terça-feira, 19 de abril de 2011

Reflexão do dia – Luiz Werneck Vianna

O que podemos esperar de um governo Dilma, então, é a continuidade disso?

Tem outras forças atuando lá. E o mundo não está favorável a essa inclinação. Imagino um deslocamento maior dessa agenda terceiro-mundista, dessa agenda BNDES, dessa agenda capitalismo politicamente orientado, dessa agenda 1950. Agora, o que a oposição não tem é um programa alternativo a esse e não puramente negativo. A oposição se conforta com a denúncia liberal dessas políticas, e com isso não tem lugar nos sindicatos, na sociedade, não tem lugar nenhum.

Luiz Werneck Vianna. Entrevista. ‘Novo ambiente não permite que Dilma repita Lula’. O Estado de S. Paulo, 10/4/2011

FH diz que Lula está 'mamando na elite' e faz desafio para nova eleição

"Ele se esquece de que o derrotei duas vezes. Quem sabe queira uma terceira"

Adauri Antunes Barbosa, Flávio Freire e Tatiana Farah

SÃO PAULO. O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso disse ontem em São Paulo que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva está "mamando na elite", em resposta às críticas do petista ao seu artigo publicado na revista "Interesse Nacional", no qual sugeriu ao PSDB evitar disputar com o PT a influência sobre os "movimentos sociais" ou o "povão" e priorizar a nova classe C.

Fernando Henrique afirmou que Lula não tem moral para criticar as privatizações feitas pelo seu governo porque foi a Londres fazer palestra paga pela Telefonica.

- O Lula, lá de Londres, dizendo a mesma coisa (críticas ao seu artigo). Com que moral? O Lula, que era contra as privatizações, agora está lá falando para a Telefonica, ganhando US$100 mil, e o filho dele é sócio de uma empresa de telefonia... Eram contra a privatização, aderiram totalmente às transformações que nós provocamos e ainda vêm nos criticar e dizer que nós somos a favor da elite contra o povo. Eles estão mamando na elite - disse FH, em entrevista ao programa "Começando o dia", de Alexandre Machado, na Cultura FM.

Críticas à "pregação da ignorância"

Durante a entrevista, de nove minutos, FH afirmou também que "por razões político-ideológicas" estão afirmando que o PSDB é da elite e o PT é do povo, e "isso não é verdade".

- Quem começou todos esses programas sociais de bolsa foi meu governo. Então, isso é uma luta político-ideológica - defendeu-se.

O ex-presidente tucano ainda desafiou Lula para uma terceira disputa eleitoral, lembrando que já venceu duas:

- O número de manifestações favoráveis que eu recebo ao que eu disse é imenso. O que sai no jornal é outra coisa, são interesses políticos. É o Lula, lá de Londres, refestelado na sua vocação nova, e ainda se dá ao direito de gozar, que eu estudei tanto para ficar contra o povo. Ele se esquece de que eu o derrotei duas vezes. Quem sabe ele queira uma terceira. Eu topo! Acho lamentável que um ex-presidente use essa pregação da ignorância, do não estudo. É patético! - afirmou FH.

Em reunião com parlamentares do PT, Lula não quis rebater as declarações de FH. Seus aliados, no entanto, trataram o assunto com ironia:

- Acho que não teria graça fazer esta eleição - disse o senador Humberto Costa (PE), sobre a proposta de um embate eleitoral entre o tucano e Lula. - Fernando Henrique é passado. Lula ainda é uma coisa extremamente presente - disse Costa.

Já o senador Jorge Viana (AC) disse que o ex-presidente FH "tem muita autoridade para falar sobre a vida do povo brasileiro" e que sua afirmação sobre a vocação do PSDB "expressa a verdade":

- O PSDB e outros partidos fizeram, desde o início da criação, uma opção que é a de lidar com a elite brasileira. O PT e Lula sempre fizeram outra opção, que é estar junto com o povo - disse o petista.

Os dois senadores participaram da reunião com Lula, ontem à tarde, no Instituto Cidadania, comandado pelo ex-presidente, com o líder do PT na Câmara, Paulo Teixeira (SP), e o presidente interino do partido, o deputado Rui Falcão, entre outros parlamentares. Em pauta, a reforma política. O ex-presidente deverá, segundo Rui Falcão, ser o "catalisador" de um debate sobre as mudanças nas regras políticas e eleitorais.

Esta semana, o ex-presidente Lula reiniciou a sua vida política no Brasil. Além de encampar a reforma política proposta pelo PT, ele participa hoje de uma reunião com os prefeitos petistas de São Paulo. O tema é a eleição municipal do próximo ano.

FONTE: O GLOBO

Na ativa, Lula e FHC retomam embate

Ex-presidentes participaram de eventos políticos ontem em São Paulo; tucano diz a rádio que petistas ""mamam na elite"" e PT rebate com mais críticas

Gabriel Manzano, Lucas de Abreu Maia e Daiene Cardoso

Os ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Fernando Henrique Cardoso, que na semana passada protagonizaram debates sobre como conquistar o voto da "nova classe média", demonstram estar na ativa como articuladores políticos, contrastando com o discreto perfil da presidente Dilma Rousseff. Ontem, coincidentemente, Lula e FHC participaram em São Paulo de reuniões políticas - o petista no Instituto Cidadania, e o tucano no instituto que leva seu nome.

Em entrevista à rádio Cultura de São Paulo, veiculada ontem, FHC afirmou que os petistas estão "mamando na elite". "O Lula, que era contra a privatização, agora está lá falando para a Telefónica, ganhando US$ 10 mil. O filho dele é sócio de uma empresa de telefonia. E ele era contra a privatização...", repetiu. E acrescentou: "(Os petistas) aderiram totalmente às transformações que nós provocamos e ainda vêm nos criticar e dizer que nós somos da elite contra o povo. Eles estão mamando na elite".

O comentário segue-se às farpas disparadas no final de semana por Lula, que cobrou do rival por sua tese de que a oposição ficaria "falando sozinha" se insistisse em conquistar o "povão", já "cooptado" pelo PT e o governo. De Londres, onde fez palestra depois de ver o jogo Real Madrid x Barcelona no sábado, na Espanha, Lula afirmou: "Não sei como alguém estuda tanto e depois quer esquecer o povão. O povão é a razão de ser do Brasil".

Debate sério. Ontem à noite, em evento no Instituto FHC, o ex-presidente voltou a falar do adversário: "Eu já disse um milhão de vezes para o Lula que me interessa debater não para um criticar o outro. O Lula gosta muito dessas frases de efeito. O que eu proponho é debater com profundidade as contribuições que os nossos partidos deram ou podem vir a dar ao País". Segundo o ex-presidente, "o problema dele é ter perdido a eleição para mim por duas vezes".

Do outro lado, no Instituto Cidadania, senadores petistas reunidos com Lula, ironizaram as declarações de FHC. "Ele fez uma declaração infeliz e está tentando se remendar em cima de críticas a Lula", disse o líder do PT no Senado, Humberto Costa (PE). "Fernando Henrique fez uma declaração que de, alguma maneira, expressa a verdade: o PSDB e outros partidos fizeram uma opção, desde sua criação, que é a de lidar com a elite brasileira. Lula sempre fez uma opção que é estar ao lado do povo", disse o senador Jorge Viana (PT-AC).

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Lula gastou 70% mais em publicidade que FHC

Comparação se baseia no último ano de mandato de cada um, 2010 e 2002

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) gastou 70% mais em publicidade no último ano de mandato do que seu antecessor, Fernando Henrique Cardoso, no final de sua gestão, informa Fernando Rodrigues.

Em 2010, o governo consumiu R$ 1,629 bilhão em publicidade da administração direta (ministérios) e indireta (autarquias, fundações e empresas estatais).

Em 2002, FHC registrou gastos de R$ 956,4 milhões, valor corrigido pelo IGP-M, em cálculo do Planalto. Não é possível a comparação integral das duas gestões porque os dados só passaram a ser divulgados de forma regular em 2000.

As TVs receberam a maior parte do bolo, 64%. Jornais, rádios e revistas e outdoors perderam receita. Internet, cinema e mídia exterior ganharam espaço.

Lula gastou mais que FHC com publicidade no fim do mandato

Despesas feitas pelo governo petista em 2010 foram 70% superiores às do ex-presidente tucano em 2002

Lula gastou mais de R$ 10 bilhões em oito anos, mas falta de dados sobre governo FHC impede comparações

Fernando Rodrigues

BRASÍLIA – O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) gastou com publicidade no ano passado, o último de seu mandato, 70,3% a mais do que seu antecessor, Fernando Henrique Cardoso (PSDB), gastou em 2002, quando encerrou os oito anos de seu governo.

Segundo dados que devem ser divulgados hoje pela Secretaria de Comunicação Social (Secom) da Presidência, o governo Lula consumiu R$ 1,629 bilhão em publicidade em 2010.

O valor se refere aos gastos da administração direta (os ministérios) e indireta (autarquias, fundações e empresas estatais). Não há ainda informação disponível sobre o mandato de Dilma Rousseff.

No seu oitavo ano no Planalto, 2002, FHC registrou gastos com publicidade de R$ 956,4 milhões, em valores atualizados pelo índice de preços IGP-M. O cálculo foi feito pelo Planalto, que não divulga valores nominais, exceto para 2010.

Lula é o primeiro presidente para o qual há dados completos dos dois mandatos. A estatística oficial sobre gastos de publicidade começou a ser produzida em 1998 de forma precária. A Secom divulga as informações de maneira regular desde 2000.

Em oito anos no Planalto, Lula registrou um gasto total de R$ 10,304 bilhões. É o equivalente a um terço do total orçado para construir o trem-bala, projetado para o trajeto Campinas-São Paulo-Rio e com custo estimado em R$ 33,1 bilhões.

Não há como saber qual foi o gasto mensal do governo Lula no ano passado com publicidade. Essa informação não é divulgada.

Ontem, quando o site do Planalto mostrava os dados considerados só até 9 de dezembro, o gasto total no ano era de R$ 1,101 bilhão.

Agora, com a contabilidade final de 2010, sabe-se que a cifra atingiu R$ 1,629 bilhão -uma diferença de R$ 528 milhões. Mas Lula não consumiu toda essa diferença nos seus últimos 22 dias.

Há um lapso entre os comerciais serem feitos, veiculados, pagos e lançados na contabilidade oficial. Não se sabe quanto é esse tempo, pois o governo não diz.

No segundo semestre do ano passado, todos os governos estavam impedidos de fazer comerciais -exceto os de real utilidade pública- porque se tratava de um período eleitoral. O veto não atinge as empresas estatais que concorrem no mercado.

Por causa dessa liberação, as empresas do governo costumam fazer comerciais em períodos eleitorais. Em 2010, o gasto das estatais foi de R$ 1,001 bilhão -61% de tudo o que a administração federal investe em propaganda.

DADOS SECRETOS

A Folha indagou em março ao Planalto se poderia ter acesso à lista dos valores pagos a cada um dos meios de comunicação que veicularam propaganda federal. A resposta foi negativa.

"Os valores destinados a cada veículo de comunicação não são disponibilizados para preservar a estratégia de negociação de mídia promovida anualmente pela Secom com esses veículos. Desnudar esses valores contraria o interesse público, uma vez que implicará a perda de capacidade de negociação."

Nos dados divulgados, como tem sido a praxe, são revelados os valores totais investidos em cada tipo de meio. Assim, é possível saber que as TVs se mantêm como receptoras da maior parte do bolo: tiveram 61% quando Lula assumiu, em 2003; foram a 64% em 2010.

Jornais, emissoras de rádio, revistas e outdoors perderam receita. Internet, cinema e mídia exterior (carro de som, mobiliário urbano e TVs em aeroportos, entre outros) ganharam espaço.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO


"Partidocracia" :: Merval Pereira

O ex-presidente Lula escolheu uma tarefa árdua para reassumir sua atividade política, a de coordenar o apoio à reforma política que seu partido, o PT, pretende ver aprovada. Acontece que os pontos mais importantes defendidos pelo PT são o financiamento público de campanha e o voto em lista fechada, dois temas impopulares que dependem um do outro: só é possível haver financiamento público de campanha se o dinheiro for para o partido, e não para os candidatos.

De acordo com uma proposta que existe desde 2003 e precisaria ser reavaliada hoje, cada voto seria financiado com R$7. Como temos 135.804.433 eleitores registrados na última eleição, os cofres públicos teriam que gastar no mínimo quase R$1 bilhão no financiamento, fora o que já se gasta para custear o horário eleitoral gratuito durante a campanha e os fundos partidários.

Mesmo que não se criem mais impostos para financiar esse gasto, ficará a sensação no cidadão de que mais verba está sendo desviada do orçamento para custear os políticos.

Também o voto em lista fechada não tem grande receptividade entre os eleitores, acostumados a votar diretamente em seu candidato.

O PT é o partido que mais votos de legenda recebe nas eleições, e também o preferido pelo eleitor. E, por isso, é a favor do voto em lista fechada, onde o partido é votado e escolhe quais os candidatos serão eleitos em uma lista organizada internamente por critérios próprios a cada legenda.

Na primeira tentativa de aprovar o voto em lista fechada, anos atrás, seus opositores passaram a defender o direito de o eleitor escolher pessoalmente seu candidato e conseguiram abortar a iniciativa.

Sobre o assunto, o site do The Brookings Institution, um centro de estudos e pesquisas nos Estados Unidos sem vínculos governamentais, geralmente considerado de centro-esquerda, publicou um artigo de dois cientistas políticos brasileiros, Carlos Pereira, professor visitante, e Marcus Andre Melo, da Universidade Federal de Pernambuco, intitulado "Pode o sistema eleitoral brasileiro aprender com os erros da África do Sul?", onde os autores relatam um caso exemplar de como o voto em lista fechada pode favorecer a corrupção eleitoral, ao contrário do que seus defensores dizem.

O caso da África do Sul ilustra o que pode acontecer quando o partido ganha poderes incontrastáveis, que os políticos chamam de "partidocracia".

Segundo os autores, o maior escândalo político da História daquele país - e um dos maiores do mundo pelo volume de recursos em jogo - envolveu a compra de caças, helicópteros e submarinos no valor de 32 bilhões de rands (moeda local) entre 1996 e 2000 (mais ou menos R$10 bi) pelo Ministério da Defesa da África do Sul quando o hoje presidente Jacob Zuma era vice-presidente.

Ele e seus assessores diretos, os irmãos Shaik, comandaram o esquema de corrupção na compra dos armamentos das empresas envolvidas como fornecedoras, o consórcio British Aerospace-SAAB, Aerommachi e Thomson CSF, e vários fornecedores locais, ligados ao Partido Nacional Africano (ANC), que participaram dos consórcios como subcontratadas.

O desvio massivo de milhões de dólares foi utilizado para o financiamento do partido. Um relatório elaborado pelo auditor-geral, espécie de Tribunal de Contas, apontou irregularidades nas compras, e foi aceito pela comissão de fundos públicos (SCOPA), uma "CPI permanente" sobre a utilização de fundos públicos, existente em todos os países membros da antiga comunidade britânica de nações, e cujo presidente tem que vir da oposição.

Presidida desde 1999 por um parlamentar e professor de finanças públicas do minúsculo partido de oposição - o Inkatha National Party -, a comissão teve seu trabalho sob forte fogo cruzado do ANC, que controlava mais de 2/3 das cadeiras do Congresso.

Membros isolados da comissão - tais como Andrew Feinstein - iniciaram cruzadas pessoais para garantir a independência dos seus trabalhos.

Devido à sua enorme dedicação à causa e à sua formação técnica, Feinstein - um economista com mestrado em Cambridge (Inglaterra) - tornou-se o símbolo da cruzada de moralização da política que repercutiu espetacularmente na mídia.

Com a escalada do escândalo, Zuma foi forçado a pedir demissão. Uma forma de boicote foi o veto a que as investigações fossem realizadas por uma unidade independente criada para o controle da corrupção.

A ANC queria criar uma comissão especial sobre a qual tivesse mais controle, e um grupo de trabalho foi criado, com membros que de uma maneira ou outra eram subordinados ao governo. A mídia desempenhou papel central em manter a questão na agenda. Jornais independentes com linha ativa de jornalismo investigativo, tais como "The Mail and Guardian", "Business Day" e "Sunday Independent", mantiveram o foco e eram bombardeados pelo ANC, que os acusava de tentativa de "golpe mediático".

Acusado de interferir no trabalho da comissão, o presidente Mbeki acabou se demitindo. A evolução dos fatos após isso é sugestiva, comentam os autores: Zuma foi eleito presidente do ANC e do país, e Shaik e outros cúmplices, que estavam presos, logo foram soltos em virtude do empenho pessoal de Zuma no caso.

Mas o que aconteceu com Andrew Feinstein? O caso, segundo os autores do artigo, revela o que acontece com a utilização de listas fechadas "sobre a capacidade dos cidadãos de premiar ou punir o comportamento de parlamentares que defendem o interesse público mesmo quando isso implique se voltar contra o partido".

Estrela do partido e com enorme popularidade na classe média informada do país, Feinstein foi excluído da lista de candidatos da ANC nas eleições legislativas seguintes, pediu demissão, hoje mora em Londres e trabalha em uma ONG.

Em entrevista que concedeu ao cientista político pernambucano Marcus Melo no aeroporto de Johannesburgo, disse que todas as portas estavam fechadas para ele na África do Sul, a despeito do grande apoio pessoal que recebera de Mandela.

Mais importante para o debate que se trava no Brasil hoje, ele afirmou: "O grande problema institucional da África do Sul é a utilização da lista fechada". Melo comentou que, se ele estivesse no Brasil, provavelmente seria reeleito em uma votação individual espetacular e consistente com seu prestígio devido à nossa lista aberta.

Ele garantiu que essa seria uma de suas bandeiras de reforma política a partir de então.

FONTE: O GLOBO

Favas contadas:: Dora Kramer

Não é bem uma rebelião, mas um queixume que se propaga pela base parlamentar governista e mais dia menos dia pode se expressar em contrariedade aos interesses do Palácio do Planalto no Congresso, notadamente no Senado.

O descontentamento em questão inclui os petistas e, pelo menos nesse caso, exclui a sempre complicada distribuição de cargos. O problema guarda relação mesmo é com o medo de suas excelências de perderem importância. Sentem-se negligenciadas pelo governo, em particular pela presidente Dilma Rousseff.

O estilo objetivo de Dilma, festejado exatamente por privilegiar o mundo do trabalho em detrimento do emocionalismo tão ao gosto do antecessor, não tem feito o mesmo sucesso entre seus aliados no Parlamento.

O "exagero de formalidade", alegam governistas e petistas, mantém a presidente longe dos senadores que, depois de quase três meses de bons serviços prestados ao Planalto, ainda não receberam dela a deferência que consideram merecida pelo empenho que a maioria no Senado tem apresentado na defesa do governo.

O ministro das Relações Institucionais, Luiz Sérgio, não exibe credenciais nem atributos para fazer a interlocução, o ministro da Casa Civil, Antonio Palocci, está assoberbado em suas funções e "Dilma não fala com ninguém".

Esse, o resumo da reclamação da maioria ampla que se sente tratada como se no Senado estivesse tudo resolvido e nada pudesse alterar a situação de conforto.

Em relação à bancada do PT isso pode até ser verdade, mas não é no tocante a aliados menos comprometidos com o projeto de poder nem exclui a hipótese de os petistas, amanhã ou depois, surfarem na onda da insatisfação só para mostrar que maioria é condição, mas não são favas contadas.

Vida pública. De dirigir com a carteira de habilitação vencida ninguém está livre, por descuido, displicência ou acaso.

Até aí, nada de muito especial no episódio envolvendo o senador Aécio Neves em uma blitz da Operação Lei Seca, no Rio.

O ponto torto é a recusa do senador ao teste do bafômetro. Com isso, deu margem à presunção de que infringiu a lei. Assim como se presume a paternidade de quem se recusa a fazer exame de DNA.

Um fato menor diante dos descalabros correntes? Não para quem se pretende líder da oposição, encarnando a representação dos 44 milhões de brasileiros que não votaram em Dilma e a partir desse patrimônio se candidatar à Presidência da República.

Aécio Neves sempre diz que não abre mão de seu estilo de vida e que, se for para mudar, prefere deixar a política. Até agora tratada como algo hipotético, a situação poderá se impor como realidade ao senador conforme indica a repercussão desse caso.

A menos que reformule seu conceito sobre a possibilidade de conciliação entre vida pública e "dolce vita", sem o ônus inerente ao escrutínio constante da imprensa nacional.

Note-se, não é julgamento moral - inclusive porque a questão não se presta a isso -, mas uma ponderação sobre as escolhas, seus respectivos riscos, o exemplo que vem de cima e a autoridade da oposição para criticar adversários, cujas condutas são marcadas pela tolerância com infrações.

Coisa esquisita. Reportagem da revista Veja conta que o ministro do Superior Tribunal de Justiça Cesar Asfor Rocha aponta o ex-presidente Lula como responsável pelo boato de que ele, Asfor, teria recebido propina para dar um voto no STJ.

Conforme o ministro, Lula recebeu a informação de seu compadre, o advogado Roberto Teixeira, que, segundo a revista, fora o intermediário da proposta de propina.

Não se exibem provas materiais de que tenha havido mesmo a oferta. De concreto, só a desistência do então presidente de indicar Asfor Rocha para o Supremo. Se, como alega o ministro, o recuo se deveu mesmo à suspeita sobre a moral do magistrado, fica a dúvida: e por que o então presidente não se indignou com a conduta do compadre?

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Outra guinada externa:: Eliane Cantanhêde

Ninguém percebeu, mas há uma outra guinada importante, apesar de sutil, na política externa brasileira. O primeiro turno da eleição no Peru passou e não houve fotos, reuniões e salamaleques nem de Dilma em Lima nem de um dos candidatos aqui.

Concorriam Alejandro Toledo, de centro-direita, e os dois que estão no segundo turno: Ollanta Humala, de esquerda, e a filha do ex-presidente Alberto Fujimori (arg!), Keiko, evidentemente de direita. Dilma não se mexeu, ao menos publicamente e ao que se saiba. A eleição no Peru ao Peru pertence.

Com Lula, o Brasil correria a apoiar descaradamente um deles, como fez com os Kirchner (Argentina), Chávez (Venezuela), Morales (Peru), Mujica (Uruguai). E isso caracteriza ingerência em assuntos internos, proibição número um dos manuais de diplomacia.

FHC ensina: "Não tem de se meter com os de fora. Acho que Lula, Chávez, Morales vão além do limite, um apoia o candidato do outro, depois apoia a política interna do outro. É um erro".

Por quê? "O Estado é uma coisa, o governo é outra e o partido é uma outra. Política internacional é de Estado, porque o governo hoje é de uma cor, amanhã é de outra, mas as políticas de Estado vão além do interesse pessoal ou partidário".

O próprio Lula, que se metia tanto na política dos vizinhos, recorreu ao pragmatismo de Estado com George W. Bush. Ele não tem nada a ver com o Partido Republicano nem com Bush, mas se esforçou tanto que a "química" foi ótima.

Para uns países, prevaleceram os laços do PT; para outros, o pragmatismo diplomático. E faça-se justiça: nessa, Celso Amorim não tem culpa. Quem assumia a América Latina eram os assessores petistas de Lula, em especial Marco Aurélio Garcia. Dilma herdou Garcia e Gilberto Carvalho de Lula. Mas nem eles estão com a bola toda nem ela é boba de fazer política externa pensando mais no PT do que no país.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

DEM e PSDB negociam pacto eleitoral em 2012:: Raymundo Costa

Mal refeitos da incursão predatória do senhor Gilberto Kassab sobre suas fileiras, os líderes do DEM e do PSDB já se movimentam no sentido de firmar um pacto de eleitoral para 2012, no qual as direções partidárias tenham poder efetivo para solucionar as demandas municipais. Muito do que ocorreu nas eleições presidenciais de 2010, segundo avaliação de dirigentes das duas agremiações, deve-se ao desencontro de tucanos e demistas nas eleições de 2008.

"Este é o momento de o partido se manter firme, preservar os seus ideais, sua história, se reestruturar sob a presidência do senador José Agripino e partir para as eleições de 2012", disse à coluna o líder do DEM na Câmara dos Deputados, Antonio Carlos Magalhães Neto. "O que vai acontecer a partir daí é uma outra história", afirmou ACM Neto. O deputado é apontado com frequência como defensor da fusão DEM-PSDB, o que ele efetivamente tem em perspectiva, mas para um segundo momento, depois que as eleições municipais estabelecerem o que o eleitor pensa e quer da oposição ao governo.

Na ótica de ACM Neto, mais do que a oposição está perdendo "é o governo quem está ganhando". Ele não foge à regra e culpa a precariedade do sistema político-eleitoral "que leva as pessoas a ter ímpeto governista". A realidade dos fatos, na opinião do herdeiro político do carlismo na Bahia, "é que a criação do PSD é uma porta de acesso ao governo, uma janela para burlar a lei da fidelidade partidária - esta é a principal razão, este é o principal motivo: o adesismo". Até agora a bancada liderada por Neto perdeu dez deputados, passando de 44 para 34 cadeiras na Câmara.

Oposição articula reação à razia de Gilberto Kassab

"Por outro lado, existe um grande espaço perante a sociedade para o trabalho de oposição", disse o deputado. ACM Neto nasceu e cresceu na situação, mas há oito anos amarga a condição de oposição em nível nacional e na Bahia. Integrante de um partido cuja sobrevivência na oposição não se aposta um níquel, ele exibe um certo desdém em relação aos que não suportam mais ficar contra o governo e procuram abrigo no PSD do prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab. "Neste momento nos interessa mais a qualidade das pessoas que vão ficar do que a quantidade".

"Exceto dois ou três nomes, a maioria dos políticos que vão integrar o PSD são pessoas de pouquíssima expressão, a grande maioria deles não tem sequer densidade nacional, o que reforça a tese de que a principal razão de constituição desse novo partido é o adesismo". ACM Neto citou duas exceções: a senadora Kátia Abreu (TO) e o próprio Gilberto Kassab, por ser o prefeito da maior cidade do país.

"O democratas tem um papel a cumprir na oposição", disse. "A fusão com o PSDB não pode ser alimentada neste momento", disse. "Primeiro nós temos que ver o resultado das eleições para depois analisar cenários ou especular sobre conjuntura".

Mais do que fusão, neste momento, ACM Neto acha que PSDB e DEM precisam "é fazer um pacto de alinhamento eleitoral nas principais cidades do Brasil para 2012". É sua opinião que, "se a oposição se organizar em torno de candidaturas competitivas, no ano que vem, ela começa a ganhar musculatura novamente e consegue compensar algumas perdas que teve agora com esse ataque especulativo do PSD".

"O nosso foco deve ser promover o alinhamento entre Democratas e PSDB nas principais cidades, onde, juntos, vamos criar regras objetivas para a escolha de quem serão os candidatos", disse. O deputado também defendeu que a direção nacional dos dois partidos operem "de maneira firme para garantir essa união em 2012, diferentemente do que ocorreu em 2008; parte do nosso fracasso em 2010 foi consequência da desarrumação de 2008, quando os partidos brigaram entre si em vários lugares".

Para citar apenas os maiores colégios eleitorais: em São Paulo, Kassab, candidato do Democrata, confrontou Geraldo Alckmin; no; no Rio de Janeiro, o PSDB apostou na celebridade fugaz do verde Fernando Gabeira, contra a candidata do DEM, Solange Amaral; em Belo Horizonte o Democratas lançou candidatura própria na contra-mão do governador Aécio Neves; e em Salvador ACM Neto, que estava "jurado" por Lula da Silva, ainda teve de engalfinhar-se com o candidato tucano Antonio Imbassahy.

"Nós temos que olhar para trás, enxergar esse grave erro e corrigir o rumo para 2012, articulando a união dos palanques dos dois partidos e com isso criar um ambiente de naturalidade no enfrentamento político", disse o líder na Câmara. "É melhor tratar desse assunto, se debruçar em torno disso e vamos para as eleições de 2012; depois nos sentamos novamente para ver como é que a coisa vai ficar".

Para demonstrar que os tempos são outros, ACM Neto cuida de dar o exemplo. O deputado já firmou um pacto com Antonio Imbassahy pelo qual PSDB e DEM estarão juntos em 2012, seja qual for o candidato a ser tirado entre os dois. O exemplo baiano é relevante: nas eleições presidenciais em que o DEM (ou seu antecessor PFL) apoiou um candidato tucano a presidente, o deputado Jutahy Júnior, principal líder do PSDB no Estado, não hesitou em perfilar com o PT, devido a inimizade com Antonio Carlos Magalhães, o ACM, que transcendia o embate puramente político. "A Bahia é solução, não é problema", assegurou o neto de ACM, que mantém relação cordial com Jutahy desde que o avô era vivo.

Em São Paulo, encontram-se avançados os entendimentos entre o DEM sem Kassab e o PSDB do governador Geraldo Alckmin. "Os principais interlocutores de lado a lado estão conversando", disse o deputado, fazendo questão de frisar a participação do presidente do DEM, José Agripino, e do líder no Senado, Demóstenes Torres. Do lado tucano, as conversas já passaram por Aécio Neves e o presidente do partido, Sérgio Guerra, além de Alckmin. Resta ao Democratas, por enquanto, aguardar a convenção nacional que vai eleger os novos dirigentes do PSDB, em princípio marcada para 29 de maio.

FONTE: VALOR ECONÔMICO

Caminhos da reforma :: Aspásia Camargo

Há muito se fala, e agora mais do que nunca, em reforma política como a solução para todos os nossos problemas e mazelas. O Brasil sofreu no último século um número absurdo de reformas em seu sistema partidário e eleitoral, e ano após ano as novidades na legislação mais fragilizam do que aperfeiçoam as práticas políticas nacionais. Portanto, antes de propor experimentos controvertidos no corpo frágil de nossas instituições instáveis, que demandam continuidade e tempo para serem bem depuradas, é preciso reformar a estrutura arcaica e oligárquica dos próprios partidos políticos. A reforma política número um é a partidária.

As mudanças podem e devem começar dentro de casa, afinal, os partidos são pessoas jurídicas de direito privado, com algumas restrições da lei orgânica mas, de fato, se autorregulam. Modernizar as suas práticas depende apenas de vontade política de suas lideranças e filiados, prescindindo votações controvertidas no Congresso ou de mudanças constitucionais. Seria a autorreforma de que tanto precisamos. É por esta razão que é tão significativa a vontade de democratizar o Partido Verde, de tradição libertária, mas, como todos os outros partidos, sujeito às deformações da competição política.

Temos um grande numero de partidos no páreo eleitoral, e a taxa de renovação do Legislativo está acima dos 50%. No entanto, as estruturas partidárias resistem a se adaptar à nossa democracia de massas, composta por 138 milhões de exigentes eleitores ansiosos por uma participação política de melhor qualidade. A função dos partidos é representar parcelas da sociedade, oferecendo bons candidatos para sua escolha, mas, na prática, eles funcionam apenas como máquinas controladoras e indiferentes, prestando poucos serviços à população que os elegeu. Predominam dentro dos partidos as velhas práticas da República Velha, dominadas por chefias pessoais e por estruturas internas atrasadas e fechadas, sempre temerosas do pluralismo e que não se comunicam com seus eleitores.

A corrente defensora do voto distrital de tipo majoritário baseia-se na constatação alarmante de que o eleitor, no sistema proporcional, não se lembra nem do partido nem do candidato em quem votou nas últimas eleições, faltando-lhe meios e motivação para cobrar o cumprimento de suas promessas. Isto porque os partidos desconhecem seus próprios filiados, recrutam-nos em pequeno número, de forma muitas vezes nepotista e fisiológica, dando-lhes tão pouca atenção quanto aos seus anônimos eleitores. Os candidatos, por sua vez, são escolhidos em convenções a bico de pena, muito rápidas, submetidas ao filtro severo de um Colégio Eleitoral, que encarna os interesses do partido. E quais são os interesses do partido? Cumprir uma ideologia ou um programa? Representar os interesses do eleitor em determinado território? Não, o que conta é ganhar as eleições e garantir a continuidade direção partidária.

Estamos agora em temporada de caça, o período pré-eleitoral que se estende até inicio de setembro, prazo final previsto para as filiações de candidatos às eleições de 2012. Em tempos assim, o que predomina é o cão farejador do partido, que identifica o puxador de votos. Todos sonham com um Tiririca que eleja consigo alguns caronas. Para completar a nominata, é necessário também atrair os candidatos do varejo que, somados, ajudam a eleger "os favoritos" do partido. Nesses tortos processos, muitas lideranças deixam de ser alavancadas pelo simples fato de não serem amigos dos caciques. O pretexto da "cancela fechada" nas convenções partidárias, que exige o rígido controle dos nomes dos filiados para não deixar "o inimigo" tomar de assalto a legenda. Leia-se: alguém de fora do grupo que mobiliza recursos não identificados. O perigo é real, mas a solução é antidemocrática. Para que tudo isso funcione, é preciso, sim, controlar as listas de filiados, às vezes desconhecidas do próprio partido. Tais listas mudam a cada eleição e só o chefe maior ou seus operadores as controlam.

O tempo de televisão, distribuído sob severo centralismo, prejudicando o crescimento dos partidos, só faz robustecer o grande balcão, onde as siglas correm o risco efetivo de se transformarem em legenda de aluguel . Acabar com as tais coligações é a prioridade mais consensual e reconhecida da reforma eleitoral ora em curso. Por que ninguém fala dela? A hora é de arrumar a casa.

Aspásia Camargo é deputada estadual (PV-RJ).

FONTE: O GLOBO

Cenário da decisão:: Míriam Leitão

A semana era para ser leve e curta, para que todos pudessem ir diminuindo o ritmo até os feriados de quinta e sexta. Começou cheia de assuntos na economia: a inflação não está em queda, há reunião do Copom, a S&P pôs em perspectiva negativa a dívida americana e o euro caiu com medo da renegociação da dívida de alguns países do bloco. No Brasil, além dos índices altos de inflação, há muito ruído em torno do tema.

O IPC-S divulgado ontem deu 0,83%. É um dos muitos índices do país, mas não é dos mais conhecidos. O IPCA-15 de abril, uma espécie de prévia do índice oficial, vai ser divulgado exatamente no dia em que o Banco Central decidirá a taxa de juros. Ele deve ficar em 0,80%, na opinião do professor Luiz Roberto Cunha, da PUC-Rio. As apostas mais moderadas são de 0,70%, como faz o Bradesco.

O problema é que ela permanece alta, mesmo com o começo da queda da inflação de alimentos. Se o IPCA do mês ficar nesta faixa de 0,80%, a inflação no acumulado de 12 meses vai para o teto da meta. Há grande risco de que o índice chegue a 7% nos próximos meses.

Em maio, o índice deve cair em relação a abril, mas o acumulado do ano continuará no limite da meta. Vai cair porque alguns grãos estão entrando na safra, o álcool está sendo moído, as verduras e legumes estão mais fartos nessa época do ano. Isso afetará favoravelmente os preços de alimentos, alimentos in natura e combustível. Mesmo assim, a conta em 12 meses ficará alta principalmente em junho, julho e agosto. No ano passado, nesses três meses houve inflação próxima de zero, explica Luiz Roberto Cunha. Isso significa que qualquer alta elevará o acumulado em um ano.

- Quando estiver em torno de 7% começará a negociação de setembro dos dissídios de categorias fortes como bancários, petroleiros e metalúrgicos. O mercado de trabalho está aquecido e a economia ainda é muito indexada. Isso fará com que os sindicatos pressionem por aumentos elevados.

Nos últimos três meses do ano, há chances de a inflação em 12 meses cair, porque no ano passado os índices ficaram muito altos no fim do ano. É nisso que aposta o Banco Central, mas qualquer choque que houver será perigoso.

- O ano de 2012 entrará sob o peso de um aumento forte de salário mínimo. Isso significa que há pouca chance de a inflação de serviços cair - disse o economista.

O que torna esse quadro mais preocupante é o fato de que as expectativas não estão ancoradas. Não se sabe se o governo vai de fato pagar o preço de derrubar a inflação. Esse é sempre o ambiente no qual as remarcações aumentam, principalmente nos mercados onde há pouca competição.

A MB Associados avalia que os preços das commodities vão cair, superando o efeito que a consultoria define como "devastador" do La Niña, no final do ano passado. Mas da mesma forma que Luiz Roberto Cunha, a MB explica que os preços caem, mas não voltam a patamares de 2009. A demanda mundial por commodities, principalmente as agrícolas, continua muito alta. O cenário de queda forte desses preços só ocorre em momentos de crise, como foi em 2009.

No resto do mundo, as dúvidas continuam. A decisão da Standard&Poors de pôr em perspectiva negativa a dívida americana espanta pelo inusitado, mas não quer dizer que a dívida será rebaixada. Tem alguma possibilidade de nos próximos anos isso acontecer, caso não haja alguma mudança das perspectivas. Mas esse movimento foi o suficiente para provocar queda nas bolsas do mundo inteiro.

Na Europa, as dúvidas que sempre reaparecem é de que haja uma onda de reestruturação das dívidas de alguns países, com tudo o que isso pode representar de contágio pela estreita ligação entre os sistemas bancários.

O Japão continua se debatendo para encerrar a crise nuclear; a recuperação econômica passou a ser assunto a ser tratado no futuro. Na China, a inflação alta ameaça seu papel de fornecedor de produtos de baixo custo. A inflação chinesa tem sido alimentada também pelo crescimento econômico que não obedece a ordem de reduzir o ritmo dada pelas autoridades. Há avaliações de que os números reais de inflação são piores do que os que são informados pelo governo.

Não é um bom momento para tanta dúvida sobre qual é, afinal, a política econômica e o diagnóstico do governo sobre a inflação. O diagnóstico do Ministério da Fazenda é de que este é um problema mundial, provocado pelas commodities, e que estão sendo tomadas todas as medidas necessárias para evitar que ele se propague na economia. É um pouco isso, mas é mais complicado. É um problema mundial, mas há características locais que o tornam ainda mais complexo.

O Brasil tem uma longa história de superinflação indexada, tem ainda muita indexação na economia, há outras fontes de pressão inflacionária, o índice de serviços está acima de 8%, e os estudos mostram que a inflação já está com um nível alto de dispersão na economia. Até a explicação que o ex-presidente do Banco Central Henrique Meirelles teve que dar sobre o que aconteceu, ou deixou de acontecer no governo anterior, mostra como o ambiente está sensível e cheio de ruídos.

O atual presidente, Alexandre Tombini, disse que o país está no meio de um ciclo de aperto monetário, mas depois teve que se explicar melhor. Enfim, o governo Dilma ainda não conseguiu se comunicar nessa área. Num momento de expectativas fluidas, crise externa e inflação perto do teto, o Banco Central decidirá os juros amanhã.

FONTE: O GLOBO

Oposição encolhe na Câmara

A criação do PSD fará com que a oposição à presidente Dilma Rousseff seja reduzida a menos de cem deputados federais, cenário inédito nos últimos 16 anos no País.

Com PSD, oposição é a menor em 16 anos

PSDB, DEM e PPS terão 96 membros na Câmara; na Venezuela e Bolívia, representação é maior

Eduardo Bresciani e Denise Madueño / BRASÍLIA

A criação do PSD fará com que a oposição à presidente Dilma Rousseff seja reduzida a menos de cem deputados, um cenário inédito nos últimos 16 anos. Com a debandada de deputados para o partido que abrirá as portas para a adesão ao governo Dilma, a oposição representada por PSDB, DEM e PPS terá somente 96 deputados. Proporcionalmente, a oposição brasileira é menor do que em países vizinhos, como a Venezuela e a Bolívia.

Desde a retomada das eleições diretas, em 1989, somente o presidente Itamar Franco, atual senador pelo PPS de Minas Gerais, teve uma Câmara tão dócil. Naquela ocasião, à exceção do PT, houve uma certa mobilização política para recuperar o País que vinha do impeachment de Fernando Collor (que atualmente também está no Senado). Nos governos de Collor, Fernando Henrique e Lula nunca a oposição ficou restrita a um número tão pequeno como agora. Mesmo em momentos difíceis a oposição chegava a três dígitos.

Na Venezuela, por exemplo, 64 dos 160 deputados da Assembleia Nacional fazem oposição a Hugo Chávez, ou seja, 40% da Casa. Na Bolívia, são 43 oposicionistas na Câmara, representando 32,8% da Casa. No Brasil, os 96 deputados do DEM, PSDB e PPS representam somente 18,7% da Casa. "Aqui o governo tem sido mais habilidoso, menos truculento. A ação é sorrateira, no subterrâneo da política. Isso fica claro nessa criação do PSD, que tem o dedo do Planalto", analisa o vice-presidente do DEM, Ronaldo Caiado.

O DEM é o maior perdedor nesse processo de esvaziamento da oposição. Da bancada de 43 deputados que tomou posse em fevereiro deste ano, onze estão de mudança para a nova legenda, idealizada pelo prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, outro dissidente do DEM. O líder do partido na Câmara, Antonio Carlos Magalhães Neto (BA), diz que, reduzida em número, a oposição deve buscar a qualidade na atuação. "O que a oposição precisa é ter projetos. Ter cem ou 120 deputados não tem diferença prática, dá no mesmo. A oposição vai perder todas as votações", resumiu ACM Neto.

O líder do PSDB, Duarte Nogueira (SP), segue no mesmo tom: "Como o governo tem uma maioria avassaladora, as vitórias são sem reflexão. O papel da oposição é qualificar o debate e conquistar vitórias diante da opinião pública, uma vez que, no parlamento, não vai ganhar".

Ideologia. Para a oposição, a adesão ao governo Dilma se dá na base do fisiologismo. A análise é que o sistema eleitoral privilegia o poder econômico e o uso da máquina pública. "Há deputados sem nenhum compromisso ideológico e que quer ser governo em qualquer hipótese", disse ACM Neto.

O presidente do PPS, deputado Roberto Freire (SP), considera que o tamanho da oposição é maior na sociedade do que a sua representação no Congresso. "A oposição não tem de se desesperar. O governo está na euforia, mas está com dificuldade de enfrentar os problemas da realidade", disse. Ele afirma que a sociedade já identifica a dificuldade de o governo gerir a economia e conter a inflação.

O deputado Eduardo Sciarra (PR), de saída do DEM para o PSD, nega que a mudança tenha a ver com uma simples adesão ao governo. Ele, inclusive, afirma que vai continuar votando contra alguns projetos da presidente Dilma Rousseff. "Eu sou de oposição, outros apoiaram a eleição da presidente Dilma, então acho que o PSD vai ter uma postura independente. Não podemos exigir também que se tenha uma uniformidade desde já. Isso nós vamos ter que construir até 2014", diz.

Nas contas de Sciarra, quando forem coletadas as 500 mil assinaturas e efetivado o registro é possível que a nova legenda tenha cerca de 50 deputados, o que lhe daria a quarta maior bancada.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Mercado eleva para 6,29% alta do IPCA

Previsão do relatório Focus do BC tem sexta alta consecutiva, desta vez na véspera da reunião do Copom que deve elevar a taxa de juros

Fabio Graner / BRASÍLIA

O mercado financeiro elevou pela sexta vez seguida a projeção para o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) em 2011, que passou de 6,26% para 6,29%, segundo informou ontem a pesquisa Focus, divulgada pelo Banco Central.

Para 2012, no entanto, a previsão foi mantida pela segunda semana seguida, em 5%. Os analistas consultados pelo BC também apontaram um cenário da Selic alta por mais tempo.

A expectativa para a taxa básica de juros no fim de 2012 subiu de 11,50% para 11,75% ao ano. Para este ano, a projeção dos economistas é que a Selic encerre em 12,25%, com mais uma alta de 0,5 ponto porcentual (na reunião de amanhã) em relação ao nível atualmente em vigor.

O economista-chefe da corretora Prosper, Eduardo Velho, avaliou que essa elevação da Selic prevista para o fim do ano que vem foi a grande novidade da pesquisa Focus. Para ele, isso indica que o mercado financeiro antevê dificuldades no front inflacionário também no ano que vem, o que dificultaria um processo de flexibilização da política monetária.

O economista lembra que há situações que pioram o quadro inflacionário para o futuro, como a expectativa de elevado reajuste do salário mínimo para 2012 e os elevados índices gerais de preços (IGPs) - que adicionam pressão, por exemplo, aos aluguéis.

"A percepção é que o BC terá dificuldade para reduzir o juro no ano que vem", disse. Diferentemente da maioria dos economistas, Velho prevê alta de 0,25 ponto porcentual na Selic na próxima reunião do Comitê de Política Monetária (Copom).

Apesar da aposta diferente da maioria dos seus pares, o economista salientou que o mercado de juros futuros mostra uma grande divisão entre aqueles que estão colocando dinheiro na tentativa de antecipar a Selic. Parte acredita em alta de 0,25 ponto porcentual e outra parte, de 0,5 ponto.

"Essa é uma das reuniões do Copom em que vejo maior divisão do mercado", afirmou Velho, para quem o BC está com muita dificuldade de se comunicar. "O mercado não está conseguindo entender os rumos do BC", concluiu.

Câmbio. No grupo das cinco instituições que mais acertam as projeções de médio prazo (top 5), a previsão para o IPCA em 2011 subiu de 6,39% para 6,42%, encostando no teto da meta (que é de 6,5%).

Para 2012, o prognóstico para o índice oficial de inflação foi mudado de 5,36% para 5,44%, bem mais distante da média geral do mercado para esse indicador no próximo ano.

Diante da valorização recente do real, o mercado também revisou suas estimativas para a taxa de câmbio.

A expectativa para o dólar no fim deste ano recuou de R$ 1,68 para R$ 1,65. Para 2012, na avaliação do mercado, caiu de R$ 1,72 para R$ 1,71.

Já a taxa média de câmbio prevista para este ano caiu de R$ 1,66 para R$ 1,63, enquanto para 2012 recuou de R$ 1,72 para R$ 1,70.

Reavaliação

R$ 1,65 é a expectativa do dólar no fim deste ano, de acordo com o mercado, que previa antes R$ 1,68

R$ 1,71 é o quanto o mercado prevê para a cotação do dólar em 2012

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Atividades do comércio começam a desacelerar

Na 1ª quinzena de abril, consultas para vendas a prazo cresceram 6,4% na comparação anual, com recuo de 0,9 ponto porcentual ante o 1º trimestre

Márcia De Chiara

As vendas do comércio varejista tiveram uma tímida desaceleração na primeira quinzena deste mês em relação ao mesmo período de 2010, depois da série de medidas adotadas pelo governo, desde do início de dezembro do ano passado, para esfriar o consumo e segurar a inflação.

Dados preliminares da Associação Comercial de São Paulo (ACSP) mostram que, entre os dias 1.º e 15 deste mês, as consultas para compras a prazo aumentaram 6,4% na comparação anual, com decréscimo de 0,9 ponto porcentual em relação à taxa anual de crescimento no primeiro trimestre (7,3%).

Nas compras com cheque à vista ou pré-datado, a desaceleração foi ligeiramente maior em abril. Na primeira quinzena do mês, as consultas nessa modalidade de pagamento cresceram 6,8% na comparação anual, depois de terem aumentado 8,1% no primeiro trimestre em relação a 2010. A desaceleração foi de 1,3 ponto porcentual.

As Lojas Cem, rede especializada em móveis e eletroeletrônicos, confirmam a desaceleração. Na primeira quinzena, a rede ampliou as vendas em 15% na comparação com os mesmos dias de 2010, após ter encerrado março com crescimento anual na casa de 20%.

"Houve uma pequena redução na velocidade de vendas, apesar de não termos mexido nas taxas porque financiamos o consumidor com recursos próprios", afirma o supervisor-geral da rede, José Domingos Alves. Ele atribui esse resultado à base forte de comparação, que foi a primeira quinzena de abril do ano passado, e aos feriados prolongados desta semana. Quando há feriado longo, o consumidor economiza nas compras para poder viajar. "Não vemos essa pequena desaceleração como ameaça para o desempenho do mês", diz.

"Está ocorrendo uma desaceleração gradual do consumo, consistente com o que o governo quer", observa o economista da ACSP, Emílio Alfieri. Segundo ele, a perda de velocidade foi maior nas vendas à vista porque essa forma de pagamento está atrelada ao comportamento da massa salarial, que está perdendo fôlego. Por isso, as consultas para pagamento com cheque cresceram menos.

Calote. Além da desaceleração das vendas, os dados da primeira quinzena deste mês mostram maior dificuldade para renegociar os carnês com prestações em atraso. O número de renegociações aumentou 3,3% na comparação com a primeira quinzena de abril de 2010, após ter encerrado o primeiro trimestre com alta de 4,2%. O ciclo de aperto dos juros, iniciado pelo Banco Central em dezembro, explica parte desse resultado.

Já o volume de dívidas com pagamentos atrasados a mais de 30 dias foi 9% maior na primeira quinzena deste mês na comparação anual. Os dados da ACSP indicam que a taxa de crescimento da inadimplência está mantida desde o primeiro trimestre.

Alfieri diz que a perspectiva é que o calote encerre este mês em alta, refletindo o aumento das compras por ocasião do Natal de 2010, que, aliás, foi o maior da década. "A inadimplência tem alta sazonal em abril."

Páscoa

Mesmo com preços mais altos do que em 2010, as vendas de itens de Páscoa, como chocolate, peixe e vinho, devem crescer 10,6% este ano, prevê a Associação Paulista de Supermercados

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

''Meta é não perder o encanto do crescimento''

O Copom decide na quarta o aumento da Selic, que hoje está em 11,75% ao ano

Rui Nogueira e Tânia Monteiro

Independentemente do que o Banco Central (BC) venha a decidir em relação à taxa básica de juros, depois de amanhã, e o reflexo disso na meta de inflação, as discussões entre a presidente Dilma Rousseff e a equipe econômica têm redundado sempre na mesma orientação. A meta do governo, hoje, é resumida assim por um ministro ao Estado: "O governo não vai perder o controle da inflação, mas também não quer derrubar o crescimento a ponto de gerar aumento de desemprego".

Essas decisões são tomadas em conversas que reúnem Dilma, o presidente do BC, Alexandre Tombini, e o ministro da Fazenda, Guido Mantega. A presidente já começou, também, a falar com "gente de fora", isto é, a ouvir economistas e empresários.

O senador Francisco Dornelles (PP-RJ), ex-secretário da Receita (1979-1984) e ex-ministro da Fazenda no início do governo Sarney (1985), acompanha todos os passos do governo Dilma e tem uma certeza sobre o que está acontecendo com a gestão econômica: "A presidente herdou do governo Lula o encanto da sociedade com o crescimento, geração de empregos e justiça social. Qualquer medida que reduza o crescimento, desempregue e corte na área social vai quebrar o encanto".

"Devagarinho". O economista Delfim Netto, um dos interlocutores do governo, considera "absurda" a ideia de que a presidente Dilma possa perder o controle da inflação. "Não há nenhum risco de a sociedade ver o pior, que seria a inflação voltar", disse ele ao Estado.

Se o crescimento ficar em torno de 4% neste ano, afirmou, "a taxa ainda é boa e servirá para mostrar que o crescimento da despesa do governo será menor do que o ritmo de expansão da economia, o que não acontece há muitos anos".

Delfim aposta que o governo Dilma vai ter um bom desempenho fiscal e elogia a presidente e a equipe econômica pela prudência. "O governo pode estar subestimando riscos, mas é certo que o outro lado (o sistema financeiro) também pode estar superestimando os mesmos riscos." Irônico, Delfim aconselha as partes a seguir esta regra: "Na dúvida, quando alguém não sabe direito o que está fazendo, recomenda-se que faça devagarinho".

O ministro-chefe da Casa Civil, Antonio Palocci, já foi consultado pela presidente Dilma sobre a situação da economia e os riscos da inflação, mas em separado, só os dois. Formalmente, em nenhum momento ela juntou Palocci com Mantega, Tombini e interlocutores "de fora".

"Palocci é o braço forte da presidente para assuntos políticos e administrativos", resume um assessor que está no Planalto desde o primeiro mandato do antecessor, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A mesma fonte descreve assim a situação do ministro da Fazenda: "Engana-se quem acha que o Guido Mantega foi enfiado pela goela abaixo da presidente. Dilma, Mantega e Tombini até podem estar errados, mas estão sintonizados."

A todos os interlocutores, a presidente diz que "não há nada de ideológico" na opção de não aumentar brutalmente a Selic, que "não há nenhum padrão de perseguição a bancos". Para os mais aflitos com o risco da inflação, ela tem lembrado que persegue uma política diferente, mas que não desmontou ou jogou fora os instrumentos para atacar, a começar pela própria Selic.

Perda da eficácia. Dornelles concorda - e até já disse isso em discurso no plenário do Senado - que "perseguir o controle da inflação através do manejo dos juros básicos (a Selic) é um remédio que perdeu muito da eficácia". Cita um exemplo: a Selic não tem a menor influência sobre o crédito que mais cresceu depois da crise global (2008/9), aquele que foi concedido com recursos direcionados", disse, referindo-se ao crédito do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e social (BNDES), remunerado pela Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP), e ao crédito de habitação da Caixa, com recursos do FGTS.

Dornelles lembra ainda que os juros do mercado de crédito comum são "muitas vezes superiores à própria Selic". Hoje, ele lembrou no discurso recente feito no Senado, "um ponto (na elevação) da taxa Selic eleva em 0,28% do PIB o custo da dívida pública, o correspondente a cerca de R$ 10 bilhões".

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO, 18/4/2011

Política para melhorar perfil da dívida foi abandonada, dizem economistas

Estudo mostra que fatia do endividamento indexada a taxas flutuantes, a mais danosa para o País, parou de cair nos últimos três anos

Raquel Landim

A fatia da dívida pública indexada a taxas flutuantes - a mais danosa para o País - está estagnada nos últimos três anos. Depois de uma queda expressiva desde 2003, quando representavam mais de 60% do endividamento do Brasil, esses títulos terminaram 2010 em 30,8% do total da dívida, o mesmo patamar de dezembro de 2007 (30,7%). Se incluídas as operações do Banco Central, o porcentual vai a 42,6%.

De acordo com estudo elaborado pelos economistas Gustavo Loyola, Samuel Pessôa e Felipe Salto, da Tendências Consultoria Integrada, o governo está negligenciando a política de melhorar o perfil da dívida pública brasileira para privilegiar a compra de reservas internacionais, na tentativa de conter a valorização do real, e para fazer robustos empréstimos ao BNDES.

O Tesouro Nacional nega a estagnação do processo e afirma que não abandonou a política de melhorar a qualidade do endividamento brasileiro. Segundo Otávio Ladeira, coordenador-geral do planejamento estratégico da dívida pública, o cenário de incerteza da crise global dificultou a tarefa nos últimos anos.

Os títulos pós-fixados são indexados a taxas de juros flutuantes, principalmente a taxa Selic. Isso significa que sua remuneração varia conforme o desempenho da economia brasileira e o cenário internacional. Geralmente, quando o País vai mal, os juros sobem. Já os títulos pré-fixados tem prazo mais longo e juros fixos, por isso são mais "saudáveis" para a economia.

Para Loyola, Pessôa e Salto, o efeito da troca de papéis flutuantes por pré-fixados feita pelo Tesouro está sendo prejudicado pela venda e recompra de títulos da dívida pelo Banco Central - as operações compromissadas. Essas operações são feitas para compensar o aumento de liquidez provocado pela compra de reservas internacionais, que saíram de US$ 49,3 bilhões em 2003 para mais de US$ 320 bilhões.

Ao comprar dólares para conter a valorização do câmbio, o BC inunda o mercado de reais e é obrigado a enxugar o excesso, vendendo títulos do Tesouro, com compromisso de recompra e pagando taxa Selic. "As reservas são um seguro contra as crises externas, mas a partir de certo ponto os benefícios não compensam os custos", diz Loyola, que é ex-presidente do BC.

Os empréstimos do BNDES têm o mesmo efeito, porque também aumentam a liquidez, obrigando o BC a realizar mais operações compromissadas. Turbinado pelo Tesouro, o BNDES emprestou mais de R$ 230 bilhões.

Independência. Títulos da dívida com juros flutuantes são uma herança da hiperinflação, quando poucos investidores corriam o risco de emprestar dinheiro ao Brasil a juros fixos. "Um grande volume de títulos flutuantes restringe a independência do BC", diz Pessôa, que também é professor da Fundação Getúlio Vargas.

O primeiro problema é a vinculação entre a política monetária e a fiscal. A dívida pública se torna mais cara quando o BC sobe os juros, já que a maioria dos títulos flutuantes é indexada a Selic. O segundo é a redução da eficácia da política monetária: ao mesmo tempo em que encarece o crédito e reduz o consumo, a alta da Selic aumenta a renda dos detentores de títulos públicos.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO, 18/4/2011

A crise sai debaixo do tapete:: Vinícius Torres Freire

É chocante ouvir que diminuiu o crédito do governo da maior e mais rica economia do mundo. Isto é, ouvir que a capacidade de pagamento do governo dos EUA virá a ser mais duvidosa, mesmo que na opinião duvidosa de uma agência de classificação de risco, no caso a S&P.

Foi o que se ouviu ontem. A nota de crédito dos Estados Unidos pode vir a ser menos que perfeita, menor que a máxima, o que seria inédito. Até essa expressão, "risco de calote americano", soa absurda.

As agências de classificação de risco de crédito, entre elas a S&P, estão mais desacreditadas do que sempre. Foram cúmplices da catástrofe de 2008, pois avalizaram o papelório podre que deu origem ao colapso financeiro. Ainda assim, têm relevância prática, pois governos ou firmas com nota de crédito baixa tomam crédito mais caro ou nem conseguem tomar dinheiro emprestado, a depender do possível credor.

Os comentários da S&P sobre a incapacidade dos EUA de apresentar um plano de redução de sua dívida até 2013 causaram certo tumulto em parte dos mercados financeiros, os de ações em particular.

Os credores da dívida pública dos EUA, porém, mal se mexeram. Onde mais se pode guardar o dinheiro do mundo? No Tesouro de Júpiter?

O tumulto foi surpreendente, pois demasiado. Além da desmoralização política, qual a consequência prática da avaliação da S&P? Alguém acredita em calote americano? Muito óbvio que não, pois houvesse tal crença coisas muitíssimo mais graves estariam ocorrendo.

É verdade que o dia de ontem era propício para paniquitos nos mercados. Houve más notícias sobre a negociação do empréstimo europeu para Portugal. Houve mais boatos sobre o quase inevitável calote grego ("reestruturação da dívida", que deve vir em 2012). Mas, ainda assim, ficou difícil de entender a marola.

Mas sabe-se que há motivos de preocupação para o médio prazo, ao menos. Depois que os países ricos voltaram a crescer, ainda que pouco e devagar, disseminou-se a impressão de que a crise de 2008 era história, objeto apenas de teses universitárias. Não é o caso, claro.

Os governos dos EUA, da União Europeia e do Japão, para ficar nos mais cotados, evitaram um colapso apocalíptico em 2008/2009. Isto é, um dominó de quebras e falências monstruosas, depressão econômica e, talvez, crises social e política ruinosas. Para tanto, salvaram bancos, assumiram dívidas de instituições financeiras, bancaram o valor de investimentos financeiros privados, fizeram deficit pantragruélicos a fim de animar a economia etc.

No fim das contas, na prática os governos "induziram" seus bancos centrais a imprimir dinheiro com o objetivo de financiar a finança privada e os próprios deficit, de modo indireto. A fim de evitar depressão e deflação, os BCs procuraram reflacionar as economias.

Enfim, restaram dívidas monstruosas e riscos de inflação. Parte dos efeitos da crise foi transportado para o futuro -empurraram a coisa com a barriga, enfim. Essas dívidas serão "pagas" com uma mistura de baixo crescimento e/ou inflação nos próximos anos. Em algum momento, os juros subirão no mundo rico (2012?). Não é improvável um cenário de baixo crescimento com inflação desagradável. Um tipo de es- tagflação. Essa, talvez, a ficha que tenha caído ontem nos mercados.

FOLHA DE S. PAULO

Brasil para ''inglês ver'':: Marcelo de Paiva Abreu

Perry Anderson, professor da Universidade da Califórnia em Los Angeles e antigo editor da New Left Review, publicou na London Review of Books de 31/3 o artigo Lula"s Brazil, recheado de ideias equivocadas e tendenciosas. É importante contestá-lo para evitar que se consolidem análises absurdas. O Brasil que existe de fato pouco tem que ver com o de Anderson, que é um Brasil para "inglês ver".

Do ponto de vista econômico, a análise é totalmente distorcida. Nada há no artigo que indique que a ridícula plataforma econômica que fazia parte do programa do PT até a Carta ao Povo Brasileiro teve influência dominante na deterioração dos indicadores macroeconômicos em 2002. A julgar pelo artigo, foi tudo culpa de seu predecessor. A louvação acrítica do Estado produtor e os lamentos quanto à "desindustrialização" são igualmente patéticos.

No afã de minimizar as consequências do "mensalão" sobre a legitimidade do PT como partido renovador na política brasileira, o autor se escora na menção a práticas fisiológicas empregadas na eleição presidencial de 1998. A assimetria é óbvia. O intuito é desqualificar críticas que possam ser feitas em relação ao naufrágio do partido na fisiologia. Afinal, se as práticas de corrupção política são generalizadas, o PT estava apenas fazendo o que todo mundo fazia. Estamos acertados: não há pecado do lado de baixo do Equador.

Em sintonia com a tentativa de minimizar os respingos do "mensalão" se enquadram seus comentários sobre o Supremo Tribunal Federal (STF). São na mesma linha da cínica menção de Lula ao provável julgamento do assunto lá por volta de 2050. Embora o STF tenha notórias deficiências, os comentários de Anderson são desatinados: "O que pensar do STF que absolveu Palocci? Daumier teria dificuldades em retratá-lo. Supostamente trataria apenas de questões constitucionais, mas processa, se esta é a palavra correta, 120 mil casos por ano, ou 30 por dia por membro da corte. Advogados transacionam privadamente com juízes e há casos em que, favorecidos por seus veredictos, os abraçam à vista de todos e lhes pagam jantares copiosos em restaurantes sofisticados. Dos 11 atuais membros do tribunal, 6 deles indicados por Lula, 2 foram condenados por cortes inferiores. Um deles, escolhido por seu primo Collor, fez história ao garantir imunidade a um acusado antes do julgamento, mas foi salvo de remoção pelos seus pares "para preservar a honra da corte". Outro, amigo de Cardoso, apoiou o golpe de 1964 e não pode se jactar nem mesmo de um diploma de bacharel de Direito. Um terceiro, ao votar em julgamento crucial para absolver Palocci, recebeu agradecimentos do presidente por assegurar a governabilidade. Eros Grau, que se aposentou recentemente, foi condenado por tráfico de influência, é um favorito especial de Lula, chamado de "Cupido" por colegas, autor de uma novela pornográfica de quinta categoria, tentou incluir um associado na corte em troca de voto para enterrar o "mensalão"".

Apesar da última afirmação, a saraivada de críticas cheira a tentativa orquestrada de enfraquecer o STF, dificultando um julgamento sério do caso. A truculência do autor certamente ajuda os que temem os resultados do julgamento. E contrasta com a sua leniência persistente em relação ao Executivo.

A severidade dos juízos de Anderson também é claramente atenuada quando se trata de alisar egos de intelectuais alinhados ao PT. Após elogios a gente séria, o autor descamba para elogios a cupinchas seus do calibre de Emir Sader e Márcio Pochmann, cujas atuações no âmbito da Casa de Rui Barbosa (CRB) e do Ipea são de conhecimento público. Curiosamente, a proposta de programa de pesquisas de Sader na CRB era exatamente "O Brasil de Lula".

O artigo está repleto de erros factuais e omissões que a falta de espaço impede listar exaustivamente. Embora muito longo, ele é curiosamente inconclusivo. O autor não consegue superar seu banzo em relação ao recuo da esquerda em escala global nem esconde sua melancolia quando constata que as perspectivas de mudanças radicais no País são modestas. E, no entanto, há razões suficientes para preocupações com a estabilidade do controle político exercido pela atual coalizão governamental. Lula, arguto e carismático, foi capaz, em 2002-2003, de ejetar o estapafúrdio programa econômico do PT, apropriar-se do cerne do programa econômico do predecessor, mobilizar sua veia populista e ampliar o escopo das políticas sociais.

Tudo isso em ambiente em que o PT se propunha, com credibilidade, como paradigma para a reconstrução de outros partidos políticos não fisiológicos. O Brasil iria, enfim, ficar sério politicamente. Após o "mensalão", entrou em colapso o PT paradigmático e ganhou espaço o Lula carismático, amparado na inflação baixa e no Bolsa-Família. Mas no segundo mandato houve considerável "flexibilização" da política econômica, que culminou nas atuais dificuldades quanto à aceleração inflacionária e sustentação do crescimento.

O problema hoje é como Dilma Rousseff, sem o carisma do antecessor e em ambiente político dominado pela fisiologia, terá condições de debelar o recrudescimento inflacionário que certamente minará a popularidade do seu governo. Caso fracasse, até mesmo a volta de Lula, o nosso d. Sebastião, poderia ser ameaçada.

Doutor em economia pela Universidade de Cambridge, é professor titular no departamento de economia da PUC-Rio

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO,18/4/2011

Projeto do governo dificulta controle de obras pelo TCU

Nova regra aumenta exigência para que verbas sejam bloqueadas

O governo inclui na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2012 um dispositivo que dificulta a fiscalização de obras pelo Tribunal de Contas da União (TCU). Pela proposta, só devem ser classificadas como “obras com indícios de irregularidades”, e que podem ser paralisadas e terem suas verbas bloqueadas pelo Congresso, aquelas cuja execução tenha sido julgada irregular por pelo menos um ministro do tribunal. Até agora, bastava apenas um relatório técnico do TCU para que obras entrassem nessa lista. O governo preparou também um texto, que deve ser incluído numa medida provisória já em tramitação, com regras mais flexíveis para preparar aeroportos a serem usados na Copa do Mundo e nas olimpíadas. O TCU apresentou ainda um relatório com alerta para atrasos nas obras da Copa, mas evitou o tom alarmista do trabalho do Ipea divulgado semana passada.

Limite à fiscalização de obras

Governo inclui na LDO dispositivo que eleva exigências para definição de irregularidades

Cristiane Jungblut

Sem alarde, o governo incluiu um novo dispositivo no projeto da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2012 que, segundo avaliação preliminar da Comissão Mista de Orçamento, pode reduzir a lista elaborada anualmente pelo Tribunal de Contas da União (TCU) com as obras públicas com indícios de irregularidades graves e que devem, por isso, ser paralisadas. O governo propõe que só devem ser classificadas nessa categoria aquelas obras que tiverem sido objeto de análise e julgamento de pelo menos um ministro do TCU, ou tenham sido objeto de uma decisão final (acórdão) do tribunal.

A intenção do governo, segundo o próprio Ministério do Planejamento, é evitar que as listas - encaminhadas ao Congresso, que dá a palavra final sobre a paralisação ou não da obra - sejam elaboradas com base apenas em relatórios técnicos preliminares, como é hoje. Quer que os ministros do tribunal tenham responsabilidade direta sobre cada obra catalogada no tribunal como irregular. Segundo o Planejamento, "o objetivo é tornar necessário que ao menos um ministro do TCU esteja de acordo com determinado relatório técnico (que aponte irregularidades graves)".

Na prática, o TCU terá mais trabalho na análise dos processos e, como é exigida praticamente uma decisão final de um ministro ou do plenário a respeito das irregularidades e isso levará mais tempo, a tendência é que a lista original do tribunal seja reduzida. Por essa nova proposta, se aprovada pelo Congresso na LDO, o governo quer também que o tribunal decida já levando em conta as informações prestadas pelos gestores dos projetos.

O texto da LDO 2012 - que traz inovação nessa área em relação ao texto enviado para 2011 - prevê em seu artigo 91 que serão considerados indícios de irregularidades graves aqueles fatos que "sejam objeto de decisão monocrática de ministro do TCU ou acórdão, que tenham apreciado as razões apresentadas pelos gestores aos quais foram atribuídas as supostas irregularidades".

Regra para todas as obras públicas

Para técnicos da Comissão Mista de Orçamento, isso indica que obras suspeitas cujas investigações do tribunal estejam só na fase inicial não entrariam mais na lista. Um dos problemas desse método é que, quando o TCU finalmente ouvir todos os envolvidos e gestores responsáveis pelos projetos, as obras já estejam em andamento adiantado, sendo impossível reverter problemas como superfaturamento de preços ou falhas na licitação.

Todos os anos, o TCU envia ao Congresso uma lista de obras, que é analisada pela Comissão de Orçamento, que decide quais dessas ações devem ou não ter seus recursos bloqueados e a execução paralisada até que os problemas sejam resolvidos.

Na avaliação de técnicos do Planejamento, hoje o TCU acaba enviando ao Congresso uma lista baseada apenas nos relatórios iniciais sobre as obras, sendo aprovados em bloco pelo plenário do tribunal, com o relator-geral apenas chancelando as conclusões das auditorias técnicas.

A estratégia é forçar que ministros fiquem responsáveis por cada obra, para tomar uma posição mais embasada, forçando o relator-geral da lista a fazer o mesmo. Uma das reclamações do governo é que, muitas vezes, as acusações não se confirmam. O governo teme novas paralisações de obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e de projetos da Copa, já que na lista sempre estão aeroportos, mas a regra valeria para todas as obras públicas.

Para o Orçamento de 2011, a Comissão Mista de Orçamento do Congresso retirou da lista original do TCU quase metade das obras, depois de realizar audiências públicas com gestores dos empreendimentos e técnicos do próprio tribunal - a lista começou com 40 e terminou com 22.

Para o deputado Gilmar Machado (PT-MG), representante do governo na Comissão de Orçamento, o objetivo é evitar paralisações.

- Esse dispositivo é o que sempre pedimos: mais clareza nas definições sobre o que é irregularidade. Ninguém está querendo impedir o trabalho do TCU, mas queremos claramente uma decisão do tribunal sobre as obras. Não tem sentido parar uma obra e depois, na decisão final, ver que as irregularidades não existiam - disse Machado.

Ele destacou que isso é importante neste momento, quando se discute a necessidade de agilizar obras nos aeroportos e outros projetos com recursos públicos relacionados à Copa de 2014 e às Olimpíadas de 2016.

O relator da LDO de 2012, deputado Márcio Reinaldo Moreira (PP-MG), já criticou a paralisação de obras irregulares. Para ele, os responsáveis pelas obras é que deveriam ser punidos.

No capítulo sobre as obras irregulares na proposta da LDO, o governo ainda deixou mais clara a possibilidade de o bloqueio de recursos ser suspenso assim que as irregularidades sejam sanadas. A LDO fixa os parâmetros gerais para a elaboração do Orçamento de 2012. No ano passado, a questão das obras irregulares foi a maior polêmica da LDO de 2011.

O TCU foi procurado pelo GLOBO, mas não se pronunciou. Técnicos do tribunal, no entanto, já haviam detectado a mudança e entraram em contato ontem com técnicos da Comissão Mista de Orçamento para analisar o efeito do artigo 91.

FONTE: O GLOBO