domingo, 21 de agosto de 2011

Opinião do dia – Rosiska de Darcy de Oliveira: Indignai-vos!

 Em Brasília, a presidente da República ataca a corrupção enfrentando a chantagem da ingovernabilidade. Governar não é dividir o butim. No Senado, Cristovam Buarque, fiel à sua biografia, lança uma frente pluripartidária pela ética. Pedro Simon, octogenário, convoca a sociedade. A OAB se movimenta. A UNE se cala. Esclerosada, não se lembra mais quem é. A indignação circula nas infovias que, como sabemos, fazem esquina com as ruas. A ética como política chega ao Brasil.

Rosiska Darcy de Oliveira, escritora. Indignai-vos! O Globo, 20/8/2011.

CGU: 100% dos convênios do Turismo são irregulares


Ministério pagou R$ 187,5 mil por apenas uma página de relatório

Mesmo antes da Operação Voucher, a Controladoria Geral da União já apontava irregularidades em convênio do Ministério do Turismo: relatório concluído em 2010 sobre 1.644 convênios encontrou irregularidades em todos. Entre os problemas, prestações de contas entregues antes do pagamento e acordos assinados às pressas. A Fundação Universa, investigada pela PF, recebeu R$ 187,5 mil por uma página de relatório.

Cem por cento de convênios irregulares

ESCÂNDALOS EM SÉRIE

Turismo pagou R$187,5 mil por uma página de relatório, diz CGU

Fábio Fabrini
Quem pagaria R$187,5 mil, dinheiro suficiente para comprar sete carros populares, pela elaboração de uma página de relatório? Em tempos de "fazer mais com menos" na administração pública, foi quanto o Ministério do Turismo repassou, num de seus contratos, à Fundação Universa - cujo coordenador de projetos e presidente da Comissão de Licitações, Dalmo Antonio Tavares Queiroz, foi preso na Operação Voucher, da Polícia Federal. A história é só uma entre dezenas apontadas em relatórios da Controladoria Geral da União (CGU), fruto da balbúrdia administrativa e da falta de fiscalização sobre a aplicação de verbas transferidas a prefeituras e entidades sem fins lucrativos. Sob a gestão de quatro ministros e três partidos (PTB, PT e PMDB), a pasta já usou recursos do contribuinte para bancar estudos com trechos copiados da internet, festas cujos convites são vendidos ao público e até anúncios de operadora privada de turismo em jornais.

Um relatório concluído ano passado mostra que muito disso poderia ser evitado, caso o ministério apreciasse as prestações de contas obrigatoriamente apresentadas por seus conveniados em tempo hábil e com rigor. A CGU examinou 1.644 convênios, cuja vigência se encerrou até 31 de outubro de 2009, e constatou que todos estavam há mais de 60 dias pendentes de análise, contrariando normas da Secretaria do Tesouro Nacional (STN). É justamente o parecer sobre as contas que bloqueia, em caso de irregularidades, o repasse de mais dinheiro para entidades suspeitas. A demora salvaguarda os responsáveis para continuar contratando com a pasta e, não raro, praticando fraudes.

Relatórios copiados da internet

A Universa recebeu R$3,75 milhões para realizar estudos sobre a criação de escritórios no exterior como estratégia para atrair investimentos ao Brasil; e também sobre o potencial de Sul e Centro-Oeste de seduzir investidores. O contrato foi firmado pelo ministério com dispensa de licitação e sem documentos para comprovar a reputação ético-profissional da entidade, exigência legal. No projeto básico, que orienta a contratação, faltavam itens como qualificação dos profissionais que fariam os trabalhos, horas de dedicação necessárias, estrutura dos relatórios e composição de custos.

Os estudos foram construídos com trechos copiados na íntegra da internet, sem, inclusive, citação de fontes. Entre os textos, havia informações retiradas dos sites da Federação do Comércio de São Paulo (Fecomércio), do próprio Turismo e do Atlas Sócio-econômico do Rio Grande do Sul. "Constatou-se, também, a utilização dos mesmos textos em diversos produtos elaborados pela contratada, reduzindo, sobremaneira, a extensão dos conteúdos novos inseridos em cada produto", sublinharam os auditores.

Tudo passou pelo crivo do ministério, que cumpriu com os valores acordados. Mas os oito relatórios foram entregues com atraso, um deles 343 dias após o previsto, fora até do prazo de vigência do contrato. O primeiro do cronograma, com a descrição da metodologia a ser adotada, custou R$750 mil e tinha 17 páginas. Subtraindo-se capa, contracapa, sumário, apresentação institucional e antecedentes (com informações do Plano Nacional do Turismo 2007-2010), objetivos e justificativas (cujo teor, segundo a CGU, foi integralmente extraído da internet), além das referências bibliográficas, sobravam somente quatro páginas que, de fato, foram feitas pela entidade, ao custo efetivo de R$187,5 mil cada.

Maior valor em ano eleitoral

Apesar dos questionamentos da CGU, a Universa continuou contratando com o Turismo. Em quatro convênios e contratos firmados, já recebeu R$26,68 milhões. Questionada, a pasta não informou se os trabalhos tiveram serventia.

O pente-fino da CGU mostra existência de convênios assinados no mesmo dia do evento que patrocinaram, forte indício de que não cumpriram os trâmites burocráticos necessários. Não raro, a prestação de contas é entregue antes de todos os pagamentos terem sido feitos. É comum que as ONGs usem projetos para promoção pessoal de dirigentes ou venda de produtos. Dinheiro público também banca eventos cuja entrada passa pela bilheteria, sem que isso seja citado na solicitação da verba.

Para um festival de jazz em Ouro Preto, a Fundação Educativa de Rádio e Televisão Ouro Preto obteve R$100 mil. Cobrou R$100 por noite ou R$280 o passaporte de três dias.

A Fundação Belo Horizonte Turismo e Eventos conseguiu R$276,7 mil para divulgar destinos turísticos de Minas em jornais do interior e de São Paulo, Brasília, Rio Grande do Sul e Brasília. Os anúncios continham propaganda da CVC para um atraente roteiro de oito dias e sete noites em BH e Diamantina. "Férias a partir de R$1.258", dizia um dos reclames. "A utilização de recursos federais atendeu a interesses privados", concluiu a CGU, que determinou revisão da prestação de contas do convênio e análise sobre os atos dos funcionários que a aprovaram.

Criado em 2003, o Ministério do Turismo turbinou as transferências voluntárias para ONGs e prefeituras, frequentemente alvos de denúncias de corrupção e fonte de dividendos políticos para parlamentares e prefeitos. De 2006 até agora, a verba alcançou R$4,2 bilhões. Não por acaso, o maior valor foi pago em 2008, ano de eleições municipais: R$951,7 milhões, sendo R$830,7 milhões em convênios e contratos com prefeituras. Em 2010, também ano de disputa por cargos eletivos, foi gasta a segunda maior cifra: R$864,3 milhões ao todo.

Os dados constam do Sistema Integrado de Administração Financeira do Governo Federal (Siafi). Em 2011, até quinta-feira, o ministério havia pago R$151,6 milhões para prefeituras e R$44,9 milhões para entidades privadas sem fins lucrativos.

FONTE: O GLOBO

Planalto poupa o PT e corta verba de áreas de aliados

Investimentos de ministérios petistas aumentaram 14%; nas pastas dos demais partidos da base, a queda foi de 5%.

Dados do Tesouro mostram que, nas dez pastas entregues originalmente a PMDB, PR, PSB, PP, PDT e PC do B, os investimentos caíram 5% em 2011.

O número contrasta com o dos 13 ministérios da cota petista: 14% acima do volume da primeira metade do ano eleitoral de 2010.

Dilma corta gastos de ministros aliados e poupa áreas do PT

Investimentos de petistas cresceram 13,7%, mas pastas de outros partidos investiram 4,8% menos que em 2010

Impacto desigual do aperto fiscal contribui para alimentar tensão na base de apoio ao governo no Congresso

Gustavo Patu

BRASÍLIA – O controle de gastos promovido pelo governo Dilma Rousseff poupou ministérios controlados pelo PT e atingiu com mais força os que estão nas mãos dos outros partidos que apoiam o governo, contribuindo para alimentar a tensão na base de sustentação do Palácio do Planalto.

Uma análise detalhada das contas do Tesouro Nacional mostra que, nas dez pastas entregues no início do governo a PMDB, PR, PSB, PP, PDT, e PC do B, os investimentos caíram 4,8% no primeiro semestre deste ano.

O desempenho contrasta com o dos 13 ministérios da cota petista: em conjunto, eles investiram 13,7% a mais do que na primeira metade do ano eleitoral de 2010, sem considerar as cifras modestas do apartidário Itamaraty e das secretarias especiais vinculadas à Presidência.

Embora sejam teoricamente prioritários para o Executivo federal, os investimentos -obras de infraestrutura e compras de equipamentos destinadas a ampliar a capacidade produtiva da economia- viraram o principal alvo do ajuste fiscal.

Trata-se do único grande grupo de despesas federais que sofreu redução real neste ano, depois de considerada a variação da inflação.

Há razões técnicas para a queda: são gastos não obrigatórios e sujeitos a atrasos. Mas são razões políticas que explicam o aperto desigual na Esplanada.

Pelo modelo de repartição de poder iniciado no governo Lula e reforçado por Dilma, o PT ocupa pastas de mais relevo, como Fazenda, Planejamento, Saúde e Educação.

Os demais partidos ficam com a maior parte das verbas que movimentam as negociações com o Congresso.

Ministérios como Cidades (comandado pelo PP), Integração Nacional (PSB), Turismo (PMDB) e Esporte (PC do B) concentram ações incluídas por deputados e senadores no Orçamento por meio de emendas parlamentares.

São, na maioria, obras paroquiais típicas de prefeituras, como a recuperação de ruas e a construção de quadras esportivas, mas igualmente classificadas como investimentos -e vítimas preferenciais do corte de gastos.

Não por acaso, o governo promete agora liberar R$ 1,7 bilhão em emendas para atenuar a insatisfação dos partidos e facilitar as próximas votações no Congresso.

Entre os ministérios controlados por partidos aliados, dois registraram alta significativa nos investimentos neste ano, mas ambos passaram por crises e trocaram recentemente de mãos.

O PR foi varrido dos Transportes após acusações de corrupção e desligou-se da base governista. O PMDB teve de substituir o bombardeado Wagner Rossi na Agricultura, na semana passada.

Uma das pastas petistas que mais investiram é a Educação. Seu titular, Fernando Haddad, quer ser candidato à Prefeitura de São Paulo nas eleições de 2012 e conta com programas para a criação e a expansão de escolas e universidades.

Entre as pastas petistas, apenas o Desenvolvimento Agrário teve queda expressiva do investimento.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

Desconfiado de Dilma, PMDB faz plano para 2014


Descontentes com tratamento do PT e receosos sobre empenho da presidente para manter aliança, dirigentes preparam candidaturas

João Domingos

Nas reuniões com dirigentes estaduais e municipais do PMDB Brasil afora, o presidente interino do partido, senador Valdir Raupp (RO), insiste em dizer que todos devem estar preparados para a possibilidade de trabalhar por um candidato da legenda à sucessão da presidente Dilma Rousseff.

"Nós temos de construir nomes para a sucessão em 2014", disse Raupp ao Estado. "Temos vários, mas outros podem surgir." Os peemedebistas, que já se movimentam para 2014, têm três nomes neste momento. Um deles é o do vice Michel Temer (SP). Os outros são os do ex-ministro Nelson Jobim (Defesa) e do governador do Rio, Sérgio Cabral.

Por trás dessa defesa da candidatura própria há dois recados do PMDB. Um, dirigido aos peemedebistas descontentes com a forma como julgam estar sendo tratados pelo PT na aliança, com denúncias de corrupção nos ministérios em que atuam. O outro recado é destinado à presidente Dilma Rousseff, uma esfinge que o partido não consegue decifrar.

De acordo com dirigentes do PMDB, o que o partido hoje pergunta é se Dilma é capaz de chefiar uma aliança como a que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva conduziu. Será Dilma uma parceira confiável para a manutenção da aliança? Ou será preciso construir alternativas? O PMDB tem queixas quanto ao peso do que seus dirigentes chamam de "chicote do PT". O partido sempre reivindicou um lugar no conselho político da presidente, para influenciar no dia a dia do governo. Mas não conseguiu. Quis a divisão do governo em partes iguais. O PT não aceitou.

Números. Para mostrar sua importância, o PMDB gosta de exibir números. Tem o vice-presidente, 5 ministros, 5 governadores, 8 vice-governadores, 80 deputados, 20 senadores e 2.324.339 filiados. Ainda assim, tem gente que não acredita que o PT cumpra o acordo pelo qual o deputado Henrique Alves (RN) seja o sucessor de Marco Maia (PT) na presidência da Câmara, em 2013.

Em quase todas as eleições passadas, uma ala do PMDB sempre tentou lançar candidato à Presidência, mas o apego a coligações predominou. Em 2002, fez aliança com o tucano José Serra e a deputada Rita Camata (PMDB-ES) entrou como vice. Dois anos depois, aderiu ao governo Lula, ganhou ministério e estatais. Em 2006, continu0u com ele e, em 2010, fez a aliança com Dilma e elegeu o vice-presidente.

Os dissidentes são raros, como o senador Jarbas Vasconcelos (PE). No setor independente estão os senadores Pedro Simon (RS), Luiz Henrique (SC), Casildo Maldaner (SC), Eduardo Braga (AM), Roberto Requião (PR) e Ricardo Ferraço (ES). Se o assunto for um candidato próprio em 2014, eles se unem.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Até onde vai a faxina para varrer a corrupção?


ESCÂNDALOS EM SÉRIE

Brasileiros de diferentes setores são unânimes em dizer que Dilma precisa do apoio da sociedade para desmontar esquemas no governo

A faxina iniciada pela presidente Dilma Rousseff para reduzir os focos de corrupção no governo federal tem sido creditada pela sociedade, em parte, a um traço de personalidade da presidente. Há quem identifique nela uma intolerância maior em relação à corrupção em comparação ao antecessor, Luiz Inácio Lula da Silva.

Mas ninguém nutre expectativas de que, sozinha, Dilma conseguirá seguir muito além do que já foi, desmontando esquemas de corrupção alimentados pelo loteamento político da máquina pública. Até porque muitos dos partidos que a apoiam são contra a faxina.  

Silvia Amorim e Carolina Benevides

- A sociedade tem que apoiá-la ou ela não conseguirá governar - opina Ney Matogrosso.

Na terça-feira que vem, a Frente Suprapartidária Contra a Corrupção e a Impunidade, lançada semana passada por um grupo de senadores que apoiam a faxina, fará um ato no Congresso para receber apoio de diversas entidades.

"Dilma tende a se isolar se a sociedade não apoiá-la. Não sei até que ponto (a faxina e a mobilização dos senadores) é briga política, mas quando os movimentos sociais eram fortes, a pressão da sociedade fazia com que o Congresso tomasse determinada atitude. Se as universidades, a OAB, a ABI, os sindicatos e os estudantes se manifestarem, esse movimento pode não ser só a luta pelos interesses de determinado grupo, mas pode pressionar os políticos que nos representam. As novas mídias também podem ajudar" - Adauto Novaes, filósofo

"Isso precisa ser feito, mas sou pessimista se não forem adicionadas novas medidas institucionais para deixar de ser algo voluntarista, que dependa da personalidade deste ou daquele presidente. Seria algo equivalente à operação Mãos Limpas que ocorreu na Itália. Uma das coisas que eu acho que a Dilma precisa fazer é ter um discurso nessa direção. Dizer que a partir de agora vamos tomar várias medidas de combate à corrupção que visem à montagem e ao fortalecimento de instituições que façam isso. Por exemplo, termos na Justiça equipes com juízes e promotores aparelhadas para só fazer investigação desse tipo. O voluntarismo é bom, mas se ficarmos dependendo deste ou daquele presidente nada vai adiante. Não acho que ela esteja jogando para a plateia. Isso é uma coisa que vem dela." - Alberto Carlos Almeida, Cientista político e autor do livro "A cabeça do brasileiro"

"O Brasil não tem tradição no combate à corrupção, e a postura da presidente causa boa impressão. A Polícia Federal gasta 23% do tempo investigando corrupção e 15%, tráfico de drogas. Estão presos, no Brasil, menos de 80 corruptos; presos por tráfico são 135 mil. Estou otimista, mas os resultados não dependem apenas dela. O combate à corrupção deve ser praticado com envolvimento compartilhado dos Poderes. A polícia tem que ser mais bem estruturada. A Justiça deve sair da catalepsia." - Odilon de Oliveira, juiz federal que combate o tráfico de drogas em Mato Grosso do Sul

"Nossa obrigação é apoiar. O Congresso fez a vida inteira de um jeito, os políticos acham que estão imunes. Pode até ser que a presidente erre em algum momento. Mas acho excelente que a casa comece a ser arrumada. Vejo com bons olhos, acho saudável esse movimento, como um recado que diz: não é mais assim que a banda toca, não é como você pensa que é. - Marina Person, cineasta

"A presidente Dilma sempre esteve muito perto da corrupção. Não se sabe se por vontade própria ou devido ao contexto político do governo anterior. Também não se sabe se a atual faxina partiu dela ou se resulta da atuação independente da Polícia Federal. Seja como for, o tamanho e a profundidade da sua faxina vão nos dar uma medida do peso que a ética e o jogo político tradicional têm nas suas decisões. - José Padilha, cineasta

"Mesmo que a opinião pública fracasse, o governo tem a obrigação de combater a corrupção. Não podemos depender só da opinião pública, ainda que toda manifestação que cobre mudanças seja benéfica. Nós temos leis. No mais, se Dilma continuar a faxina, terá sua ação facilitada. Vai ganhar respeito e autoridade. - Célio Borja, jurista e ex-ministro da Justiça

"A faxina da Dilma é inesperada, ter coragem para realizá-la é inesperado, mas também uma questão delicada. Não tenho certeza ainda do que isso pode representar, mas a sociedade tem que apoiá-la ou ela será destruída e não conseguirá governar. Afinal, o Congresso não está muito satisfeito com o rumo das coisas. O que tem acontecido (o combate à corrupção) é positivo porque tinha que ser feito em alguma hora. Ou continuaríamos como no governo Lula, que fez acordos com muita gente e aí precisava fingir que não via. - Ney Matogrosso, cantor

"A democracia é praticada no civismo, o ano inteiro, e não só na eleição. A democracia não está circunscrita só aos políticos. Essa faxina, esse movimento de combate à corrupção deve mostrar a união cívica de todos os brasileiros, acima das ideologias partidárias. O Brasil tem um problema amplo de corrupção. A pressão da opinião pública é importante. - Jorge Mautner, cantor, compositor e escritor

"Sou cético. Meu pensamento é grego clássico: "políticos aprenderam com os sofistas retórica e corrupção". Não acho que todo mundo que está lá está roubando. Tem gente séria, incluindo Dilma. Tenho fé nela. Não que ela vá resolver, mas vai ser mais difícil roubar com ela. Vejo austeridade no governo, mas me desmotivam o Congresso e a Justiça. A faxina pode se dar em torno da Dilma, mas e no Congresso? A vassoura da Dilma não atravessa a praça, a rua." - Gabriel Vilella diretor de teatro

FONTE: O GLOBO

Entrevista - Jarbas Vasconcelos: 'O que a gente não pode é esmorecer'


ESCÂNDALOS EM SÉRIE

Integrante da frente contra a corrupção, Jarbas Vasconcelos diz que faxina é forma de Dilma reforçar imagem diferente de Lula

Entre os integrantes da frente suprapartidária de combate à corrupção e à impunidade, Jarbas Vasconcelos (PMDB-RS) foi enfático no apoio à presidente Dilma Rousseff para que ela amplie a faxina no governo. Único peemedebista contrário ao governo, o senador completa 69 anos terça-feira, data da primeira reunião da frente suprapartidária na Comissão de Direitos Humanos do Senado. Em entrevista ao GLOBO, Jarbas avalia que Dilma busca se diferenciar do ex-presidente Lula e prevê um conflito entre "criador" e "criatura" para a disputa na eleição presidencial de 2014. "A corrupção está incorporada à paisagem brasileira. É como se fosse um outdoor e já está generalizada no governo".

Adriana Mendes
A frente contra a corrupção vai crescer?

JARBAS VASCONCELOS: O movimento só se consolida e só se expande se a presidente tomar uma medida uniforme com relação a todos os partidos. Não adianta ela fazer o que fez com relação ao Ministério dos Transportes e ficar de faz de contas em relação aos outros. Dilma só consolida essa posição dela, que é uma posição louvável, se ela tiver apoio da sociedade, das entidades, da mídia e do Congresso.

Deveria haver uma medida mais forte por parte de Dilma?

JARBAS: Mais forte e para todos. Ela não pode deixar de lado porque tal partido é grande, ou porque pertence a ele, no caso o PT. Ela tem que enfrentar isso de maneira firme, determinada e com a conduta uniforme. Ela não pode estar com um peso para um e uma medida para outro

Por que é difícil maior adesão de parlamentares?

JARBAS: Primeiro, por acomodação. Segundo, compromisso com cargos, emendas. Não querem contrariar o governo. Acham que fazer parte de uma frente dessas, só depois de consultar a presidente. Mas o que a gente não pode é esmorecer. No combate à corrupção, ela tem de exercer a autoridade dela de forma clara, transparente e linear. No Congresso, uma grande parte que é fisiológica não apoia.

Quatro ministros já caíram, três por denúncias. Dilma está colocando o dedo na ferida?

JARBAS: Para mim, era previsível. Eu tinha para mim mais ou menos essa previsão, porque ela tem um conceito, a conduta e fama de durona. Eu achava que, se ela enveredasse por essa formação dela, essa formação de não conviver com o malfeito... eu acho que em determinados momentos ela iria enfrentar isso. Enfrentar isso tem muitas contradições e muitos problemas para Dilma. Primeiro, porque é uma herança de que ela participou. Ela também criou essa herança. É uma herança maldita que veio de Lula, mas de que ela participou, porque foi chefe da Casa Civil. Ela presenciou (o fato de) que Lula alisava, passava a mão na cabeça de corruptos. Lula convivia bem com mensaleiros, Lula amparou e defendeu os aloprados. Sempre saiu em defesa de Sarney. Na crise de Sarney, ele se colocou à frente dizendo que Sarney era uma pessoa diferenciada. Tudo isso, ela presenciou.

Onde Lula errou?

JARBAS: Ele é marqueteiro. É homem de palanque. E chegou a índices de popularidade incríveis. Lula se considerou, no governo e agora fora do governo, uma pessoa que está acima de tudo. Acima da Constituição, acima da Justiça, acima do Congresso, acima das pessoas. Quando Lula diz que essa questão de formador de opinião pública é uma balela, que não existe, ele incorre em um grande erro. Todo país, toda cidade, todo estado, tem formadores de opinião pública. Ele alcançou uma popularidade tal que se dá o luxo hoje e o desplante de enfrentar TCU (Tribunal de Contas da União), a mídia de um modo geral, de desqualificar denúncias. Ele tinha força para isso. A Dilma não tem ainda. A Dilma está longe, muito longe de chegar a uma posição de Lula. O Lula enveredou por um caminho errado, de proteger. O erro dele foi esse aí.

A corrupção está centrada nos ministérios ou presente também em outros órgãos?

JARBAS: Ela é generalizada. É uma avaliação incorreta dizer que o Lula, o PT, ou os dois juntos inventaram a corrupção. A corrupção sempre existiu. Só que Lula foi benevolente. Lula foi eleito em 2002 em cima de duas bandeiras, de duas pernas: uma perna que era a da ética e outra que era a das mudanças. Lula nem promoveu mudanças e deixou a ética de lado, abandonou a ética.

Dilma está esquentando a cadeira para Lula?

JARBAS: Não, não. Eu acho que ela vai ser candidata. Acho que ele é candidatíssimo, se não fosse, não estaria andando pelo país inteiro. Ele está com um comportamento de candidato. Se ele não quisesse antecipar eleição, ele não estaria andando como está andando, ele estaria mais recolhido como ex-presidente da República. Ele tá em plena campanha! Ele deve estar com isso na cabeça, de voltar. E ela, eu acho que ela está querendo criar um estilo próprio, porque ela não tem como e ela não vai chegar nunca aos índices de popularidade de Lula, que fazia o que queria e a popularidade dele não era sequer arranhada. Eu acho que vai ter um conflito, mais cedo ou mais tarde, é muito cedo ainda, com o desejo dele de voltar à Presidência em 2014 e o desejo dela de permanecer no poder, de querer se reeleger.

Ela disputa então a eleição de 2014?

JARBAS: Ela é candidatíssima. Para isso, ela só tem que fazer o que está fazendo. Ela tem que se diferenciar de Lula. Aí você percebe que é um mundo de contradição. É um mundo de choque. Ela até agora está tirando ministros que eram ligados a Lula, eram indicações de Lula. O (Antonio) Palocci, o (Wagner) Rossi eram pessoas ligadas e indicadas por Lula. Ela sabia que não podia ter uma conduta como teve com relação ao Ministério dos Transportes e mudar a conduta com relação ao PMDB, só porque o PMDB é maior, bem maior do que o PR.

O senhor já declarou que o PMDB é um partido corrupto. Esse é um dos problemas do governo?

JARBAS: Hoje não é nem o PMDB. A corrupção está instalada em todos os lugares. É a política do toma lá, dá cá. Tem uma coisa importante nisso tudo aí, que é a reforma política, que ficou de lado. Nós estamos terminando agosto e entrando em setembro, para fazer PEC, modificar normas eleitorais, a gente tem que fazer até um ano antes da eleição. Esse prazo se extingue daqui a 40 ou 50 dias no máximo, no começo de outubro. Vamos ficar sem reforma política, vamos disputar eleições para o ano, e depois em 2014, com essas regras.

"Não me acho fora de moda nem sou Quixote"

A reforma política não sai?

JARBAS: Não sai porque o Executivo não teve interesse. Ela está repetindo erros de governos anteriores. Não estou nem me referindo a Lula. Ou você faz isso no começo, ou não faz mais. Ela está terminando o 8º mês e não fez. Acabar com coligações e eleições proporcionais, essa história de votar em José e eleger Emanoel, isso beneficia as legendas de aluguel. Esses pequenos partidos que infernizam a vida de qualquer país que queira se livrar da corrupção.

O senhor foi favorável à CPI da Corrupção. É um caminho?

JARBAS: Sinceramente, não. Mas ela tem que ser formalizada. Porque se criou um hábito de que o governo não quer CPI. A CPI da Corrupção é a favor dela (Dilma), ia ajudá-la, já que não quer conviver com corruptos. A corrupção está incorporada à paisagem brasileira. É como se fosse um outdoor. O medo que faz é a população se acostumar com isso.

O que pode ser feito de concreto pela frente suprapartidária?

JARBAS: Tenho algumas ideias. Primeiro, acho que isso tem de ser levado à frente e se aproximar da sociedade organizada. Depois daquela denúncia contra o meu próprio partido, o PMDB, apresentei um projeto de que todas as diretorias financeiras e órgãos de ministérios e de estatais, a diretoria financeira não podia ser indicada por partidos políticos, teria que ser de funcionários de carreira, proibindo a indicação de políticos. Pode ser feito um pente fino no Congresso para levantar os projetos que possam melhorar o combate à impunidade e à corrupção.

A oposição está enfraquecida ou incompetente?

JARBAS: A oposição está muito reduzida e ainda continua incompetente para fazer oposição. A oposição que não se reúne. No Senado, no ano passado, na única vez em que a gente se reuniu formalmente, o núcleo de oposicionistas, a gente conseguiu derrubar a CPMF, que era para reduzir a carga tributária no país. Então, a gente precisa se reunir mais, conversar mais.

O senhor não se acha fora de moda, senador?

JARBAS: Não, não me acho fora de moda, não, e nem quero ser o Quixote. Não tenho formação para isso: o moralista, o homem que tem a bandeira da moralidade. Não quero nada disso. Eu quero fazer aquilo que minha consciência determina, que minha formação dada pelos meus pais explicita em mim.

FONTE: O GLOBO

Aécio diz que faxina ética de Dilma é slogan de campanha


Thiago Herdy

BELO HORIZONTE. O senador Aécio Neves (PSDB) classificou como "slogan de campanha" a faxina ética realizada pelo governo Dilma Rousseff (PT), que já resultou na queda de quatro ministros e auxiliares. Durante o ato de oficialização da criação do braço sindical do PSDB mineiro, o ex-governador de Minas criticou o que chamou de "aparelhamento da máquina pública" pelo PT e a formação de feudos partidários, em sua opinião verdadeiros responsáveis por distorções que levam à corrupção.

- O governo acorda todos os dias, deve abrir os jornais quase que como filando uma carta de baralho para saber quem é o próximo denunciado, para a partir daí agir. Se ninguém denunciou naquela semana, tá muito bom. Para um governo com oito meses apenas de duração, já está muito envelhecido - criticou Aécio, que defendeu medidas pró-ativas de combate à corrupção, como a ação de auditorias e da Controladoria Geral da União para o controle da corrupção.

O senador ironizou a aproximação entre Dilma e o tucano Fernando Henrique Cardoso nesta semana, durante lançamento do programa Brasil sem Miséria em São Paulo:

- Acho que a presidente está incomodada com alguns dos seus aliados, talvez tenha buscado estar um pouco mais próxima dos tucanos - disse.

FONTE: O GLOBO

Paulo Bernardo e sua mulher teriam usado avião de empreiteira do Paraná


SÃO PAULO - O ministro das Comunicações, Paulo Bernardo, teria usado o avião de uma empreiteira para viajar pelo país no ano passado, quando ainda comandava o Ministério do Planejamento no governo Luiz Inácio Lula da Silva. A informação é da revista "Época" desta semana e se baseia no relato de dois parlamentares, um da base do governo no Congresso e outro da oposição. A mulher de Paulo Bernardo, a ministra da Casa Civil, Gleisi Hoffmann, também teria usado o mesmo avião, um turboélice King Air, prefixo PR-AJT, durante sua pré-campanha para o Senado pelo Paraná, onde fica a sede da dona do avião, a construtora Sanches Tripoloni.

Segundo a reportagem, por quatro vezes nos últimos 40 dias "Época" perguntou a Bernardo se ele havia usado avião particular depois que se tornou ministro, mas em nenhuma delas obteve resposta. A revista fez a mesma pergunta a 30 ministros do atual governo, obtendo respostas de todos eles: 28 responderam que não usaram jatinhos, e apenas dois - Paulo Passos, dos Transportes, e Mario Negromonte, das Cidades - disseram que sim. Passos voou em aviões de empreiteiras durante vistorias em obras em regiões remotas, e Negromonte, que é deputado federal pela Bahia, disse que freta aviões por conta própria, para viajar em seu estado.

"Época" revela ainda que, à frente do Planejamento, Bernardo se empenhou para a construção do Contorno Norte de Maringá (PR), projeto tocado pela Sanches Tripoloni, cujo custo hoje já é o dobro do orçado inicialmente. Num primeiro momento, o ministro teria ajudado a liberar verbas para o projeto por meio de emendas parlamentares. Depois, ajudou a incluir a obra no Programa de Aceleração do Crescimento e livrou o empreendimento da dependência de emendas parlamentares, sujeiras a contingenciamentos orçamentários.

Isso ocorreu depois de o Tribunal de Contas da União (TCU) ter identificado superfaturamento na obra. Em 2009, diz a revista, a Sanches Tripoloni já havia sido declarada inidônea pelo TCU, por causa de irregularidades numa obra em Foz do Iguaçu. Mesmo assim, somente em 2010 a empresa teria recebido R$ 267 milhões em repasses federais. A Sanches Tripoloni contribuiu com R$ 500 mil à campanha ao Senado de Gleisi, que não respondeu à "Época" se usou o avião da empreiteira.

FONTE o GLOBO

Ministro das Cidades teria oferecido mensalinho

Negromonte negou revelação de revista

BRASÍLIA - O ministro Mário Negromonte (Cidades) teria ofertado um "mensalinho" de R$ 30 mil para deputados do seu partido, o PP, em troca de apoio interno, segundo reportagem da revista "Veja" desta semana.

O PP está rachado na Câmara entre os grupos do ministro e a ala que assumiu a liderança da bancada, emplacando o nome de Aguinaldo Ribeiro (PB).

De acordo com a "Veja", um grupo de parlamentares do PP levou a informação da oferta à ministra Ideli Salvatti (Relações Institucionais). A assessoria de Ideli negou ontem ter recebido qualquer acusação.

A indicação de Negromonte para o governo Dilma desagradou uma parcela do partido, que apoiava a manutenção de seu antecessor, Márcio Fortes, no cargo.

À publicação Negromonte negou ter ofertado dinheiro e disse que a informação parte de Fortes -que, por sua vez, se negou a comentar o caso.

DNIT

Ideli também aparece em reportagem da "IstoÉ". Em conversas gravadas pela Polícia Civil de Santa Catarina, ela, ainda como ministra da Pesca, articula com um ex-deputado para manter no cargo o superintendente do DNIT (Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes) no Estado, João José dos Santos.

Segundo a revista, há suspeitas de irregularidades contra ele. À revista Ideli afirmou que o superintendente nunca foi condenado por nenhum órgão de controle.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

Cabral afirma que desconhecia novo contrato com a Delta

MADRI - O governador do Rio, Sérgio Cabral, disse ontem em Madri desconhecer os novos contratos que o governo fluminense firmou com a construtora Delta no valor de R$ 37,6 milhões.

Em viagem oficial à Espanha, ele afirmou que não soube da assinatura dos contratos, publicados no "Diário Oficial" de seu governo, antes de a imprensa divulgar o caso.

"Eu tomei conhecimento com a imprensa, não estava nem sabendo" disse.

A relação pessoal de Cabral com o empresário Fernando Cavendish, da construtora, se tornou pública após um acidente de helicóptero na Bahia que matou sete convidados do aniversário do empresário, entre eles uma nora de Cabral.

Ao ser questionado sobre os motivos de voltar a contratar a Delta, de novo sem licitação, o governador disse que a assinatura dos contratos não é de sua responsabilidade.

"Isso não é comigo, é com a Secretaria [estadual] de Obras [a cargo de seu vice-governador, Luiz Fernando Pezão]", afirmou.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

O papel de Dilma :: Merval Pereira


Por duas vezes semana passada ouvi referências sobre a teoria dos papéis, a primeira delas em palestra do antropólogo Roberto DaMatta que, partindo de seu trabalho sobre o espaço da casa e da rua na nossa realidade, analisou questões éticas da sociedade brasileira à luz dos papéis sociais que desempenhamos.

Do que me interessa para efeito do raciocínio que pretendo desenvolver sobre os dias atuais na nossa política, DaMatta mostrou que nem sempre escolhemos nosso papel na sociedade e, muitas vezes, ele é maior do que nós, os atores.

Em outras, é apenas uma questão de circunstâncias que nos levam, os atores, a momentos ou ações nunca pensados.

DaMatta arrancou aplausos da plateia quando destacou a disfuncionalidade de nosso sistema político.

Dias depois, foi a vez do vice-presidente Michel Temer falar do mesmo assunto, citando uma experiência pessoal.

Ao ser escolhido pelo então governador Franco Montoro para assumir a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo, ele, que era professor de Direito, sentiu-se despreparado para a missão e só não desistiu por que viu uma entrevista na televisão do ator Gianfrancesco Guarnieri, que havia assumido a Secretaria de Cultura.

Perguntado sobre como se sentia na nova função, tendo que usar terno e gravata e se submeter a certos cerimoniais oficiais, Guarnieri foi explícito na citação de Shakespeare, que DaMatta também usara em sua palestra: a vida é um palco e nós somos atores a quem cabia desempenhar o papel que ela nos reservara.

DaMatta ainda sublinhara um detalhe perverso dessa metáfora shakesperiana, a de que, diferentemente do teatro, na vida nós não sabemos o momento em que a cortina vai descer, dando fim à nossa representação.

Mas o que importa aqui é justamente esse aspecto da representação do papel social. O vice Michel Temer disse que, a partir da declaração de Guarnieri, decidiu que poderia "representar" o papel de secretário de Segurança, e assumiu o cargo que o levaria a entrar na política partidária na Constituinte de 1988. Ele tem representado bem o papel de político, se olharmos apenas os cargos e funções que seguidamente vem galgando.

Neste momento, por exemplo, exerce o papel de moderador na crise da base aliada, especialmente dentro de seu partido, o PMDB, que está totalmente dividido em disputas internas e, principalmente, descontente com o comportamento da presidente Dilma Rousseff em relação às ambições de poder do partido.

Levada mais pelas dificuldades crescentes de relacionamento com sua base congressual do que pela afinidade com o vice-presidente, Dilma tem tido que recorrer mais e mais a seus conselhos e, a partir deles, tem se esforçado para se aproximar dos partidos que a apoiam, e não apenas do PMDB, representando papel que se recusava a assumir.

Neste ponto é que me interessa especular sobre o papel da presidente Dilma nesse processo tão rico quanto conturbado vivemos. A faxina ética que agora rejeita como objetivo de seu governo foi um papel que exerceu durante a crise do Ministério dos Transportes apenas com fins marqueteiros, para saciar a sede de justiça da sociedade sem colocar em risco seu apoio político, visto que o PR é um partido pequeno, que não tem como viver longe do poder?

Ou é um anseio verdadeiro que ela está sendo obrigada a relevar devido às pressões políticas internas, inclusive do próprio ex-presidente Lula?

O fato é que, assim como o combate à hiperinflação acabou dando resultado com o Plano Real porque a sociedade já estava esgotada por um processo histórico que prejudicava a todos, também o combate à hipercorrupção que assola historicamente o país parece estar chegando a um ponto de não retorno, mesmo que a presidente dê demonstrações de que está prestes recuar, ou, pelo menos, a dar uma parada estratégica no processo que desencadeou para tentar rearrumar sua base de apoio.

Chega a ser engraçado o comentário de Dilma sobre a reportagem da revista inglesa "The Economist", que elogia seu combate à corrupção, mas prevê que ela terá problema políticos ao mexer na verdadeira casa de marimbondos da política brasileira.

Dilma se dignou a responder à reportagem em uma declaração pública - o que fala muito de nosso provincianismo - dizendo que os estrangeiros não conhecem "nossos usos e costumes", e por isso acham que ela terá problemas com seus aliados.

Segundo sua versão, no papel de ingênua que não lhe cabe muito bem, mas que é obrigada a desempenhar, Dilma diz que seus aliados também não concordam com os malfeitos.

Ora, o que ela está combatendo, e a sociedade brasileira se mobiliza para apoiar, são justamente esses "usos e costumes", o que Roberto DaMatta chama de "ética dupla" brasileira, que trata questões éticas misturadas com o relacionamento pessoal, tentando fazer justiça, mas salvando a honra de todos os implicados, "a complexa e difícil dialética entre o princípio da compaixão (para "os nossos") e da justiça (para "os outros")".

É o que está acontecendo neste momento em que o governo, mesmo depois de retirar de seu convívio diversas autoridades e três ministros de Estado, por denúncias graves de corrupção, tenta reabilitá-los de diversas maneiras, seja pedindo formalmente que o PR retorne à base aliada, da qual se desligara "em protesto", seja tentando demonstrar que não existe nenhum projeto de limpeza ética, simplesmente porque todos da base aliada são éticos.

Tão éticos que indicam para comandar a comissão que estudará o novo Código de Processo Civil deputados que respondem a diversos processos no Supremo Tribunal Federal.

Além do mais, tanta sujeira para ser limpa significa que, anteriormente, houve quem deixasse sujar. E quem veio antes, e promete vir depois, é o ex-presidente Lula, seu líder e tutor.

Que papel Dilma escolherá para marcar sua passagem pela Presidência da República?

FONTE: O GLOBO

Sem pai nem mãe :: Dora Kramer


Se a dita faxina ética é fato ou ficção, os próximos capítulos dirão. Mas um avanço a presidente Dilma Rousseff já produziu com seu jeito diferente do antecessor de lidar com denúncias e inadequações de comportamento em geral em seu ministério: pôs a corrupção em pauta.

Alguns ainda insistem na tese de que só os "fariseus", "udenistas" e a "imprensa golpista" põem o tema no alto da escala das prioridades nacionais, mas muitos - empresários, políticos, cientistas políticos, ativistas das redes sociais e entidades civis - já se pronunciam dando sinais de compreender que o problema não é moral. É, sobretudo, institucional.

Eivada pela corrupção, a democracia no Brasil não tem como avançar. Ao contrário: corre sério risco de retroceder.

Nesse sentido, percebe-se um lento despertar da letargia, materializado nas manifestações de vontade de que a corrupção deixe de ser tratada como assunto episódico na ilustração de escândalos periódicos e passe a ser discutida, esmiuçada e enfrentada.

A dúvida que se põe daqui em diante é sobre a continuidade do processo. Terá o governo como indutor e condutor ou dependerá da organização e disposição da sociedade?

É certo que a torcida procura dar apoio à presidente Dilma Rousseff pintando seu papel nessa história com tintas bem mais generosas que as fornecidas pela realidade.

O governo recolhe os dividendos, mas um exame detido e desapaixonado dos acontecimentos dos últimos quase três meses mostra que o Planalto é antes caudatário que deflagrador dos fatos.

Em momento algum desde o início de seu governo se ouviu da presidente o anúncio de um esboço sequer de propostas de combate à corrupção. Ela, quando instada a falar no assunto, atribui à imprensa a conceituação das demissões em série como uma ofensiva de "limpeza" e evita tomar a frente do processo.

E realmente foi a imprensa que estabeleceu e deu nome à diferenciação entre o modo de agir da atual presidente e a maneira de atuar de seu antecessor conferindo a ela a autoria de um plano de verdade nunca assumido como tal.

Se houvesse um projeto pensado, pesado e medido, Antonio Palocci não teria demorado 15 dias para se ver obrigado a explicar ao público seu inexplicável enriquecimento e mais uma semana para deixar o cargo.

Um governo com uma agenda clara de combate à corrupção teria determinado que seu ministro-chefe da Casa Civil se explicasse de imediato. O Planalto o defendeu o quanto pôde aludindo a conspiração política enquanto a Comissão de Ética Pública lhe atestava inocência.

Apenas no caso do Ministério dos Transportes a presidente agiu de ofício, cobrando duramente o aumento dos preços em obras do PAC, embora só tenha decidido pelas demissões depois de a imprensa divulgar o episódio. Mesmo assim, a presidente chegou a conferir ao ministro depois demissionário o comando das investigações sobre o que ocorria debaixo do nariz dele e do secretário executivo que veio a substituí-lo.

Nelson Jobim caiu de maduro de tanto falar bobagens e Wagner Rossi enforcou-se nas próprias cordas. Mas ganhou o direito de ver divulgado pelo palácio um apelo candente de Dilma para que continuasse no cargo.

No Ministério do Turismo foram presas 36 pessoas, entre os quais o secretário executivo que depois foi veementemente defendido pelo ministro Pedro Novais em audiência no Congresso, e do Palácio do Planalto o que se ouviu foi uma crítica à atuação da Polícia Federal.

Portanto, o que há de diferente em relação a Lula por ora é mais o estilo que os atos propriamente ditos. Dilma evita dar declarações que soem a proteção dos aliados, mas, como Lula, espera que os acontecimentos se imponham no lugar de fazer acontecer.

O que falta à presidente não é "habilidade política" para dar conta da empreitada. Falta método, clareza e a troca da reação pela iniciativa da ação. Começando por apresentar ao País suas credenciais, explicando quais são suas ideias a respeito do que seja necessário em termos de mudança de procedimentos para a construção de um governo de coalizão dentro dos marcos estritos da legalidade.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Jogo de cena :: Fernando de Barros e Silva

A imagem de Dilma ao lado de líderes tucanos no Palácio dos Bandeirantes, na quinta, provocou comentários entusiasmados sobre o significado dos afagos entre a presidente e a oposição. Seria bom ir devagar antes de tirar maiores consequências desse convescote que reuniu os Montecchio e os Capuleto da política nacional no lançamento do programa Brasil Sem Miséria na região Sudeste.

Não é muito difícil mapear as motivações de cada um. A Alckmin interessava associar seu governo e sua figura à área social, sobretudo ao Bolsa Família, marca do PT. Ele e Anastasia não têm, além disso, nenhum motivo para criar atritos com o governo federal, do qual dependem. Por isso, o anfitrião se derramou em mesuras para Dilma.

As pessoas se esquecem, mas Lula, presidente, e Serra, governador, também trocavam gentilezas em público. Elas cessaram na campanha, para o infortúnio do tucano.

FHC encontrou em Dilma uma aliada insuspeita para recompor a imagem histórica de seu legado, aviltado anos a fio por petistas e tucanos, a começar por Serra.

E Dilma, desde o início, percebeu que poderia se beneficiar de contrastes em relação ao estilo de Lula. Ao distensionar as relações com a oposição e com a imprensa e ser identificada como alguém que quer moralizar a política, a presidente caiu no gosto das classes médias.

Nem Aécio nem Serra têm razões para gostar do cortejo que FHC e Alckmin fazem à "presidenta". Nem Lula nem o PT aprovam a deferência de Dilma a certo tucanato. São os interesses conflitantes dentro de cada campo de poder.

Não se imagine, porém, que corremos o risco de ver uma aliança política entre o Planalto e os tucanos em torno da "faxina ética". Esse namorico é retórico e não vai além da troca de amabilidades. As eleições municipais logo nos lembrarão quem está com quem e qual é o jogo na vida real. O resto, como diria aquele dramaturgo, são sonhos de uma noite de verão.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

Tucanos caem como patinhos :: Eliane Cantanhêde


As fotos de Dilma com Fernando Henrique, Geraldo Alckmin e Antonio Anastasia dizem muito -sobretudo da estratégia dilmista de se descolar de escândalos e escandalosos e se aproximar da oposição e de independentes.

Dilma, que não é PT na origem e na alma, tem problemas na base aliada, com o malcriado PR articulando operação-padrão com PTB, PP, PSC e setores do PMDB. Mas o que é melhor: uma foto com Alfredo Nascimento e os quase 30 demitidos dos Transportes ou com FHC, Alckmin e Anastasia? O apoio caríssimo de Wagner Rossi ou um elogio de Jarbas Vasconcelos, Pedro Simon e Cristovam Buarque?

A presidente já tinha trocado gentilezas com FHC na festa da Folha, foi justa e carinhosa numa carta de aniversário para ele, ofereceu-lhe vaga à mesa de Barack Obama no Itamaraty. Tudo isso é bom, republicano, mas é preciso avaliar perdas e ganhos.

O aparato marqueteiro que Dilma herdou de Lula não dá ponto sem nó: a solenidade do Brasil sem Miséria com o tucanato foi justamente em São Paulo, coração do PSDB e do seu eleitorado.

E o aparato político cuida da aritmética no Congresso: o PR faz beicinho? Chama o PSD! Dilma se reuniu com Kassab em Brasília no mesmo dia da festinha com tucanos em São Paulo. Coincidência...

Assim, enquanto se discute se Dilma faz mesmo uma "faxina ética", ou apenas deixa rolar e se beneficia dela, a presidente vai virando estrela de uma frente pluripartidária contra a corrupção e contra a miséria. Só tem a ganhar. CPI da Corrupção? Esquece.

Lula virou "pai dos pobres", e Dilma se firma como "mãe anticorrupção". O PSDB corrobora alegremente, e assim ela vence resistências entre os 40 milhões que votaram na oposição, contra Lula e o lulismo. Por trás do discurso de que o Brasil sai ganhando, a oposição não lucra nada, Dilma fica com tudo. E Dilma é Lula.

PS - Até 13 de setembro!

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

O golpe parlamentar do PT e do PMDB:: Elio Gaspari

Enquanto o país vê o serviço de faxina da doutora Dilma, a comandita PT-PMDB, ajudada por discretos silêncios do PSDB e do DEM, prepara um golpe parlamentar de proporções inauditas desde que, na ditadura, baixou-se o Pacote de Abril de 1977. Essa jararaca de muitas bocas move-se há meses no escurinho do Congresso. Se ninguém fizer nada, a matéria será aprovada ainda neste ano.

O deputado Henrique Fontana (PT-RS) apresentou à Comissão de Reforma Política um anteprojeto que institui o voto de lista preordenada para a composição de metade da Câmara. O eleitor deverá votar duas vezes, uma no candidato e outra na lista.

Além disso, pretende buscar na Bolsa da Viúva todos os recursos para as campanhas eleitorais, atribuindo às direções dos partidos a distribuição do dinheiro. A choldra pagará a conta toda, mas só escolherá metade de seus deputados.

Tudo o que há de ruim no atual sistema, ruim continuará. As coligações mudarão de nome, chamando-se federações. Para piorar, se um micropartido se juntar a outro, grande, bicará seus recursos.

Os defensores da jararaca dizem que a reforma destina-se a revigorar a democracia, fortalecendo os partidos. Tudo bem. José Genoino e Delúbio Soares, ex-presidente e ex-tesoureiro do PT, são réus na quadrilha que aguarda julgamento no STF. Roberto Jefferson, o cronista do mensalão, é o presidente de honra do PTB. Valdemar Costa Neto presidiu o PL. Alfredo Nascimento, defenestrado do Ministério dos Transportes, preside o PR. Baleia Rossi, filho do ex-ministro da Agricultura, preside o PMDB paulista.

O aspecto golpista do projeto está na maneira como querem votar a essência da proposta. Matéria dessa magnitude exige uma emenda constitucional, para a qual seriam necessários os votos de 308 deputados e 49 senadores. Querem descer o voto de lista e o avanço sobre a Bolsa da Viúva goela abaixo como projeto de lei, coisa que pode passar até mesmo com 129 votos na Câmara e 21 no Senado.

A Receita blindou a turma do andar de cima

Um velho bordão nordestino diz que nesta vida há os Cavalcantis e os Cavalgados. Parecia piada. No último dia 10 a Secretaria da Receita Federal baixou a portaria 3.230, blindando sua Delegacia dos Grandes Contribuintes e impedindo que os auditores encarregados de fiscalizar os Cavalgados se metam com as sonegações dos Cavalcantis. Esse regime cuidará dos "contribuintes sujeitos a acompanhamento econômico-tributário diferenciado".

Em 2009 a Receita criou delegacias especiais de grandes contribuintes. Até aí, tudo bem, porque os endinheirados podem pagar grandes escritórios de consultoria (onde aninham-se ex-hierarcas da Receita) e, para fiscalizá-los, a Viúva precisa de mão de obra capacitada. Em tese, essas delegacias fortaleceriam a infantaria dos auditores.

Agora, o artigo 11 da Portaria 3.230 determina que "a abertura de processo de fiscalização" de um grande contribuinte de seja lá onde for "dependerá da prévia anuência da Delegacia Especial". Na prática, o sistema passou a impedir que a infantaria fiscalize os Cavalcanti.

A providência impediria que um auditor achacasse um Cavalcanti. A prática mostra o contrário: os grandes trambiques de funcionários da Receita não nascem na infantaria, mas no Estado-Maior.

Fica assim a coisa: a patuleia de 25 milhões de contribuintes é vigiada por 10 mil auditores. Os 20 mil "diferenciados" e as "pessoas físicas de relevante interesse" ficarão num cercadinho VIP, fiscalizados por 60 servidores, mas só por eles.

Tunga de Kassab

O Arquivo Histórico Municipal de São Paulo cobra R$ 25 a um pesquisador acadêmico para que ele possa fotografar um documento com sua câmera digital. Se o curioso for apenas um cidadão, desses que são chamados a votar nas eleições, terá de desembolsar R$ 50. O Arquivo do Estado, a Biblioteca Mario de Andrade e a da USP nada cobram. O responsável pela gracinha que instituiu a tunga (decreto 52.040) foi o prefeito Gilberto Kassab.

Lula Vargas

Pode-se fazer tudo com Lula, menos qualificar a possibilidade (enorme) de ele ser candidato em 2014 como um episódio "sebastianista". D. Sebastião, "o Encoberto", desgraçou Portugal e morreu em 1578, aos 24 anos, numa batalha que devastou a nobreza da terra. Seu corpo sumiu e restaram apenas lendas. Inclusive a do horror que tinha a mulheres. Se Lula quiser voltar ao Planalto deverá batalhar o voto da escumalha. Nesse caso, o máximo que se pode fazer é compará-lo a Getúlio Vargas, que voltou ao Palácio do Catete em 1951, ou a JK, que poderia ter voltado em 1966 se não o tivessem cassado.

Duelo de Titãs

Na disputa pela Prefeitura de São Paulo, Lula e José Dirceu estão em campos opostos. Um quer mostrar que elege outro poste, o ministro Fernando Haddad. Já o comissário trabalha por Marta Suplicy. A senadora tem também o apoio da consultoria de Antonio Palocci.

Mortalidade

Com a demissão do ministro Wagner Rossi a taxa de mortalidade ministerial de Dilma Rousseff chegou a 16,6%. Passou a da mortalidade infantil do Afeganistão (14,9%) e aproximou-se dos 17,6% do líder, Angola.

Trapaças da memória

Está nas livrarias "Nelson Werneck Sodré - Entre o Sabre e a Espada", um coleção de 21 artigos e depoimentos sobre o historiador comunista, cujo centenário de nascimento transcorre neste ano. Sodré foi militar e, passando para a reserva, chegou a general. Seu "Memórias de um Soldado" é certamente um dos melhores retratos da vida nos quartéis e das divisões políticas que envenenaram a tropa no século passado.

Há poucas semanas lembrou-se o centenário do nascimento do brigadeiro Francisco Teixeira, também comunista. Teixeira comandava a força aérea no Rio de Janeiro e a ele se deve a decisão de rebarbar a maluquice de um bombardeio do Palácio Guanabara em 1964.

Sodré e Teixeira foram cassados e presos durante a ditadura. Pareciam destinados ao esquecimento. Outro militar fez a trajetória inversa, tornando-se um dos mais poderosos generais do regime e a ele se deveu boa parte da concepção e da estratégia da abertura política iniciada por Ernesto Geisel em 1964. Parecia destinado à lembrança. Pois é. Hoje é o dia do centenário de nascimento do general Golbery do Couto e Silva, criador do SNI e chefe do gabinete militar nos governos de Geisel e João Figueiredo.

Uma fila imperial

Dennis Hearne, atual cônsul americano no Rio, ameaça quebrar a marca da inépcia de seu antecessor que, em 2006, tinha uma fila de espera de 140 dias para agendar entrevistas de pedido de visto para turistas brasileiros. Na semana passada o doutor pedia 120 dias. Em São Paulo são 83.

Em Cabul a espera é de 23 dias, e em Ciudad Juarez, foco do narcotráfico, é de um dia.

FONTE: O GLOBO

Percepções do Brasil no mundo :: Celso Lafer


"Política é nuvem, vai tomando novas formas." "Tão importante quanto o fato são as versões que assume." Essas frases apontam para o fato de que a palavra política designa ao mesmo tempo a realidade e a consciência que dela tomamos. Por isso, a percepção da realidade faz parte da própria realidade e o jogo da vida pública transita pela interação dos acontecimentos com múltiplos significados que lhes atribuímos ao conhecê-los.

Essa interação caracteriza as sociedades contemporâneas, que, por serem voltadas para o futuro, vivem impregnadas pela noção de risco, com as suas dimensões de probabilidade e incerteza. Por essa razão, hoje em dia as expectativas têm, num mundo interdependente, um papel decisivo, tanto na vida econômica quanto na política.

As agências de rating de crédito dos países impactam, positiva ou negativamente, as economias porque sinalizam expectativas dos riscos futuros da sua sustentabilidade. Também na vida política as percepções sobre a qualidade ou imperícia das lideranças no trato dos problemas, os méritos ou deméritos das instituições, a natureza dos conflitos vão tecendo os cenários de expectativas que cercam a dinâmica de funcionamento de um sistema político. Na elaboração das percepções políticas e econômicas atuam os meios de comunicação, as redes sociais e a instância dos analistas qualificados.

O mesmo ocorre na apreciação dos ativos e passivos de um país no plano internacional, a partir de duas vertentes de estimativa. A primeira diz respeito à configuração da ordem mundial. A segunda resulta das características do seu desenvolvimento interno. Um bom exemplo da dinâmica desse processo de ponderação das expectativas é o contraste entre a avaliação feita em fevereiro de 2001 por um grupo de trabalho do Council on Foreign Relations, coordenado por Kenneth Maxwell, e o recém-publicado relatório elaborado pelo grupo de trabalho conduzido por Julia Zweig. Ambos analisam o papel do Brasil no mundo e as relações entre o nosso país e os Estados Unidos, e provêm de uma reputada instituição norte-americana dedicada ao entendimento do mundo e das opções da política externa dos EUA. Os dois relatórios têm, para nós, o mérito de articular o significado da percepção do Outro, que é tão importante para a condução da política externa num mundo globalizado.

O relatório de 2001 é sucinto, em contraste com o de 2011, que é muito mais abrangente e analítico. O de 2001 foi elaborado numa época de primazia dos EUA no mundo. O de 2011 leva em conta que os EUA precisam adaptar-se às novas realidades de uma ordem multipolar. O relatório de 2001 tem como pano de fundo as crises financeiras da década de 1990, que afetaram o Brasil. Reconhece avanços positivos no plano interno e identifica o Brasil como um ator de inquestionável peso regional com interesses gerais no funcionamento do sistema internacional. O relatório de 2011 tem como horizonte a positiva maneira como o nosso país lidou com a crise financeira de 2008 e reconhece que o Brasil alcançou um novo patamar de presença no mundo multipolar da atualidade, tanto como ator global quanto como motor do crescimento da América do Sul. Daí, para os EUA e os países latino-americanos, a importância de ajustarem suas percepções ao significado da ascensão brasileira no mundo. Nesse contexto, o relatório recomenda ao governo norte-americano endossar o pleito brasileiro de um lugar permanente no Conselho de Segurança da ONU. No trato das relações Brasil-EUA, explora o espaço das convergências e lida, com sensibilidade diplomática, com as diferenças de perspectivas e interesses.

O relatório destaca o cumulativo impacto positivo dos últimos 16 anos, proveniente das Presidências FHC e Lula, realçando o significado da consolidação democrática, dos méritos das políticas econômicas que levaram ao controle da inflação e das políticas sociais de inclusão que propiciaram o declínio das desigualdades de renda e a emergência de uma nova classe média.

O relatório de 2011 aponta para os avanços positivos dos ativos brasileiros relevantes para a presença do nosso país no mundo (agricultura, mineração, energia, meio ambiente, etc.) e também indica a agenda de desafios para o futuro da sua sustentabilidade. Entre eles, o da melhoria da educação, o do necessário aprofundamento do que está sendo feito no campo da pesquisa e da inovação, da superação do significativo déficit de infraestrutura, que compromete a logística e a competitividade do País.

A temática da sustentabilidade do novo patamar da presença do Brasil no mundo comporta, como é natural, outras facetas internas e externas que não foram circunstanciadamente examinadas no relatório. Do ponto de vista político, quero, como cidadão, realçar o significado de um grande item para a democracia brasileira tão presente no debate nacional: o da corrupção.

A democracia baseia-se na confiança recíproca entre os cidadãos e na destes nas instituições. A corrupção (que vem do latim corrumpere e significa destruir) é um agente de decomposição da substância das instituições públicas. Tem um alcance que vai além das condutas transgressivas individuais, pois enseja o que Raymond Aron chama de corrupção do espírito público por conta do intercâmbio clandestino entre o mercado político e o econômico. No caso do nosso país, estamos presenciando o comprometimento do espírito público que norteou a redemocratização e a elaboração da Constituição de 1988 e que, ao propiciar uma cultura política de ampliação da cidadania, foi o grande ponto de partida das positivas transformações do Brasil. O episódio do "mensalão" foi o momento inaugural da negativa inflexão do espírito público.

Cabe lidar com esse desafio, levando em conta o que dizia Machado de Assis: "A corrupção escondida vale tanto como pública, a diferença é que não fede".

Professor titular da Faculdade de Direito da USP, membro da Academia Brasileira de Ciências e da Academia Brasileira de Letras, foi ministro das Relações Exteriores no governo FHC

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Escravidão com etiqueta:: José de Souza Martins


Todos fomos convencidos na escola de que a Lei Áurea pôs fim à escravidão. Não é o que revela blitz do Ministério do Trabalho em oficinas de confecção em São Paulo

O impacto de que há escravidão entre nós, na própria cidade de São Paulo e em municípios do interior paulista, pode ser medido pela repercussão do fato na internet e pelo incômodo de consciência que vem causando. Indústrias de confecção, terceirizadas de famosa marca internacional de roupas, foram flagradas violando a legislação trabalhista do País por utilizarem o trabalho clandestino de imigrantes bolivianos e peruanos, em regime análogo ao da escravidão. Há uma persistente anomalia em relações de trabalho de algumas de nossas atividades econômicas. Mas por aí se constata também nossa consciência difusa de iniquidades que persistem tanto tempo depois da Lei Áurea.

Todos fomos convencidos, na própria escola, de que a Lei Áurea pôs fim ao cativeiro e inaugurou uma era de trabalho livre. Trabalho livre quer dizer trabalho regulado por um contrato de trabalho entre iguais, com base em direitos trabalhistas fixados em lei, mediante pagamento de salário. As coisas não foram bem assim. A igualdade jurídica dos trabalhadores se impôs entre nós muito lentamente e estamos bem longe de tê-la universalizado. O próprio salário como pelo menos o mínimo necessário à reprodução do trabalhador e sua família não raro fica aquém desse limite de sobrevivência. O caso de agora, em São Paulo, é mais dessa sobre-exploração do trabalho: uma peça de roupa fabricada numa dessas oficinas custa na loja R$ 139 e o operário que a costura recebe por ela R$ 2. Para sobreviver, esse operário deve trabalhar pelo menos 12 horas por dia.

O que terminou, em 1888, com a Lei Áurea foi a escravidão negra, do escravo-coisa e mercadoria, objeto e propriedade de seu senhor, sujeito a castigo físico e comércio, semovente, equivalente dos animais de trabalho e tração. Mas não terminou o trabalho propriamente servil. Ainda no começo do século 20 Euclides da Cunha, em pequeno estudo, discorria sobre os meios de sujeição dos trabalhadores nos seringais da Amazônia, no chamado regime de peonagem, a escravidão por dívida. Algo próximo do que foi constatado em São Paulo nestes dias envolvendo duas oficinas terceirizadas de produção do vestuário do selo Zara. Essa empresa tem 50 terceirizadas no País e emprega 7 mil trabalhadores.

Após o fim da escravidão negra, o Brasil mal tem escondido a persistência desse tipo de cativeiro. Ocorrendo geralmente em fazendas de remotas regiões do País, ganham visibilidade apenas no noticiário ocasional, raramente sensibilizando a grande massa da população. Desde 1995, no início do governo de Fernando Henrique Cardoso, o Brasil tem um ativo e eficiente programa de combate à escravidão, que conseguiu reduzir significativamente o número de ocorrências. Mas a escravidão por dívida tem demonstrado notável capacidade de regeneração. Ela é o fundamento do chamado lucro extraordinário, aquele que excede em muito a taxa média de lucro. Geralmente, é prática de economias à margem da economia formal e organizada, em setores que por sua localização estão relativamente protegidos contra a fiscalização e protegidos também pelo uso de jagunços e pistoleiros. Cálculos feitos há alguns anos indicavam porcentagem relativamente alta de assassinatos de trabalhadores em casos de fuga, bem como casos graves de crueldade e tortura como meios de punir fugas de trabalhadores.

A novidade que vem crescendo entre nós é a da sobre-exploração do trabalho na indústria urbana, e mesmo o cativeiro. Não é de agora que a indústria dos países ricos recorre à mão de obra residente nos países pobres para pagar salários baixos por mercadorias que serão vendidas a preços de países ricos. As confecções estão entre as mercadorias que melhor se encaixam nessa lógica econômica. Na verdade, o Brasil está sendo alcançado pelo modelo asiático de relações de trabalho, os trabalhadores trabalhando praticamente pela mera subsistência ou até menos. A economia moderna há muito está à procura do trabalho puro, o trabalho sem trabalhador, algo que de fato representa um retrocesso em relação à própria escravidão, em que o escravo era tratado como bem precioso e, portanto, em tese e em termos relativos, até melhor do que as atuais vítimas da escravidão por dívida.

Em 2005, segundo estimativa da Organização Internacional do Trabalho, havia 12,3 milhões de pessoas no mundo sujeitas a trabalho forçado, especialmente no sul da Ásia e na África. Indústrias famosas de roupas e tênis têm sido denunciadas pela prática da escravidão na confecção de seus produtos em países pobres. Mas há também denúncias relativas à indústria de bolas de futebol e mesmo de tapetes, na Índia.

Geralmente, em todas as partes e aqui também, a terceirização das atividades produtivas tem sido um álibi utilizado por grandes empresas para livrarem-se das responsabilidades pela prática da escravidão em face da lei local. A responsabilidade acaba sendo transferida para o terceirizado.

José de Souza Martins, sociólogo e professor emérito da USP, é autor de Uma arqueologia da memória social (Ateliê Editorial 2011)

FONTE: ALIÁS/ O ESTADO DE S. PAULO