sexta-feira, 18 de novembro de 2011

OPINIÃO DO DIA – Luiz Werneck Vianna: crítica procedimental

Não à toa, a mais crua e melhor tradução desse estado de coisas veio a se manifestar com a criação de mais um partido, o Partido Social Democrático (PSD), que vem ao mundo como estuário de apetites mal resolvidos da classe política e sem declinar seu programa, mas já conta com uma das principais bancadas parlamentares. Nesse sentido, o PSD pode ser apresentado como o caso mais puro, expressiva figura típico-ideal, da estrutura partidária que aí está - isento de princípios, firmemente ancorado no cálculo estratégico dos seus membros e nas suas razões, orientadas, sans phrase, para fins instrumentais.

Os partidos oposicionistas, por sua vez, dissociados dos interesses e das motivações ideais reinantes na sociedade civil, limitam-se às críticas adjetivas e de caráter procedimental, sem atingir o cerne da natureza da política do governo e do seu estilo tecnocrático na condução da administração dos negócios públicos.

Luiz Werneck Vianna, professor-pesquisador da PUC-Rio. Conjuntura, modernização e moderno. O Estado de S. Paulo,16/11/2011.

Manchetes de alguns dos principais jornais do Brasil

O GLOBO
Vazamento de óleo no RJ pode ser 23 vezes maior
Lupi diz que não mentiu, só esqueceu
MEC reprova 37% das faculdades
Agência que rebaixou EUA eleva o Brasil

FOLHA DE S. PAULO
Lupi recebe diária por viagem com agenda partidária
Há 4 anos, 226 faculdades têm avaliação ruim do MEC
Em plena crise, agência de risco aumenta nota do Brasil

O ESTADO DE S. PAULO
Em meio à crise, agência de risco eleva nota do Brasil
Dilma concede sobrevida a Lupi
MEC cortará 50 mil vagas de cursos mal avaliados
Para ANP, erro fez óleo vazar

VALOR ECONÔMICO
Guerra cambial diminui, mas controles continuam
Brasil ganha nota mais alta na S&P
Gasto com desemprego cresce, apesar da maior oferta de vagas
Aviação movimenta 1% do PIB

CORREIO BRAZILIENSE
PIB cai, Brasil está em alta
Justiça dá prazo para a Unimed se reeguer
Lupi não mentiu, só esqueceu a verdade
Tribunal cassa Benício

ESTADO DE MINAS
MEC ameaça cortar vagas de 85 faculdades mineiras
Vamos à luta, companheiro!
‘Afilhados’ de Lupi
Aperto em Confins

ZERO HORA (RS)
Dirigente de ONG fala a ZH - “Eu provoquei a mudança no discurso do ministro"

JORNAL DO COMMERCIO (PE)
MEC reprova 55% das faculdades do Estado
Obra viária da Copa começa em dezembro
Lupi tenta se segurar com nova versão
Dilma anuncia pacote de apoio a deficientes

Lupi diz que não mentiu, só esqueceu

Ministro muda versões sobre avião, dono de ONGs e também sobre pagamento de aeronave

Em depoimento ontem no Senado, o ministro Carlos Lupi, do Trabalho, caiu em contradições em relação ao que já dissera sobre viagem ao Maranhão num avião providenciado por Adair Meira, dono de ONGs que tem convênios com a pasta. Ele admitiu que voou num King Air, apesar de ter negado semana passada. Também confirmou que conhece o dono das ONGs, o que negava até então. E disse que não sabe quem pagou o aluguel do avião, apesar de ter dito antes que fora o PDT do Maranhão, que negou. Lupi explicou as contradições: "Não tenho memória absoluta."

"Não tenho memória absoluta"

Ministro do Trabalho, Lupi dá novas versões sobre voo em avião com dono de ONGs

Evandro Éboli e Maria Lima

Sem o espalhafato exibido na semana passada, o ministro do Trabalho, Carlos Lupi, usou as três horas ontem de seu depoimento na Comissão de Assuntos Sociais do Senado para tentar se segurar no cargo. Deixou, no entanto, contradições no ar, como o fato de ter admitido só agora que viajou num avião King Air, onde estava o empresário Adair Meira. Mas disse que não sabe quem pagou. E admitiu, também só ontem, que conhece Adair, o que negara semana passada.

Durante depoimento na Câmara, semana passada, Lupi desdenhara de sua possível proximidade com Adair, dono de ONGs com as quais o Ministério do Trabalho fez convênios julgados irregulares pela Controladoria Geral da República. Fizera pouco caso do empresário, ao protagonizar a cena na qual folheia várias anotações para encontrar o nome de Adair citado pelos parlamentares:

- Eu não tenho nenhuma relação, nenhuma, absolutamente nenhuma... com o... Como é o nome?... Seu Adair. Adair. Nenhuma. Não sei onde ele mora. Nunca andei em aeronave pessoal nem dele nem de ninguém - disse na Câmara.

Ontem, o tratamento era outro.

- Caro Adair, eu nunca neguei que o conhecesse. Disse não ter relação pessoal - afirmou Lupi, que emendou: - Aquele dia (na Câmara) eram cinco, 12 deputados me perguntando. Não tenho memória absoluta. Tenho memória boa, mas ela falha. São arroubos, força de expressão e gestuais. Por isso, tentam demonizar a gente.

E tentou justificar o comportamento da semana passada:

- Foi crime ter falhado na hora do nome?!

"Não disse que não andei de avião"

Evitando provocações e a repetição de frases que irritaram a presidente Dilma Rousseff semana passada, Lupi disse ontem que vive um linchamento público. Ao reconhecer que andou num avião com Adair, Lupi tentou se explicar:

- Disse que nunca andei em avião pessoal dele (Adair), nem em outros aviões particulares. Não menti, amigo (dirigindo-se ao senador tucano Álvaro Dias). Não disse em nenhum momento que não andei de avião - afirmou, apesar de só ter admitido isso após a divulgação das imagens da viagem de 2009.

Lupi deixou sem resposta também denúncia da senadora Kátia Abreu (PSD-TO) de que recebeu cinco diárias do ministério, no valor total de R$1.736, para viagem partidária no Maranhão no final de 2009 - a mesma do avião King Air.

O ministro reconheceu que participou de eventos do PDT naqueles dias, mas afirmou não se lembrar de ter recebido diárias pagas pelo Erário:

- Só foi uma diária. Se estiver irregular, devolvo. Vou verificar. É pouco provável ter havido outras diárias.

Líderes do governo evitaram o depoimento. Os petistas, à exceção de Eduardo Suplicy (SP), não apareceram para ajudar o ministro. No depoimento, companheiros de PDT repetiram o apelo para que deixasse o cargo.

Cristovam Buarque (PDT-DF) foi na mesma linha:

- Tenho trauma de ter sido demitido pelo telefone (no governo Lula, quando ministro da Educação). É sair menor. Mas, pior, é sair acusado de corrupção. E o senhor não foi. Deixe o ministério - disse Cristovam.

Lupi não se comoveu com os apelos do colegas e disse que fica:

- Mas não é por apego a cargo. É apego à causa.

E disse que Dilma pediu para ele ficar, mas não deu detalhes:

- Uma conversa entre a presidente e um ministro é sigilosa. É confiança recíproca. Só posso me limitar a dizer que ela pediu que ficasse.

"Quem tem que explicar não sou eu"

Kátia Abreu levantou ainda outra suspeita: a de que a nota fiscal do fretamento da aeronave King Air teria sido incluída na prestação de contas da ONG Pró-Cerrado, de propriedade de Adair Meira. Ela reconheceu, porém, que não tem como provar. E pediu a Lupi que abrisse a prestação de contas da ONG. Lupi negou a acusação:

- Não existe isso. Esse convênio é de 2007. A cada hora criam um fato e, desse fato, um factoide. Não tenho que responder. Vou esperar a verdade - disse o ministro.

- Essa nota existe e vamos buscá-la. Lupi é um escroque, frio e calculista, cínico. Fica se escondendo na barra da saia da Dilma ao tentar misturar as denúncias contra ele com o governo - reagiu Kátia.

O ministro afirmou que não era ele quem teria que se explicar sobre a aeronave King Air, mas, sim, Ezequiel Nascimento, ex-secretário de Políticas Públicas de Emprego do ministério, que teria providenciado a aeronave para a viagem ao Maranhão.

- Quem tem que explicar não sou eu. Compete a quem pagou. Não tenho obrigação de saber.

Ezequiel confirmou que a aeronave foi providenciada por Adair, que, por sua vez, nega ter pago a empresa de táxi aéreo. Lupi disse que pode usar um carro sem conhecer o dono, devido à intensidade da atividade partidária. O ministro afirmou que sua amizade com Ezequiel continua:

Questionado sobre a resistência do PDT à sua permanência, respondeu:

- Meu amor, unanimidade, só Jesus Cristo.

FONTE: O GLOBO

Dilma concede sobrevida a Lupi

Desafiada por racha do PDT, presidente quer mostrar que é ela quem decide

A presidente Dilma Roussef concedeu sobrevida de tempo indeterminado ao ministro do Trabalho, Carlos Lupi. Ao detectar um movimento para torná-la refém da ala do PDT que quer derrubar o ministro para ocupar sua cadeira, Dilma resolveu pôr um freio de arrumação na "faxina" para sinalizar aos aliados que é ela quem decide a hora de pôr e tirar seus auxiliares. Embora Lupi não tenha explicado quem pagou o avião King Air providenciado pelo empresário Adair Meira para ele viajar ao Maranhão, em 2009, o governo avalia que o ministro também não se complicou ainda mais em depoimento ontem no Senado.

Dilma dá sobrevida a Lupi para deter ala do PDT que age para tirar ministro

Vera Rosa, Tânia Monteiro

BRASÍLIA - Desafiada por um racha no PDT, a presidente Dilma Rousseff concedeu sobrevida de tempo indeterminado ao ministro do Trabalho, Carlos Lupi. Ao detectar um movimento para torná-la refém da ala do PDT que quer derrubar o ministro e ocupar sua cadeira, Dilma resolveu pôr um freio de arrumação na "faxina". O objetivo é sinalizar ao aliado que é ela quem decide a hora de tirar e nomear auxiliares.

Ex-integrante do PDT, partido que ajudou a fundar no Rio Grande do Sul, Dilma tenta resistir à política de conspiração levada a cabo por dirigentes da sigla. Embora Lupi não tenha explicado quem pagou o avião King Air providenciado pelo empresário Adair Meira para ele viajar ao Maranhão, em dezembro de 2009, o governo avalia que sua situação não se complicou no depoimento prestado ontem à Comissão de Assuntos Sociais do Senado.

O Planalto considerou "grave" a denúncia, feita pela senadora Kátia Abreu (PSD-TO), de que o aluguel do King Air consta da prestação de contas de convênios do Ministério do Trabalho com a ONG Pró-Cerrado. Dilma, porém, exige provas, até agora não apresentadas pela senadora. O empresário Meira é dono de uma rede de ONGs que tem negócios suspeitos com o ministério. São convênios que ultrapassam a cifra de R$ 10 milhões.

Na prática, Lupi não está livre da degola, mas Dilma só o dispensará se houver indícios concretos de seu envolvimento em corrupção. A intenção da presidente é preservá-lo até a reforma ministerial, prevista para o fim de janeiro ou começo de fevereiro de 2012.

A estratégia do Palácio do Planalto consiste em virar a página da crise política com o lançamento de programas sociais. Ainda ontem, Dilma chorou ao anunciar o Plano Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência. "Esse é o momento em que vale a pena ser presidente", disse ela, com lágrimas nos olhos

Na bancada do PDT, os mais próximos de Dilma, hoje, são os deputados Brizola Neto (RJ) e Vieira da Cunha (RS). Os dois são sempre citados como possíveis candidatos para substituir Lupi. Brizola Neto, porém, está em rota de colisão com o ministro, que manda no PDT e jamais o indicaria para o seu lugar.

"O governo está tornando o PDT uma espécie de vassalo", protestou o senador Cristovam Buarque (PDT-DF). "Não só o Lupi deveria sair do ministério como é mais do que aconselhável que o partido entregue o cargo. Isso causa muito desgaste para nós", emendou.

Dividido. O racha no PDT está longe de acabar. Uma fatia da legenda já decidiu entregar a cabeça de Lupi, sob a alegação de que é preciso se apressar para não ser atropelada pelo PT de Dilma, que está de olho na vaga.

A outra ala, menor, defende a permanência do ministro. Apesar de afastado do comando do PDT no papel, na prática é o próprio Lupi que dirige o partido e enfrenta forte oposição interna.

Lupi não conversou ontem com Dilma, mas telefonou para o chefe de gabinete da Presidência, Giles Azevedo, após o depoimento no Senado. Queria saber a repercussão de seu desempenho e foi tranquilizado.

Na avaliação do governo, Lupi foi mais direto e sincero ao falar para os senadores do que para os deputados, na semana passada. Na ocasião, em estilo agressivo, disse que só sairia do ministério "abatido a bala". Depois, advertido, pediu desculpas a Dilma. "Presidenta, eu te amo", bradou.

Chamou a atenção da cúpula do PDT, ontem, a ausência de parlamentares do PT para defender o ministro, no Senado. Lá estava presente apenas o senador Eduardo Suplicy (PT-SP).

"Essa ausência foi realmente muito estranha", insistiu Cristovam, após almoço com o presidente interino do PDT, deputado André Figueiredo (CE), e com o líder do partido no Senado, Acir Gurgacz (RO). "Nós discutimos como sair do atrelamento que vivemos, hoje, em relação ao governo e ao PT".

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Brasil mais perto da recessão

Economia encolhe 0,53% no terceiro trimestre e analistas não descartam nova queda do PIB nos últimos três meses do ano

Victor Martins

Mesmo com o governo alardeando que o país está protegido, o Brasil vem pagando a fatura da caos financeiro que afunda a Europa. No terceiro trimestre de 2011, a economia encolheu 0,3%, o que não ocorria desde o início de 2009, quando o Produto Interno Bruto (PIB, soma de todas as riquezas do país) recuou 2,40%, no auge da crise desencadeada pela quebra do banco norte-americano Lehman Brothers. Para não repetir um desempenho negativo nos últimos meses do ano, o presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, decidiu bombar a economia com cortes na taxa básica de juros (Selic) e com medidas que impulsionam o crédito. Ainda assim, predomina no mercado a descrença em relação ao último trimestre do ano e a perspectiva de uma recessão técnica (dois trimestres consecutivos de queda) começa a ganhar contornos de realidade.
No mercado futuro, a queda do PIB, captado pelo Índice de Atividade do Banco Central (IBC-Br), foi vista como motivo para mais afrouxamento monetário e os principais contratos de juros derreteram, colocando mais uma vez no radar a possibilidade do BC reduzir a Selic em 0,75 ponto percentual na próxima reunião do Comitê de Política Monetária (Copom ), em 29 e 30 de novembro. A preocupação dos analistas, entretanto, é que a retração do país, diferentemente do que desejava a equipe econômica, veio acompanhada por uma inflação que não cede. Além de 2011, que vai fechar com a carestia colada ao teto da meta, de 6,5%, a perspectiva para 2012 e 2013 não é boa: uma taxa acima de 5% ao ano.

Inflação

Economistas que participaram do encontro trimestral que o Banco Central realiza com especialistas do mercado, alertaram para a preocupação com o custo de vida. "Ninguém está tranquilo com a inflação. Realmente houve uma retração no terceiro trimestre, mas, com todos os estímulos dados, se não houver uma ruptura, como na crise de 2008, a retomada da economia brasileira em 2012 vai ser vigorosa até demais", ponderou um economista de um banco.

Já para Flávio Serrano, economista do Espírito Santo Investment Bank, o quadro é alarmante. "Estamos trocando um crescimento baixo, mas ligeiramente acima do que ele viria em condições normais, por inflação", lamentou. Segundo ele, as medidas adotadas pelo BC nos últimos meses têm um tempo de defasagem e só serão sentidas na economia brasileira a partir do segundo trimestre de 2012. Zeina Latiff, do Royal Bank of Scotland, explicou que, mesmo as medidas macroprudenciais do BC, que no passado impulsionaram o PIB, agora foram aplicadas em um contexto muito pior. "Não quer dizer que vão ter o mesmo impacto positivo de antes. O processo de piora da economia mundial ainda não se consolidou", disse.

Na visão de Zeina, o risco para o quarto trimestre do ano é grande. "A indústria continua a patinar. Não ousaria arriscar um número, mas podemos dizer que será um PIB que anda de lado, tanto para o último trimestre quanto para o primeiro de 2011", observou. "Temos ainda o risco de aprofundamento da crise, inclusive com revisões para baixo do crescimento da China, o que não é neutro para o Brasil. Não dá para dizer que o pior já passou."

O desempenho ruim do trimestre, pelos dados do IBC-Br, foi selado em agosto e setembro, no primeiro mês com uma queda de 0,53% e, no segundo, com uma expansão praticamente nula, de 0,02%. O fraco desempenho da indústria, sobretudo da automotiva, foi o principal responsável pela queda da atividade econômica do período. O comércio também registrou ritmo fraco em agosto e setembro.

Carestia

A inflação medida pelo Índice de Preços ao Consumidor — Semanal (IPC-S) acelerou em cinco capitais brasileiras na segunda semana de novembro. De acordo com a Fundação Getulio Vargas (FGV), em Brasília — cidade que vinha sustentando a alta do indicador — a carestia desacelerou de 0,55% para 0,35%. O Rio de Janeiro também apresentou inflação menor, de 0,25% para 0,22%.

FONTE: CORREIO BRAZILIENSE

'PIB do BC' tem a 1ª queda desde 2009

Indicador mostra que atividade econômica caiu 0,32% no 3 º trimestre; se a crise ganhar força, Brasil pode fechar o ano em recessão

Fernando Nakagawa

BRASÍLIA - A economia diminuiu de tamanho no terceiro trimestre. Levantamento do Banco Central indica que a atividade econômica caiu 0,32% na comparação com o período entre abril e junho. Essa foi a primeira retração desde o primeiro trimestre de 2009 quando o País girava no turbilhão da crise passada. O dado negativo era esperado.

Agora, analistas aguardam o efeito da ação do governo para incentivar a economia. Se as medidas forem bem sucedidas, o País volta a crescer. Mas se a crise ganhar força, o Brasil pode fechar o ano em recessão. Divulgado ontem, o Índice de Atividade Econômica do Banco Central (IBC-Br) confirma a leitura da própria instituição de que, após o rápido crescimento em 2010 e a moderação no primeiro semestre, o Brasil sentiria a piora do quadro internacional de maneira mais pronunciada. A queda do IBC-Br é prenúncio de retração do Produto Interno Bruto (PIB), já que o dado é considerado uma prévia do indicador que mede o tamanho da economia.

O recuo da atividade é reflexo de indicadores como os elevados estoques das empresas e a queda na produção industrial. Nem mesmo a ligeira expansão de 0,02% em setembro ante o mês anterior foi suficiente para anular a retração de agosto, quando a economia apresentou o pior desempenho desde dezembro de 2008. "O dado confirma indicadores que sinalizavam enfraquecimento de vários setores", diz a economista-chefe do Banco Fibra, Maristella Ansanelli.

A retração trimestral preocupa o governo porque é o primeiro passo para uma recessão. Como os rumos da Europa são completamente imprevisíveis e a demanda interna pode continuar patinando, há chance de o último trimestre ter nova diminuição da atividade econômica. Com temor de que o primeiro ano do governo Dilma Rousseff termine com dois trimestres seguidos de queda do PIB - situação que tecnicamente configura a recessão -, o governo age para tentar reverter a situação.

Primeiro, reduziu os juros em agosto. Na semana passada, incentivou operações de crédito para consumo e, agora, estuda cortar impostos para baratear financiamentos e reduzir a obrigação que bancos têm de manter dinheiro no BC, o que elevaria a oferta de empréstimos. "As medidas recentes mostram que o governo quer evitar a todo custo uma recessão. A queda do juro demora um pouco para chegar à economia, mas o incentivo ao crédito gera efeito mais rapidamente", diz Maristella. Ela avalia que as ações do governo podem gerar efeito a tempo e que a economia pode crescer entre 0,3% e 0,5% no último trimestre, o que afastaria a recessão.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Olhando para o Brasil:: Luiz Carlos Mendonça De Barros

Um novo crescimento virá certamente de estímulos ao crédito, tanto via bancos privados como públicos

Vou deixar de lado a crise europeia -cada vez pior e mais difícil de ser resolvida- e voltar minha atenção para a economia brasileira neste final de ano. Os sinais de desaceleração são cada vez mais evidentes, como mostra a estimativa do PIB mensal para setembro divulgada ontem pelo Banco Central.

Nas estimativas da equipe da Quest Investimentos, entre julho e setembro deste ano a economia contraiu-se à taxa de 0,1% em relação ao trimestre anterior e cresceu à taxa de apenas 2,2% em relação ao terceiro trimestre de 2010.

Com esses números, a Quest prevê crescimento de 2,8% para o ano fechado de 2011. Para 2012, as projeções apontam para crescimento da ordem de 3,2% a 3,5%, pouco acima da média histórica de 3,1% dos últimos 20 anos, mas inferior à dos últimos dez anos, de 3,6%.

Esses números são bem mais modestos do que as taxas de expansão entre 2004 e 2008, quando o Brasil cresceu à taxa média de 4,8% ao ano. Mas a presidente Dilma precisa entender que repetir o crescimento desse período de ouro do governo Lula será missão impossível no seu mandato por motivos objetivos que listo a seguir.

No final do primeiro mandato de Lula e nos dois primeiros anos do segundo, antes de a crise financeira nos EUA chegar ao Brasil, a economia brasileira crescia a taxas elevadas, influenciada por várias forças temporárias, criadas a partir da conversão de Lula à política econômica de seu antecessor, em 2003.

Quando o mercado entendeu que não haveria mudança de rumo na economia, o real recuperou seu valor anterior às eleições de 2002, provocando deflação importante no segmento de preços influenciados pelo câmbio. Isso permitiu ao Banco Central reduzir os juros elevadíssimos de então e estimular o consumo das famílias e o investimento privado via crescimento do crédito a taxas que chegaram a 30% ao ano.

Essas forças de expansão foram reforçadas a partir de 2004 com a política de ganhos reais elevados na fixação do salário mínimo. A massa salarial passou a crescer a taxas de mais de 6% ao ano pelo aumento do emprego e dos salários.

Alavancados pela expansão do crédito, os consumidores foram às compras, principalmente de bens duráveis, fazendo com que as vendas no varejo crescessem a taxas de dois dígitos altos. Com isso, o crescimento do PIB nos anos seguintes conseguiu superar largamente os 3% ao ano que parecia ser o limite a que estávamos condenados.

Mas essas forças que ajudaram o presidente Lula a romper limites históricos passaram a perder intensidade no final de seu mandato. E o governo Dilma, sem o auxilio delas, está enfrentando os mesmos limites que prevalecem há muitos anos na economia brasileira.

O principal deles continua sendo as baixas taxas de investimento -públicos e privados-, que são insuficientes para permitir um crescimento econômico mais vigoroso. No período Lula, essa limitação foi em parte contornada pela existência de capacidade ociosa em setores-chave da economia, inclusive no mercado de trabalho.

Hoje, vivemos uma situação oposta, com grandes gargalos que impedem um nível de atividade maior ou, ao estimular as importações devido aos custos crescentes no setor produtivo, desviam demanda interna para o exterior.

Para superar essas limitações, o governo teria de adotar uma agenda diversa da estabelecida por Lula ao longo de seu mandato e mantida quase intocada por Dilma. Entre seus pontos principais estariam a redução expressiva dos gastos de consumo e de transferências de natureza social do governo, abrindo espaço para o aumento dos investimentos, e a implementação de uma agressiva política de transferência da operação de serviços públicos para o setor privado.

Mas não parece ser esse o caminho a ser trilhado pelo governo, e a tentativa de acelerar novamente o crescimento virá certamente de estímulos ao crédito, tanto via bancos privados como públicos, bem como pela expansão de gastos correntes no Orçamento. Mas como os obstáculos para que isso possa ocorrer são estruturais, o resultado final desse esforço será muito limitado.

Luiz Carlos Mendonça de Barros, 68, engenheiro e economista. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações (governo FHC).

FONTE FOLHA DE S. PAULO

O Censo e a falta de senso :: Roberto Freire

Depois de quase nove anos de governo petista, nos quais a tônica, por cima dos escândalos e da própria realidade, era mostrada por meio de uma maciça campanha publicitária embalada pelo mantra do “nunca antes na história deste país”, a verdade do país descortinada pela divulgação do censo do IBGE contraria o tom ufanista de que se revestiu o governo Lula e de que ainda se veste o governo Dilma.

As desigualdades sociais e a concentração de renda continuam a desafiar uma nação que se pretende no século XXI, mas que grande parte de seu povo vive em condições do século XIX. A situação da saúde continua calamitosa, mesmo depois que o presidente Lula afirmou que o SUS “estava próximo da perfeição”. Vemos agora, pela ausência de saneamento em mais de 50% dos lares brasileiros, e pela completa ausência de uma efetiva política de Estado para superar tal condição, que estamos muito longe de alcançarmos esse trivial sinal de civilização.

É claro que estamos avançando, na melhoria da qualidade de vida de nossos cidadãos e cidadãs, a questão é que nessa velocidade continuaremos longe dos países emergentes. E, pior, sem modificar as estruturas que possibilitam a permanência de tal quadro de desigualdades quer regionais, étnicas, de gênero, etc.

Tome-se o exemplo da distribuição de renda. Em todas as regiões as diferenças de rendimentos reduziram-se, exceto no Nordeste, destino privilegiado da política assistencialista do governo, por meio do Programa Bolsa Família. Enquanto uma parcela da intelectualidade ressaltava a importância do Bolsa Família para mitigar a miséria dos estratos mais pobres, as estruturas que condicionavam e alimentavam as desigualdades continuaram intocadas. Daí a regressão do Nordeste, como mostrado pelo Censo 2010.

É justamente a falta de uma política de Estado que enfrente as históricas estruturas de nosso atraso relativo que faz com que a concentração de renda seja uma das maiores do planeta. Onde os 10% da população mais rica tenha uma renda média mensal quase 40 vezes maior que os 10% mais pobres. Enquanto os 10% mais pobres auferem 1,1% do total de rendimentos, os 10% mais ricos detêm 44,5%. O mais grave é que o Censo de 2010 revela que metade da população recebia até R$ 375,00 por mês, quando o salário mínimo oficial nesse ano era de R$ 510,00.

Outra maneira de vermos tais disparidades é considerarmos os rendimentos da metade mais pobre de nossa população que retém 17,7% da renda total! Isso apesar do aumento da renda em todos os níveis, pesquisados.

Analisando-se as diferenças de renda regionais, podemos observar com clareza a persistência da concentração, com o CentroOeste com um rendimento médio per capita de R$ 1.422,00, o Sudeste com R$ 1.396,00, o Sul muito próximo com R$ 1.282,00, o Norte com R$ 957,00 e o Nordeste com R$ 806,00 mais distantes. Apesar de o Nordeste receber quase 50% do valor total do Bolsa Família.

Não é difícil perceber que o novo lema da propaganda do governo, “País rico é país sem miséria”, além de uma platitude, quando visto à luz do novo Censo, pode ser percebido como um escárnio.

Roberto Freire, deputado federal (SP) e presidente do PPS

FONTE: BRASIL ECONÔMICO

Novo Brasil se descola do mundo político

Na avaliação de especialistas, dados do Censo 2010 retratam defasagem entre evoluções e problemas da sociedade e prioridades dos partidos

Gabriel Manzano

O Brasil tem hoje uma sociedade dinâmica, que está levando adiante uma importante revolução comportamental, e o mundo político se move como se nada estivesse ocorrendo. No dia a dia, os políticos falam de um País que não existe mais. Esse contraste, na avaliação de estudiosos, é um dos eixos centrais do relatório preliminar do Censo 2010, divulgado anteontem pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

"O novo Censo, que revelou a persistência de tantas desigualdades, mostra que nossa classe política não tem visão de futuro nem das urgências e dos gargalos", resume o cientista político Aldo Fornazieri, da Escola de Sociologia e Política de São Paulo.

Vão na mesma direção outros especialistas ouvidos pelo Estado. "Vivemos uma revolução no comportamento da sociedade e os políticos agem como se o País fosse o mesmo do passado", acrescenta Maria Celina d"Araújo, cientista política e professora da PUC-Rio. Ilustram essas mudanças dados do Censo 2010 como a redução da taxa de fecundidade - que em 10 anos caiu de 2,38 para 1,86 filho por mulher. Ou, ainda, os 36% de casamentos que são uniões consensuais, sem igreja nem cartório. "Não só a mulher mudou, a família também mudou. Saúde, educação e direitos sociais têm de ser adaptados a novos cenários e não vemos gente discutindo isso", afirma a professora.

Como eles, Alberto Carlos Almeida, do Instituto Análise, lembra que o avanço social tão comemorado foi menor que o que se apregoa. "Os partidos capitalizaram de modo exagerado. As desigualdades continuam, e graves, como já havia apontado o IDH divulgado pelo Pnud", diz ele.

É por fatos assim que Fornazieri entende o Censo 2010 como "um alerta para a classe política". Primeiro, porque os avanços sociais vão numa velocidadelenta demais. Depois, porque o bem-estar de agora tem prazo de validade: o Brasil vive hoje o chamado bônus demográfico - um momento em que há mais gente entrando no mercado e contribuindo para a Previdência, e pouca gente se aposentando.

"Esta é a hora de dar o pulo do gato e não estamos fazendo isso", adverte, dizendo-se "assustado com a falta desse sentido de urgência". Dentro de três décadas "esse bônus desaparece, a despesa aumenta muito e o futuro começará a ficar mais complicado".

Pressões. Os gargalos apontados pelo IBGE, segundo os três, deveriam preocupar os partidos. "Daqui para a frente, o eleitorado vai querer mais. Uma vez instaladas, as novas classes em ascensão vão reivindicar qualidade de vida. Isso pressupõe gerência, melhor atendimento, não só recursos", resume Almeida. Maria Celina lembra que a oposição teria à sua disposição "números confiáveis para mostrar que as políticas adotadas não foram consistentes". Fornazieri lembra, também, que é essencial e inadiável uma revolução educacional. "Sem ela o País não alcança um equilíbrio interno. E este é condição básica para uma democracia realmente sólida", diz ele.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Petroleiros decidem fazer operação padrão

Sete dos 17 sindicatos iniciam pressão para reajuste

Bruno Rosa

Sete dos 17 sindicatos de pretroleiros do país já aderiram ao movimento de greve que pede reajuste real de 10% dos salários e melhores condições de saúde e segurança. Os petroleiros estão reduzindo suas atividades, com atrasos na troca de turno e trocas parciais dos turnos. Do sete sindicatos, quatro são filiados à Federação Nacional dos Petroleiros (FNP) e dois à Federação Única dos Petroleiros (FUP). O Sindicato dos Petroleiros do Estado do Rio de Janeiro (Sindipetro) não está ligado a nenhuma federação.

Emanuel Cancell, coordenador da secretaria geral do Sindipetro, disse que o movimento ainda não afetou a produção e o abastecimento da Petrobras. No Rio de Janeiro, o Terminal da Baía da Ilha Grande, em Angra dos Reis, faz trocas parciais de turno desde quarta-feira. O Terminal da Bahia da Guanabara atrasa a troca de turnos.

- Os efeitos ainda não são graves. Estamos em uma espécie de operação padrão. Além disso, os sindicatos do litoral paulista, Sergipe, São José dos Campos e Pará estão com suas atividades reduzidas - diz Cancell, lembrando que sindicalistas devem se reunir na manhã de hoje em frente à sede da Petrobras, no Centro do Rio de Janeiro.

Originalmente, a FUP iria anunciar no dia 16 de novembro a data da greve. Porém, a Petrobras apresentou no dia uma proposta de aumento real nos salários entre 2,5% e 3,75%, que foi rejeitada. Com isso, a Federação marcou para o dia 22 de novembro o anúncio da data que pretende iniciar uma greve nacional. A única exceção foi o sindicato da Bahia, que decidiu se antecipar e iniciar a greve.

FONTE: O GLOBO

Um corpo que cai:: Dora Kramer

Se realmente correspondem à realidade os relatos sobre o alto grau de exigência da presidente Dilma Rousseff em relação aos subordinados, é de se supor que na conversa de quarta-feira o ministro Carlos Lupi tenha dado a ela respostas mais precisas que as apresentadas ontem ao Senado.

Caso tenha sido vago, desmemoriado e, por que não dizer, cínico como se apresentou diante dos senadores, uma de duas: ou Dilma é mais condescendente que a fama ou não é verdade que tenha pedido a Lupi que permaneça à frente do Ministério do Trabalho e esteja prestes a demiti-lo.

Por mentir deslavadamente e por ser incapaz de fornecer dados consistentes às perguntas às quais respondia invariavelmente com uma evasiva, alegando não dispor da informação solicitada "de cabeça".

Não soube dizer, por exemplo, se havia recebido diárias do ministério na tal viagem que fez ao Maranhão em 2009 em avião pago sabe-se lá por quem para compromissos que incluíam agenda partidária.

Disse ter a "impressão" de que recebera uma diária. Poucos minutos depois, recebeu da senadora Kátia Abreu a informação: foram exatamente três diárias e meia.

Pouco antes Lupi havia se prontificado a devolver o dinheiro caso houvesse alguma irregularidade. Como, assim, "caso"? Então o ministro não sabe que além de ser proibido receber presentes e favores de qualquer natureza, a qualquer tempo e sob quaisquer justificativas também lhe é vedado o pagamento de despesas como ministro, quando em atividade partidária?

Sabe, mas se fez de desentendido, assim como usou do expediente da dissimulação para tentar dizer que não mentira ao negar semana passada na Câmara sequer conhecer o empresário Adair Meira - dono de ONG com negócios no ministério e seu companheiro na viagem ao Maranhão -, a quem ontem passou a se referir como "caro doutor Adair".

Lupi não esqueceu apenas as diárias recebidas. Não lembrou se a entidade de Adair era ou não uma das grandes operadoras no Ministério do Trabalho, não soube dar detalhes dos contratos firmados com ele, alegou desconhecer quem contrata os aviões em que viaja, enfim, não disse nada que pudesse desmentir as denúncias de que é, no mínimo, um gestor temerário.

Carlos Lupi pode até continuar ministro do Trabalho. Ao contrário do que pensam os adeptos da teoria de que os escândalos recorrentes fazem parte de uma conspiração contra o governo Dilma, sua permanência é que conspira contra a presidente.

Quanto mais tempo permanecer, mais desgaste vai produzir. Obviamente não para a oposição, mas para a presidente Dilma.

Saiu daquele depoimento no Senado menor e mais enrascado do que quando entrou. Foi corajoso ao ir? Não, foi compelido pelas circunstâncias.

Diferentemente de seus antecessores de infortúnio, Lupi não pôde contar com sessão de elogios, ficou relativamente só - à exceção do senador Eduardo Suplicy, a bancada do PT ausentou-se da sessão - e teve de ouvir dois senadores do PDT defendendo sua saída para o bem do partido.

Uma situação desconfortável para a maioria das pessoas, mas não para quem não tenha nada a perder.

Para quem admirava Leonel Brizola dói na carne.

Inútil paisagem. Nesses episódios de escândalos, o governo se põe na situação daquela pessoa que depois de 15 dias de dieta constata que perdeu duas semanas e nada mais.

Com a falta de apoio do PDT, o caso voltou para o ponto inicial quando ensaiou deixar o ministro ao sereno e depois recuou porque do Planalto surgiram avisos de que sem sustentação partidária não havia como Lupi ficar.

O desgaste que poderia ser evitado, mas o PDT cumpre a escrita de que não é bom negócio abandonar governo com três anos pela frente.

Essa é a regra geral. Exceção nos últimos anos foi o PPS que apoiou Lula na eleição de 2002, ocupou o Ministério da Integração Nacional a partir de 2003 e em 2004 deixou o governo por discordar da política econômica e do padrão ético já então desenhado com o caso Waldomiro Diniz.

Ciro Gomes não quis deixar a pasta da Integração e terminou fora do partido.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

A quem eles acham que enganam? :: Hélio Schwartsman

O bonito de apanhar políticos com a boca na botija é que eles se saem com explicações tão mirabolantes que valem por uma aula de psicologia. Flagrado em vídeo fazendo o que havia dito que não fizera, Lupi esclarece que não tem "memória absoluta".

O ainda ministro não é um caso isolado. Para Palocci, foram as liquidações antecipadas de contratos; José Roberto Arruda recorreu aos panetones; Renan Calheiros fez bons negócios com vacas; o "mensalão" virou "recursos não contabilizados"; até Collor bolou a engenhosa Operação Uruguai.

A quem eles pensam que enganam? Quem acredita nessas lorotas? E a resposta, ainda mais intrigante, é que os próprios políticos, ou ao menos parte de seus cérebros, acredita.

Um modelo para explicar essas extravagâncias é o da dissonância cognitiva, segundo o qual a mente procura sempre harmonizar suas cognições, isto é, pensamentos, sensações e memórias. Quando elas estão em conflito e percebemos isso, diz-se que estão em dissonância.

E o problema é que essas tais dissonâncias cognitivas são uma verdadeira tortura neuronal. Para evitar a dor da contradição, o cérebro simplesmente trapaceia. A fim de reconciliar as cognições, ele se utiliza do que estiver à mão. Valem truques bobos, como simplesmente fingir que não viu. Não é um acaso que um dos mais arraigados hábitos de políticos seja responder só o que lhes interessa, ignorando as perguntas difíceis.

Quando isso não é suficiente, linhas de defesa mais complexas são acionadas. Memórias podem ser suprimidas e alteradas. Cognições harmonizadoras podem ser criadas.

O detalhe é que a pessoa quer tanto acreditar na versão que lhe é mais favorável que, muitas vezes, não distingue suas próprias fabulações da mais dura realidade. Perde até mesmo a noção de quão esfarrapadas parecem suas desculpas a observadores que não estão em dissonância.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

Um filme melhor que a foto de dois governos:: Maria Cristina Fernandes

O Brasil melhorou de vida como poucos no mundo pelo último relatório do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH). De 187 países listados, apenas 36 subiram no índice e o Brasil é um deles.

De Brasília vieram reações cristalinas dos dois governos que convivem na Esplanada. Primeiro foi a vez do secretário-geral da Presidência, Gilberto Carvalho, relatar telefonema do ex-chefe. Segundo o ministro, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva tinha ficado "iradíssimo" com o índice. O ministro explicou que Lula estava sob tratamento quimioterápico mas não tinha deixado de acompanhar o noticiário e achava que o governo deveria reagir à "injustiça" do relatório.

Na mesma manhã, o presidente em exercício Michel Temer declarou que considerava "equivocado" o IDH.

Governo Dilma tem reação mais ponderada ao IDH

Por injustiça e equívoco, o ex-presidente e o atual vice entendiam o avanço de apenas uma posição do Brasil num índice que combina renda, educação e saúde.

O IDH divide os países em quatro classes. Desde 2002, o Brasil pertence à segunda classe de desenvolvimento. Na primeira, além dos europeus, tigres asiáticos e petroleiros do Golfo, há dois da América Latina, Chile e Argentina. Na terceira permanecem dois países dos Brics (Índia e China) - a Rússia está no mesmo vagão que o Brasil, ainda que 20 cadeiras à frente. Na quarta classe estão o Haiti e quase toda a África.

O Pnud recebe reclamações de todos os lados por conta do IDH. Para desarmar os espíritos, seu relatório anual reproduz a queixa original de um dos criadores do índice, Amartya Sen. O prêmio Nobel de Economia conta como seu ceticismo sobre um índice que pretendia captar situações tão complexas de desenvolvimento foi revertido pela constatação de que, apesar das falhas, o IDH é mais próximo da realidade que o PIB.

Criado há 20 anos, o índice já passou por várias mudanças e a cada ano incorpora mais países. Por esse motivo, seus organizadores advertem sobre os limites das análises evolutivas. Como a data dos censos nacionais não é mundialmente uniforme, o relatório também deixa claro que pode haver defasagem entre os dados.

Para contemplar as queixas, o IDH mudou a medição de dois pilares de seu tripé, renda e educação. No lugar do PIB entrou a renda bruta que, na avaliação de seus economistas, filtra melhor a riqueza que fica no país e relativiza o peso dos países exportadores de petróleo.

Na educação, como um grande número de países, entre os quais o Brasil, havia universalizado o ensino básico, passou-se a uma avaliação mais qualitativa que mede a escolaridade dos adultos e a expectativa de anos escolares das crianças.

O passivo educacional do Brasil com os seus adultos foi um dos motivos por que o país avançou menos do que se esperava.

A malhada saúde pública brasileira teve mais importância para o único degrau que o Brasil avançou do que a educação e a renda. A saúde respondeu por 40% da alta e os outros dois itens por 30% cada.

Neste ano, o IDH incorporou três indicadores complementares, o ambiental, de gênero e de desigualdade. Foi esse último que mais irritou as autoridades brasileiras. Quando considerada a desigualdade, o Brasil despenca 13 posições. Os Estados Unidos caem 19 e a Rússia sobe 10.

O presidente do Ipea, Márcio Pochmann, preferido de Lula para disputar a prefeitura de Campinas, endossou o tom de Gilberto Carvalho nas críticas e chegou a dizer que o Ipea estaria preparado para produzir um IDH alternativo, como se a credibilidade do índice não dependesse do respaldo de um organismo multilateral.

A zanga do lulismo com o IDH vem desde o ano passado. E tem forte componente político. Ao deixar o governo em 2002, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso foi premiado pelo Pnud pelos avanços do Brasil na lista. O país não deixou de avançar desde então, mas não é preciso torcer por um lado ou pelo outro para se constatar que o avanço é mais rápido quando o patamar de desenvolvimento social é mais baixo.

A média anual de crescimento do Brasil no IDH na última década foi de 0,69%, o dobro do 1ºlugar, a Noruega, e mais de cinco vezes o crescimento dos Estados Unidos no período. Mas é uma velocidade mais baixa do que a alcançada pelo Brasil entre 1980 e 2000.

O economista Marcelo Neri fuça os dados do IDH desde sempre. E diz que seus indicadores, ainda que torturados, mostram um Brasil melhor a cada ano. O problema é que o país ainda precisa melhorar muito para ficar bem na foto. A pobreza caiu pela metade no governo Lula e a renda da metade mais pobre avançou 67% na última década, mas os 10% mais ricos ainda têm 43% da renda. Um filme, resume, melhor que a foto.

Mesmo na educação, Neri vê um escalada cinematográfica. Em 1990 havia 16% das crianças fora da escola. Em 2000 eram 4%. E agora menos de 2% das crianças não estão matriculadas.

Foi este filme que permitiu ao Brasil fazer grande alarde por ter batido a meta do milênio - estipulada pela mesma ONU que agora contesta - antes do prazo.

A reação mais ponderada do governo ao relatório veio da ministra do Desenvolvimento Social, Tereza Campelo.

No mesmo dia em que Gilberto Carvalho vinha a público para divulgar a contrariedade de Lula com a foto do Brasil no IDH, a ministra almoçou na Casa Civil com Gleisi Hoffmann, e os titulares da Educação e Saúde, Fernando Haddad e Alexandre Padilha.

Dali saiu a decisão de Tereza Campelo se pronunciar em nome da presidente Dilma Rousseff, que estava na reunião do G-20, em Cannes. Numa entrevista coletiva, a ministra passou o filme dos avanços brasileiros no IDH e disse que, para ficar melhor na foto, o governo reforçaria as ponderações metodológicas que já havia feito no ano passado.

Indagada se concordava com as declarações de Carvalho, foi clara sobre quem falava em nome da atual presidente. Disse que o governo ainda não havia se manifestado sobre o relatório até aquele momento e que talvez o ministro estivesse se referindo aos dados do ano passado.

Ao Valor, a ministra voltou a manifestar as objeções metodológicas, mas disse que o Pnud já concordou em trazer uma equipe ao Brasil para discuti-las. E evitou alimentar polêmicas sobre a disposição do Ipea em fazer um IDH paralelo: "Vamos avançar no diálogo com o Pnud".

FONTE: VALOR ECONÔMICO

Enredo policial :: Eliane Cantanhêde

BRASÍLIA - Estamos no final do ano, os escândalos são muitos, as mentiras se multiplicam e, talvez por isso, o escândalo do banco PanAmericano desliza sorrateiramente para um segundo plano. Não devia.

É a típica história que envolve política, economia, maracutaias, protagonistas poderosos e capítulos picantes, mas é sempre mal contada.

O PanAmericano era do empresário Silvio Santos, quase quebrou em 2010 sob o peso de um rombo de
R$ 4,3 bilhões e acabou sendo milagrosamente salvo numa parceria do BTG Pactual e da Caixa Econômica Federal, banco público que despejou R$ 740 milhões para levar 36% do mico, ops, do negócio.

O então presidente Lula andava ocupadíssimo com a campanha da companheira Dilma, mas arranjou uma brecha na agenda para conversar com SS bem no meio da confusão do PanAmericano.

Jamais se soube, como provavelmente jamais se saberá, o que o presidente da República e o dono do banco trataram, como jamais se soube, mas talvez se possa saber um dia, por que a CEF foi se meter numa furada dessas. A chave pode estar na dupla militância de SS, que é também, e principalmente, dono do SBT.

Parecia tudo resolvido, mas algo saiu do script: a Polícia Federal decidiu escarafunchar o PanAmericano e nove pessoas acabaram indiciadas, inclusive o seu ex-presidente Rafael Palladino.

E tem mais: o pior de tudo é que o PanAmericano estava morrendo, recebeu a injeção levanta-defunto e... continua agonizando.

O Banco Central exige que instituições financeiras tenham um mínimo de 11% de capital próprio para fazer operações de crédito. E o banco do BTG e da Caixa, que já foi do SS, passa raspando. Precisa de um aporte pesado para ser novamente salvo.

Quem vai se responsabilizar dessa vez? E por quê?

Como há interrogações de mais e respostas de menos, essa novela ainda deve ir longe. Sem final feliz.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

Rocinha e Alemão:: Merval Pereira

O economista Marcelo Neri, do Centro de Políticas Sociais da Fundação Getulio Vargas do Rio, está lançando um estudo comparativo entre as duas maiores favelas da cidade, a Rocinha e o Alemão, e os efeitos da implantação nelas das UPPs. Ele faz parte de uma geração de economistas "cariocas" que, na sua própria definição, começou "a se debruçar sobre os caminhos e descaminhos da nossa própria terra".

Neri cita a coletânea "Rio de Janeiro: A hora da virada", de André Urani (nascido na Itália e criado em São Paulo) e Fabio Giambiagi (filho de argentinos, criado lá), cariocas por opção, como exemplo desse movimento.

Ele destaca que economistas cariocas traçaram as principais políticas públicas nacionais, do PAEG (Programa de Ação Econômica do Governo) dos anos 1960 ao Real, passando pelo Cruzado e chegando ao regime macroeconômico vigente, mas não só.

Do desenho do SUS ao Bolsa Família, que teve em Ricardo Paes e Barros e Ricardo Henriques figuras fundamentais, economistas do Rio sempre exerceram papel de destaque.

Nesse ínterim de ações nacionais, porém, os "três Rios" - cidade, estado e metrópole - "foram assoreados, perdendo importância", lamenta Neri.

O ponto de partida do trabalho da equipe da FGV-Rio foi a constatação de que moradias iguais (mesmo tamanho, materiais, acesso a serviços públicos) têm aluguéis 25% mais depreciados nas favelas do que no restante da cidade. "É o "efeito-favela" sobre o valor dos imóveis", diz ele.

Agora na comparação do pré e pós-UPP, essa situação começa a mudar. Segundo os estudos, os aluguéis subiram, após as UPPs, 6,8% mais nas favelas que no asfalto.

Mas Neri adverte que as favelas não são um bloco monolítico. "As UPPs implantadas em diferentes favelas terão impactos econômicos diferenciados".

O trabalho, baseado em 150 mil entrevistas nas duas comunidades, registrou a baixa esperança relativa dos moradores da Rocinha (pré-UPP) frente às possibilidades de transformação. "Esta mudança de percepções e atitudes talvez seja o maior desafio da intervenção", adverte Neri.

A pesquisa se debruça sobre as diferenças entre os complexos da Rocinha e do Alemão, e versa sobre quatro aspectos: em primeiro lugar, as condições de trabalho na Rocinha são claramente superiores às do Alemão.

Porém, dada a topografia local e sua posição privilegiada em relação à área já estabelecida como rica, e aquela em expansão da cidade, o estudo constata que há uma precariedade habitacional maior na Rocinha, "traduzida em maior aglomeração de pessoas e famílias em lugares menores e mais precários".

A terceira parte do tripé comparativo do estudo de Neri revela a menor presença do Estado sob as suas diversas formas na Rocinha: pior oferta de quase todos os serviços públicos, inclusive infraestrutura urbana, o que precariza as condições de moradia.

Apesar do dinamismo econômico, a Rocinha é a região administrativa da cidade com escolaridade mais baixa, seja na população em geral, seja na população ocupada, o que reflete a carência histórica de políticas públicas e imigração de áreas de menor escolaridade, ressalta o estudo da FGV.

Essas seriam razões para a baixa esperança relativa de seus moradores (pré-UPP) frente às possibilidades da política pública, seja ofertada pelos três níveis de governo, seja ofertada por organizações não governamentais (ONGs).

Segundo a pesquisa, a Rocinha é, em diversos aspectos, o inverso do Rio, identificado como "nordestinamente informal", enquanto a Rocinha, apesar de ser a favela mais nordestina do Rio, é "fordista formal", o que quer dizer que empregos com carteira são mais importantes na Rocinha.

O Rio é capital de alta escolaridade (a quinta das 27 capitais), enquanto a Rocinha tem a menor escolaridade de todas as 34 regiões administrativas da cidade.

O Rio é velho e a Rocinha é uma favela jovem.

Se as duas favelas estão na mesma faixa de tamanho, o seu perfil social e econômico é completamente diferente, mostra o estudo.

O Alemão se alinha mais ao perfil das favelas da periferia do Rio por estar em área pós-industrial, economicamente estagnada, enquanto a Rocinha está incrustada na área mais rica da cidade e nas vias de expansão rumo a oeste.

Isso faz com que a Rocinha tenha um mercado de trabalho mais pujante, apesar de - surpreendentemente, destaca o estudo - estar mais distante do Estado que o Alemão e outras favelas da Zona Norte.

Segundo seus moradores, as oportunidades de trabalho e renda são muito superiores na Rocinha do que no Alemão: 27,8% das pessoas na Rocinha dizem que essas oportunidades são pelo menos boas, contra 8,19% no Alemão.

Como resultado da "força econômica privada", há bem menos donas de casa na Rocinha (7,1%) do que no Alemão (11,22%).

O distanciamento da Rocinha do Estado é captado pela menor presença de funcionários públicos (0,16% na Rocinha e 0,42% no Alemão).

Há mais empregados privados na Rocinha (37%) do que no Alemão (27,8%), em particular, entre estes, empregados formais (31% na Rocinha e 20,4% no Alemão).

Apesar do viés ao emprego com carteira, o maior viés é em direção ao trabalho. Como consequência, há mais empreendedores na Rocinha (10,1%) do que no Alemão (8,5%).

O estudo coordenado por Marcelo Neri salienta que, se o mote pré-UPP era "ilegal, e daí?", o pós-UPP parece ser "legal, e aí?". Mas como o choque de ordem desemboca no choque de progresso?

O estudo analisa "as relações sinérgicas entre a segurança e a economia na formação de direito de propriedade, e como isso pode ser potencializado", seja por meio do que classificam de "choque de formalização", acompanhado de um menu de políticas de apoio aos pequenos negócios preconizado pelo Sebrae-Rio, seja pela oferta de microcrédito de qualidade, como aquele que chega aos morros do Rio por meio da associação entre o Crediamigo e o VivaCred.

FONTE: O GLOBO

Começou a era do mundo finito :: Washington Novaes

A perplexidade é geral, depois da queda do sétimo governo na Europa (Islândia, Reino Unido, Irlanda, Portugal, Eslováquia, Grécia e Itália) e já com a Espanha na alça de mira, com uma dívida pública insustentável e uma taxa de desemprego de 21,5% (48% entre os jovens). E tudo acontece simultaneamente com a crise política que se alastra nos países árabes e a expansão do movimento "Ocupem o mundo", dos jovens norte-americanos que protestam sentados nas ruas, diante da casa dos poderosos. Para onde vamos?

"Quem não estiver confuso está mal informado", já diagnosticou o ex-ministro Delfim Netto (Conjuntura Econômica - FGV, setembro de 2011). De fato, quando Brasil, Índia e China se dizem dispostos a ajudar - via Fundo Monetário Internacional (FMI) - a Europa a sair da crise, chega-se a um ponto inconcebível há menos de uma década. Pois ao mesmo tempo se torna claro que "a Europa se prepara para uma década perdida" (Agência Estado, 16/10) e se chega ao "fim do sonho americano" (Celso Ming, Estado, 19/10).

"Vai sair um mundo diferente", prevê Delfim. A seu ver, "a crise que está aí resulta de governos incompetentes, míopes, e de uma disfunção do sistema financeiro, que em vez de servir ao setor real acaba servindo-se dele. Os derivativos podem estimular uma melhoria de funcionamento do sistema, mas também podem tornar-se armas de destruição em massa, porque os bancos centrais - na verdade, os governos - não conseguiram entender aonde eles deveriam nos levar". Certamente é uma visão que tem que ver com números pouco citados, de um giro financeiro de US$ 600 trilhões anuais, para um produto bruto mundial de US$ 62 trilhões por ano, dez vezes menos. Isto é, especulação cada vez mais afastada do real, das coisas concretas.

Agora, parece inescapável. A Comissão Europeia prevê recessão para o continente em 2012, que, segundo o FMI, é um alerta para todos os países desenvolvidos (Folha de S.Paulo, 12/11). Mesmo no Brasil a Confederação Nacional da Indústria revê sua previsão para o crescimento do PIB interno, de 3,8% para 3,4% este ano (Agência Estado, 12/11). E até a China parece retrair seu ritmo, enquanto os Estados Unidos chegam a um déficit anual do governo de US$ 1,299 trilhão, quase tanto quanto todo o PIB anual brasileiro. Mas quase todos os países continuam a recusar o que os relatórios do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) vêm propondo desde o início da década de 1990: uma taxa de 0,5% sobre as transações cambiais e financeiras no mundo - para conter a especulação e ajudar a diminuir a pobreza -, uma ideia que surgiu do economista James Tobin.

Estranho que pareça, num quadro como esse pouco se discute na área econômica o que já é óbvio no diagnóstico de organismo da ONU e outros: a questão do impasse na área dos recursos naturais e sua tendência ao agravamento. Mais uma vez, o ex-ministro Delfim Netto, que em outras épocas parecia fechado à questão: "Estamos caminhando para instituições em que a cooperação, o altruísmo e as preocupações com o meio ambiente são maiores, enquanto a restrição ao crescimento é um pouco mais aguda, porque pela primeira vez se tem consciência de que não cabem na Terra 10 bilhões de pessoas com renda per capita de US$ 20 mil". Ou seja, o consumo atual já é insustentável e será cada vez mais com o crescimento inevitável da população. Os diagnósticos da ONU já nos mostram consumindo mais de 30% além da capacidade de reposição da biosfera terrestre; se tivermos de aumentar a produção de alimentos em 70% nas próximas décadas para atender à população crescente e à redução da pobreza, agravaremos a situação, pois a "pegada ecológica" (área necessária para atender às necessidades de um ser humano) também já está mais de 30% além da disponibilidade - e seu crescimento significará mais degradação do solo, mais desertificação, mais crise da água, mais perda da biodiversidade, etc., etc. Sem falar em agravamento das mudanças climáticas. Mas como se fará se 1,44 bilhão de pessoas no mundo ainda não dispõem de energia elétrica e em sua maior parte terão de ser abastecidas com mais queima de carvão e petróleo, principalmente na China e na Índia, como adverte a Agência Internacional de Energia? E como tirar do âmbito da fome crônica quase 1 bilhão de pessoas?

Outros padrões de consumo terão de ser observados. Nossos modos de viver terão de ser repensados. Até porque em muitos setores a crise aguda já bate à porta. Como observa o professor Maurício Waldman, pós-doutorando em Geografia pelo Instituto de Geociências da Unicamp, a situação já é insustentável em muitos setores. No século 20 a população multiplicou-se por 4; o consumo de carvão, por 6; o de cobre, por 25; o de metais em geral chegou, em 2008, a 1,4 bilhão de toneladas, o dobro dos anos 70, sete vezes mais que em 1950; o consumo de alumínio passou de 2 milhões de toneladas em 1950 para 40 milhões em 2008; o de plásticos multiplicou-se por 18 em 34 anos. Como já se comentou neste espaço em outros artigos, a disponibilidade de muitos dos metais usados nas tecnologias mais abrangentes de hoje (telefones, computadores, etc.) está gravemente ameaçada. Por tudo isso, lembra o professor Waldman a frase do filósofo Paulo Valéry: "Começa a era do mundo finito".

E como começa, ainda uma vez é preciso insistir: o Brasil tem de pensar uma estratégia fundada nessas visões, já que tem posição privilegiada no mundo em matéria de território, água, biodiversidade, possibilidade de plantios, matriz energética limpa e renovável - tudo o que é fator escasso no mundo e já foi dito e repetido neste espaço. A essa estratégia - em substituição à ideia de crescimento econômico puro e simples, desatento ao quadro mais amplo - é que se poderá chamar de uma verdadeira modernidade. Não precisamos esperar que a crise de recursos e consumo insustentáveis nos atinja mais a fundo.

Washington Novaes, jornalista

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

As notas em risco:: Míriam Leitão

É excelente a notícia de que o Brasil teve outra promoção na mais conhecida das listas de classificação de risco. O Brasil merece porque ao longo dos anos melhorou os indicadores, porém as agências, como se sabe, erram muito. Tanto que a Itália com sua dívida mamútica continua à frente do Brasil, e a França tem a melhor nota do mundo apesar de estar sendo olhada com desconfiança.

Promover o Brasil faz sentido, manter o triplo A da França não faz sentido. Considerar que a Itália é A, três degraus à frente do Brasil, é um espanto.

A Itália tem 120% de dívida/PIB e ela continuará crescendo nos próximos anos. O Brasil tem quase a metade disso e tem grande chance de reduzir a dívida. Só ontem o Brasil passou Portugal e continua atrás da Irlanda e os dois países foram resgatados recentemente pela Comissão Europeia e pelo FMI.

O Brasil em abril de 2008 foi considerado grau de investimento pela Standard & Poor"s, desde então foi promovido apenas ontem. Era BB+, foi para BBB-, e ontem, para BBB. Mas o país passou relativamente bem pela crise de 2008. O Brasil teve uma forte queda de crescimento, a dívida subiu de 65% para 68% do PIB, mas depois retomou a trajetória de queda e está agora em 64%, segundo dados do FMI. Os países grandes que têm nota máxima ou notas bem acima do Brasil tiveram uma forte deterioração fiscal nos últimos anos (vejam no gráfico abaixo).

A dívida brasileira não é tão baixa quanto o governo diz. Aqui, é usada o conceito de dívida líquida, que desconta da dívida as reservas cambiais. Mas a S&P usa um conceito próprio de dívida bruta, que dá 55%.

De qualquer maneira a contradição maior vem da comparação com outros países que estão na nossa frente.

Há inúmeros países pequenos que têm nota melhor do que a do Brasil, como Botswana, por exemplo, mas o que as agências medem é a capacidade de pagamento da dívida. Nem é exatamente o tamanho da dívida.

Por isso, houve tanta controvérsia quando a S&P rebaixou os Estados Unidos de AAA para AA. A dívida americana é alta e estava no meio do debate no Congresso sobre elevar ou não o teto do endividamento do país. Mesmo assim, os investidores continuaram e continuam correndo para títulos do Tesouro americano a cada momento que há uma dúvida em relação a qualquer parte da economia mundial. Ou seja, o mercado continua disposto a financiar o governo americano.

Assustada com o impacto da notícia do rebaixamento dos EUA, a S&P não usou o mesmo critério para a França, que continua com o triplo A, apesar dos indicadores franceses terem se deteriorado.

Ontem o seguro contra o risco de calote da França cresceu para 236 pontos-base. Isso significa que quem tem US$10 milhões emprestados à França teria que pagar 236 mil euros por ano. Isso é outra medida de risco, mais nervosa e mais concreta porque significa o que o mercado está exigindo no momento.

Não são relacionados, mas quando se vê esse movimento no mercado fica claro que não se pode dizer que a França é um país sem risco. E é isso que quer dizer o triplo A. O curioso é que dias atrás a Standard & Poor"s soltou uma informação de que havia tirado um A da França. E em seguida ela disse que fora um erro. Nunca explicou como é mesmo que acontece uma coisa dessas. É no mínimo irônico.

A melhora na nota do Brasil vem tarde porque passamos de forma mais sólida pela crise do que vários outros países. Grandes economias pioraram muito. A cartela de notas das agências já não conversa com a realidade.

FONTE: O GLOBO

Desacelerou:: Celso Ming

O governo e o Banco Central têm feito seguidas advertências de que vem aí uma fase de grande prostração na economia mundial, cujos efeitos chegariam, inevitavelmente, ao bolso de cada brasileiro.

Essas previsões de fortes borrascas repetidamente anunciadas vêm ajudando a justificar e a estimular a queda dos juros. Mas também produzem o efeito colateral de levar o empresário brasileiro a pisar no freio e a ser mais cauteloso na condução dos seus negócios, embora os indicadores de consumo digam o contrário.

O Índice de Atividade Econômica do Banco Central (IBC-Br) divulgado nesta quinta-feira aponta para um recuo de 0,32% no terceiro trimestre deste ano em relação ao período imediatamente anterior – a primeira queda desde os primeiros três meses de 2009, quando o Banco Central passou a fazer esse levantamento. Em setembro, a evolução desse item praticamente estagnou em relação a agosto: não cresceu mais do que 0,02% e pode ser um forte indício de desaceleração da atividade econômica.

O IBC-Br é anunciado mensalmente. Nasceu com o objetivo de antecipar o comportamento do Produto Interno Bruto (PIB), calculado (Contas Nacionais) trimestralmente e, quase sempre, publicado no momento em que a conjuntura já está mudada.

O governo tem se mostrado bastante preocupado com o desempenho bem mais fraco da economia do que o anteriormente projetado. O PIB do Brasil neste ano, provavelmente, avançará algo acima dos 3% em relação a 2010, mas dá sinais de maior desaceleração. A ponto de deixar para trás um crescimento de 5% estimado pelo governo federal ao longo de 2012.

O que contraria esse panorama de desaquecimento da produção é o comportamento do consumo, que segue robusto apesar de alguns setores – sobretudo o de veículos e aparelhos domésticos – já demonstrarem um claro esfriamento. Os dados mais recentes são da Serasa Experian e dão conta de um impulso do comércio varejista, na acumulada do ano até outubro, de 9,1%.

Os últimos números sobre o setor apontados pelo IBGE são de setembro e registram um salto em 12 meses de 7,7%. O crédito aumentou 19,6%, também no período de 12 meses terminado em setembro – bem mais do que estava nos propósitos do governo. Esse indicador corrobora a boa fase do consumo interno, que deverá ter um novo reforço em janeiro, quando o salário mínimo terá reajuste de aproximadamente 14%. A forte elevação das importações, de 25,2% em 12 meses, sugere que boa parte da oferta está sendo suprida por fonte externa.

O arrefecimento da atividade econômica traz uma dificuldade adicional que, por sua vez, acarreta ainda uma segunda: gera uma arrecadação mais baixa do que a prevista e, portanto, tende a diminuir em volume de recursos a formação do superávit primário, de 3,1% do PIB, em 2012. E com menor contribuição da política fiscal fica também mais difícil contar com maior corte dos juros.

COLUNA

Atrasados a receber. A equipe da Comissão Europeia encarregada de conferir as estatísticas econômicas da Grécia e as condições que o país tem de pagar suas contas verificou que o Tesouro grego tem nada menos que 60 bilhões de euros em impostos atrasados a receber. Não é nada, é um dinheiro que daria para pagar pelo menos metade dos 120 bilhões de euros prometidos a título de socorro para os gregos.

E tem a sonegação. Esses são apenas impostos não pagos, cujo recolhimento é muito difícil. À parte o fato de que os gregos arrecadam menos tributos do que os outros sócios do bloco do euro, ainda há a sonegação, considerada alta.

A um tico dos 100% do PIB. No dia 15, a dívida dos Estados Unidos chegou aos US$ 15,03 trilhões, o equivalente a 99% do PIB do país. O comitê bipartidário do Congresso americano ainda não conseguiu chegou a um acordo sobre os cortes de US$ 1,2 trilhão no prazo de dez anos, o que precisa acontecer até a próxima quarta-feira.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

A nota do Brasil e as três irmãs:: Vinicius Torres Freire

Agência que avalia crédito eleva nota do Brasil e deixa governo e seus críticos em situação desconfortável

O crédito do Brasil melhorou, avalia uma dessas agências de classificação, a S&P. Tais empresas são uma espécie de "serviço de proteção ao crédito". Avaliam se países, empresas, instituições financeiras e negócios vários são risco bons: se são capazes de pagar o que devem.

A S&P é uma das três maiores do ramo, ao lado de Moody"s e Fitch. As notas que dão ainda são levadas a sério, na prática, pois contratos e leis podem impedir que se invista em tal negócio ou dívida de país caso a nota de crédito deles for ruim.

Mas faz década e meia, pelo menos, desde a crise do Leste Asiático, no final dos anos 1990, que as três irmãs erram em quase tudo o que é importante; não enxergam grandes crises ou grandes quebradeiras. Isto quando não são cúmplices de grandes rolos, como a emissão do papelório de investimentos podres imobiliários, que deram na grande crise financeira de 2008.

Pelo mundo rico, há investigações a respeito de erros, irresponsabilidades ou até ilegalidades cometidas pelas agências. Vários países da União Europeia querem a cabeça das agências de classificação.

Na Europa, ainda se estuda colocar as agências sob rédea curta e modos de evitar conflitos de interesse (as agências recebiam dinheiro para dar nota de risco de crédito para títulos). Pensa-se até em submeter os critérios delas à aprovação oficial, entre outras limitações.

É verdade que os europeus apenas acordaram para os disparates e os conluios das agências quando se viram em maus e sujos lençóis. Na França, em particular, onde há mais ojeriza ao mercado e à "mundialização", a grita é grande. Ficou ainda maior com a ameaça de que o governo do país perca a nota "AAA"; tornou-se fúria quando a S&P cometeu o erro vexaminoso de vazar, em plena crise, a hipótese de que a França seria rebaixada.

Sem a nota máxima, não apenas o custo de financiamento da dívida poderia ficar mais alto. Poderia ficar mais difícil e caro levantar dinheiro emprestado para o fundo europeu de socorro a países semiquebrados, que também é bancado pela França.
"Poderia", note-se, pois a nota de crédito dos EUA foi baixada e não se deu trela às agências.

Dados todos esses vexames e polêmicas, a elevação da nota de crédito do Brasil deixa governo e seus críticos "de mercado" em situação divertidamente constrangedora.

O governo brasileiro, "mais de esquerda", costuma criticar ou fazer troça das agências. Mas a S&P fez grande elogio à política econômica de Dilma Rousseff: que é responsável na área fiscal e tornou o Brasil mais resistente à crise. O que o governo dirá agora das agências?

O pessoal do mercado tende a ser mais "pró-agências" (pagam por seus serviços). Quanto mais ideológicos, mais defendem as agências e outras porta-vozes da finança. Como de costume, e com boas razões, economistas ligados à finança se queixam do equilíbrio precário das contas públicas, sempre ajustadas provisoriamente, com remendos.

O que vão fazer agora? Detonar as agências de classificação de crédito? Dizer que elas "perderam a autonomia" (como o Banco Central?); que estão equivocadas?

Enfim, a bem da justiça: a situação das contas públicas brasileiras, precária como é, faz tempo merece nota muito maior que a concedida pelas desmoralizadas três irmãs.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO