quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

"Big Brother" (chinês) x "Big Brother":: Clóvis Rossi

A China declara guerra ideológica aos valores ocidentais, que estão vencendo, via diversão

O corte no que o Estado chinês considera excesso de programas de entretenimento pela TV não é apenas uma medida burocrática adotada por um censor mal-humorado.

É parte de uma guerra ideológica declarada pelo próprio presidente Hu Jintao contra valores ocidentais.

Ou, se você preferir uma simplificação, é o "Big Brother" de fato chinês, que tenta vigiar cada escaninho da sociedade, e o "Big Brother" da tevê, que os ocidentais inventaram para diversão da massa (ou irritação de uma parte dela).

A guerra foi anunciada em artigo de Hu Jintao para a revista "Seeking the Truth" (buscando a verdade), publicação política do Partido Comunista. Nele, o presidente chinês dizia: "Nós deveríamos entender profundamente a seriedade e a complexidade da luta ideológica".

Sempre segundo Hu Jintao, "os campos ideológico e cultural são as áreas focais da infiltração [ocidental] a longo prazo", o que ele considera um "complô para ocidentalizar a China e dividi-la".

Não sei se há ou não o tal complô, que os comunistas sempre identificaram na indústria norte-americana de entretenimento. Basta lembrar que, antes da queda do Muro de Berlim, houve teorias que viam no Pato Donald um perigoso agente do capitalismo, a envenenar desde cedo as mentes das criancinhas.

Mas que é tremenda a força da indústria cultural e de entretenimento norte-americana, não creio restar a menor dúvida.

E que ela transmite o "american way of life" também é óbvio.

A China acaba sendo um bom exemplo da força da mensagem. Acabou adotando o que Francis Fukuyama chama de "combinação de governo autoritário com uma economia parcialmente de mercado".

Desnecessário lembrar que economia de mercado é a nau capitânia dos Estados Unidos.

Fukuyama, como todo o mundo sabe, é o autor de o "Fim da História", o decreto segundo o qual a democracia liberal e o capitalismo haviam triunfado para sempre no mundo (ele reviu sua tese em artigo para o número janeiro-fevereiro de "Foreign Affairs", mas deixo esse tema para outro dia, por falta de espaço).

Só vou dizer que Fukuyama considera a China "o mais sério desafio à democracia liberal no mundo de hoje", o que significa que ele também, indiretamente, enxerga uma batalha ideológica entre o Ocidente e a China.

A pergunta seguinte inevitável é quem vai ganhar essa batalha. Eu nunca me animo a fazer previsões. Por isso, aceito a avaliação para o presente do próprio Hu Jintao: "A força geral da cultura chinesa e sua influência internacional não são compatíveis com o status internacional da China", diz ele, com razão. Completa: "A cultura internacional do Ocidente é forte enquanto nós somos fracos".

Tão forte que a "BBC Brasil" relata uma mini-rendição de Pequim aos costumes ocidentais: "Embora o Ano-Novo chinês só seja celebrado no próximo dia 23, a administração de Pequim organizou pela primeira vez na história uma celebração para a contagem regressiva do início de 2012 no Templo do Céu, um dos pontos turísticos mais visitados da capital".

Agora é esperar 2013 para ver se a batalha de Hu Jintao ganha pelo menos esse "round".

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

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