sábado, 5 de novembro de 2011

OPINIÃO DO DIA - Zygmunt Bauman: o enigma

Mesmo que saibamos como fazer o mundo melhor, o enigma é se há recursos e força suficientes para poder fazê-lo.

Zygmunt Bauman, sociólogo, em Fronteira do Pensamento, julho de 2011.

Manchetes de alguns dos principais jornais do Brasil

O GLOBO
Crack já é problema de saúde pública para 64% das cidades
No trânsito, epidemia de mortes
Premier fica, mas G-20 não se entende
Itália chama FMI para avaliar economia
Questões do Enem são revalidadas
Agnelo, do DF, exonera mais 17 delegados
Investigada nos EUA por suborno, Embraer tem prejuízo

FOLHA DE S. PAULO
G20 acaba sem achar saída para a crise global
Cai liminar que anulava questões do último Enem
Sem acordo, invasores da USP mantêm a ocupação

O ESTADO DE S. PAULO
Cúpula do G-20 acaba sem reforçar caixa europeu
Justiça restaura questões do Enem
STF adota sigilo em 152 processos de autoridades

CORREIO BRAZILIENSE
G-20 termina sem solução para a crise
Mais provas contra bêbados
Guerra do Enem longe do fim

ESTADO DE MINAS
Meu caro Chico
Meu caro, Chico

ZERO HORA (RS)
Força-tarefa vai atacar os 25 pontos mortais das estradas gaúchas
Ação criminal do Detran já soma 95 mil páginas

JORNAL DO COMMERCIO (PE)
Conta de telefone vai cair
Mutirão olha pelos presos esquecidos
TRF derruba anulação de parte do Enem
Trânsito mata cinco por dia em Pernambuco

Premier fica, mas G-20 não se entende

Parlamento grego aprova voto de confiança ao governo, e cúpula acaba sem acordo sobre crise

Numa votação apertada ontem à noite, o Parlamento grego concedeu, por 153 votos a favor e 145 contra, o voto de confiança ao governo do premier George Papandreou. Ele, que desistiu do referendo, obteve o sinal verde para fazer as reformas que garantem o empréstimo dos europeus. De outro lado, a cúpula do G-20 em Cannes, na França, terminou sem a definição de onde virá o dinheiro para reforçar o caixa do FMI, o que seria fundamental para ajudar os países em crise. No rascunho do documento, havia previsão de que o Fundo seria reforçado em US$ 1 trilhão, mas o número desapareceu na versão final do texto assinado pelos líderes das maiores economias do mundo. A presidente Dilma Rousseff criticou no G-20 a política cambial da China.

G-20 "apaga" US$1 tri para FMI de documento final

Após prever recursos para o Fundo nos rascunhos, grupo conclui reunião de cúpula sem definir valor para salvar países

Deborah Berlinck

CANNES, França. O encontro de cúpula do G-20 - que reuniu durante dois dias as maiores economias do mundo - terminou ontem sob a sombra do governo da Grécia afundando na crise e sem responder à pergunta que todos esperavam: quem vai dar, e quanto, o dinheiro adicional necessário para que o Fundo Monetário Internacional (FMI) ajude a Europa na pior crise de sua história e evite que outros países de fora da Europa sejam tragados com eles para o buraco? Ou ainda: quem vai contribuir com o Fundo Europeu de Estabilização Financeira (Feef), outro mecanismo para salvar o continente?

Nenhum país colocou números na mesa. A frustração era notória, ontem, entre os franceses, organizadores da cúpula. O grande plano para salvação da Europa que a União Europeia (UE) esperava anunciar - e que passava por um aumento dos fundos do FMI - acabou num parágrafo cheio de promessas. Mas todos os montantes que constavam do rascunho do comunicado final foram retirados. A ideia era aumentar os fundos do FMI dos atuais US$300 bilhões para US$700 bilhões. Ou seja: dotar a instituição com um total de US$1 trilhão para as crises.

Dilma promete ajuda mas não cita valores

Esta decisão foi empurrada para uma reunião de ministros das Finanças do G-20, possivelmente no início de dezembro, segundo o ministro da Fazenda, Guido Mantega. O comunicado final do G-20 limitou-se a repetir o de sempre:

"Estamos dispostos a garantir que recursos adicionais possam ser mobilizados rapidamente e pedimos a nossos ministros das Finanças para trabalhar até sua próxima reunião no desenvolvimento de um leque de opções que incluam contribuições bilaterais ao FMI, DES (Direitos Especiais de Saque, a moeda do FMI) e contribuições voluntárias à estrutura especial do FMI."

A presidente Dilma Rousseff prometeu ajuda do Brasil ao fundo, mas não citou números. Ela disse que valores não foram discutidos, mas rascunhos do comunicado continham cifras:

- A ampliação do Fundo Monetário Internacional num momento de crise é importante para reduzir o risco sistêmico. Quanto a valores, não foram discutidos - afirmou Dilma, acrescentando que os europeus precisam de mais tempo para implementar o resgate da dívida grega, definir o fundo de estabilização e recapitalizar os bancos.

O FMI está entrando até agora com um terço da ajuda aos países europeus em crise e se tornou numa instituição crucial na prevenção do contágio. Mas com a Itália, terceira maior economia da zona do euro, cambaleando, teme-se que os atuais recursos do FMI não sejam suficientes.

A diretora-gerente do Fundo, Christine Lagarde, garante que o que o FMI tem hoje é suficiente para o momento atual. A questão é: e depois? Lagarde disse que os países do G-20 garantiram que vão fazer "o que for necessário em termos de recursos, para que o FMI esteja totalmente equipado para as crises".

- Sei que alguns queriam ver grandes números anunciados, mas acho que, dado os graus de incerteza e volatilidade nas circunstâncias atuais, é melhor não ter uma limitação (de número) e sim um comprometimento unânime do G-20 de que recursos estarão disponíveis - disse.

Feef também fica sem definição de recursos

Além da indefinição no aumento dos recursos do FMI, nenhum país anunciou novas contribuições para o Fundo Europeu de Estabilização Financeira (Feef). O fundo tem hoje 440 bilhões, mas que deverão ser consumidos por Irlanda, Portugal e Grécia. Na semana passada, a Europa negociou um plano de combate à crise que previa não apenas ajuda à Grécia como um aumento dos recursos do Feef.

Com a recusa do Banco Central Europeu (BCE) em pôr dinheiro nisso, restaram aos europeus apelar para países emergentes, como China ou Brasil. Dilma, porém, descartou a possibilidade de contribuir para o fundo, e nenhum outro país se aventurou a colocar um montante na mesa de reunião do G-20.

FONTE: O GLOBO

Agnelo, do DF, exonera mais 17 delegados

Acusado de desvio de verbas para ONGs ligadas ao PCdoB quando era ministro do Esporte, o governador do DF, Agnelo Queiroz (PT), exonerou ontem mais 17 delegados. Em dois dias, foram afastados 67.

No DF, Agnelo exonera mais 17 delegados

Desde o vazamento da conversa do governador com João Dias, 67 policiais civis já perderam seus cargos

Roberto Maltchik

BRASÍLIA. Ao exonerar 67 delegados de funções de confiança nos últimos dois dias, o governador do Distrito Federal, Agnelo Queiroz (PT), pretende se livrar do que chama de polícia partidária e impedir que a Polícia Civil seja uma trincheira de enfraquecimento contra sua gestão. Ontem, o Diário Oficial publicou mais 17 exonerações, que se somaram às 50 de quinta-feira, junto com a nomeação de 30 delegados para chefias e diretorias da corporação.

Alguns nomeados compunham a equipe antiga, mas foram remanejados para funções diferentes. Outras 25 nomeações devem ser publicadas no Diário Oficial de segunda-feira.

Agnelo e o novo diretor da Polícia Civil do DF, Onofre José de Morais, negaram que as exonerações tenham relação com a revelação de trechos de conversas gravadas pela Polícia Civil, em 2010, entre o governador e o PM João Dias Ferreira, acusado de desviar dinheiro do Ministério do Esporte. Ontem, Agnelo se esforçou para convencer que esse é um "processo normal".

- O diretor-geral é responsável por nomear todos os delegados e diretores. Esse é um procedimento que resgata a hierarquia, a autoridade e faz parte de um processo normal. É um procedimento que fortalece a própria instituição - disse Agnelo, em meio a greve dos policiais civis que deve se prolongar, pelo menos, até quinta-feira.

Mas Onofre disse ao GLOBO que só foi convidado no dia em que o áudio da gravação foi exibido no "DFTV", da Rede Globo. E admitiu que sua missão vai além de um ajuste natural, como insiste Agnelo.

- Aceitei o convite para mudar práticas que não concordo. Para que a polícia seja uma polícia de Estado, que investiga quem quer que seja. Não concordo com polícia partidária, usada como instrumento para perseguir adversários, para perseguir pessoas - disse Onofre, ao garantir que o governador nunca o consultou sobre o vazamento das gravações nas quais Agnelo se dispõe a ajudar João Dias no processo em que o PM é acusado de desviar dinheiro público.

O governo do Distrito Federal decidiu não abrir sindicância para apurar o vazamento das gravações feitas pela Polícia Civil, hoje sob tutela do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Os diálogos comprovam a intimidade de João Dias com Agnelo.

- Cabe à Justiça Federal analisar se deve ou não investigar o vazamento das gravações. Essa é uma competência do Superior Tribunal de Justiça - disse o diretor da Polícia Civil.

O DEM, que conta com apenas um deputado na Câmara Legislativa do Distrito Federal, anunciou que entrará segunda-feira com pedido de impeachment de Agnelo. A oposição no Legislativo local é formada por rês parlamentares, entre 24.

Delegados dizem que existe crise no DF

Para a cúpula da Segurança, Agnelo virou refém de facções partidárias, responsáveis por indicações de delegados para cargos de chefia. O presidente do Sindicato dos Delegados, Benito Tiezze, disse que não haverá trégua, enquanto o governo não cumprir compromissos firmados no começo do governo.

- Existe crise, sim senhor. Aguardamos o cumprimento do acordo para que o governo melhore as condições de trabalho e pague um passivo trabalhista. Os delegados ficaram indignados (com as demissões) - disse Tiezze.

FONTE: O GLOBO

Romário quer disputar a Prefeitura do Rio

PSB, porém, disse que vai apoiar reeleição de Eduardo Paes

Juliana Castro

O deputado federal Romário (PSB-RJ) confirmou ontem que quer disputar a Prefeitura do Rio nas eleições do próximo ano, como noticiou a coluna de Ancelmo Gois, no GLOBO. O ex-jogador alega que foi convencido por colegas e vereadores a ser candidato e se colocou à disposição do partido. Mas ele não deve contar com o apoio do PSB, que apoiará a reeleição do prefeito Eduardo Paes (PMDB).

- Há um mês, tinha descartado concorrer à prefeitura, mas alguns vereadores me procuraram, disseram que minha candidatura seria boa para o partido. Acredito que, até janeiro, estarei bem preparado - disse Romário, esclarecendo que ainda não conversou com o partido sobre sua mudança de ideia.

Mas o presidente do PSB-RJ, Alexandre Cardoso, foi categórico ao falar sobre o assunto:

- Não tem qualquer possibilidade. Temos um acordo com o Eduardo Paes de apoiá-lo.

O ex-jogador declarou que não brigará com o PSB se a sua candidatura for rejeitada. Mas não vai apoiar Paes:

- Sou independente do partido - afirmou.

FONTE: O GLOBO

PSDB pede ao TRE mandato de Patrícia Amorim

Vereadora se filiou ao PMDB e é acusada de infidelidade partidária

Cássio Bruno

O PSDB do Rio oficializou ontem, no Tribunal Regional Eleitoral (TRE), o pedido de devolução do mandato, por infidelidade partidária, da vereadora Patrícia Amorim, presidente do Flamengo, que se filiou ao PMDB. Os tucanos cobram o mesmo do vereador Marcelo Arar, que foi para o PT. O PSDB tem agora apenas dois representantes na Câmara, Teresa Bergher e Andrea Gouvêa Vieira.

Na justificativa, o PSDB afirma que Patrícia desfiliou-se com "alegações confusas" e acusa a vereadora de votar projetos contra orientação do partido. "(Ela) deu variadas declarações públicas prévias à desfiliação relacionadas com sua virtual adesão ao PMDB", diz a petição. Segundo o PSDB, Patrícia não apresentou uma justa causa para sair, como determina resolução do Tribunal Superior Eleitoral. O PSDB usou as mesmas alegações no caso de Arar.

- Trata-se de uma diretriz partidária, impessoal e que se integra a um momento de reconstrução do PSDB no Rio - afirmou o deputado federal Otavio Leite, presidente do diretório municipal do partido.

Procurados pelo GLOBO, Patrícia não retornou as ligações, e Arar não foi encontrado.

FONTE: O GLOBO

Suspeita no Esporte envolve cúpula do governo do DF

Crise motivou saída de ministro e abala administração do PT na capital federal

Ex-titular da pasta e hoje governador do DF, Agnelo Queiroz tem secretário vinculado a ONG sob suspeição

Filipe Coutinho e Renato Machado

BRASÍLIA - O escândalo que derrubou o ex-ministro do Esporte Orlando Silva ( PC do B) envolve alguns dos principais assessores do governador do Distrito Federal, o petista Agnelo Queiroz.

Três de seus seus secretários apresentam ligações com entidades ou pessoas investigadas por desvio de recursos de programas da pasta.

Com a saída de Orlando do Ministério, a crise se concentra agora na capital federal.

Agnelo (2003 a 2006) e Orlando (2006 a 2011) dividiram a titularidade do Esporte nos últimos anos, dentro da cota do PC do B.

O hoje governador do DF, que depois ingressou no PT, é investigado pelo STJ (Superior Tribunal de Justiça) sob a suspeita de que em sua gestão tenha se iniciado desvio de verbas de convênios do programa Segundo Tempo, um dos principais da pasta.
Após deixar o ministério, Agnelo se elegeu governador em 2010, já no PT.

O seu atual secretário de Governo, Paulo Tadeu, é ligado à Cata-Ventos, que teve convênio de R$ 240 mil reprovado pelo próprio ministério. A entidade foi fundada pelo irmão do secretário, José Rosa Vale da Silva.

Segundo a pasta, a Cata -Ventos apresentou várias inconsistências na comprovação da aplicação dos recursos. O ministério já pediu a devolução do dinheiro.

A Folha apurou que pelo menos três pessoas que trabalhavam na organização agora têm cargos comissionados no governo, inclusive no gabinete do secretário.

Já o secretário de Saúde de Agnelo, Rafael Barbosa, deu parecer favorável a uma das ONGs do policial militar João Dias Ferreira, autor das acusações que derrubaram Orlando e que também é investigado como suposto participante do esquema.

O secretário assinou, em 2006, o despacho considerando que o primeiro convênio com o policial não deveria ser renovado por conta de irregularidades. Mesmo assim, Barbosa assinou, seis meses depois, o segundo convênio com a entidade.

Além da medida tomada pelo secretário, o governo de Agnelo apresenta outras ligações com o policial militar. O professor Ronaldo Carvalho Oliveira, vice-presidente de uma das ONGs de João Dias, ganhou um cargo comissionado na Companhia de Planejamento.

A assessoria de Agnelo afirma que Oliveira não chegou a tomar posse e que sua nomeação foi anulada. Mas não há registro da anulação no "Diário Oficial" do DF.

Já a mulher do policial, Ana Paula, usa uma picape que está no nome do subsecretário de Programas Comunitários do GDF, Cirlândio Martins do Santos. À Folha, Santos afirmou que apenas comprou o veículo para a mulher de João Dias, pois ela estava com problemas para adquiri-lo na ocasião.

Agnelo também aparece mantendo diálogos amistosos com o policial João Dias, em grampos feitos durante as investigações.

Devido às suspeitas, o DEM prometeu entrar com um pedido de impeachment contra o governador na próxima semana. Em discurso ontem, o senador Demóstenes Torres (DEM-GO) cobrou coerência do PT, que em 2009 exigiu a saída do então governador José Roberto Arruda, acusado de ser o pivô de esquema de desvio de recursos do DF.

A atual crise também arranhou a relação regional do PT com o aliado PMDB, que não foi consultado por Agnelo na decisão de trocar a cúpula da Polícia Civil.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

Indignação e política :: Luiz Sérgio Henriques

Uma das profecias mais frágeis de que se tem notícia foi aquela que anunciou há pouco mais de 20 anos, com a implosão do comunismo "realmente existente", o fim de toda a História. Teríamos chegado a uma forma política definitiva - uma versão débil da democracia liberal, concebida como mero rodízio de elites incapazes de visões alternativas -, homóloga do funcionamento de certo tipo de mercado, com crescente dominância financeira, livre das regulações social-democratas do pós-guerra ou mesmo, um pouco antes, da época do reformismo rooseveltiano.

A ideia, tornada senso comum, é que teríamos passado a viver um eterno presente, capturado eficientemente pelo famigerado acróstico Tina - there is no alternative -, da lavra de uma das dirigentes mais endurecidas do novo curso inevitável das coisas. A palavra "social" aparecia como um adjetivo inútil e, radicalizando esse modo de pensar, melhor seria dissolver a noção de "sociedade" e considerar apenas indivíduos e interesses particulares que a compõem, à maneira de átomos.

Não cabe adotar aqui o ponto de vista do juízo final e decretar retoricamente a falência do capitalismo. Mais ainda, deve-se admitir que os espíritos animais do capital globalizado, liberados, golpearam definitivamente até as novas muralhas da China, ocasionando uma das mais surpreendentes transformações da História e promovendo a vinda ao mundo moderno de centenas de milhões de pessoas. Com todas essas cautelas, é autoevidente que os acontecimentos destes anos, com a grande recessão que remete aos idos de 1930, feriram de morte a ideia de um capitalismo sem crises e de uma democracia débil, submetida ao império das categorias econômicas.

Na verdade, a dissonância entre política e economia parece estar no centro do mal-estar que nos aflige. A impotência da primeira manifesta-se, entre outros sintomas, na falta de instrumentos de governo da dimensão sistêmica da economia, que se tornou global e unificou definitivamente o gênero humano, ainda que de uma forma desigual e, ao que tudo indica, ambientalmente insustentável.

Podemos estar no começo de um bem-vindo retorno da política - e dos sujeitos -, num movimento que, como nos anos 1960, abrange situações muito diversas, como as praças das revoluções no mundo árabe, os indignados da Porta do Sol em Madri e outras cidades europeias, para não falar dos surpreendentes "habitantes" da Praça Zuccotti, em Nova York. Neste último caso, os acampados podem até ceder diante da inclemência do inverno próximo, o que, no entanto, não autoriza a diminuir o sopro de renovação que podem vir a ter para a esquerda dos Estados Unidos, no seu sentido lato, e de todo o mundo.

Os habitantes da Praça Zuccotti situam-se num mundo em que o virtual e o real se cruzam de modo muito significativo. O idioma que falam está longe de ser unívoco e talvez esteja mesmo fadado a ser plural - contraditoriamente plural -, com acentos utópicos e possivelmente irrealizáveis. Em suas assembleias-gerais, conduzidas segundo os procedimentos de uma "democracia direta", formulam-se exigências claras de responsabilização do setor financeiro e de luta contra as desigualdades crescentes, que minaram o sonho americano de uma grande sociedade constituída majoritariamente por extensas camadas médias.

Mas há mais do que isso, pois o desafio é também a um sistema político que não funciona e parece entrincheirado, como que constituído por uma só casta incapaz de representar adequadamente a cidadania. Critica-se não só o Partido Republicano - capturado sectariamente por uma direita anti-intelectual, às turras com boa parte da ciência contemporânea, especialmente a que estuda o clima, e até com Darwin -, mas também o Partido Democrata, como se ambos fossem pura e simplesmente os dois braços de um mesmo partido: o da grande propriedade.

Pode haver nisso uma certa pulsão anti-institucional, uma vontade de não se dobrar à "cooptação", o que é compreensível em momentos inaugurais. Mas a tentação de se constituir obstinadamente em contrassociedade, oposta ao mundo "convencional", muitas vezes termina em opção pelo espírito de gueto, incapaz de falar a todos. E a experiência histórica também ensina que uma outra obstinação - a ênfase unilateral nos mecanismos da democracia direta - tem redundado em formas complicadíssimas (e, portanto, absurdamente indiretas) de exercício de poder, com escasso ou nenhum respeito pelas minorias e pelos processos de alternância normais numa comunidade política moderna.

A esquerda americana e, em geral, a esquerda em toda parte só foram capazes de mudar suas respectivas sociedades, nelas imprimindo a marca de justiça social, quando conciliaram produtivamente participação e representação. Foi assim no período áureo do reformismo rooseveltiano ou das social-democracias europeias: a construção do Estado de bem-estar social não foi dádiva ou projeto gestado por elites "esclarecidas", mas fruto de intenso conflito entre diferentes ideias de convivência. Um conflito travado, evidentemente, segundo as regras de uma democracia política que se reinventou e aprofundou, garantindo, por exemplo, a livre organização dos trabalhadores e universalizando os direitos políticos.

É provável que estejamos no limiar de um ciclo de grandes esperanças. A nova esquerda dos anos 60, portadora de instâncias antiautoritárias que em parte se cumpriram, em algum momento se deixou levar pela tentação da violência, favorecendo a grande maré conservadora que se seguiria. Hoje, a indignação dos jovens - e não tão jovens - merece tornar-se força transformadora e capacidade hegemônica, o que só é possível por meio de uma democracia renovada por atores comprometidos com um explícito regime de liberdades.

Tradutor e ensaísta, é um dos organizadores das obras de Gramsci

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Maldita maioria! :: Miguel Reale Júnior

Campos Sales, presidente da República de 1899 a 1902, defendia o regime republicano presidencialista, e não o parlamentarista. Se no regime presidencial o Legislativo não governa nem administra, por isso, a seu ver, era necessário que a ação legislativa fosse "esclarecida e mesmo, a certos respeitos, dirigida", pois o Executivo deve conduzir a feitura das leis por conhecer a realidade. Assim, malgrado "decidido adversário do parlamentarismo", Campos Sales admitia como necessária a construção de uma maioria no Legislativo que, pela afinidade de aspirações, constitua um sólido laço, uma perfeita aliança com o Executivo, para o esforço coordenado entre os Poderes "em proveito dos grandes interesses da Nação".

Por outro lado, antepunha-se à concentração de poderes no governo central, que absorve as forças nacionais, advogando a importância da forma federativa, na qual União e Estados cooperem livre e espontaneamente para o desenvolvimento nacional. Para Campos Sales, uma República unitária apenas estimularia o sentimento de separação. Se no Império a força estava no poder central, na República, dizia ele, a força deve estar nos Estados, pois "é na soma destas unidades autônomas que se encontra a verdadeira soberania da opinião. O que pensam os Estados pensa a União!".

Da conjugação destas duas perspectivas - 1) necessidade de cooperação entre Executivo e Legislativo na formação de uma maioria sólida e 2) cooperação íntima entre União e Estados, que se congregam para construção de uma política nacional - surge a formulação da denominada "política dos governadores".

Como unir, então, esses dois objetivos de formação de uma maioria e de fortalecimento do federalismo, em dupla conjugação: entre Executivo e Legislativo e entre União e Estados? No processo eleitoral da Primeira República, em que o voto era aberto e imperava o voto de cabresto, oposição e situação proclamavam-se vencedoras. Havia, no entanto, a exigência de exame das atas eleitorais por comissão da Câmara dos Deputados - Comissão de Verificação de Poderes -, à qual incumbia legitimar ou não os resultados das juntas eleitorais.

Essa comissão era presidida pelo deputado mais velho da legislatura a se findar. Campos Sales conseguiu, em combinação de próceres da Câmara, fixar que viria sempre a ocupar a presidência dessa comissão o ex-presidente da Câmara, pessoa, portanto, de confiança, que garantiria o resultado favorável aos deputados do grupo dos governadores, verdadeira força política no País.

Estabelecia-se uma grande troca de favores: os governadores apoiavam o candidato à Presidência escolhido em conversas com o presidente da República e este apoiava os candidatos dos governadores à chefia do Estado e à Câmara dos Deputados e ao Senado. Os parlamentares, por sua vez, prometiam dar sustentação ao Executivo. Era um grande conchavo para garantia de maioria serena por todo o canto. E às favas a oposição.

Com a Constituição de 1946 os problemas crônicos do presidencialismo afloraram continuamente, em seguidas crises institucionais que desembocaram no regime militar. Havia, como hoje, uma combinação explosiva: federalismo, voto proporcional, fragilização dos partidos e irresponsabilidade dos dois Poderes no exercício de suas funções.

O quadro não mudou com a estrutura política da Constituição de 1988. Ao contrário, acentuaram-se os conflitos entre os Poderes, pois a pauta do Congresso é fixada pelo Executivo, com medidas provisórias e regime de urgência. E o Legislativo tem a arma da obstrução.

Pequeno é o papel do deputado, mesmo porque apenas 10% da produção legislativa decorre de projetos de iniciativa de deputados ou senadores. A grande tarefa do deputado é pensar na reeleição, pelo que não é fiel ao seu partido, mas aos currais eleitorais. Passa a ser office-boy de luxo, a frequentar corredores dos ministérios atrás da satisfação de pleitos da sua região ou da corporação que representa. Mais importante ainda é conseguir a liberação da verba de emenda para a construção de ponte, clube ou posto de polícia.

Nas gestões de Fernando Henrique Cardoso cumpriu-se, na expressão de Sergio Abranches, o presidencialismo de coalizão. PFL, PSDB, PMDB, PPB e PPS tinham 350 deputados, mas o apoio parlamentar decorria da entrega de ministérios e de cargos aos indicados pelos partidos e também da liberação de verbas.

No primeiro mandato de Lula, o PT, isolado, tinha 91 deputados, enquanto a oposição somava 244. O PT ocupou centenas de cargos estratégicos nos ministérios, em especial naqueles cujo ministro, apenas decorativo, era de partido aliado. Como, então, cooptar o apoio de parlamentares "aliados" nas votações importantes? Decidiu-se pela "doação" de quantias a deputados em hotéis de Brasília. Criou-se, então, o presidencialismo de mensalão. No segundo mandato, o valor das emendas de deputados quintuplicou!

Agora, na gestão Dilma Rousseff, há franca maioria governista na Câmara. Há ministros dos partidos aliados, mas na votação importante da emenda constitucional da Desvinculação de Receitas da União (DRU), que permite ao governo usar livremente 20% da receita de tributos federais, os parlamentares, conforme editorial deste jornal, viraram extorsionários ávidos pela barganha: ou liberam emendas parlamentares e nomeiam apaniguados para empresas públicas ou não se aprova a emenda.

Sem as trocas da Velha República, sem os benefícios do mensalão, sem condescendência criminosa e com faxina, mesmo que parcial, o forte Executivo vira fraca vítima de chantagem, a mostrar que desde sempre, na República, não se forja maioria parlamentar "em proveito dos grandes interesses da Nação", na expressão pouco sincera de Campos Sales ao tentar justificar sua política de cooptação.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Prévias, adeus :: Fernando Rodrigues

A desistência de Marta Suplicy na disputa do PT para ser candidata a prefeita de São Paulo transcende à guerra interna na sigla.

Trata-se de fato emblemático no processo de similarização orwelliana dos principais partidos.

Com todos os seus defeitos, o PT sempre foi a agremiação que mais tateou algum tipo de democracia interna. Em 2002, Lula só se tornou candidato a presidente depois de enfrentar Eduardo Suplicy num processo de eleição prévia da legenda.

Agora veio o dedaço de Lula a favor do ministro da Educação, Fernando Haddad, que está ungido como candidato a prefeito de São Paulo pelo PT. Nada contra nem a favor de nenhum dos postulantes petistas à vaga. Mas, ao rejeitar o processo de eleição interna, o PT não apenas dá adeus às prévias como também a uma cultura cada vez mais escassa entre os partidos políticos.

Se os partidos são a base do sistema de democracia representativa, toda vez que esses agrupamentos rejeitam uma forma transparente de escolha interna estão, ao mesmo tempo, reduzindo a sua inserção na sociedade. Por que alguém pretenderá se filiar ao PT com o sonho de ser candidato a prefeito um dia se quem manda e desmanda são só os caciques, Lula à frente?

Petistas desdenham desse raciocínio. Dizem que nos outros 28 partidos tal tipo de debate interno nunca existiu. É verdade. Mas esses mesmos petistas agora já não poderão tampouco fazer chacota com o PMDB, o PSDB e as outras legendas tradicionais. Estão todos iguais.

Pressionada pelo momento, Marta Suplicy usou um sofisma ao sair do páreo. Disse que sua presença poderia "estraçalhar a militância". O partido ficaria "absolutamente rachado, sem unidade". Se fosse assim, não existiria democracia. Ganhar e perder é parte do processo. Não mais no PT, que emula antigos adversários e assume "con gusto" o caciquismo que tanto combateu.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

A democracia funciona? :: Hélio Schwartsman

O premiê George Papandreou até que tentou submeter a referendo o pacote de ajuda da UE à Grécia, mas foi impedido por uma improvável aliança entre membros de seu próprio partido e países graúdos da Europa. A questão é: mercados e democracia são compatíveis?

Grupos mais à esquerda respondem com um sonoro "não" e se põem a maldizer o capital, num roteiro conhecido. Quem também diz "não", mas fica com o mercado, maldizendo os eleitores, é o economista ultraliberal e militante libertário Bryan Caplan, em "The Myth of the Rational Voter" (o mito do eleitor racional).

A tese do autor é simples: democracias não dão muito certo porque elas entregam aos eleitores o que eles querem -e o que eles querem é frequentemente algo que os prejudica. Isso ocorre porque cidadãos de Estados democráticos, como todos os seres humanos, vêm de fábrica com uma série de preferências e vieses que os impelem a escolhas ruins.

Exemplos de erros sistemáticos citados incluem a nossa resistência natural a elementos do mercado, como juros e intermediários (a quem chamamos de "atravessadores"), a estrangeiros (imigração e deficit comercial são vistos como vilões) e nossa obsessão por criar empregos, mesmo que à custa de novas tecnologias.

No caso específico do pacote grego, ele provavelmente seria recusado nas urnas devido à nossa tendência de valorizar o presente em detrimento do futuro. Para não perder mais agora, o eleitor grego sacrificaria a retomada mais à frente.

Na democracia, sustenta o autor, esses vieses são ampliados pelo fato de que, como o peso de cada voto é irrisório, a urna se torna o lugar onde o eleitor dá rédeas aos seus instintos antimercadistas mais básicos.

Não compro tudo da argumentação de Caplan. A economia precisa melhorar muito antes de reclamar o estatuto de ciência dura.

Mas é sempre bom ler argumentos inteligentes dos quais discordamos. No mínimo, aprimoramos nossas próprias ideias.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

Oligarquia à moda dos EUA:: Paul Krugman

Os manifestantes que dizem representar 99% da sociedade podem até ter errado a conta para menos

A desigualdade voltou ao noticiário, graças em larga medida ao movimento "Ocupe Wall Street", mas com um empurrãozinho do Serviço Orçamentário do Congresso. E vocês sabem o que isso significa: é hora de os enroladores entrarem em ação.

Em relatório recente, o Serviço Orçamentário documentou um declínio acentuado na proporção da renda total do país que chega aos norte-americanos de renda baixa e média. Hoje, os 80% de domicílios com menos renda respondem por menos de 50% da renda nacional total.

Em resposta, os suspeitos de sempre ofereceram os argumentos de sempre: os dados são incorretos (não são), a composição da classe mais rica muda o tempo todo (não é verdade) e outros. O mais popular parece ser o de que, embora já não sejamos uma sociedade de classe média, somos uma sociedade de classe média alta, na qual uma ampla classe de trabalhadores com alto nível educacional e a competência necessária a concorrer no mundo moderno se sai muito bem.

A história é bacana. Mas, infelizmente, não é verdade.

Os trabalhadores que têm diplomas universitários de fato apresentam desempenho superior, em média, ao dos que não têm, e essa disparidade vem se alargando ao longo do tempo. Mas os americanos de melhor nível educacional de forma alguma estão imunes à estagnação de renda e à insegurança econômica. Os avanços salariais nessa faixa são praticamente inexistentes desde 2000, e hoje quem tem diploma universitário tem menor probabilidade de obter um bom plano de saúde do que os trabalhadores com educação secundária em 1979.

Assim, quem está ficando com a maioria dos ganhos? Uma minoria ínfima e muito rica.

O relatório do Serviço Orçamentário nos informa que basicamente toda a renda redistribuída dos 80% mais pobres nos EUA beneficiou o 1% mais rico da sociedade. Os manifestantes que afirmam representar 99% da sociedade estão essencialmente certos, e os sabichões que garantem solenemente que a questão real é a educação, e não o avanço na renda de uma pequena elite, estão completamente errados.

Na verdade, os manifestantes podem ter errado para menos em sua conta. Pesquisa anterior, cujos resultados só se estendiam até 2005, constatou que quase dois terços dos avanços de renda entre o 1% mais rico beneficiavam o 0,1% mais rico -o milésimo mais rico dos norte-americanos, cuja renda real subiu mais de 400% entre 1979 e 2005.

E quem compõe esse 0,1%? Empresários heroicos, criadores de empregos? Não: na maioria, executivos.

Pesquisas recentes demonstram que 60% desse 0,1% se compõe de executivos de companhias não financeiras ou tem as finanças como fonte principal de rendas. Ou seja: descrição perfeita de Wall Street.

Mas por que a concentração de renda e riqueza em tão poucas mãos importa? A resposta mais ampla é que ela é incompatível com a democracia real. Nosso sistema político vem sendo distorcido pela influência dos endinheirados, e essa distorção se agrava à medida que a riqueza desses poucos se multiplica.

Alguns sabichões tentam descartar como tolice a preocupação com a desigualdade crescente. A verdade é que a natureza de nossa sociedade como um todo está em jogo.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

Bilhete:: Mário Quintana

Se tu me amas, ama-me baixinho
Não o grites de cima dos telhados
Deixa em paz os passarinhos
Deixa em paz a mim!
Se me queres,
enfim,
tem de ser bem devagarinho, Amada,
que a vida é breve, e o amor mais breve ainda...