domingo, 15 de janeiro de 2012

A China não é mais aquela:: Vinicius Torres Freire

Reservas crescem menos, saldo comercial cai, salários sobem mais: modelo chinês de crescimento vai mudar?

No final de 2011, as reservas internacionais da China caíram pela primeira vez desde a crise asiática, em 1998 (na comparação trimestral): de US$ 3,2 trilhões para US$ 3,18 trilhões (reservas são os haveres em moeda forte ou equivalentes, que servem como seguro e/ou caixa para pagamentos de um país, guardados num banco central).

Para os chineses, trata-se de uma ninharia. Mas não é isso que importa. Considere-se a lista de clichês sobre a China (não importa se economicamente amalucados ou não) e, a seguir, as mudanças no país:

1) O país manipula sua moeda, a mantém desvalorizada, o que contribui para seus maciços superavit nas contas externas (vende mais bens e serviços para o exterior do que os compra); acumula reservas internacionais demais;

2) A China poupa e investe demais, o que colabora para seu superavit externo (e impede a melhoria do padrão de vida do povo e pode criar bolhas de superinvestimento, como no caso dos imóveis);

3) Tudo isso (moeda barata, baixo consumo) provoca grande desequilíbrio na balança comercial e financeira do mundo (tal como endividamento excessivo nos EUA).

Certos ou não, os clichês começam a não dar conta de fatos econômicos elementares da China.

Primeiro, considere-se o caso das reservas, que duplicaram de 2007 para 2011, mas começam a parar de crescer. Além do mais, cai o investimento estrangeiro direto, e os chineses investem cada vez mais no exterior ("investimento produtivo").

Há fuga de capitais da China desde outubro. Sim, a causa mais imediata disso é a fuga do risco, causada pela crise europeia. Mas não só.

Segundo, considere-se o superavit comercial. Fora de US$ 296 bilhões em 2008. Em 2011, deve ter ficado em US$ 155 bilhões. Em termos relativos, o pico do saldo comercial foi em 2007: 7,5% do PIB. Em 2010, deve ter ido a 2,1% do PIB.

O mundo em crise desde 2008 não explica a redução do saldo comercial chinês. As exportações continuaram crescendo (de US$ 1,43 trilhão para US$ 1,9 trilhão no período 2008-2011). Mas as importações cresceram ainda mais rápido.

Terceiro, houve uma queda veloz mas regular do superavit em conta-corrente (o saldo das transações de bens e serviços de um país com o exterior). O superavit chinês era de 11% do PIB em 2007. Deve ter ficado em 3,8% do PIB no ano passado. Sim, ainda é um superavit enorme (o Brasil tem deficit de 2% do PIB). Mas o tombo foi grande.

Quarto, o governo chinês tem como política fazer com que os salários cresçam ao ritmo de 15% ao ano nos próximos cinco anos, quase 60% mais rápido do que a velocidade do crescimento do PIB desde 2008 (2007 ficou de fora dessa conta quinquenal porque o PIB cresceu à taxa de 14,2% naquele ano, extraordinária até para a China).

Quinto, o deficit do setor público (dos governos) chinês fora de 0,3% do PIB no triênio (2006-08). No triênio 2009-11, subiu a 2,2% do PIB (o governo poupa menos, pois).

Sexto, o governo por ora tem conseguido desinflar sem traumas a bolha de investimento imobiliário (embora muita gente razoável diga que isso ainda não vai acabar bem, com uma crise à moda do Japão dos 1990, que dura até hoje).

Difícil saber no que isso vai dar, mas a China não é mais aquela.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

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