domingo, 28 de agosto de 2011

Opinião do dia – Luiz Werneck Vianna

"Não foram poucas as vezes em que a obra de Marx e a herança do seu pensamento foram declaradas como peremptas e anacrônicas, não sendo capazes de explicar a natureza do nosso tempo. A queda do Muro de Berlim significaria a demonstração fática de que o augúrio de tantos afinal encontrava a sua confirmação: na melhor das possibilidades, Marx seria um pensador prisioneiro das circunstâncias do século 19 e da filosofia da história de Hegel, com a qual, apesar dos seus esforços, jamais teria conseguido romper.

Sobretudo estaria por terra o princípio que, na sua teoria do materialismo histórico, assentava o primado da instância econômica na determinação da vida social, cujo desenvolvimento o levou a seus estudos sobre o capitalismo em sua obra maior, O Capital, quando identificou o processo de subsunção da economia real ao sistema financeiro como o foco de crises especulativas que o ameaçariam persistentemente de colapso.

Estamos bem longe da queda do Muro e, apesar do diagnóstico, ora vencedor, que condenou Marx ao anacronismo, desde o setembro negro de 2008 o mundo parece estar fora dos seus eixos, vítima dos mecanismos da intermediação financeira, pondo em xeque hegemonias, moedas, conquistas sociais e políticas. Este pós-2008 é diverso dos acontecimentos dos idos de maio de 1968, pois, em vez de gravitar em torno de valores culturais, trata-se de uma crise que, sem deixar de incluí-los, tem o seu epicentro na natureza do sistema capitalista e nas dificuldades que enfrenta para a sua reprodução ampliada. O seu tema dominante não é o dos libertários que, em 1968, bradavam que "é proibido proibir", e o papel dos seus filósofos de ontem tem encontrado o seu equivalente funcional nos economistas de hoje e nos comentaristas versados na crítica da sociabilidade. A matéria é outra: é econômica, falta de emprego e de oportunidades de vida."

Luiz Werneck Vianna, professor-pesquisador PUC-Rio. Quando o passado deixa de iluminar o futuro. O Estado de S. Paulo,27/8/2011.

Manchetes de alguns dos principais jornais do Brasil

O GLOBO
Falta de cadastro permite até 27 identidades por habitante
Agora, até açougue dá empréstimo
Propina no Turismo era de até 60%
De jatinho, pelo lado cinzento da ética

FOLHA DE S. PAULO
Embaixada do Brasil nos EUA foi grampeada
Economia do Nordeste cresce mais do que a média nacional

O ESTADO DE S. PAULO
Rebeldes controlam Trípoli e atacam cidade natal de Kadafi
Blatter quer abertura da Copa no Maracanã
Furacão mata 8 e deixa 1 milhão sem luz nos EUA
PT discutirá em seu 4º Congresso novo meios de captar recursos
Bonde tomba e 5 morrem no Rio

O ESTADO DE MINAS
A nova corrida do ouro
Projeto evita punição de 25 deputados

CORREIO BRAZILIENSE
Verba federal para empresa de fachada
A face urbana do trabalho escravo

ZERO HORA (RS)
Gosto pelo confronto emperra o Rio Grande
Perigo no céu

JORNAL DO COMMERCIO (PE)
Esperança e contraste ao longo da BR-101

Propina no Turismo era de até 60%

Nos bastidores do escândalo no Ministério do Turismo, empresários, ex-funcionários de ONGs e da pasta contam detalhes do esquema de corrupção. Segundo eles, a propina cobrada para liberar verba da pasta chegava a 60% - a taxa mais alta de Brasília.

No Turismo, a taxa de propina mais alta de Brasília

ÉTICA X CORRUPÇÃO

Empresários e ex-funcionários de ONGs revelam que valores desviados podem chegar a 60% do dinheiro liberado

Jailton de Carvalho

BRASÍLIA. Com a Operação Voucher, a Polícia Federal trouxe a público o lado podre das relações entre altos dirigentes do Ministério do Turismo e organizações não governamentais de fachada. Mas o problema pode ser mais amplo do que a polícia mostrou. Em conversas reservadas com O GLOBO, empresários, ex-funcionários de ONGs e do ministério relataram que a taxa de desvio chega, em alguns casos, a 60% do dinheiro liberado. É a taxa de corrupção mais alta de Brasília. Supera até valores que seriam desviados em fraudes com obras da construção civil e contratos com empresas de informática.

- Eu falo isso porque conheço a situação por dentro. O desvio é de 60%. Em alguns casos, nada é aplicado no projeto - disse um importante empresário ligado ao turismo.

O filão desse novo mercado da corrupção seriam os cursos de qualificação profissional. A ideia de preparar trabalhadores humildes para os novos desafios do mercado é sempre bem acolhida, e os projetos finais, descentralizados e gigantescos, quase nunca são fiscalizados.

Empresário discrimina divisão da verba fraudada

As manobras de algumas organizações são favorecidas ainda pela obrigação do governo de ampliar recursos para a criação de infraestrutura para a Copa e as Olimpíadas.

Com a condição de não ter seu nome divulgado, o empresário descreveu ao jornal como a entidade da qual faz parte está atolada em corrupção. A organização recebeu expressiva soma em recursos para programas de qualificação profissional. O administrador do convênio embolsou 15% da verba repassada a título de pró-labore. Um percentual mais alto, 25%, seria destinado a um dos servidores do ministério preso na Operação Voucher. Os chefes do administrador ficariam com mais 15%. Os 5% restantes seriam gastos na compra de notas fiscais frias.

Segundo o empresário, o país realmente precisa criar infraestrutura e melhorar a qualidade dos profissionais que terão contato com os turistas nos grandes eventos do calendário esportivo. Mas nem por isso o governo deveria tolerar desvios. As facilidades de se apropriar de dinheiro público teriam deixado os novos ricos deslumbrados. Eles estariam comprando carros de luxo, fazendas e viajando para o exterior sem preocupação em esconder a repentina fortuna.

- O problema é que alguns desses vagabundos (dirigentes de ONGs fajutas) ainda se vangloriam de estarem ficando ricos. Um deles estava dizendo no último Salão do Turismo que o filho já tinha um BMW - diz o empresário.

FONTE: O GLOBO

Dirceu é acusado de 'conspiração'

"Veja" denuncia que ex-ministro usa influência e despacha em Brasília

BRASÍLIA. Com os direitos políticos cassados e réu no processo do mensalão, o ex-ministro da Casa Civil José Dirceu mantém seu poder como comandante do PT e usa sua influência para conspirar contra a presidente Dilma, afirma reportagem publicada pela "Veja" desta semana. Imagens com data e horário divulgadas pela revista revelaram encontros de Dirceu com o ministro Fernando Pimentel (Desenvolvimento), parlamentares e integrantes do primeiro escalão do governo, em um quarto do Hotel Naoum, em Brasília, embora formalmente sem vínculo com o Planalto.

Nas imagens, é possível ver o ministro Pimentel, o presidente da Petrobras, José Sérgio Gabrielli, e os senadores petistas Delcídio Amaral (MT), Walter Pinheiro (BA) e Lindbergh Farias (RJ) chegando ao quarto de hotel do ex-ministro, que é advogado e, atualmente, presta serviços como consultor.

A romaria ao "gabinete" de Dirceu ocorreu entre 6 e 8 de junho, em plena crise que culminou com o pedido de demissão do ex-ministro Antonio Palocci, substituído após a divulgação de sua evolução patrimonial.

No dia 8 de junho, às 8h58m, Dirceu recebeu a visita do ministro do Desenvolvimento, que permaneceu no quarto do hotel por 28 minutos. Perguntado sobre o encontro, Pimentel disse não se lembrar do assunto e nem de quem partiu a iniciativa da reunião. Mas admitiu falar com frequência com o ex-ministro sobre o contexto brasileiro.

No dia 6, às 15h30, Gabrielli foi até o quarto de Dirceu, e ficou por meia hora. Segundo a "Veja", Dirceu represena empresas com interesses na Petrobras. Gabrielli, por sua vez, estaria atrás de apoio para se manter no cargo, segundo a revista.

Nos dias 7 e 8, após o acerto para que Gleisi Hoffmann sucedesse Palocci, já se anunciava a saída de Luiz Sérgio da Secretaria de Relações Institucionais. Foi quando Dirceu recebeu os deputados petistas Devanir Ribeiro (SP) e Cândido Vaccarezza (SP), este último cotado para a vaga. O ex-ministro estaria atuando contra Palocci e fez lobby para Vaccarezza assumir o cargo, mas a presidente Dilma nomeou Ideli Salvatti.

Passaram pelo quarto de Dirceu o senador Eduardo Braga (PMDB-AM) e o ex-senador Eduardo Siqueira Campos (PSDB-TO). A diária de R$500 seria paga pelo escritório do advogado Hélio Madalena, ex-assessor do ex-ministro.

FONTE: O GLOBO

Subsídios à economia custam oito vezes mais que o Bolsa-Família

Programas são chamados extra-oficialmente de Bolsa-Empresário, Bolsa-Banqueiro e Bolsa-Mutuário

Leandro Modé

SÃO PAULO - O governo federal mantém um sistema de "bolsas" que vai muito além do Bolsa-Família. O Bolsa-Empresário custará aos cofres públicos este ano cerca de R$ 30 bilhões. O Bolsa-Banqueiro, entre R$ 60 bilhões e R$ 70 bilhões. Há, ainda, o Bolsa-Mutuário, estimada pela Caixa Econômica Federal em R$ 32 bilhões. As três têm em comum o fato de funcionarem como um subsídio do Estado à economia. Somadas, equivalem a quase oito programas Bolsa-Família.

Em um tema tão amplo, as opiniões de especialistas divergem bastante. A maioria, porém, é favorável ao Bolsa-Mutuário, oficialmente chamado de Minha Casa, Minha Vida.

Bolsa-Empresário é uma definição do ex-diretor do Banco Central (BC) Alexandre Schwartsman. Trata-se do dinheiro que o Tesouro Nacional vem emprestando para o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) financiar empresas. Desde o estouro da crise global, em 2008, o governo decidiu ampliar o orçamento da instituição.

Ao final de junho, segundo dados do BC, os créditos do Tesouro ao BNDES somavam R$ 272 bilhões. O subsídio (quase R$ 18 bilhões em 2011) é calculado com base na diferença entre a taxa de juros que o banco cobra em seus empréstimos (TJLP, hoje em 6% ano) e a que o Tesouro paga para se financiar (Selic, atualmente em 12,5%).

Schwartsman inclui ainda o subsídio implícito nas transferências do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) ao BNDES, algo próximo de R$ 12 bilhões. "Ou seja, o Bolsa-Empresário equivale a pouco menos de dois Bolsa-Família", afirmou.

O responsável pelo termo Bolsa-Banqueiro é o professor da Faculdade de Economia e Administração da USP Simão Silber. Ele refere-se ao custo do governo para continuar acumulando reservas internacionais (hoje em US$ 352,5 bilhões). Para Silber, o grande beneficiado, hoje, da política do governo de continuar comprando dólares é o sistema financeiro, uma vez que o montante atual é mais do que suficiente para proteger o País de crises.

Ele e outros economistas lembram que, em 2008, quando explodiu a crise global, o Brasil tinha menos de US$ 210 bilhões em reservas, dinheiro que se mostrou suficiente para atravessar a grave turbulência.

Nos cálculos do economista e consultor Amir Khair, ex-secretário de Finanças do município de São Paulo, o País gasta hoje entre R$ 50 bilhões e R$ 60 bilhões por ano para manter e acumular as reservas.

O custo resulta da diferença entre os juros com que o governo remunera os títulos públicos nacionais (Selic) e a rentabilidade das reservas, aplicadas principalmente em papéis emitidos pelo Tesouro dos EUA. Isso só ocorre porque o governo brasileiro não compra os dólares das reservas com superávit fiscal. Ele precisa endividar-se para fazê-lo.

"A gente não precisa desse nível de reservas", disse Khair. Para ele, a política de compra de dólares pelo governo traz um efeito adicional: valoriza a moeda americana. "Na medida em que o País fica mais seguro aos olhos do investidor internacional, mais dinheiro atrai de fora, o que reforça a tendência de valorização do real." Apesar da piora da crise, o dólar ainda acumula perda de quase 4% ante o real. Sexta-feira, fechou a R$ 1,605.

Khair também é crítico da política do governo que transfere recursos do Tesouro para companhias privadas por meio do BNDES. "As empresas têm de saber se virar dentro de seu mercado", afirmou. "Com esse dinheiro, eu reforçaria os programas sociais. Prefiro mil vezes um Bolsa-Família, que dá mais retorno para a sociedade."

Para Marcelo Moura, do Insper, a ação cada vez maior do BNDES (neste ano, a previsão é de desembolsos de R$ 145 bilhões) "distorce o mercado".

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

O ministro, a prefeita e os negócios suspeitos

Mário Negromonte favorece o município de Glória, na Bahia, comandado pela própria esposa com emendas parlamentares que beneficiam firma desconhecida até mesmo pelas rivais preteridas em concorrência pública

Alana Rizzo

A Prefeitura de Glória, pequeno município baiano distante 446km de Salvador, com cerca de 10 mil habitantes, comandada por Ena Vilma Negromonte (PP), mulher do ministro das Cidades, Mário Negromonte (PP), assinou contrato com uma empresa de fachada registrada como Jair Serviços e Construções LTDA. para construir um posto de saúde. A origem dos recursos é do governo federal. O ministro, enquanto deputado federal, apresentou duas emendas parlamentares, no valor global de R$ 2 milhões, para a instalação de unidades de saúde e a aquisição de equipamentos médicos na região. Outras duas licitações estão abertas no município para atender emendas do ministro: a compra de um caminhão-pipa e a construção de uma unidade de processamento de frutas. Ou seja, além de redigir emendas parlamentares com o objetivo de favorecer o município chefiado pela própria mulher, Negromonte fez reservas orçamentárias que beneficiariam uma empreiteira de fachada.

Em 18 de agosto, a prefeitura publicou, no Diário Oficial da União, o contrato para a construção do posto no povoado Lagoa do Negro. A vencedora da licitação foi a Jair Serviços, no valor de R$ 121.594,00. Os recursos, entretanto, ainda não foram liberados pelo Ministério da Saúde.

Esse não é o primeiro contrato da empresa com a prefeitura. No ano passado, a Jair ganhou uma licitação para a execução de serviços de limpeza urbana, envolvendo varrição, capinação e coleta do lixo na sede do município e nos povoados. Registrada em nome de Jair e Tânia Amorim, a sede da firma fica na Rua Piauí n° 7, no Loteamento Panorama, um bairro de classe média em Paulo Afonso, município vizinho a Glória — no mesmo endereço estão registradas outras três empresas. A casa é simples e não tem placa indicando que ali funciona qualquer companhia. Também não há movimentação de funcionários ou de clientes.

O ministro e sua mulher possuem, segundo declaração de bens entregue ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), cinco lotes no Panorama. Em um deles, funciona o escritório político da família. Negromonte e Ena Vilma moram em Paulo Afonso, e não na pequena Glória.

Na Receita Federal, a Jair Serviços afirma que sua atividade econômica é a locação de mão de obra temporária. No entanto, a recente alteração na Junta Comercial incluiu um rol de 36 ocupações, que vão de obras de urbanização a aluguel de veículos. A reportagem conversou com empresários do setor de construção civil na região, inclusive com participantes da licitação para o posto de saúde em Glória. Todos afirmaram desconhecer a Jair Serviços e Construções LTDA.

Defesa

A prefeita Ena Vilma, que se disse "horrorizada" com a onda de denúncias contra o marido, sustenta que a empresa presta regularmente os serviços mencionados. "Ninguém aqui tem placa ou letreiro", diz, completando que os responsáveis pela Jair chegaram a alugar um imóvel em Glória para prestar serviços no município. O registro encaminhado à reportagem é de 14 de julho deste ano, um mês antes da licitação.

Ena Vilma assegura que o dinheiro das emendas do ministro não foi liberado pelo governo federal. "Não tenho nenhuma vergonha nem preciso esconder as emendas do meu marido", disse, negando que a construção do posto de saúde será paga com recursos provenientes da emenda. "Vai ser com dinheiro do Fundo Nacional de Saúde (FNS), por meio do Programa de Atenção Básica (PAB) do Ministério da Saúde."

O valor da construção — R$ 121 mil —, no entanto, não se enquadra no perfil de recursos tradicionalmente repassados ao município pelo FNS. Por mês, a prefeitura recebe R$ 21 mil para a manutenção da rede básica de atendimento. Já o chamado PAB Variável fica entre R$ 6 mil e R$ 9 mil mensais. A rubrica para a implantação de unidades de saúde também está longe do montante — este ano, houve um único repasse, de R$ 20 mil, em junho.

Além da construção de unidades de saúde por meio de recursos do Fundo Nacional de Saúde, as duas emendas apresentadas pelo então deputado Negromonte, ambas no valor de R$ 1 milhão, são voltadas para obras em várias cidades da região, inclusive Glória. A emenda para os postos de saúde foi destacada como um dos "motivos para se votar em Negromonte" durante a campanha eleitoral.

O Ministério das Cidades também fez uma defesa veemente da Jair Serviços. Em nota, destacou que "se trata de uma empresa reconhecida na região, que trabalhou por mais de 10 anos junto à Prefeitura de Paulo Afonso, cidade vizinha e polo regional". Questionada pelo Correio sobre as emendas de Negomonte, na sexta-feira, a assessoria do ministro mudou por três vezes a resposta. Na primeira versão, enviada por e-mail às 19h31, disse que os recursos da obra eram do município, e que a emenda do então deputado ainda estava em fase de projeto. Em seguida, às 20h03, o ministério alegou que o dinheiro era do governo da Bahia e, por fim, às 20h26, informou que, na realidade, estava contemplado em um programa do Ministério da Saúde. A assessoria de imprensa do ministro ainda assegurou que o posto de saúde de Lagoa do Negro não será pago com verbas da emenda proposta pelo pepista.

"Não te devo nenhuma informação"

Na época do registro na Junta Comercial da Bahia, em 1999, o capital social da Jair era de R$ 70 mil. Em abril de 2009, poucos meses depois da posse de Ena Vilma na prefeitura, saltou para R$ 280 mil. Naquele ano, foi incluído o nome do administrador José Gomes da Silva Filho, conhecido por Nanau, como outro responsável pelo empreendimento. Ao Correio, Nanau — que chegou a se identificar como Jair — disse desconhecer a empresa. Voltou atrás e, depois, negou-se a informar quais contratos já tinha assinado com o poder público, especificamente com a Prefeitura de Glória. "Não te devo nenhuma informação." Em seguida, afirmou não se importar se o dinheiro era público e desligou o telefone.

FONTE: CORREIO BRAZILIENSE

Jabuticaba eleitoral:: Merval Pereira

Mesmo que não tenha nenhuma segunda intenção - e tudo indica que tenha - a proposta do deputado petista Henrique Fontana (RS) para a reforma eleitoral parece ser, no mínimo, uma tentativa de agradar às várias correntes em que o tema divide o Congresso, tornando mais distorcido ainda nosso sistema eleitoral.

A ideia de fazer uma eleição proporcional tanto em lista fechada quanto em aberta, metade dos representantes para cada modalidade, mantém os vícios tão criticados do sistema atual e não produz nenhum avanço da cidadania.

Ao contrário, colocará na Câmara dos Deputados, nas assembleias legislativas e nas câmaras de vereadores dois tipos de representantes: os escolhidos diretamente pelo povo, e os outros, escolhidos pelas direções partidárias.

Os políticos que temem a ditadura dos partidos novamente sacarão um argumento poderoso, que inviabilizou a aprovação do voto em lista fechada: a de que o eleitor não terá o direito de escolher diretamente parte de seus representantes.

A oposição à lista fechada, que é a preferência dos dois maiores partidos, o PT e o PMDB, deve-se principalmente ao perigo da institucionalização da ditadura partidária, em que as direções dominariam seus filiados pelo poder que teriam de montar a lista de candidaturas de acordo com seus critérios, e os eleitos deveriam seus mandatos aos que controlam o partido.

Na prática, isso já existe hoje, embora sempre seja possível um candidato bom de voto se impor diante da direção partidária.

Na teoria, os defensores da lista fechada consideram que o sistema fortalece o partido político e reduz o individualismo que hoje predomina nas relações partidárias e mesmo na atuação nos plenários.

Essa deveria ser uma discussão bastante ampla para resultar em algum consenso, mas, da maneira como o assunto vem sendo tratado em Brasília, se alguma solução for aprovada será sem acordo entre os parlamentares, a maioria afastada das discussões.

Existe a comissão que trata da reforma política e vários fóruns informais em que o assunto está sendo discutido, mas diversos partidos não têm representantes em nenhum dos grupos.

Uma reforma no sistema eleitoral à guisa de reforma política está sendo gestada nos bastidores do Congresso, e PT e PMDB voltam a defender o voto em lista fechada, o que daria às direções partidárias o poder de escolher quais seriam os candidatos, e em que lugar eles apareceriam na lista oficial.

Como houve uma grande reação na primeira vez em que o assunto foi lançado à discussão, chegaram a essa fórmula esdrúxula de duas formas de voto proporcional, mais uma jabuticaba política, assim como já houve propostas de fazer um "distritão" misto, que seria um jeitinho brasileiro de fazer o voto distrital misto sem o problema de dividir o país em distritos.

A adoção do voto distrital, puro ou misto, parece ser a melhor tentativa para baratear o custo das campanhas eleitorais e dar maior controle dos eleitos aos eleitores.

A discussão não vai muito longe porque esbarra na impossibilidade de se chegar a uma definição sobre o melhor critério de se dividir o país.

O que dificulta a aprovação de sistemas eleitorais que adotem a divisão dos estados em distritos é o desequilíbrio na representação popular, com um distrito de 800 mil eleitores em São Paulo e outro de oito mil no Amapá.

O eleitor dos grandes centros ficaria em desvantagem, seu voto valendo menos do que o do eleitor de um pequeno estado.

Tendo em vista a excessiva fragmentação do pluripartidarismo brasileiro, há também o risco de a definição da vontade das maiorias ser uma tarefa complexa e polêmica.

Com 21 partidos disputando a eleição em um distrito para uma vaga, dificilmente o eleito no distrito representará a maioria, a não ser que a definição seja feita em um segundo turno, o que complica ainda mais a eleição.

A proposta que está sendo apresentada pelo relator petista Henrique Fontana tem outra incongruência: ela mantém o financiamento privado das campanhas eleitorais, embora institua também o financiamento público.

Na origem da defesa do voto em lista fechada, um dos argumentos mais fortes era o de que somente esse tipo de sistema eleitoral permitiria o financiamento público de campanha, que seria dado ao partido responsável pela lista.

Seus defensores chegaram a dizer que o verdadeiro objetivo da proposta era moralizar as campanhas eleitorais, reduzindo a corrupção e suas consequências nos desmandos dos governos.

O voto distrital, e até mesmo o "distritão" (onde os estados viram distritos e a eleição torna-se majoritária, com a eleição dos mais votados), no entanto, teriam as mesmas vantagens de reduzir ao âmbito do distrito as campanhas, reduzindo seus custos ou dificultando exteriorizações de riqueza de candidatos.

Com a apresentação da proposta de uma espécie de financiamento misto entre público e privado, a solução para a questão do caixa dois eleitoral fica mais longe ainda, e a defesa do voto em lista fechada perde um de seus melhores argumentos.

A proposta do deputado Henrique Fontana tenta alterar as regras eleitorais por maioria simples, utilizando a legislação ordinária e não mudanças constitucionais.

O fim das coligações, no entanto, só poderia acontecer por mudança na Constituição, logo esse ponto, um dos mais importantes para evitar a distorção do voto proporcional, onde o eleitor vota em um candidato e ajuda a eleger outros, de outras legendas que nada têm a ver com a sua intenção inicial.

Há também proposta de permitir a formação de "federações" de partidos, o que na prática seria uma maneira de permitir que partidos menores se coliguem com os grandes puxadores de votos.

FONTE: O GLOBO

Pé na estrada::Dora Kramer

O senador Aécio Neves admite que em 2010 nunca foi de fato candidato a presidente. Fez movimentos táticos. “Mas não tinha apoio do partido nem a convicção de que seria a minha hora”, diz, reconhecendo que na época o nome “natural” do PSDB era mesmo o de José Serra.

Agora Aécio sente que o cenário se inverteu e trabalha fortemente com a hipótese de ser o principal candidato de oposição em 2014. “Contra Lula ou Dilma”, embora aposte que ela será candidata à reeleição. “A renúncia à candidatura equivale à aceitação de que o governo não deu certo.”

conversa de Aécio Neves hoje realmente não é a mesma dos meses que antecederam a definição do candidato tucano que disputaria a sucessão de Luiz Inácio da Silva. Ele falava sobre a candidatura de maneira difusa. Enquanto Serra tinha na cabeça todo o esquema de governo, aí incluídos nomes de ministros, Aécio posicionava-se como possível candidato, mas não agia como tal. Um episódio: em setembro de 2010 preferiu viajar com a filha para a Itália a correr o país para organizar as prévias no partido conforme havia anunciado.

Agora é diferente. Mal terminada a eleição tratou de conquistar a hegemonia dentro do partido, estabeleceu um plano de ação para reorganizar o PSDB nos estados, reincorporar ao partido forças da política e da sociedade que se dispersaram durante o governo Lula e se prepara para subir no maior número possível de palanques nas eleições municipais de 2012 a fim de atrair aliados com o seguinte critério: só o PT é adversário.

“No amanhecer de 2013 o partido já deve ter definidas as bandeiras que defenderá, traçado um esboço das alianças que poderá conquistar e principalmente deve estar pronto para defender seu legado e mostrar que é o único capaz de pensar o Brasil do futuro.”

E a enorme decepção com a atuação do PSDB mesmo entre os eleitores tradicionais do partido? “Os que se decepcionaram com o PT são em maior número.”

No capítulo alianças sonha alto e vai pescar nas águas dos dois maiores parceiros do governo: PSB e PMDB. “Nenhum dos dois terá na aliança com o PT o lugar de destaque de que se julgam merecedores.” Por exemplo, o lugar de vice. Aécio acha que tem jogo. Cita Eduardo Cam¬¬¬pos, governador de Pernam¬¬buco e presidente do PSB, e faz referência às afinidades com o governador Sérgio Cabral (RJ) e o prefeito do Rio, Eduardo Paes, ambos do PMDB.

Tudo muito bem pensado, mas há um “pormaior”: José Ser¬¬¬ra já andou confidenciando a amigos que não pretende ser candidato a prefeito de São Paulo porque prefere se preservar para 2014. “Tudo bem. Pode até ser o Serra, mas uma coisa é certa. Desta vez o candidato não será quem quiser ser e sim quem estiver em melhores condições.” O parâmetro Aécio não tem claro qual deve ser, mas está convencido de que as pesquisas é que não podem ser. Por que Serra estaria na frente? “Não, porque não deu certo na última vez.”

De qualquer forma ele acha que os dois devem conversar e se dispõe a “fazer uma aproximação mais sólida” a fim de somar esforços. Candidato a ferro e fogo Aécio pode até não ser, mas fará por onde ser. “Não vou deixar esse jogo solto demais, vou conversar, vou viajar, construir minhas condições.”

Por enquanto, só “administrando o tempo” para não ficar no sereno com muita antecedência. Na opinião dele, a definição do candidato deve ocorrer em 2013. “Mas não pode passar disso. Candidatura em cima da hora não funciona.”

Bem, mas daqui até lá é preciso um discurso e o de Aécio soa oposicionista de menos. “O melhor candidato não é necessariamente o que só se contrapõe, até porque precisa estar preparado para tirar os votos que hoje são do governo.”

Faz a crítica sobre a paralisia do governo, a incapacidade do PT de “pensar o Brasil” e, a respeito da dita faxina ética, não compartilha do entusiasmo geral: “O governo apenas reage a denúncias e torce para que não ocorram novas denúncias”.

E Lula, o que fará já que Aécio considera a candidatura de Dilma à reeleição inevitável? “Será candidato ao governo de São Paulo. Não vai aguentar ficar longe do poder.” Uma aposta com jeito de torcida.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Panis et circenses :: Fernando de Barros e Silva

O ministro Mário Negromonte (PP), das Cidades, foi acusado de oferecer R$ 30 mil de mesada a parlamentares de seu partido a fim de tentar reverter uma correlação de forças que lhe é desfavorável na bancada da Câmara.

Em sua defesa, não se limitou a negar a acusação. Saiu cuspindo balas, literalmente: "Para acabar com esse fogo amigo, um revólver só não resolveria. Teria que ser uma metralhadora para sair atirando".

Em entrevista ao jornal "O Globo", o ministro de Dilma fez acusações e ameaças explícitas aos colegas do PP: "Imagine se começar a vazar o currículo de alguns deputados. Ou melhor, a folha corrida". E completou: "Então aqui vai o meu alerta: em briga de família, irmão mata irmão, e morre todo mundo".

Estaria tudo certo se o autor das frases fosse Tony Soprano, dando conselhos para unir a "famiglia". Na boca de um ministro de Estado, não passa de desfaçatez vulgar. Negromonte parece confundir família e governo, máfia e coisa pública.

Não é o caso de brincar de Roma Antiga e atirar as pessoas aos leões, como sugeriu Dilma, criticando a espetacularização da faxina (que a rigor não existe), mas, sim, de lembrar essa tigrada que isso ainda é uma República, apesar deles.

Depois de Alfredo Nascimento (PR) e de Wagner Rossi (PMDB), além de Antonio Palocci (PT), chegou a vez de o PP oferecer a sua contribuição à degradação da política.

Mas não se trata de um rebaixamento apenas moral, o que já seria bastante. A fala de sarjeta do ministro Negromonte vale também como sintoma e metáfora de um governo pedestre, sem nenhum brilho ou capacidade de formulação, que se consome no varejo de escândalos em série, diante dos quais tem atitude no mínimo dúbia.

Por ora, a política do pão e circo (programas de transferência de renda para os mais pobres e ilusão de faxina ética para as classes médias) tem funcionado. Veremos até quando Dilma pode se segurar inspirada na Roma Antiga.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

Humores presidenciais :: Valdo Cruz

Dilma repete com insistência que o Brasil está mais forte do que em 2008 para enfrentar um agravamento da crise econômica. Tem boa dose de razão, só que poderíamos estar bem melhores.

Não estamos por conta e obra do mesmo governo que faz questão de alardear nossa fortaleza na economia, mas se furta a adotar medidas estáveis de controle dos gastos públicos no médio e longo prazos.

Por enquanto, Dilma repete seu antecessor e faz o famoso ajuste fiscal na boca do caixa. Com bons resultados, é justo reconhecer, basta ver os últimos dados do Tesouro indicando que mais de 80% da meta de superavit já foi atingida.

Só que esse tipo de controle fica dependente dos humores presidenciais. Amanhã, diante de uma pressão aqui, uma eleição ali, basta uma ligação presidencial para que as torneiras sejam abertas.

O cenário fiscal seria muito mais previsível e seguro caso o governo adotasse medidas que sua equipe, inclusive, chegou a prometer, mas estão esquecidas nas gavetas.

O Palácio do Planalto não quer nem ouvir falar de reforma da Previdência, desistiu de trabalhar pela aprovação do projeto que reduz os gastos com pessoal e arquivou a ideia de fazer as despesas públicas crescerem menos que o PIB.

Não só isso. A presidente vetou medida aprovada no Congresso que proibia as despesas de custeio do setor público de crescerem mais que os investimentos.

Se tais projetos tivessem sido aprovados, dariam ao mercado e ao Banco Central garantia de que o país teria regras fixas e duradouras na área fiscal -tornando mais real o sonho presidencial de reduzir a taxa de juros a níveis civilizados ao final de seu mandato.

Mas tudo indica que, por falta de convicção no modelo já classificado pela própria presidente de rudimentar, tudo deve ficar como está. A não ser que surpresas sejam anunciadas. O pragmatismo da cadeira presidencial costuma fazer milagres. A conferir.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

A César o que é de César :: Sergio Fausto


Jaques Wagner é um homem lúcido. Diante da queda de mais um ministro, o terceiro a deixar o governo sob acusações de corrupção, o governador da Bahia comparou o estilo da presidente Dilma ao de seu antecessor: "Ela é dura, o sistema dela é um pouco brutal". Já Lula seria "mais "palanqueiro", talvez mais tolerante com as coisas".

Wagner chegou perto de dizer a verdade, mas não a disse por inteiro. A verdade inteira é que foi Lula quem construiu a coalizão de forças que está aí; quem deu passe livre para que seus integrantes, a começar pelo PT, usassem o Estado brasileiro como se fosse propriedade sua, acobertando o malfeito e dando proteção política aos malfeitores.

É frequente o comentário político de que os vícios que agora se revelam são resultado inevitável do funcionamento do presidencialismo brasileiro.

Atribui-se a culpa ao sistema, para isentar de responsabilidade o ex-presidente Lula. Não é verdade, porém, que um presidente esteja condenado a fazer o que fez o antecessor de Dilma Rousseff. Se o fez foi porque escolheu fazer.

No início de seu primeiro mandato, Lula recusou-se a aceitar um acordo preferencial com o PMDB, costurado por José Dirceu. Temia ficar refém de um grande partido e pôr em risco a hegemonia do PT na aliança. Preferiu armar sua base parlamentar com a adesão de pequenos partidos, anabolizados com a transferência de parlamentares e recursos financeiros, sob o patrocínio do Palácio do Planalto.

Cresceu assim o Partido da República (PR), então chamado Partido Liberal, agremiação controlada por Valdemar Costa Neto, cujas estripulias são hoje bem conhecidas.

Para encontrar espaço para enfiar tamanho saco de gastos no Executivo, Lula ampliou, de pouco mais de 20 para 35, o número de postos ministeriais e abriu as portas de empresas estatais e agências regulatórias ao loteamento político. No Congresso Nacional, mais especificamente na Câmara dos Deputados, seu governo passou a operar o esquema que viria a ser conhecido como "mensalão". Que Lula tenha alegado nada saber sobre o esquema não é moralmente desculpável, mas é da lógica política. Ter decidido travesti-lo com a roupagem de caixa 2 e se empenhado na proteção e posterior reabilitação política de boa parte dos envolvidos foi escolha sua.

Diante do susto do "mensalão", Lula resolveu dar ao PMDB o lugar de sócio privilegiado na aliança governista. O cuidado para não enfraquecer a posição do PT explica o zelo demonstrado na proteção política a "aloprados" de variada natureza e dimensão. Seria de esperar que reforçasse os mecanismos de controle dentro de seu próprio governo. Esses não são apenas institucionais. São também políticos e dependem fundamentalmente da autoridade do presidente e de como ele a utiliza.

Mas, como disse Jaques Wagner, que o conhece bem, Lula é "palanqueiro" e "tolerante".

A tolerância pode ser uma virtude política, e Lula a tem: não é homem de perseguir os adversários nem de se negar ao diálogo. Pode ser, porém, um enorme defeito, quando significar complacência com o mau uso dos recursos públicos. Palco de escândalo no primeiro mandato, a Empresa de Correios e Telégrafos foi entregue em seguida ao PMDB. Este deitou e rolou na estatal a ponto de exigir uma intervenção de emergência ao apagar das luzes do segundo mandato, já em plena campanha eleitoral, em face da iminência de um colapso em seus serviços. Outros partidos deitaram e rolaram em outras estatais (Infraero, por exemplo) e agências reguladoras (vide ANP).

Com a economia "bombando", em pleno "espetáculo do crescimento", Lula não pensava senão naquilo: agregar e manter apoios políticos para eleger a sua sucessora, empenhando-se pessoalmente na empreitada, não raro infringindo a legislação eleitoral e debochando de juízes que, cumprindo o dever, lhe aplicavam multas por transformar cerimônias oficiais em palanques eleitorais.

Dilma não se pode dar ao luxo de não ver ou aceitar prazenteiramente o modus operandi da coalizão de forças que a elegeu. Faltam-lhe as grandes qualidades e os defeitos superlativos de Lula. A economia não está mais "bombando". E "bombará" menos ainda, até onde a vista alcança, por mais que seja atenuado o impacto da crise internacional sobre o Brasil. Por ora, não há faxina alguma. Observam-se, sim, umas sapatadas aqui e acolá à medida que uma barata aparece na sala, na feliz imagem do jornalista Fernando Barros e Silva. E elas estão aparecendo não porque a presidente se tenha posto a caçá-las pela casa, mas porque há uma briga de punhais dentro da aliança governista - ou não foi o irmão do senador Roberto Jucá, líder do governo no Senado, quem primeiro acusou o recém-caído ministro da Agricultura? - e porque a imprensa e alguns órgãos de Estado estão cumprindo o seu papel. Conseguirá a presidente rearticular a sua base de apoio político sem coonestar o modus operandi da aliança que foi funcional para a sua eleição, mas ameaça gravemente a qualidade do seu governo?

Uma coisa é certa: o rei está nu. Lula não inventou o sistema político brasileiro, não criou o fisiologismo nem deu origem à corrupção. Tudo isso já existia antes de ele assumir a Presidência. Mas nada do que se está vendo - na escala, na extensão e na profundidade que se revelam - deixa de ter a sua marca registrada.

A honestidade intelectual me impede de dizer sobre o governo Lula o que ele próprio e seu partido disseram sobre o governo Fernando Henrique Cardoso. O antecessor de Dilma Rousseff e seu governo têm qualidades. Deixaram-nos, porém, esta, sim, uma herança maldita: a corrupção sistêmica e disseminada no setor público federal; o aparelhamento do Estado, em níveis que há muito não se viam, incluindo ministérios cruciais, agências regulatórias e empresas estatais; a desmoralização do sistema partidário; e o debilitamento do próprio PT, agora tutelado por sua "majestade".

Ou nos livramos dessa herança ou seremos tragados por ela.

Diretor Executivo do IFHC,é membro do GACINT-USP

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

O PT quer a hegemonia :: Luiz Carlos Azedo


Brasília-DF 
Com Leonardo Santos

O presidente nacional do PT, Rui Falcão (SP), reiterou que o foco do PT nas eleições municipais é o fortalecimento do partido e não as relações com os aliados da coalizão nacional de governo. A hegemonia petista precisaria ser consolidada nas cidades. "Na campanha da presidente Dilma, nossa prioridade foram as alianças, agora é a hora do PT", disparou, sexta-feira, em Vitória. O caminho crítico para o PT é o PMDB, que pretende lançar candidatos próprios em todas as capitais, inclusive no Espírito Santo.
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Falcão lançou a ministra da Secretaria Especial de Políticas para Mulheres, Iriny Lopes, pré-candidata à sucessão do prefeito da capital capixaba, João Coser (PT). Disse que o PT pretende lançar candidato próprio nas duas principais cidades do país, principalmente as com mais de 150 mil eleitores, que são 117. Nas capitais, como São Paulo e Rio de Janeiro, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva conduz pessoalmente as negociações com os aliados.
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A candidatura do deputado Alexandre Molon (PT-RJ), por exemplo, foi sacrificada no Rio de Janeiro em favor da reeleição do prefeito Eduardo Paes (PMDB). A contrapartida exigida pelo ex-presidente Lula é a retirada da candidatura do deputado Gabriel Chalita (PMDB) em São Paulo, em favor do petista Fernando Haddad, atual ministro da Educação. O PT também se dispõe a apoiar a reeleição de Márcio Lacerda (PSB) em Belo Horizonte, mas quer o apoio do governador de Pernambuco, Eduardo Campos, presidente do PSB, à reeleição do prefeito petista de Recife, João da Costa.

Estratégia

Segundo Rui Falcão (foto), a estratégia petista é consolidar a marca de que a legenda defende um governo para todos, que dá prioridade à população mais carente, e que leva o serviço público "Para onde, geralmente, o Estado, a prefeitura, nunca chegaram." Os candidatos petistas pretendem capturar os eleitores das "áreas de carência" com o programa O Brasil sem Miséria, cujo objetivo é tirar da pobreza extrema 16 milhões de pessoas.

Prestígio

O ministro da Defesa, Celso Amorim (foto), almoçou com a ministra do Planejamento, Miriam Belchior, e conseguiu liberar R$ 47 milhões para viabilizar o novo sistema Astros 2020, de artilharia do Exército, que será equipado com mísseis de cruzeiro com alcance de 300km. Serão seguidos de 20 parcelas iguais, que tirarão do buraco a Avibras, fabricante de foguetes de artilharia. O ex-ministro Nelson Jobim batalhou um ano e meio para liberar a primeira parcela do programa e não conseguiu.

Brigas

Tudo seria fácil para os candidatos petistas, não fosse a luta interna. Em São Paulo, os senadores Eduardo Suplicy e Marta Suplicy e os deputados Carlos Zarattini e Jilmar Tatto, que pleiteiam a vaga de candidato à prefeitura, não engoliram ainda a candidatura do ministro da Educação, Fernando Haddad, ungido pelo ex-presidente Lula. Em Recife, o deputado João Paulo, ex-prefeito, ameaça sair da legenda para concorrer contra o seu sucessor, João Costa (PT).

Socialistas

Grupos minoritários do PT preparam um seminário para formar uma só tendência ou campo político. O líder da bancada do PT na Câmara, Paulo Teixeira (SP), o deputado Jilmar Tatto (SP), o sociólogo Emir Sader e os ex-ministros Nilmário Miranda (Direitos Humanos) e José Fritsch (Pesca) encabeçam o grupo.

Royalties

O governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral (PMDB), se encontrará amanhã com o governador capixaba, Renato Casagrande (PSB), em Vitória para discutir uma proposta de conciliação sobre a partilha dos royalties de petróleo da camada pré-sal. Em parceria com o Instituto Brasileiro de Executivos de Finanças (Ibef-ES), o governo do Espírito Santo realiza um seminário sobre o tema no Palácio Anchieta.

De olho

O PSDB manda sinais de fumaça para o PSB caso o governador de Pernambuco, Eduardo Campos, fique de fora de uma possível aliança com o PT da presidente Dilma Rousseff na corrida presidencial de 2014. A bancada tucana votará maciçamente na deputada Ana Arraes (PSB-PE), mãe de Campos, na indicação da Câmara para ministro do Tribunal de Contas da União (TCU).

Concurso

A Polícia Federal cobra do Ministério do Planejamento concurso público para o início do ano que vem. Segundo levantamento da corporação, se não for preenchido o quadro de aposentados dos últimos anos, a PF terá um deficit no combate à corrupção de 3.500 policiais

Pé no barro/ A presidente Dilma Rousseff intensifica as viagens. Nesta semana, participa de nove eventos em sete cidades diferentes, em Pernambuco, Minas Gerais, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul. A maratona começa por Garanhuns, cidade natal do ex-presidente Lula, onde participa da aula inaugural da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Pernambuco. No mesmo dia, Dilma prestigia eventos em Cupira e Recife.

Transporte/ Cresce o lobby das empresas interessadas em levar o ônibus de trânsito rápido (BRT, na sigla em inglês) como alternativa de mobilidade urbana para as cidades que sediarão a Copa de 2014. O sistema funciona bem em cidades como Bogotá, na Colômbia. Enquanto a construção de uma linha de metrô custa US$ 150 milhões, o BRT chega a US$ 20 milhões.

Classe média// A presidente Dilma Rousseff gasta a maior parte de seu tempo discutindo economia. Sua principal preocupação é encontrar alternativas para consolidar a nova classe média brasileira, que corre risco de sufoco com uma taxa de crescimento abaixo de 4% ao ano.

FONTE: CORREIO BRAZILIENSE

E agora, Lula? :: Juan Arias

Lula está numa encruzilhada política. Lutou contra seu próprio partido para fazer de Dilma Rousseff sua sucessora. Conseguiu. E pediu-lhe que mantivesse uma boa parte dos ministros de seu último governo. Ela o fez. Só que, aos oito meses de governo, sua pupila pôs na rua quatro desses ministros, três acusados de corrupção e o outro após ter criticado publicamente as duas ministras mais importantes nomeadas pela presidente.

Dilma está ganhando por esse motivo o título de heroína contra a corrupção política, e está surgindo um movimento em todo o país de simpatia e apoio a sua vassoura ética. Curiosamente, os que mais a apoiam são precisamente os que mais criticavam os governos de seu antecessor. Defendem-na, inclusive, líderes históricos da oposição, como o ex-presidente social-democrata Fernando Henrique Cardoso e a ecologista Marina Silva, que deixou o partido de Lula e obteve 20 milhões de votos em sua disputa presidencial com Dilma.

Paradoxalmente, tudo isso está sendo utilizado para atacar quem tinha confiado em Dilma como a melhor candidata para suceder-lhe: Lula. E já se fala de uma "herança maldita" que ele teria deixado à presidente com esses ministros corruptos, que ela teve de afastar de seu governo.

A pergunta é óbvia: e agora, o que fará Lula? E a resposta não é fácil. Este gênio da política não aparecerá nem um minuto em conflito com sua herdeira. De fato, já comentou ser "normal" que um presidente prescinda dos colaboradores que não funcionam, como ele mesmo fez em seus dois mandatos. Substituiu a dois de seus mais importantes ministros - ambos acusados de corrupção: José Dirceu, da Casa Civil, e Antonio Palocci, da Economia.

Lula nunca porá obstáculos à cruzada contra a corrupção de Dilma, que está recuperando os votos da classe média que ele havia perdido. Há até quem assegure que se essa operação de limpeza - que já começa a ser comparada à italiana "Mãos Limpas" - der frutos à presidente, Lula subirá no barco e até poderia tomar o timão.

Não falta tampouco a maquiavélica hipótese de que ambos estariam de acordo: Dilma faria a limpeza que ele não quis ou não pôde fazer para não comprometer a governabilidade, ao enfrentar os partidos aliados mais corruptos, ao mesmo tempo em que ela supriria com sua defesa da ética o que lhe falta em relação a Lula: o carisma pessoal e a destreza em equilíbrios políticos.

A presidente conquistaria a classe média, porque o mundo dos pobres nunca deixará de ser lulista, como apontou FH a seu partido, o PSDB. Contudo, o candidato com mais possibilidades de enfrentar Dilma em 2014, o governador de Minas Gerais, Aécio Neves, do PSDB, afirmou que a cruzada da presidente é só "slogan de campanha" e o que conta para um governo são "as grandes reformas" que, presa em sua luta contra a corrupção, Dilma não está fazendo.

A grande incógnita - que ficará ainda por muito tempo sem resposta - é se a presidente pensa, ou não, em se apresentar à reeleição em 2014, ou somente estaria preparando, com um acordo prévio, o caminho para que Lula volte, posto que ele parece estar já em campanha eleitoral novamente. Lula insiste que Dilma não será candidata em 2014 somente "se ela não quiser". O analista da "Folha de S.Paulo" Fernando de Barros e Silva escreveu há dias que Lula disse apenas o óbvio. Que a notícia seria: "Dilma não se candidatará", e que dizer "se ela não quiser" é o mesmo que dizer "se eu não quiser".

O senador Jarbas Vasconcellos, do partido da base aliada PMDB, mas que sempre se declarou independente, opina que a presidente é candidatíssima para 2014 e, a seu ver, "está fazendo o que deve fazer: diferenciar-se de Lula". Segundo ele - um dos senadores que criaram um movimento de apoio à presidente -, o que mais pode diferenciar Dilma de Lula ante a opinião pública é sua posição de intransigência ante o desperdício de dinheiro público derivado da corrupção num país em que, como escreveu ironicamente o maior romancista brasileiro, João Ubaldo, o sonho de muitas famílias é poder ter um "corrupto" para poder enriquecer com o dinheiro público. Porque, ironiza Ubaldo, as pessoas pensam que, se o dinheiro é "público", é de todos.

Juan Arias é jornalista e correspondente do El País (Espanha) no Rio.

FONTE: O GLOBO

Lista de 'escravocratas' só cresce no Brasil

Empregadores flagrados e incluídos no cadastro sujo do Ministério do Trabalho aumenta 65% em apenas um ano

Marcelle Ribeiro e Leila Suwwan

SÃO PAULO. A "lista suja" do governo federal com os nomes de pessoas ou empresas que empregaram mão de obra análoga à escrava está cada vez maior. Na última edição do Cadastro de Empregadores, atualizado semana passada pelo Ministério do Trabalho, constam 249 nomes - o maior número desde a criação da lista, em 2004. Como comparação, em julho do ano passado, eram 151, um salto de 65%. De acordo com o ministério, esse aumento se deve ao aperto da fiscalização diante de novas denúncias.

Casos mais recentes flagrados em fiscalizações, como o de oficinas de costura subcontratadas pela multinacional Zara, onde havia bolivianos escravos, ainda não estão no cadastro.

Esta última versão da lista mostra que 183 infrações foram constatadas em fazendas, mas há casos em carvoarias (12), construtoras (4), serrarias (2), empresas de ferro gusa, auto guincho e destilarias. O total de trabalhadores resgatados nestes locais soma 7.963. O Pará é o estado que mais concentra empregadores que usaram mão de obra escrava (62), seguido do Mato Grosso (25). O Rio não aparece na relação.

Inclusão na lista impede financiamentos públicos

No cadastro, entram os empregadores autuados pelo Ministério do Trabalho, e cujos autos de infração não possam mais ser objeto de recurso administrativo. Porém, como eles podem entrar com medidas judiciais pedindo a retirada do nome da lista, ela pode mudar com mais frequência. Se não entrar com recursos, uma empresa, em caso considerado célere, pode levar nove meses para entrar no cadastro.

Os empregadores ficam no cadastro por pelo menos dois anos. Quem está lá não consegue empréstimos em bancos públicos, como o BNDES, a Caixa Econômica Federal e o Banco do Brasil.

- Depois desses dois anos, não havendo reincidência e as multas decorrentes da ação fiscal tendo sido pagas, nós somos obrigados a excluir o nome do cadastro - explicou o chefe da Divisão da Fiscalização do Trabalho Escravo do Ministério do Trabalho, Guilherme Moreira.

Na lista, alguns casos chamam a atenção, como o de uma fazenda da Agrisul Agrícola Ltda no Mato Grosso do Sul, onde 1.011 cortadores de cana foram resgatados em 2009, e o de um empregador reincidente, flagrado em 2003 e em 2004, em uma fazenda no Maranhão.

Segundo Moreira, o aumento no número de empregadores cadastrados se deve ao fato de a população estar mais atenta à existência do trabalho escravo, e mais propensa a denunciar. Porém, para a Comissão Pastoral da Terra (CPT) a fiscalização tem deixado a desejar.

- Os fiscais às vezes levam um mês para chegar ao local da denúncia, e aí a situação já se desmanchou - critica Xavier Plassat, coordenador da Campanha Nacional de Combate ao Trabalho Escravo da CPT.

Outra fonte de preocupação são as denúncias em área urbana, como as de bolivianos escravizados em oficinas de costura em São Paulo, num momento de forte expansão do trabalho com carteira assinada.

- De 20 anos para cá, a produtividade no nosso setor está aumentando, mas o número de trabalhadores, não. Era uma conta que não fechava, porque nossa tecnologia ainda não é de ponta. E descobrimos que estava acontecendo esse problema, das oficinas clandestinas, onde estavam trabalhando imigrantes latinos, bolivianos. E que, nelas, existiam trabalhadores em condição análoga à escravidão - afirma Eunice Cabral, presidente do Sindicato das Costureiras de São Paulo e Osasco.

Na última quinta-feira, o GLOBO presenciou parte do sofrimento de uma família de bolivianos que pediu socorro ao sindicato. O problema se repete com centenas de outros bolivianos, que trabalham em casas, galpões e porões de bairros centrais da capital, como Pari, Brás e Bom Retiro.

Depois de aguentarem por três meses uma jornada de 17 horas de trabalho por dia, o quarto sem janelas na casa com o esgoto arrebentado, a família do boliviano N., de 28 anos, decidiu fugir da oficina de costura onde vivia e trabalhava, em regime análogo à escravidão.

- Tínhamos a ilusão de que a oportunidade de trabalho aqui seria outra. Eu trabalhava 17 horas por dia, não podia parar nem para usar o banheiro - contou N., que registrou queixa na polícia e teme represálias. Sua mulher, V., de 23 anos, grávida, chegou a ser agredida pelo patrão.

Há 300 mil imigrantes bolivianos no país

O consulado boliviano estima que cerca de 300 mil imigrantes, legais e clandestinos, vivem hoje no Brasil, sendo que 250 mil estariam em São Paulo. Muitos trabalham em oficinas a portas fechadas, sem registro. Eles veem o esquema como uma espécie de "cooperativa", onde grupos de famílias e agregados trabalham, comem e dormem juntos. O salário, pago por peça costurada, chega a cerca de R$400. Para esses costureiros, o valor representa o fim da miséria vivida na Bolívia.

Eles decidiram escapar quando cobraram seus salários e ouviram uma negativa, acompanhada de ameaças de expulsão e até de morte.

- Nessa casa, estava tudo esburacado, com goteiras e esgoto quebrado. Tinha ratos e baratas. Nosso quarto era minúsculo, não tinha janela e passamos frio - conta V.

Casos como o dos patrões dos bolivianos, no entanto, podem ficar sem punição na área criminal, pois os poucos dados disponíveis na esfera penal preocupam. Em Mato Grosso, dos 110 denunciados pelo Ministério Público Federal pelo crime de redução a condição análoga à de escravo de 2002 a 2011, só um foi condenado. Em São Paulo, foram feitas denúncias contra 45 pessoas e apenas dez foram condenadas.

'O problema está na falta de qualificação'

Paula Ávila, procuradora

SÃO PAULO. Para a procuradora Paula Ávila, vice da Coordenadoria Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo do Ministério Público do Trabalho, é preciso qualificar os trabalhadores para diminuir os casos de escravidão.

Como vê o fato de o Brasil ter trabalho escravo num momento de crescimento do país?

PAULA ÁVILA: Os empregos criados exigem qualificação. O trabalhador brasileiro é, muitas vezes, analfabeto, que aceita qualquer promessa de emprego. O trabalho escravo está na falta de qualificação, no índice de desenvolvimento humano muito baixo em algumas regiões do Brasil, como o Maranhão.

Na área urbana, estão aumentado os casos de escravidão?

PAULA: Na verdade, com a divulgação maior do conceito de trabalho escravo contemporâneo, o trabalhador está um pouco mais consciente da sua situação de vítima de exploração. E a gente, por meio de denúncias, tem chegado a situações de trabalho escravo urbano. A maior parte está na área de confecções, principalmente em São Paulo. Mas a gente também tem muitos casos na construção civil.

A Proposta de Emenda Constitucional 438, de 2001, que propõe a expropriação de terras de quem usar mão de obra escrava e está parada no Congresso, é importante para diminuir o problema no meio rural?

PAULA: A PEC é fundamental. A gente tem condenações por dano moral coletivo até de R$5 milhões. Acredito que, quando você mexe no bolso, afeta economicamente o produtor rural ou carvoaria, a gente consegue uma resposta melhor. A expropriação de terra é pedagógica.

A quantidade de fiscais é suficiente?

PAULA: Precisa de um aumento do número de fiscais. Se você demora a atender, não acha mais o trabalho escravo. Você precisa ter equipes prontas para chegar a esses locais, que estão dispersos em todos os rincões do Brasil, com a maior agilidade possível. E precisa aumentar inclusive para combater o trabalho escravo urbano.

FONTE: O GLOBO

As voltas que o mundo dá:: Suely Caldas

Enquanto o Partido Republicano dos Estados Unidos rejeita proposta do presidente Barak Obama de elevar impostos dos americanos ricos, 16 multimilionários franceses assinam documento pedindo para pagar mais imposto. Pedido prontamente atendido, no dia seguinte o presidente Nicolas Sarkozy instituiu uma taxa temporária de 3% sobre a renda dos franceses que ganham acima de 500 mil por ano. A crise econômica segue, desafia os ricos, testa reações e condutas pessoais.

É claro que os milionários franceses olham por suas empresas, querem evitar que elas mergulhem com o país num possível rebaixamento da nota de risco.

Mas deram sua parte, estão tirando do bolso. Os americanos nem se mexeram e viram a Standard & Poor"s (S&P) rebaixar o rating dos Estados Unidos. Outras agências de risco não seguiram a S&P e três semanas depois seu presidente, Deven Sharma, demitiu-se do cargo. Na quinta-feira a Standard & Poor"s melhorou a classificação do Brasil.

Neste emaranhado de situações inusitadas e inesperadas desta crise, o presidente do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), o colombiano Luis Alberto Moreno, fez um paralelo entre o que viveu a América Latina nos anos 80 e o que enfrentam hoje Estados Unidos e Europa. Ele aconselhou os países ricos a aprenderem com os latino-americanos como fazer gestão econômica em momentos de crise.

"Nos últimos 25 anos ocorreram 31 crises financeiras. A capacidade de gestão e decisão dos países da América Latina é mais forte do que a de países desenvolvidos", lembrou Moreno, em passagem recente por São Paulo. Com essa enxurrada de crises em tempo tão curto, os latino-americanos aprenderam a diagnosticar seus males - a inflação foi o maior deles, mas havia muito mais - e o que fazer para atacá-los. E acumularam experiência suficiente para ensinar.

Atualmente a situação é outra. Na década de 1980, na confortável posição de credores, os países ricos pressionaram os latino-americanos a puxarem o freio da economia, a suprimir gastos sociais, gerar desemprego, cortar salários, a multiplicar dramas humanos. Hoje eles padecem de problemas em que somos diplomados - elevado endividamento e desequilíbrio fiscal -, mas não somos nós os credores nem somos nós a pressioná-los.

E como a América Latina corrigiu seus erros?

Vejamos o caso do Brasil. Entre uma e outra das 31 crises citadas por Luis Alberto Moreno, enfrentamos os amargos efeitos de duas moratórias - em 1982 e 1987. O País ficou sem crédito, mergulhou na recessão e no desemprego, a inflação disparou e os governos Figueiredo, Sarney e Collor recorreram a cinco planos de estabilização, todos fracassados.

Os países credores (europeus, Estados Unidos e Japão) pressionavam o Fundo Monetário Internacional (FMI), que passou a vigiar com lupa a economia brasileira a cada três meses, quando aqui aportavam seus técnicos. O FMI condicionava empréstimos a contrapartidas duras na área fiscal. O Brasil e sua população sofreram e empobreceram. Foi a chamada década perdida.

No final da década de 1980, o Plano Brady reestruturou a dívida e ajudou o Brasil a recuperar o crédito externo. Mas os crônicos déficits orçamentários persistiam: os governos continuavam gastando muito, o buraco fiscal aumentava e a inflação disparava. Sarney entregou o País a Collor com uma hiperinflação de 86% ao mês e 2.750% ao ano. Em dois anos Collor fez dois planos de estabilização - dois fiascos.

Para reorganizar a economia era preciso acabar com a inflação. O Plano Real cumpriu esse papel, a inflação veio abaixo e os brasileiros passaram a se orgulhar de sua moeda, antes desmoralizada e sem valor. A partir daí os governos Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso iniciaram uma saraivada de mudanças no arcabouço de leis para modernizar a economia e recuperaram o que foi destroçado na década perdida. FHC privatizou bancos e empresas estatais que sangravam os cofres públicos e criou leis e regras que obrigaram governadores e prefeitos a adequar seus gastos à receita. Estrutura econômica modernizada e mais bem organizada, o investimento privado deslanchou, gerando renda, empregos e receita tributária.

Mas FHC continuou gastando mais do que arrecadava e o déficit fiscal crescia. Só depois da crise da Rússia, em 1998, o governo passou a perseguir o equilíbrio com um programa consistente de redução de despesas. Mas as crises que vinham de fora atrapalhavam e as reservas cambiais eram insuficientes para enfrentá-las.

Em outubro de 1998, o Brasil recorreu ao FMI. Era tudo o que a equipe econômica de FHC não queria, mas não conseguiu evitar. Novamente, o País ficava sob o jugo do FMI, como na década de 1980. Por duas vezes - em 1999 e 2002 - o Plano Real esteve ameaçado, mas sobreviveu com uma boa gestão macroeconômica do Banco Central, comandado por Arminio Fraga.

Ao assumir a Presidência do País, Lula não fez nada do que pregou em 20 anos. Seu mérito foi manter intacta a política econômica de FHC, não mergulhar o País em aventuras mirabolantes do PT. Seu governo soube tirar proveito de um longo período de prosperidade no mundo e, até 2008, nenhuma crise externa. Mas em 2008 não só o Brasil, como também seus vizinhos da América Latina estavam mais bem preparados para enfrentar uma crise que não criaram, que não era sua.

Foram 25 anos nada tediosos, cheios de emoções, altos e baixos, nunca planície, uma sinuosa e turbulenta montanha a exigir ações e decisões rápidas dos responsáveis pela gestão. É disso que fala o presidente do BID.

A crise nos Estados Unidos e na Europa ameaça contaminar o mundo inteiro e, em menor proporção, os países emergentes, entre eles o Brasil. Por aqui, levamos tempo para reconhecer a origem dos nossos dilemas - a gastança exagerada dos governos, que criavam déficits públicos gigantescos, cobertos com endividamento crescente e produzindo hiperinflação.

Por enquanto, Europa e Estados Unidos ainda não vivem o descontrole da inflação, mas se não agirem rápido... ela vai chegando de mansinho e se instalando.

A gestão da crise nos dois continentes tem sido criticada por não produzir decisões, no máximo, medidas paliativas que não resolvem. Falta coragem política. E, quanto mais demorados os resultados, mais longa será a crise. Nós, aqui, levamos 25 anos. Quantos serão por lá?

Jornalista e professora de Comunicação da PUC-Rio

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Diplomacia de baixa voltagem:: Clóvis Rossi

Dilma sepulta diplomacia presidencial, mas o Brasil continua a ser ator relevante no palco internacional

Depois dos oito trepidantes anos da diplomacia de Luiz Inácio Lula da Silva/Celso Amorim, a discrição de Dilma Rousseff/Antonio Patriota parece um silêncio ensurdecedor.

Afinal, Lula dava palpites, às vezes despropositados, sobre todos os assuntos da realidade internacional, do teor da democracia na Venezuela de Hugo Chávez ao caráter supostamente futebolístico dos protestos contra a reeleição do iraniano Ahmadinejad.

Dilma, passados oito meses de governo, não disse uma só palavra sobre temas internacionais, por mais que o Oriente Médio tenha começado a ferver exatamente nos primeiros dias de sua gestão.

A diferença é visível a olho nu, mas não se trata apenas de falar mais ou falar menos. O silêncio e a discrição passam a impressão de que o Brasil se afastou -ou foi afastado- da grande cena internacional, na qual até forçou a entrada no período anterior.

O Itamaraty admite a diferença: "Não é o estilo do atual ministro se mostrar frequentemente na mídia", diz Antonio Tovar Nunes, o porta-voz de Patriota.

Mas nega que o Brasil tenha ficado descolocado na cena global. Que negue, é natural. Seria ilógico que um alto funcionário, de qualquer departamento, aceitasse que o desempenho de sua área caiu de patamar.

Há, no entanto, pelo menos uma fonte relevante que dá razão a Tovar quando diz que o Brasil continua na foto internacional: "Nesses meus dois meses de Brasil, não passa um dia sem que eu converse com alguém do Itamaraty ou de outro Ministério", depõe Todd Chapman, encarregado de negócios dos Estados Unidos no Brasil, enquanto o titular, Thomas Shannon, exerce provisoriamente o posto de número 3 do Departamento de Estado. E, completa Chapman, a agenda com o Brasil é vasta e não exclui, por exemplo, Líbia e Síria, por mais que as posições de Brasília e de Washington tenham sido diferentes.

Chapman minimiza a divergência, ao dizer que Brasil e EUA concordam nos princípios essenciais que estão em jogo, a saber democracia e direitos humanos.

Não é apenas com os EUA que o discreto Brasil de Dilma/Patriota mantém o ritmo da elétrica gestão anterior: o chanceler fez 36 viagens internacionais nos seis primeiros meses do governo. Uma a cada cinco dias, o que demonstra que manteve o ritmo frenético que Amorim impôs. Mais, seria desnecessário: "Amorim levou o Brasil ao palco. Já o temos, portanto, e não é o caso de ampliá-lo", diz o porta-voz.

De todo modo, o novo estilo diplomático do Brasil é menos impulsivo. No caso, por exemplo, da Líbia, a pauta da semana, o Brasil prefere conversar e conversar, com seus parceiros no Conselho de Segurança, com os demais integrantes do BRICs (Rússia, Índia, China e África do Sul), com a Turquia e outros, antes de reconhecer o Conselho Nacional de Transição como legítimo representante líbio, mesmo depois de a Liga Árabe tê-lo feito.

No caso da Síria, o Itamaraty leva em conta até a posição da comunidade síria no Brasil que não demonstra nenhuma ansiedade por ver Bashar Assad defenestrado.

Tudo somado, tem-se uma diplomacia de baixa voltagem, mas não por isso fora do jogo global.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO