma o cientista político Fernando Limongi, 53, professor titular da USP.
Conforme reportagem da Folha mostrou (12/3), o Planalto teme que o PSB ganhe muita musculatura e se torne um problema em 2014.

Para Limongi, porém, as disputas para o Executivo são bipartidárias e não há espaço para uma terceira opção. De acordo com ele, as estratégias de PT e PSDB definem -e limitam- as opções do eleitor nas disputas para presidente e governador e, agora, ao Legislativo.
A seguir, trechos da entrevista concedida à Folha na quinta-feira.


Folha - A criação de um novo partido pelo prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, e sua eventual incorporação pelo PSB poderia fortalecer esta legenda a ponto de romper a polarização PT-PSDB?

Fernando Limongi - A despeito de o PSB ter crescido nas últimas eleições, o partido fez uma bancada relativamente pequena de deputados federais. É menor e tem menos força que o PMDB. Acho que o PSB está procurando se fortalecer para ter uma relação melhor com o governo. Eventualmente pode estar pensando em agir sozinho. Mas acho que o que está em jogo é ver quem é melhor aliado do PT. Pessoalmente, acho difícil que consiga viabilizar uma alternativa nacional. O PSB está praticamente restrito ao Nordeste. É um problema de difícil solução, e não é montando uma coalizão tão heterogênea... Quem vai votar no PSB por causa do Kassab?

Mas o Kassab não vai ter força em São Paulo para concorrer ao governo do Estado?

Para ele lançar uma candidatura a governador, precisa de uma plataforma, de um discurso. Ele tem que aparecer como opção, tem que viabilizar isso. Acho difícil em São Paulo. Quando ele foi candidato a prefeito, só conseguiu ser eleito porque teve apoio de facções do PSDB e contou com uma campanha desastrada de [Geraldo] Alckmin [PSDB], que perdeu uma eleição ganha. Sem parte do PSDB, ele não vai conseguir. E, para ter o partido de novo, tem que ter gente graúda por trás.

Em seu artigo na revista "Novos Estudos" 88 (novembro), do Cebrap, o senhor afirma que há dois blocos nacionais: PT-PSB e PSDB-DEM. Nessa eventual nova configuração, não daria para o PSB deixar de ser satélite?

"Satélite" não é a palavra mais correta. Esses partidos são aliados históricos e têm um acordo de complementaridade. Não há sujeição. Nos Estados, por exemplo, o PT não compete com o PSB. E boa parte da ascensão do PSB só se explica porque teve esse suporte do PT. Mas o PSB precisa definir a relação. Em termos de ministérios, o PMDB tem uma participação muito maior que a do PSB. É essa relação que está um pouco implicada, o PSB quer se reforçar nesse debate. Mas será que vai querer lançar candidato contra o PT em 2014?

O sr. ainda afirma em seu artigo que, com seis eleições presidenciais pós-redemocratização, é possível analisar tendências de longo prazo. Uma seria o bipartidarismo da disputa presidencial. Há espaço para uma terceira força?

Eu acho que não. São cinco eleições seguidas em que só dá PSDB e PT, e tudo leva a crer que na próxima será a mesma coisa. Mas de onde vem essa força? Por que esses dois partidos controlam esse eleitorado? Há muitos eleitores flutuando, então não é possível dizer que o eleitorado vota partidariamente. O que não sei é o quanto esse eleitorado é grande para constituir uma terceira via. Desse ponto de vista, tem possibilidade de alguém furar o esquema? Tem, mas o custo de entrada é muito alto.

Por que o Congresso é tão fragmentado?

Isso é outra coisa. A gente precisa olhar para as eleições que são as mais importantes, que são para o Executivo: onde está o controle do Orçamento e que são privilegiadas por partidos e eleitores. O que acontece é que os partidos grandes estão cedendo cadeiras nas eleições proporcionais e não estão ligando para isso. Uma possibilidade é que o processo ainda está em andamento. Começou pelo Executivo e agora vai descendo para o Legislativo.

Mas esse movimento não pode tomar outro rumo?

O fato é que várias vezes poderia ter sido de outro jeito, mas nunca foi. As estratégias dos partidos que têm sido bem-sucedidas são cada vez mais abrangentes. A lógica está se impondo. O exemplo forte é 2010. Ciro Gomes queria ser candidato. Havia alguns fatores conjunturais que favoreciam essa aposta. Dilma Rousseff não era conhecida. Seria o momento para alguém tentar. Por que não tentou?

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

A rosa de Hiroxima:: Vinicius de Moraes

Pensem nas crianças
Mudas telepáticas
Pensem nas meninas
Cegas inexatas
Pensem nas mulheres
Rotas alteradas
Pensem nas feridas
Como rosas cálidas
Mas oh não se esqueçam
Da rosa da rosa
Da rosa de Hiroxima
A rosa hereditária
A rosa radioativa
Estúpida e inválida
A rosa com cirrose
A anti-rosa atômica
Sem cor sem perfume
Sem rosa sem nada.