domingo, 26 de junho de 2011

Opinião – Fernando Henrique Cardoso: O Estado

O Estado ficou mais forte.

FH: Mais forte para quê? Não está mexendo na infraestrutura. A economia ficou mais forte, e o Estado está fortalecendo uma economia forte, às vezes desnecessariamente, dando dinheiro para fusões, o que é discutível. Mas não houve uma expansão da infraestrutura. Porque ficou no Estado, e o Estado não tem os recursos, às vezes. Eu reitero: não sou privatista, não sou neoliberal, mas tem coisas que o Estado pode e coisas que não pode fazer. No caso dos aeroportos, é gritante que tinha que fazer concessão e não foi feito. Mesmo no caso da energia elétrica, o dinheiro que está indo para Belo Monte é público. Se quiser fazer o trem-bala, não tenho nada contra, mas bota dinheiro da iniciativa privada. Por que o meu, o seu, o nosso? As agências reguladoras perderam força, a Petrobras tem penetração política, então isso é retrocesso.

Mas e de bom?

FH: Primeiro, os programas sociais...

Pela análise do senhor, apesar dos retrocessos, não houve nada ainda que fizesse andar para trás, que comprometesse?

FH: Não. O PT vive dizendo: o PSDB não tem projeto. Como não tem projeto? Vocês (os petistas) estão cumprindo!

Mas o que o PT fez de bom?

FH: A expansão da política social. Eu não faria a politização dela, de (atuar como) novo pai dos pobres, não. Mas a expansão foi positiva. Na educação, acho que não paralisaram. Houve alguns tropeços, mas, no geral, historicamente, a linha está ascendendo, não está caindo.

O que pode atrapalhar essa linha ascendente?

FH: O que pode atrapalhar é o seguinte: A Previdência tem problemas, o sistema tributário também, o mercado de trabalho também... Não houve reforma nenhuma. Trocamos a reforma pelo bem-estar, e não houve um avanço grande de investimentos - agora está começando a ter. O crescimento está se dando mais pelo consumo do que pelo investimento. Isso vai até certo ponto e depois para. É o seguinte: o futuro vai depender de educação, tecnologia e inovação. O Brasil tem hoje uma situação privilegiada porque a China voltou a ter um papel central no mundo e ela precisa de comida e matéria-prima. E o Brasil tem espaço para continuar a plantar e tem boa mineração. Mas isso tem um preço: nossa indústria começa a dar sinais preocupantes, o número de empregos aumentou, mas os empregos são de baixa qualificação. País desenvolvido é país de emprego bom.

Fernando Henrique Cardoso, sociólogo e ex- presidente. Entrevista Especial. O Globo, 18/6/2011.

Manchetes de alguns dos principais jornais do Brasil

O GLOBO

Ameaçados pelo tráfico, 2.500 crianças vivem sob proteção
Ministério da Pesca, um nanico com gasto gigante

FOLHA DE S. PAULO

Novo terminal de Cumbica atenderá 19 milhões ao ano
Vizinhos desconfiam de expansão brasileira

O ESTADO DE S. PAULO

Teles ganham clientes, mas não investem e panes crescem
Mendes propõe mudar modelo de prisão
Governo inovará ao cadastrar pobres
Sarney dribla base e garante nomeações
Estado de Chávez é crítico, afirma jornal

ESTADO DE MINAS

BH perde o táxi para a copa
Benevolência tributária

CORREIO BRAZILIENSE

Brasileiro está viciado em dívidas
Ataques virtuais: Presidência abre guerra aos hackers

ZERO HORA (RS)

Site da Brigada é violado

JORNAL DO COMMERCIO (PE)

Empate e vais na Ilha

Eike dá R$ 139 mi para projetos de Cabral

Empresário banca programas usados como vitrine eleitoral no Rio; deputado aponta conflito ético em doações

Estado diz não favorecer grupo EBX e se recusa a informar se Cabral usou jatinho do bilionário em outras viagens de lazer

Bernardo Mello Franco

SÃO PAULO - Além de bancar gastos de campanha do governador do Rio, Sérgio Cabral (PMDB), o empresário Eike Batista assumiu o papel de patrocinador de programas usados como vitrine eleitoral do Estado.

Nos últimos três anos, ele anunciou doações de R$ 139 milhões a projetos de interesse do peemedebista, do policiamento de favelas à despoluição de cartões-postais.

A oposição aponta conflito de interesses na relação entre o governador e o bilionário, que emprestou um jatinho para Cabral fazer uma viagem de lazer ao litoral da Bahia no último fim de semana.

O dono do grupo EBX recebeu R$ 75 milhões em isenções fiscais na gestão do peemedebista. Os dois dizem ser amigos e afirmam que os laços pessoais não beneficiam as empresas em negócios com o governo fluminense.

O maior patrocínio de Eike é destinado às UPPs (Unidades de Polícia Pacificadora): R$ 80 milhões. O dinheiro será liberado em parcelas anuais de R$ 20 milhões até o fim do governo, em 2014.

O valor doado pelo bilionário supera os R$ 12,3 milhões que o Estado previa gastar com recursos próprios neste ano, segundo o projeto de Orçamento enviado à Assembleia Legislativa do Rio.

Os postos de policiamento em favelas foram o principal trunfo de Cabral em sua campanha à reeleição, em 2010.

Além do gasto em segurança, o empresário prometeu destinar outros R$ 13 milhões a ações sociais nas comunidades, incluindo a criação de um time de vôlei.

A candidatura do Rio a sede da Olimpíada de 2016 recebeu R$ 23 milhões. A assessoria do grupo EBX diz que a verba seguiu para o COB (Comitê Olímpico Brasileiro). Mas foi Cabral quem recolheu dividendos políticos com a escolha da cidade, amplamente explorada em sua propaganda eleitoral.

A despoluição da lagoa Rodrigo de Freitas, antiga promessa do governo do Rio, já ganhou R$ 15 milhões e deve obter mais R$ 3 milhões.

Outros R$ 5 milhões ajudarão a limpar a Marina da Glória, cuja concessão, outorgada pela Prefeitura do Rio, pertence ao bilionário.

No ano passado, Eike deu R$ 750 mil à campanha de Cabral e R$ 100 mil à do presidente da Assembleia Legislativa, Paulo Melo (PMDB).

Na eleição anterior, repassou R$ 1 milhão à candidatura do prefeito do Rio, Eduardo Paes (PMDB), que é afilhado político do governador.

INVESTIGAÇÃO

A oposição, que reúne apenas 21 dos 70 deputados estaduais do Rio, quer investigar se Cabral beneficiou o grupo EBX com licenças ou vantagens indevidas.

Uma das suspeitas envolve o Porto do Açu, orçado em R$ 3,4 bilhões -o Ministério Público Federal processa o Estado para tentar anular a licença do empreendimento.

"Cabral e Eike têm uma relação nebulosa, em que o público se mistura muito com o privado", acusa o deputado Marcelo Freixo (PSOL).

A assessoria de Cabral disse à Folha que ele "separa o exercício da função pública das atividades de sua vida privada". Mas se recusou a informar se ele fez outros voos no jatinho do amigo.

"As viagens particulares do governador são relacionadas à sua vida pessoal, de foro íntimo", respondeu a assessoria, em nota oficial.

A EBX disse que os benefícios que recebeu seriam dados "a qualquer outra empresa". Sobre o empréstimo do avião a Cabral, Eike afirmou: "Sou livre para selecionar minhas amizades. (...) Faço tudo com dinheiro do meu bolso e me orgulho disso".

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

Marina anuncia na 3ª saída do PV

Dois anos após trocar o PT pelo PV, a ex-senadora Marina Silva deve anunciar na próxima terça (28) sua saída do Partido Verde. Desgastada pelas divergências com a executiva nacional do PV, a ex-candidata à Presidência deve formalizar sua decisão em São Paulo, após reunião com o Movimento Marina Silva, grupo apartidário que atuou na campanha presidencial da ex-senadora em 2010. Marina pretende falar em nome de um grupo de aliados, entre eles o ex-presidente do do PV-SP, Maurício Brusadin, o ex-coordenador da campanha presidencial do PV, João Paulo Capobianco, e o empresário Guilherme Leal, que foi seu vice na chapa presidencial.

FONTE JORNAL DO COMMERCIO (PE)

PPS vai discutir hackers no Congresso

O PPS afirmou ontem que vai levar ao Congresso discussão sobre os ataques de hackers a sites do governo. Em nota, o deputado Sandro Alex (PR) , disse que pretende protocolar na segunda-feira um convite na Câmara para que especialistas da Polícia Federal e do Serpro deem mais detalhes sobre o que está por trás dos ataques e qual é o grau de vulnerabilidade das informações.

"Até onde podem ir? O nosso sistema aéreo está 100% protegido?", questionou Alex.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

Itália e Brasil, aproximações :: Luiz Sérgio Henriques

Trocas, aproximações e empréstimos entre Brasil e Itália são mais do que naturais, à direita e à esquerda. Para não ir muito longe, e apontando só um fato decisivo na construção do Brasil moderno, foi no fascismo e na Carta del Lavoro que o Estado Novo se inspirou para regular corporativamente a economia e a vida associativa, disciplinando o mercado de trabalho e organizando, "pelo alto", a passagem para uma sociedade urbano-industrial de massas.

O fascismo, com sua retórica nacionalista, tinha óbvias pretensões imperiais e expansionistas. Encontrou tempestivamente antagonistas à altura. Limitando-me ao universo comunista - pois o antifascismo teve também vibrantes colorações liberal-socialistas e católicas -, Antonio Gramsci e Palmiro Togliatti souberam ir além da superfície de fatos e figuras. Mussolini, para eles, não era só um ditador caricato, "carismático", nem o fascismo um conjunto um tanto cômico de ritos e manipulações de massa. Eram, ditador e regime, a forma possível de modernização de um país da periferia, um país, além do mais, de constituição tardia, em que os "subalternos" haviam tido historicamente imensas dificuldades de se incorporar ao Estado, democratizando-o num sentido verdadeiramente moderno.

Com Gramsci e, especialmente, Togliatti, que a ele sobreviveria até 1964, imaginaram-se políticas de frente ampla contra o fascismo, regime que afinal levaria o país à catástrofe da guerra. E, tal como o nosso Partido Comunista Brasileiro (PCB), o Partido Comunista Italiano (PCI) participaria da feitura da Constituição que marca o "renascimento": uma Constituição que a partir de então afirma a República Italiana como "fundada no trabalho", um sinal distintivo da força dos comunistas na resistência e na reconstrução, ao lado das demais forças democráticas, inclusive moderadas.

Interrompe-se aqui o paralelo. As vicissitudes da guerra fria levariam o PCB à clandestinidade, limitando - mais do que a existência de um partido específico e suas possibilidades de amadurecimento - a própria trajetória constitucional brasileira do pós-guerra. Do outro lado do Atlântico, no entanto, crescia e se firmava uma singular experiência do comunismo fora do poder, mas com imensa capacidade de representar e dar dignidade ao mundo do trabalho num país que era uma das fronteiras sensíveis entre os blocos hostis da guerra fria.

Indispensável lembrar que, nos anos 1970, do velho PCI e das suas lutas nasceria uma expressão muito difundida e que, a meu ver, permanece como um dos emblemas deste início de século. De fato, um grande dirigente, como Enrico Berlinguer, abalava desde os seus fundamentos a matriz bolchevique, ao apontar a "democracia (política) como valor universal". Eram os tempos do "eurocomunismo", cuja força expansiva, num determinado momento, chegaria a influenciar fortemente uma corrente do velho PCB, auxiliando na compreensão da complexidade das coisas brasileiras e na afirmação da política - e não da aventura militar - como a via real para a superação do segundo surto ditatorial da nossa modernização.

Nem o PCI nem esse PCB existem mais. Neste tempo vertiginoso em que nos toca viver, identidades políticas e ideológicas caducaram, e caducam, irreversivelmente. A revolução neoliberal e o colapso do comunismo histórico moldaram estes últimos 30 anos, para o bem e para o mal. A vida social fragmentou-se, o mundo do trabalho foi desarticulado e se viu na defensiva, com o esvaziamento das suas formas associativas tradicionais. Simultaneamente, uma nova humanidade parece nascer: a vida em rede, a comunicação instantânea e horizontal põem em contato realidades distantes, mostrando o que têm em comum e tornando-as, precisamente, momentos distintos desta nova humanidade em construção.

Basta um clique e nos vemos, por exemplo, diante de um dos mais célebres jornais da esquerda, o L"Unità, "fundado por Antonio Gramsci". Tomamos conhecimento das desventuras recentes de um político extremamente perigoso, como Silvio Berlusconi, derrotado em eleições locais até mesmo na sua "capital", Milão. O berlusconismo, versão de um populismo autoritário que prometia uma espécie de "revolução liberal", parece estar em declínio e, como consequência, abrem-se novos horizontes para a Itália progressista de Gramsci e Norberto Bobbio, de Togliatti e Pietro Nenni, de Aldo Moro e do catolicismo do "diálogo".

À frente das oposições, um partido que é, rigorosamente, uma obra em construção: o Partido Democrático (PD), cujo eixo é a alma reformista do PCI. Com ele, estamos muito distantes - felizmente! - do marxismo-leninismo e suas florações tardias. De fato, o PD aparece como tentativa de construir síntese nova entre diferentes reformismos, abrangendo ainda o socialismo liberal e o catolicismo democrático. Assim, não é a expressão de uma ideologia total, mas antes demonstra aguda percepção dos limites da política, que não pode pretender ordenar autoritariamente a vida social, arregimentando-a à moda do fascismo ou - o que é particularmente doloroso - do stalinismo.

A derrota de Berlusconi e o caminho afirmativo do PD são razões para acreditar que pode haver uma inflexão positiva nestas duas grandes crises sobrepostas, a italiana e a europeia, cheias de risco para um modo de vida que costumamos condensar nas ideias de liberdade e bem-estar social.

Em tempo: neste artigo, feito de paralelos esparsos, cabe lembrar que a Itália democrática, a partir do presidente Giorgio Napolitano, deplorou a não extradição de um personagem do assalto às instituições promovido pelo extremismo dos anos de chumbo. Sinal, talvez, de que a corrente principal da esquerda brasileira ainda se mostra simbolicamente suscetível à tentação daquilo que, em paráfrase, poderíamos chamar de doença senil do comunismo.

Tradutor e ensaísta. É um dos organizadores das obras de Gramsci em português

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Battisti e a Itália do Compromesso:: Luiz Gonzaga Belluzzo

São criminosos, mas também voluntaristas e estultos os que imaginaram ou imaginam o avanço da democracia na Itália mediante conluios obscuros, ações terroristas violentas e tentativas de golpes (Enrico Berlinguer, Secretário-Geral do PCI, em discurso pronunciado em 1974)

Os mais velhos talvez se lembrem dele e os mais jovens deveriam saber quem foi Enrico Berlinguer. Eleito em março de 1972 secretário-geral do Partido Comunista Italiano (PCI), Berlinguer foi esculpido pelo cinzel do historiador Carlo Ginsburg como “um aristocrata de origem sarda que manifestava aversão pelo culto da personalidade e desprezo pela retórica”.

Reverenciada por quem hoje insiste em ignorar seus ardis e revelações, a história da Itália e da Europa certamente não deixou de registrar a visão e a coragem de Enrico Berlinguer ao aderir, nos anos 70 do século passado, à ideia do Compromesso Stórico, um projeto democrático de avanço econômico, social e político. No biênio 1974-1975, a crise econômica mundial foi acompanhada do enfraquecimento e queda das ditaduras em Portugal e na Espanha. Os partidos de esquerda desses países se aproximaram da via democrática, manifestando um distanciamento crescente em relação à União Soviética. Em julho de 1975, espanhóis e portugueses proclamaram sua adesão à paz e à liberdade “como um compromisso estratégico e não como uma manobra tática”.

Na eleição italiana de 1976, democrata-cristãos e comunistas dividiram fraternalmente 70% dos votos dos italianos (36% para aqueles, 34% para estes) e aproximaram o Compromesso Stórico da realidade. Isso foi suficiente para assustar os americanos e mobilizar os maximalistas “criminosos” à esquerda e à direita para ações de terror. A turbulência dos “tolos” culminou, em 1978, com o assassinato do líder democrata-cristão Aldo Moro, que negociava com Berlinguer, pelas Brigadas Vermelhas, sob o olhar complacente do primeiro-ministro Giulio Andreotti, também democrata-cristão.

Na configuração do projeto eurocomunista, pesaram a herança gramsciana, a crítica dos intelectuais italianos à experiência soviética e, mais imediatamente, o choque provocado pelo golpe militar desferido contra o governo de Salvador Allende no Chile. Resistir aos arreganhos violentos da extrema-direita era uma façanha que deveria se inspirar na aliança democrática dos anos 1943-1947. Nesse período, as forças antifascistas reuniram-se numa grande coalizão que culminou com o referendo de 2 de junho de 1946. Às urnas incumbiria declarar a preferência dos italianos pela monarquia ou pela república e, ao mesmo tempo, eleger os membros da Assembleia Constituinte exclusiva, que conclui seus trabalhos em 1948. Em seu primeiro artigo, a nova Constituição dizia ser a Itália uma república baseada no trabalho, assegurado o direito de todos os italianos a este no artigo 4º.

Entre 1946 e 1948, a Itália viveu uma crise econômica, social e política. Assim como na Alemanha, o ronco da inflação e a ameaça de uma crise da lira acompanharam a desmontagem do aparato da economia de guerra. A inflação chegou aos 50% nos primeiros seis meses de 1947. A agitação sindical aumentou a temperatura social e política. Para juntar ofensa à injúria, o governo americano de Harry Truman aumentou a pressão: exigia a saída dos comunistas do governo do democrata-cristão De Gasperi.

Recém-nomeado, o ministro do Tesouro Luigi Einaudi impôs um congelamento de 25% dos depósitos bancários e promoveu uma forte contração do crédito. Em 1948, a média mensal de desempregados chegou a mais de 2 milhões de trabalhadores. Mas já nos primeiros três meses de 1948, o Plano Marshall derramou US$ 176 milhões na economia italiana. A despeito da ajuda externa, a economia italiana permaneceu deprimida até meados de 1950.

O então secretário-geral do PCI, Palmiro Togliatti, insistiu em sua discordância com a utilização de métodos “extraparlamentares” para enfrentar a crise e as consequências da política de estabilização levada a cabo pelo liberal Luigi Einaudi. Essa atitude de contemporização estratégica não impediu que o fanático Antonio Pallante atirasse contra o líder do PCI em 14 de julho de 1948. Uma rebelião de massas sacudiu a Itália. Mas Togliatti e a direção do partido apostaram na consolidação da democracia e na aliança com os setores mais progressistas da democracia-cristã.

Luiz Gonzaga Belluzzo é economista e professor.

FONTE: CARTA CAPITAL

Dos programas aos sujeitos:: Alfredo Reichlin

Diante das mudanças epocais a que estamos assistindo, é oportuno perguntar se, em consequência delas, estamos diante do nascimento de novos sujeitos. Falo de novas subjetividades políticas e culturais em que se possa apoiar um reformismo que queira se colocar à altura das coisas. Afinal, é uma nova humanidade que está se formando. E as mudanças (inclusive na Itália) são capazes de fazer com que tentemos lançar a vista além da contingência: pelo menos tentar. Percebo muito esta exigência, até porque não acredito que vá bastar uma manobra pelo alto para pôr fim aos efeitos mais profundos dos vinte anos berlusconianos. E, se observo a afasia da esquerda, continuo a pensar que um grande partido se afirma e ocupa a cena se sabe interpretar a novidade do conflito dominante e representar os seus atores. Em síntese, se está claro onde se coloca, com quem e contra quem.

Pergunto, antes de mais nada, em qual contexto tendencial nos movemos; qual é a tendência de fundo. E, ao fazê-lo, parto do juízo expresso no Financial Times por Martin Wolf há alguns dias: “Depois de três anos do início da crise, damo-nos conta de que, afinal, ela não foi o início de um colapso mundial. Depois de três décadas de desregulamentação, a tendência é por uma intervenção maior dos poderes públicos, mas sempre no quadro intelectual e institucional precedente”. Um juízo que Salvatore Biasco explicita mais quando sublinha que persiste grande parte dos efeitos induzidos no tempo (30 anos) da orientação neoliberista da mundialização: fragmentação da sociedade, inversão das relações de força no mercado de trabalho, esvaziamento da democracia, ampliação das desigualdades. Os bancos, além disso, tornaram-se maiores e mais poderosos do que antes, de modo que o coração do poder, pelo menos no Ocidente, permanece nas mãos de uma restrita oligarquia. Portanto, não basta constatar que o modelo liberista fracassou, pesa o vazio de um novo pensamento capaz de enfrentar uma questão crucial: o mundo pode ser governado com base num desequilíbrio tão grande entre a potência da economia globalizada e o poder da política entendida como liberdade das comunidades de decidir o próprio destino?

Através de muitos sinais, esta contradição está começando a se manifestar. Observemos a revolta que está abalando o mundo árabe, com efeitos geopolíticos e geoeconômicos que certamente serão muito profundos e nos quais não entro. Mas não penso que se trate apenas de revoltas da fome ou de fanatismos religiosos. Creio que, entre muitas outras coisas, está se tornando explosiva a contradição entre o advento de novas gerações aculturadas e a condenação de ampla parte delas ao desemprego, ao trabalho precário e à marginalização política e cultural. Este é o “grande desperdício” de que falou, inclusive sobre a Itália, o governador do Banco da Itália, Mario Draghi (30% de jovens desempregados), mas que se torna ainda mais explosivo na presença de regimes autoritários e corruptos. É o exemplo daquelas novas subjetividades de que falava no início, nas quais devemos nos apoiar. Acrescento que é muito importante o desaparecimento daquela clássica tese americana, formulada por Samuel Huntington, segundo a qual entre o Ocidente e o mundo muçulmano seria inevitável uma guerra de religião e, portanto, não haveria espaços de diálogo. O contrário é que pode se revelar verdadeiro. Poderíamos assistir a um novo papel do Mediterrâneo como centro de novos encontros políticos e culturais.

Enfatizo esta esperança, mas não subestimo suas enormes dificuldades. Torna-se obrigatório perguntar para onde vai a Europa. A Europa é, mais do que nunca, o lugar que defino como o nosso modo de ser. Quanto à China, a pergunta que aqui proponho, com o objetivo de avaliar o seu papel crucial, é como este enorme país enfrentará o advento das novas gerações. O dirigente dos industriais sicilianos, Ivan Lo Bello, perguntava-se recentemente sobre o fato de que surge no plano internacional um inédito capitalismo de Estado, que tenta conjugar mercado e compressão dos direitos políticos e sociais. Um novo pacto social parece emergir (a China é o seu epicentro): é um pacto social que postula uma troca entre crescente prosperidade coletiva, bem-estar individual, eficiência e capacidade decisória do Estado, por um lado, e renúncia a reivindicar direitos políticos e civis, por outro. “Este — ele dizia — é o nosso ‘concorrente’ mais temível, que tem a ambição de escrever uma nova história radicalmente diferente daquela que acompanhou as vicissitudes econômicas e civis dos países ocidentais”.

Não sei em que medida seja fundado um tal juízo. Desmenti-lo-iam os novos problemas que a nova direção chinesa se está colocando, uma direção que parece decidida a enfrentar os desequilíbrios demasiadamente grandes do desenvolvimento, deslocando recursos para a produção de bens públicos e serviços. Mas de quais bens públicos e de quais serviços? Dificilmente ela poderá replicar o modelo do Ocidente. Deverá inventar uma nova relação entre produção e consumo, logo, um novo modo de viver. Nascerão novos protagonismos, novas exigências de cidadania.

Em todo caso, a crise da democracia representa o problema central do mundo atual. E é o resultado não da mundialização em si, mas do modo pelo qual ela está procedendo, isto é, como causa e efeito de um desequilíbrio crescente entre a potência de uma economia mundializada e o poder da política privada dos seus instrumentos fundamentais (o velho Estado nacional como última instância de decisão diante de uma economia no passado amplamente doméstica).

Chegamos assim ao ponto que me interessa discutir: como pensamos enfrentar este problema? Só aventando novas instituições supranacionais (certamente, isso também), ou então encarando, finalmente, o modo pelo qual muda o papel da política em sociedades que a rede de comunicação une, compara, mas cujas grandes diferenças, precisamente por isso, revela? E isso torna difícil estarem juntas. É uma questão muito nova em relação a toda a nossa experiência histórica. Trata-se, essencialmente, do problema de como representar e dar poder a uma humanidade que se vê diante de uma multiplicidade de oportunidades e riscos, de exigências e demandas que se produzem numa escala muito ampla, que supera os velhos limites. As respostas são difíceis, mas uma coisa me parece clara: não bastará entregar-se ao mercado que se autorregula nem à tradição social-democrata. Será preciso ir mais ao cerne dos problemas sociais e culturais. Partir deles em nome de uma visão mais alta do interesse geral e, portanto, de uma nova ideia do progresso humano. Depois de meio século — goste-se ou não — volta à baila este grande tema.

Pensemos no que revelaram as 200 praças italianas ocupadas pelo movimento das mulheres. Lá havia não só uma nova ideia de si das mulheres, mas uma visão mais ampla da realidade. Exprimia-se uma nova ideia da política, ia-se muito além de uma reivindicação de autonomia; havia a ideia de mudar não só o próprio lugar na ordem existente, mas a velha ordem no seu todo. Pareceu-me uma nova subjetividade que conquista a cena, um movimento que desloca a ênfase da reivindicação dos próprios direitos para uma reinterpretação do mundo, para uma releitura global do saber.

Portanto, há muito em que refletir. Percebem-se também sinais do despertar da esquerda na Europa, a começar pela Alemanha. Mas é uma esquerda diferente, que se forma com base em novas temáticas, como, por exemplo, a ambientalista.

Eis o sentido destas minhas sumárias reflexões: levar o reformismo a sair do pensamento débil destes anos. Mas, atenção, não por nostalgia de “esquerdismo” ou em nome de não sei qual nova “narração”, mas como resposta ao modo pelo qual irrompeu no tecido democrático ocidental esta forma nova de economia com dominação financeira, que obedece a lógicas de lucro (não haveria nisso nada de estranho), no entanto capazes de destruir o laço social, romper aqueles compromissos e aqueles valores que são o necessário pressuposto dos regimes democráticos. Sei que este tema é muito adverso ao pensamento “liberal” destes anos. Todavia, é um fato que seus efeitos foram catastróficos. E não me refiro só aos econômicos (a bolha especulativa), mas àqueles morais e até antropológicos: um sistema econômico baseado no risco moral, na dívida que gera dívida e no dinheiro que produz dinheiro só pode conduzir à devastação dos recursos naturais e ao empobrecimento das camadas trabalhadoras.

Eis a grande questão com a qual devemos acertar contas: o destino e o papel do trabalho. É verdade que na sociedade moderna o trabalho não é tudo, mas o que parece ruir é o grande edifício histórico da modernidade. Aquele edifício que (à diferença do passado, em que as figuras representativas eram figuras do não trabalho: nobres, soldados, sacerdotes, aventureiros, enquanto o trabalho era o subsolo da sociedade, o servo) vê como protagonistas as novas grandes forças produtivas: a burguesia e o proletariado. E, através do conflito entre ambos, o mundo ocidental convergiu para a construção de uma nova ordem: os direitos e os deveres, a liberdade e a democracia.

Recordo-me a mim mesmo que aquilo que é chamado capitalismo (esta palavra indefinível, pouquíssimo usada até por Marx) é uma vicissitude histórica peculiar de não muitos séculos e não é só um fenômeno econômico. Foi e é uma civilização, e foi também, ainda que nas formas mais cruéis e tormentosas, um processo de emancipação dos homens de velhos vínculos. Portanto, minha pergunta é: o que vemos hoje é só uma sua variante ou é uma ruptura que nos põe diante de problemas verdadeiramente novos de convivência e sustentabilidade?

Não quero enveredar por uma disputa historiográfica. Só quero recordar que, se a chamada economia de mercado cresceu em simbiose com a civilização europeia, isso ocorreu não porque descobrira o mercado (o qual existe sob os regimes mais variados há milênios), mas pelo fato de que o poder político ditava ao mercado as regras que o tornavam não certamente o lugar da igualdade, mas muito menos o da luta entre feras. É isso que um economista e historiador como Paolo Prodi chama de “dualismo”, um dualismo entendido como não coincidência do poder político com o econômico e como copresença e concorrência de normas éticas e de direito positivo com a avidez do homem econômico. O que representou aquele fator que gradativamente conduziu ao desenvolvimento do homem moderno e, depois, à criação da democracia e do Estado social.

Alguma coisa não se sustenta numa situação que voltou a considerar o trabalho como um resíduo. É uma grande questão política, não sindical. E ela se entrelaça com uma outra grande questão de que falamos pouco, isto é, com a evolução em curso da ideia de empresa (instrumento para criar “valor” para os acionistas através do jogo de bolsa, ou lugar onde, com a colaboração de forças diversas, faz-se a inovação e se cria a economia real?). A quem considere estes temas muito radicais e pouco reformistas gostaria de lembrar que o que está em jogo é o fundamento da democracia. De fato, sobre o que se sustenta uma democracia e em que se baseia a vitalidade das instituições, se um jovem sabe de partida que sua vida e seu destino serão apenas uma sucessão de trabalhos precários? Nestas condições, o que vem a ser uma comunidade? Não me livro da impressão de que aqui se define o terreno do conflito ético-político, além do social. Mas é justamente aqui, é neste terreno que penso se possa formar aquela nova síntese entre a tradição democrática do socialismo e o humanismo cristão, a ideia na qual alguns de nós trabalhamos há anos, mas até agora com poucos resultados.

Estamos diante de algo paradoxal. Governos e bancos centrais endividaram-se em trilhões de dólares para salvar os bancos. Em decorrência, a dívida privada se transformou em dívida pública. Daí o paradoxo: faltam recursos para os investimentos produtivos, para o Estado social, para o emprego e o desenvolvimento. A clássica situação em que a riqueza privada se nutre da miséria pública. Enfrentar um tema desta natureza impõe encetar uma profunda reforma do sistema político, que há vinte anos condiciona pesadamente a situação italiana: o populismo, o mito do homem solitário no comando. Uma alternativa exitosa deveria considerar melhor o fato de que Berlusconi não vem do nada, mas do vazio criado pelo fim dos grandes partidos da primeira República. Estes, por sua vez, foram minados não pelos juízes [Operação Mãos Limpas], mas por algo que dizia respeito à grande mudança em curso da sociedade ocidental. Não o “bunga bunga”, mas o indivíduo definido pelo consumo no lugar do cidadão e da pessoa. O consumismo no lugar dos direitos iguais. Não falo só da Itália, evidentemente. Noto apenas que esta espécie de supercapitalismo financeiro foi, afinal, a resposta ao desaparecimento daquele grande edifício da modernidade de que falei e que fundamentava na livre empresa e no trabalho a fonte do direito e a exigência de cidadania. Nesta base se fizeram os partidos, a democracia dos partidos. Isto é, o instrumento através do qual os cidadãos podem não só votar, mas encarar o Estado e os grandes poderes reais através de identidades coletivas. Esta é a questão, nada de partidocracia. E com as identidades coletivas se criara a possibilidade de passar da simples alternância entre grupos políticos a reais mudanças das relações de poder entre dirigentes e dirigidos. Não esqueçamos que este foi também o verdadeiro motor do “milagre” econômico italiano.

Se observarmos a Itália de hoje, o dado de síntese mais significativo é que se deteve o desenvolvimento do país. É como no início do século XVII, diz-nos Marcello De Cecco citando Carlo Cipolla, quando, como hoje, o país reage pouco ao seu declínio porque tem pouca consciência dele, e assim é porque vive consumindo a riqueza acumulada. É um juízo discutível, se considerarmos a vitalidade duradoura da Itália. No entanto, é fato que um processo de declínio começou, e evitar que se torne incontrolável é, no fundo, o problema dos problemas. Pessoalmente, penso que, para enfrentá-lo, seria preciso olhar além das razões econômicas e se propor questões mais de fundo, que dizem respeito ao ordenamento social. Que ideia fazemos deste ordenamento? O que está por trás da degradação crescente do Mezzogiorno e dos problemas não resolvidos de natureza do Estado, como a corrupção e a enorme evasão fiscal? Será culpa dos maus governos? Certamente. Será culpa dos erros na gestão da dívida pública? Certamente. Mas os historiadores de amanhã, tendo de explicar esta coisa inacreditável e vergonhosa — que um grande país se deixou dirigir durante 20 anos por Berlusconi —, penso que não se contentarão com estas análises. Realçarão também outras coisas, como — por exemplo — o peso, a extensão e as ligações internacionais da criminalidade organizada italiana. Segundo estimativas, são 20 milhões de italianos que, de fato, não são mais protegidos pelo Estado e pela lei. E agora este câncer se estende também no Norte. Torna-se difícil falar de mercado, quando a economia é cada vez mais governada por bandos, clãs, grupos criminosos. Logo, a pergunta que neste ponto me proporia a mim mesmo, e também aos economistas, é se, junto com aquelas medidas corretas que dizem respeito à reforma dos mercados, à produtividade das empresas e à luta contra o desperdício e as rendas, não seria preciso também voltar a pensar nos instrumentos e nos sujeitos capazes de canalizar a poupança para bens públicos, serviços, conhecimentos, capital social e capital humano.

Por certo, não podemos reproduzir o velho capitalismo de Estado. E bem sei que estamos totalmente integrados num mecanismo de desenvolvimento que só em nível europeu pode ser combatido. E no entanto qualquer sistema econômico é, no fim de tudo, uma relação entre pessoas, não entre coisas. E penso que os programas contam e incidem se forem animados por uma ideia adequada às características desta crise. Seria preciso, pois, pensar em definir um novo pacto de cidadania. Um pacto político que seja uma coisa diversa e muito mais ampla do que os velhos pactos entre produtores do passado.

Existe um problema de recursos? Sim, mas lembremos que a pequena Itália miserável do passado fez as ferrovias, a década giolittiana usou o sistema bancário misto para criar o triângulo industrial, De Gasperi fez a Cassa Mezzogiorno na Itália do segundo pós-guerra, um investimento gigantesco nas condições econômicas de então. Quantas enormes possibilidades tem a Europa da moeda única? Na proposta de emitir eurobonds, há um possível relançamento do reformismo europeu.

São necessárias novas ideias. Há anos não inventamos nada. Flagelamo-nos com a crise da esquerda, mas talvez não tenhamos percebido que, mesmo em presença de sociedades parcelizadas, também se abriu uma nova exigência que é constitutiva do gênero humano em formação, isto é, a exigência de um novo “nós”. Um “nós” que veja além dos territórios singulares (bastariam os desafios ora iniludíveis dos direitos humanos e da proteção do ambiente para nos darmos conta disso). E esta espécie de novo “nós” é também possibilitada pelo modo novo com que já hoje se mobilizam as massas e se organiza a participação popular. A mensagem interativa é que organizou as grandes manifestações destas semanas na Itália e no Norte da África. Alguns já dizem que já entramos na era pós-televisiva (isto é, além da era da comunicação passiva, unidirecional, confiada à tela pequena), passando à do social network interativo, de modo que é suficiente uma palavra chave para veicular uma mensagem política.

Concluindo: pensar uma forma nova da política como o lugar das grandes escolhas coletivas. Necessariamente os partidos, que, no entanto, diferentemente do passado, deveriam apoiar-se numa pluralidade de organismos intermediários, cujo traço comum é uma ideia de progresso inspirada pela consciência de que o mundo está em situação de risco e que governá-lo é uma tarefa comum. Em suma, um horizonte de valores neo-humanistas dentro do qual toda e qualquer formação política e cultural se coloca a seu modo. Por isso, penso que é tempo de dar muito mais atenção a novos organismos intermediários, inclusive autogestionários, a começar pela empresa cooperativa, pelo terceiro setor, pelo federalismo. Devemo-nos apoiar naquilo que está emergindo: uma economia social que se vale dos enormes recursos não vistos pela grande economia e que atribui a gestão dos recursos às comunidades locais, inclusive por meio de uniões e acordos entre pessoas.

A questão social não pode mais ser reduzida à disputa entre a empresa e os operários. É o conjunto do mundo dos produtores, isto é, das pessoas que criam, pensam, trabalham e empreendem, que sofre uma forma nova de domínio e de exploração. Mas, se é assim, existem as condições para alianças mais amplas. Tanto o modelo social-democrata quanto o liberista estão obsoletos. A política deve saber reconhecer a riqueza da vida social. Deve oferecer soluções para os problemas coletivos que escapam às velhas identidades. E assim volto à Itália. É bastante óbvio que o conjunto de reestruturações que ora aguardam improrrogavelmente o nosso país seguramente não poderá ser levado adiante num clima de guerra de todos contra todos. E é aqui que se reencontra a razão fundante do Partido Democrático.

Alfredo Reichlin foi membro da secretaria, da direção e do comitê central do PCI, além de responsável pelo Departamento Econômico e ministro do “governo sombra” daquele partido. Foi também presidente da Direção Nacional dos DS (Democratas de Esquerda). Esteve à frente da comissão responsável pela redação do “Manifesto dos valores” do PD (Partido Democrático), aprovado em 2008. Dirige a Fondazione Cespe — Centro Studi di Politica Economica, em Roma.

Tradução: A. Veiga Fialho

FONTE: GRAMSCI E O BRASIL

Esboços de uma obra capital:: José Arthur Giannotti

Chega às livrarias brasileiras a primeira tradução feita no País de Grundrisse, volume com textos de Karl Marx escritos em 1857-58, os quais avançam no que seria o ponto mais alto de seu pensamento

A Editora Boitempo está lançando uma das obras clássicas de Marx: Grundrisse der Kritik der Politishen Ökonomie, mantendo a primeira palavra do título alemão Grundrisse (Esboços). É assim que este livro se tornou conhecido entre nós. Acompanha-o, na contracapa, um rápido comentário do sociólogo e economista Francisco de Oliveira, velho amigo. Reúne textos redigidos nos anos 1857-1858 e que permaneceram inéditos até 1939 e 1941, quando foram publicados, em dois volumes, pelo Instituto Marx-Engel-Lenin de Moscou. São textos preparatórios do livro que sairia em 1859, Para a Crítica da Economia Política, e avançam no que seria O Capital.

Não é fácil traduzir uma obra desse porte, em particular na medida que deixa visível o emprego da lógica hegeliana na montagem dos argumentos. Quando O Capital foi traduzido para o francês, Marx pede ao tradutor que não preste muita atenção às argúcias da dialética, pois os franceses não são muito afeitos a elas. Para quem se interessa pelo método marxiano - no fundo ligado a uma ontologia do ser social, como descobriu o velho Lukács - esses jogos aparentemente verbais servem para mostrar, dentre outras coisas, como as relações capitalistas de produção passam por um processo de reificação, muito diferente do que acontece nos outros modos de produção. É, pois, fundamental para Marx não confundir, por exemplo, a compra e venda da força de trabalho com a compra e venda do escravo. Neste caso, o indivíduo é comprado como se fosse uma mercadoria, todo ele passando a ser propriedade do comprador. Em contrapartida, na relação propriamente capitalista apenas é comprada a força do trabalhador por um determinado período de tempo. Não se confunda essa transação com o pagamento que se pode fazer a alguém que preste um serviço. O salário do trabalhador regular é determinado pelas forças de mercado, tudo se passando, então, como se ele fosse uma pequena parcela do quantum de trabalho que um sistema dedica à produção dos bens de que necessita.

Marx aceita a teoria do valor da mercadoria formulada por Ricardo. Este valor não se resume simplesmente no tempo concreto gasto para produzir um objeto. O tempo é socialmente abstrato porque representa uma parcela do tempo que todos os trabalhadores de uma sociedade despendem para produzir tudo de que ela necessita, desde que todos eles trabalhem num determinado nível social de produtividade.

Note-se que fazem parte desta medida ao menos dois parâmetros abstratos - trabalho social necessário e produtividade média - que somente podem se confirmar depois que o processo de trabalho terminou. Pois só assim é que se poderá saber qual foi o trabalho necessário para produzir na medida do consumo social e como todos os trabalhadores tiveram acesso a instrumentos que se encaixam numa produtividade socialmente determinada.

No fundo, essa definição somente ganhará sentido científico se as equações de seu modelo incluírem uma constante que possa introduzir essas medidas post festum. Mas, fora do modelo, o que representaria efetivamente essa constante? Não depende do próprio movimento do real?

Marx, porém, não é apenas um grande cientista, mas igualmente o crítico de uma teoria e de uma forma de sociedade. Pretende trazer para o nível da crítica a crítica das armas que os movimentos sociais mantinham contra os capitalistas; estes, incapazes de criar riqueza social sem enormes bolsões de miséria. Ora, essa crítica se dirige antes de tudo contra o tipo de objetividade que os economistas emprestam aos conceitos científicos; eles os pensam como se fossem a-históricos, sem data de validade e sem contradições internas. Um conceito da economia política não pode ser reduzido a relações formais e funcionai; deve incluir o modo pelo qual seu objeto vem a ser, encontra sua forma e se desfaz. Não é o que já acontece com esse valor trabalho, que é muito mais do que relacionamentos de valores de uso com valores de troca? Estes passam a ser iguais entre si de tal modo que terminam representando o valor transpassando todos os produtos. E nesse equacionamento o que importa não é tanto como se trocam mutuamente, mas como passam a exprimir um tempo de trabalho característico de um modo especialíssimo de produzir socialmente.

Daí a crítica que Marx, anos depois, endereça a Ricardo: "A última objeção decorre da exposição defeituosa de Ricardo que não investiga de modo algum o valor segundo sua forma - a forma determinada que o trabalho assume como substância do valor - mas apenas as magnitudes de valores, as quantidades desse trabalho [QUE É]universalmente abstrato e social graças a essa forma, que produz a diferença nas quantidades de valor das mercadorias" (Theorien Über Den Mehrwert, 2, 163, Dietz Verlag, 1959).

Além das magnitudes, os valores teriam uma substância, isto é um trabalho social sustentando cada uma de suas expressões, aquela totalidade integrada por todos os atos de trabalho decorridos num período de tempo. Estes simplesmente não se somam. Como perdem suas respectivas medidas individuais para formar um todo que passa a medir o exercício de cada trabalho individual? É como se um galo e uma galinha se reunissem para produzir um ovo e um filhote porque todos esses atos estivessem sendo dirigidos pela forma, pela espécie galinácea. Sem a teoria do código genético, essa espécie só pode ser o conceito hegeliano que possui em si mesmo a capacidade de criar seus próprios casos. Estamos assim em plena lógica idealista. Como conciliar essa crítica com o materialismo marxiano?

Se a alienação já marca o valor trabalho, ela se aprofunda na constituição do capital. O primeiro passo é a transformação do valor da força de trabalho em capital variável. Se a primeira figura do capital é o dinheiro que se investe para que retorne com mais valor, se todos os outros insumos investidos na produção mantêm seu valor, já que conservam o trabalho morto neles incluído, só o dinheiro investido na compra da força de trabalho será variável, podendo aumentar, mas também diminuir. No entanto, sendo dinheiro apropriado pelo capitalista investidor, ele é capital e não mais "capital humano" de propriedade dos trabalhadores.

Conforme Marx avança na análise do modo capitalista de produção, mais se aprofunda a alienação das categorias. É fundamental observar que esse processo vai além do fetichismo das mercadorias, da reificação das relações que as determinam. Não encontramos nos Grundrisse a reificação peculiar do capital. Somente no terceiro volume d'' O Capital aparecem as três formas nas quais o capital se aliena. Tudo se passa como se naturalmente o capital produzisse lucro; a terra, renda fundiária e o trabalho, salário - quando na realidade todas essas formas encontram seu fundamento numa apropriação subreptícia da mais-valia, isto é, na diferença de valor entre o trabalho socialmente produzido e salário pago.

O processo de reificação e de alienação é, pois, o nervo da crítica marxista. Marx justifica o sistemático emprego da lógica hegeliana na medida em que ele a inverte. Um dia, afirma ele, haveria de apresentar essa inversão. Mas uma lógica que se pretende ser um círculo de círculo não pode ser invertida. Pouco ajuda invocar autores como Feuerbach, que partiam no movimento enriquecedor da percepção. Desde que o conceito se apresenta com a capacidade de determinar seus casos, não há como fugir da lógica hegeliana. Isto não é uma ilusão necessária do sistema? Cabe então examinar o sentido dessa ilusão e como ela se infiltra no coração dos procedimentos do capital.

Cabe, porém, desde já, ressaltar que o fetichismo da mercadoria não possui a mesma estrutura do fetichismo do capital. Marx mostra que eliminando o primeiro naturalmente o segundo seria anulado. No entanto, como hoje, depois do insucesso do socialismo real, não sabemos como produzir socialmente sem as amarguras do mercado, precisamos atentar para as diferentes formas de alienação. Se a mercadoria somente funciona se estiver apoiada numa relação pré-jurídica de propriedade, já o capital integra a política no seu desenvolvimento: o capital sempre luta para encontrar situações privilegiadas de acesso aos mercados.

Para a ciência econômica de hoje, essa inversão da relação entre norma e casos não tem cabimento, pois os fenômenos econômicos são pensados a partir dos comportamentos do homo economicus, do homem racional que, aceitando determinados fins, trata de mobilizar os meios para atingi-los. Contudo, depois da enorme crise do capital financeiro, na qual o mundo ainda está medido, é preciso voltar com olhos críticos para as análises muito instigantes da alienação desse capital.

Não me parece possível entender essa crítica marxista sem examinar a lógica que serviu à montagem dos textos críticos de Marx. Depois da Terceira Internacional se divulgou a tolice de que haveria duas lógicas, uma formal, que excluiria qualquer contradição, e a lógica dialética, que a abrigaria. Aceita a contradição, seria possível descrever o movimento do conceito até articular casos que o negassem. Essa duplicidade da lógica, porém, separaria o intelecto em duas partes irredutíveis. Não haveria coordenação possível entre elas. Não seria o caso de voltar a refletir sobre o que faz com que relações sociais apareçam como se fossem determinantes de seus casos? Para essa tarefa, o estudo dos Grundrisse é imprescindível.

José Arthur Giannotti é professor emérito de filosofia da USP, pesquisador do CEBRAP e autor, entre outros, de Lições de filosofia primeira (Companhia das Letras)

FONTE: SABÁTICO/O ESTADO DE S. PAULO

Ideologias:: Merval Pereira

A coalizão partidária que apoia o governo de Dilma Rousseff é a mais abrangente já organizada desde a redemocratização do país, unindo um leque amplo de partidos que vai, na teoria, da extrema-direita à extrema-esquerda, embora no Brasil seja difícil colocar-se partidos nos extremos do espectro político.

O PP tem características de extrema-direita quando o deputado Jair Bolsonaro radicaliza nas suas campanhas homofóbicas, ou defende a tortura como método de repressão política, mas não assume essas ideias como metas partidárias.

O PCdoB poderia ser classificado de extrema-esquerda, mas como se vê no debate sobre o novo Código Florestal, pode fazer acordos com os ruralistas na defesa mais abrangente da garantia da produção nacional de alimentos.

A disputa entre o Democratas e os dissidentes que deixaram o partido para formar o futuro PSD liderado pelo prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, demonstra que o espectro político que ocupa a centro-direita ainda pode ser um bom nicho eleitoral, embora nenhum político ouse assumir tal identificação.

O ex-deputado federal José Carlos Aleluia, na época em que foi líder do extinto PFL, chegou a esboçar uma definição mais explícita da posição doutrinária do partido, afirmando que pretendia ocupar o espectro político do centro para a direita.

Hoje, mesmo sem mandato, continua fazendo parte do grupo que "pensa" o Democratas, e acredita que o partido tem um papel "central" na política do país, evitando o termo "direita".

Já o deputado federal Chico Alencar, do PSOL do Rio, acha que problema maior do que partidos não se assumirem como de direita é "partidos que deixaram os princípios da esquerda não reconhecerem isso".

Ele diz que os que classificam o PSOL de extrema-esquerda "quase sempre são aqueles que ainda enxergam, com óculos de lentes interessadas, postura de esquerda no PT, PCdoB, PSB, PDT".

Chico Alencar define como "princípios da esquerda" a aposta na radical igualdade entre os seres humanos, respeitada sua diversidade, e sua viabilização na igualdade de oportunidades, através do que chama de "democracia de alta intensidade", de participação popular permanente, da socialização dos grandes meios de produção e dos meios de governar.

A busca do socialismo, que ainda consta do ideário do PT, por exemplo, seria, para Alencar, "obra de longo prazo histórico, a ser construída por milhões de cidadãos conscientes - sob pena de ser um arremedo autoritário de socialismo, com suas "dachas" e "nomemklaturas", como tantas vezes já aconteceu".

Segundo ele, muitos partidos com socialismo no nome, ou no programa, não têm hoje qualquer compromisso com esse projeto: "flexibilizaram fronteiras éticas e ideológicas, curvaram-se à lógica pragmática do poder. E, assim, vão sendo deteriorados pelo clientelismo, pelo fisiologismo, pelo patrimonialismo, pelas campanhas eleitorais milionárias com cabos eleitorais pagos - o que antes era uma heresia".

O deputado Chico Alencar cita o caso Palocci, a quem classifica de "próspero dirigente do PT", como o exemplo mais recente desta degradação. Mas cita também "o jovem Gabriel Chalita, tido como promissor quadro político, originário do PSDB, eleito deputado federal pelo PSB e agora no PMDB", que para justificar essas mudanças, alega que "todos os partidos são iguais".

Na análise de Chico Alencar, há, no Brasil, um "centrão conservador" que cria identidade, de fato, entre PT/PMDB e seus caudatários e PSDB/DEM e outros; entre governo e oposição conservadora. Inclusive em grave naturalização da corrupção, com um polo anulando a crítica do outro, por inautêntica.

"O anódino PSD de Kassab, onde tudo cabe, é expressão dessa descaracterização (hegemônica) política". Para ele, "os gatos podem se parecer pardos, mas não são, e nem cabem, todos, no mesmo saco, embora estejam, em conflito, na mesma cena política institucional".

O ex-deputado José Carlos Aleluia entende que as críticas aos partidos políticos "refletem o desconforto geral com a insensibilidade da classe política no que respeita à reforma política - ignorando solenemente que no governo representativo a democracia se exerce através de partidos políticos - e não há por que multiplicá-los".

Em termos programáticos, diz ele, devem advogar determinado modelo de sociedade, que não são muitos. Aleluia reivindica para seu partido "a procura de formas de melhorar a qualidade do processo político, inclusive não nos limitando à atuação legislativa".

Ele destaca que decorreu de iniciativa do Democratas a decisão do Supremo Tribunal Federal de que o mandato pertence ao partido, "oficializando nosso entendimento, nos termos da Constituição".

Graças a tal decisão, destaca Aleluia, passou a vigorar o princípio da fidelidade partidária, "sem dúvida grande avanço".

Ele ressalva que, a partir da criação da Frente Liberal "que viabilizou a transição pacífica dos governos militares, através da eleição de Tancredo Neves", seu partido nunca pretendeu se situar à esquerda do espectro político, nem sequer se confundir com a social democracia.

"Na verdade, ocupamos um papel central na vida política do país, assegurando a convocação da Assembleia Constituinte, compromisso que havíamos assumido no processo de abertura; alertando a Nação para os retrocessos que a Carta inseria e corrigindo-os, quando se apresentou a oportunidade".

Aleluia, depois de destacar que seu partido sempre trabalhou para garantir o funcionamento das instituições democráticas, diz que o Democratas mantém "os mesmos princípios e a determinação de construir uma nação onde o estado seja regulador e não protagonista em áreas em que a iniciativa privada é mais competente e tem mais a contribuir com o Brasil. Entendemos que o Estado deve cuidar prioritariamente da educação, da saúde e da segurança dos brasileiros".

FONTE: O GLOBO

Em nome da Copa:: Dora Kramer

O que terá acontecido de tão extraordinário entre segunda e quarta-feira da semana passada que fez o presidente do Senado e de seu partido, o PMDB, mudarem de posição em relação ao sigilo imposto aos orçamentos das obras para a Copa de 2014 e a Olimpíada de 2016?

Segunda-feira, José Sarney levantava-se contra o sigilo previsto no Regime Diferenciado de Contratações (RDC): "Temos de encontrar uma maneira de retirar esse artigo, uma vez que dá margem inevitavelmente a se levantar dúvidas sobre o orçamento da Copa. Por que o sigilo?".

Na terça, o líder do governo no Senado, Romero Jucá, avisava que certamente haveria modificações na medida provisória, mas, no mesmo dia, Dilma Rousseff mandava informar que havia "espaço para negociação" e despachava sua ministra de Relações Institucionais, Ideli Salvatti, para conversar com o partido sobre o passivo de pleitos acumulados.

Na quarta, Sarney calou. Quem falou foi o presidente em exercício do PMDB, Valdir Raupp: "Não existe sigilo", disse, incorporando o argumento que o governo vinha utilizando desde a sexta-feira anterior e que até 48 horas não parecera convencer Sarney: "O texto busca evitar o conluio de empresas no processo de licitação".

Para se acreditar na lisura do poder de convencimento do Palácio do Planalto é preciso, então, aceitar que o presidente do Senado disse o que disse de maneira leviana. Sem ler o texto do dispositivo na medida provisória, sem contar com um único entre seus inúmeros assessores para lhe alertar de que estava sendo precipitado ao qualificar o referido artigo como suspeito.

Ou seja, para responder à pergunta inicial: nada de extraordinário aconteceu entre segunda e quarta-feira da semana passada. A ocorrência foi o que se pode nominar de ordinária. Nos dois sentidos.

Sarney, Jucá e companhia não queriam zelar pela transparência de coisa alguma. Queriam apenas ser ouvidos.

Há quem tenha interpretado a mudança de posição do PMDB como demonstração de que a presidente finalmente está se saindo bem nas artes da política.

Na realidade é a indicação de que prevalece a mesma lógica, apenas com o sinal trocado: se antes Dilma procurava resistir ao assédio do PMDB e companhia, agora resolveu ceder.

O pano de fundo é igual. Toma-se a atividade política pelo mero, mais fácil - mas não suficiente nem necessariamente eficaz - exercício deslavado e rudimentar do fisiologismo.

Ou se resiste ou se cede a ele, mas não se tenta a via da negociação íntegra.

A comparação é de um político do PMDB com larga experiência no ramo: "As obras da Copa estão hoje para a disseminação da barganha, como já esteve a dita governabilidade para a justificativa de todo tipo de malandragem".

Sob o guarda-chuva da "governabilidade" instituiu-se o fisiologismo como regra e perpetram-se malfeitorias a mancheias. Agora começa a se configurar cenário semelhante.

Qualquer coisa se faz, se explica com alusão à premência das obras.

Está acontecendo em vários Estados: contratos entre governos e o BNDES para liberação de recursos em mais de 20% do valor dos projetos de obras e cujas cláusulas não foram cumpridas estão simplesmente sendo alterados por pressão dos governadores para se adaptarem às circunstâncias, afrouxando as exigências.

Em nome da governabilidade, em nome da Copa, em detrimento da integridade no trato do que pertence ao público.

Além do sigilo. A Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC) preparou um documento para ser entregue à presidente Dilma Rousseff e aos parlamentares apontando vários senões no RDC.

Embora entre eles esteja o sigilo, na visão da CBIC, enquanto se discute este ponto, outros passam despercebidos. Por exemplo, o sistema de contratação integrada pelo qual se exige 30 dias para apresentação de propostas, quando o mínimo para a elaboração desde o projeto básico ao orçamento detalhado seria de 150 dias.

Qual o problema? A indicação de que seriam favorecidas as empresas com projetos previamente prontos, as únicas em condições de apresentar as propostas no prazo estipulado.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Eliane Cantanhêde: Hackers pela ética

Com CUT, UNE e MST fora de combate a partir de Lula, por conveniência ou oportunismo, entra em ação pela ética pública um tal de LulzSec para azucrinar e expor os Poderes da República. Tão instigante quanto preocupante.

Num espaço de horas, esses hackers atacaram sites da Presidência da República, Prefeitura de São Paulo, ministérios da Cultura e de Esportes, Petrobras, IBGE, Infraero, Receita, Senado e o Portal Brasil. Uns talvez nem tenham sido efetivamente atacados, mas já se sentiram previamente ameaçados.

Ao que tudo indica, a onda começou como uma brincadeira, mas ganhou espuma política com a ideia de protesto contra os desvios éticos que se multiplicam em diferentes esferas de poder e da federação, sem que um só "cara pintada" ponha os pés nas ruas, agora ocupadas por milhões em marchas para Jesus, legalização da maconha e Parada Gay, como neste domingo.

Ao ocupar esse vácuo de vigor e protesto político, os hackers provocam alertas, dúvidas e temores.

O alerta para os governos e demais Poderes é que a sociedade, de alguma forma, está de olho.

A dúvida no Congresso é como criminalizar esse tipo de ação virtual, tema dos parlamentares nesta semana, com votação na quarta.

E o temor da Polícia Federal e da Abin (o órgão de inteligência da Presidência) é que, de ameaças que causam só dor de cabeça, eles possam evoluir com o tempo para ataques ao sistema nervoso central.

De um lado, os Poderes se veem desconectados e vulneráveis. De outro, os ataques se multiplicam, e os autores, inebriados com a súbita força e fama, ganham a confiança e a desenvoltura de uma Lisbeth Salander ("Trilogia Millennium", do sueco Stieg Larsson).

Hipoteticamente e no limite: vai que um grupo desses se anima a daqui a alguns anos invadir o sistema de controle aéreo?

Já aconteceu de brincadeiras evoluírem para tragédias.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

A Era dos hackers :: Alberto Dines

A sucessão de ataques a diversos sites de informações oficiais desvendaram nossas vulnerabilidades e tem um sentido simbólico que não está nas cogitações dos hackers, mas não pode ser ignorado por suas vítimas – nós.

Quando falamos em sistemas somos imediatamente remetidos ao campo da informática e das novas tecnologias de informação, mas o que parece extremamente frágil é o nosso sistema de gerenciamento político. A mais contundente prova da sua precariedade foi o desmoronamento do núcleo palaciano com a defenestração do ministro-chefe da Casa Civil Antonio Palocci.

Custa crer que experientes operadores políticos como os que prepararam a candidatura e triunfo de Dilma Roussef tivessem esquecido de montar algo tão comezinho e tão crucial como um esquema alternativo, vulgarmente chamado de Plano B. Qualquer jogador de xadrez sabe que não adianta conhecer o movimento das pedras, o xeque-mate no adversário só é possível quando se dispõe de mais de uma opção para chegar ao lance inapelável.

Sem reservas ou sobressalentes é temerário embarcar em qualquer missão, mesmo aquela com êxito garantido. Palocci era uma peça-chave não apenas como coordenador da ação macroeconômica, sua missão situava-se em esfera mais sutil, química: plasmar-se como complemento à personalidade e atributos da presidente da República.

Nessa condição (erroneamente designada como articulação política), deveria montar a co-habitação com os aliados, especialmente o PMDB que desde a redemocratização e mesmo durante o mandato Sarney, jamais dispôs de tanta força: além do poder eleitoral, tem a presidência do Senado (portanto do Legislativo), tem a vice-presidência do Executivo e nela instalou uma velha raposa política como Michel Temer que há alguns pares de anos chefiava com pertinácia à ala tucana do partido.

Palocci caiu quando começava a tourear o principal aliado e há analistas que não descartam uma relação de causalidade no episódio (embora a razão visível tenha sido uma fundamentada denúncia jornalística).

Qualquer que tenha sido o motivo da traumática mudança no supremo escalão do Executivo, a esta altura o que importa é a dura realidade: mal iniciado, o sistema de gerenciamento político foi traumaticamente desfeito e substituído por um arranjo improvisado.

Nestas circunstâncias, escapam dos armários todos os fantasmas ao mesmo tempo. Crises mal-resolvidas têm o péssimo costume de espocar ao mesmo tempo, assim é que a preparação para hospedagem dos magnos eventos esportivos mundiais no Brasil evoluiu rapidamente do grau deficiente para desastroso.

Em 2007 e 2009, quando o presidente Lula deixou-se levar pelo seu lado torcedor e apostou pesadamente na sua boa estrela, imaginava que a Copa e as Olimpíadas seriam decisivas nas eleições de 2010 e 2014. Foram na escolha da sua sucessora, mas têm tudo para atrapalhar em 2014 porque já não se trata apenas de tapar buracos, reunir recursos e cumprir cronogramas. Inebriado pela garra não se acautelou, não quis enxergar dificuldades e deficiências. Chutou.

Aos imponderáveis da situação econômica mundial acrescentaram-se agora os da política interna, acumulados debaixo do tapete. A saída de Palocci levantou o tapete e escancarou uma incrível rede de desajustes, imprevisões e uma incontrolável vocação para a improbidade que coloca as grandes empreitadas nacionais a mercê de hackers de todas as espécies.

Alberto Dines é jornalista

FONTE: JORNAL DO COMMERCIO (PE)

A vida começa aos 80 :: Clóvis Rossi

É paradoxal, chocante até, que o mais completo elogio de Fernando Henrique Cardoso tenha saído do computador de uma adversária, a presidente Dilma Rousseff, e não de um prócer de seu partido, o PSDB.

Do PSDB, ao contrário, FHC ganhou o ostracismo. Em todas as campanhas eleitorais desde 2002 (inclusive), o partido escondeu o seu quadro que havia chegado mais longe, o homem que derrotara o mito Lula por duas vezes já no primeiro turno. Ao contrário do próprio Lula que precisou sempre do segundo turno até para vencer um peso leve como Geraldo Alckmin.

A carta de Dilma parece ter tido o dom de tirar FHC do armário do ostracismo. Confesso que, a princípio, fiz uma interpretação preconceituosa do episódio: achei que o ex-presidente estava sendo tratado como café com leite, como a gente dizia na infância, para designar os moleques pequenos que admitíamos na "pelada" da rua apenas por compaixão, mas cujos lances não eram registrados na súmula imaginária do jogo.

No caso de FHC, os 80 anos, em tese, fariam dele uma peça -respeitável- do museu da História, mas sem peso no jogo político.

Enganei-me: primeiro, ele ocupa o primeiro plano em uma discussão sobre tema essencial, o tratamento a dar ao problema das drogas, arriscando-se a tomar posição quando a grande maioria do mundo político prefere esconder-se.

Segundo, acaba de ser lançado candidato à Presidência em 2014, em coluna de Nelson Motta na quinta-feira, no "Estadão", mesmo sabendo o autor que FHC terá 84 anos na ocasião. Mais: o colunista ousa imaginar Lula como adversário de FHC.

Seria um duelo para fazer esquecer todos os inesquecíveis duelos do cinema de faroeste, entre os dois melhores presidentes do Brasil que me tocou viver, apesar das críticas duras que mereceram.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

Suicídio da agricultura:: Rubens Ricupero

Excelente desempenho da atividade econômica só vai se sustentar se o Brasil encontrar uma solução para os desafios do ambiente

Se a agricultura brasileira não conseguir sustentar a impressionante trajetória das últimas décadas, será devido à incapacidade de resolver com inteligência o desafio do meio ambiente.

Talvez não haja na história econômica do Brasil nenhum exemplo tão indiscutível de transformação de eficiência e produtividade como na agropecuária. Essa modernização só se tornou possível graças à pesquisa tecnológica, que erradicou o pessimismo sobre a agricultura tropical.

A tecnologia, afirma-se, permitiria expandir a produção sem devastar mais a floresta e o cerrado que restam. Os 70 milhões de hectares de pastagens degradadas poderiam servir de reserva à expansão agrícola ou florestal.

Em teoria, tudo isso é verdade. Na prática, o que se vê é pouco. Sinais positivos como o aumento de produção em proporção maior do que a expansão da área plantada são largamente compensados pela destruição. De forma inexorável, a fronteira agrícola avança rumo ao coração da floresta amazônica.

O choque da devastação em Mato Grosso estimulada pelo projeto de lei aprovado na Câmara provocou a mobilização do governo em verdadeira operação de guerra. O resultado foi pífio: a destruição apenas se reduziu marginalmente.

Essa mesma desproporção entre esforços de preservação e resultados precários, geralmente revertidos logo depois, caracteriza o panorama de desolação em todas as regiões e em todos os biomas: mata atlântica, caatinga, Amazônia, cerrado, árvores de Carajás convertidas em carvão para o ferro-gusa.

As entidades do agro protestam que suas intenções são progressistas. Contudo o comportamento de parte considerável de seus representados desmente as proclamações. Mesmo em Estado avançado como São Paulo e lavoura rentável como a da cana, quantos recuperaram as matas ciliares de rios e nascentes?

Tem-se a impressão de reeditar o debate sobre o fim da escravatura. Todos eram a favor, mas a unanimidade não passava de ilusão.

É fácil concordar sobre os fins; o problema é estar de acordo sobre os meios e os prazos. Sempre que se falava em datas, a maioria desconversava: o país não estava preparado, era preciso esperar por futuro incerto e distante.

Em 1847, um agricultor esclarecido, o barão de Pati de Alferes, se escandalizava com a aniquilação da mata atlântica no manual prático que escreveu sobre como implantar uma fazenda de café: "Ela mete dó e faz cair o coração aos pés daqueles que estendem suas vistas à posteridade e olham para o futuro que espera seus sucessores".

De nada adiantou: o café acabou devido à destruição dos solos. A joia da economia imperial deu lugar às cidades mortas fluminenses e paulistas. Não foi só naquela época. No auge da pecuária no vale do rio Doce, como lembra o ex-ministro José Carlos Carvalho, um hectare sustentava 2,8 cabeças de gado; hoje, mal chega a 0,6!

Produto do passado da erosão e da secagem das nascentes, o processo agora se acelera por obra do aquecimento global, que atingirá mais cedo e mais fortemente áreas tropicais como o Brasil. Sem compatibilização entre produção e ambiente, o destino da agricultura será o do suicídio dos fazendeiros fluminenses e do rio Doce.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO