sábado, 21 de janeiro de 2012

Crise levaria a reformas, disse FHC aos EUA

Telegrama sigiloso detalha visão que então presidente transmitiu aos americanos em reunião no final de 1998

Documentos também mostram que FHC ficou incomodado com ação antidrogas financiada pelos EUA na Colômbia

Rubens Valente, Fernanda Odilla

BRASÍLIA - Em novembro de 1998, quando o Brasil amargava os efeitos da crise econômica na Rússia, o presidente Fernando Henrique Cardoso considerava que o problema permitiria a aprovação de reformas estruturais para o país.

A estratégia de FHC aparece em telegramas sigilosos do Itamaraty entregues à Folha e a partir de hoje liberados à consulta no site do projeto "Folha Transparência".

Em audiência no Palácio do Planalto, o presidente disse a uma comitiva dos EUA, liderada pelo senador Joe Lieberman, que iria "valer-se" da crise para aprovar as reformas no Congresso -seguiam em aberto a política, a do Judiciário e a tributária.

No entanto, FHC terminou seu governo, em 2002, sob críticas de não haver concluído várias mudanças consideradas estruturais -avaliação da qual discorda.

Meses antes da reunião, a desvalorização do rublo levou a Rússia a decretar moratória de 90 dias. Como reflexo, US$ 3 bilhões saíram da Bolsa de São Paulo num único dia, o que levou o governo a elevar a taxa de juros para conter a fuga de capitais.

No encontro com Lieberman, FHC demonstrou otimismo e associou a crise a uma chance para reformas.

"O quadro político é favorável e seu partido, o PSDB, e o aliado PFL, conseguiram eleger um número expressivo de governadores. [FHC] acha que mesmo os mais oposicionistas não vão atrapalhar o processo."

FHC usou Lieberman para mandar um recado ao presidente Bill Clinton. Em carta, FHC disse "estar certo de que ele [senador] terá coisas positivas a lhe reportar". Clinton respondeu que prestava "apoio integral" às reformas.

Treze anos depois, FHC disse à Folha, pela assessoria, que não se lembrava da reunião, mas que o comentário a ele atribuído parece fiel à posição que defendia, inclusive "publicamente.

"A ligação entre a crise financeira russa e os nossos problemas era óbvia. Havia que aproveitar o que ocorrera na Rússia para chamar a atenção e evitar que o mesmo se repetisse no Brasil", disse.

Segundo os telegramas, um ano após a visita, FHC procurou jogar no "sistema político" parte da culpa pela dificuldade nas reformas.

Em conversa com o então secretário do Tesouro dos EUA, Larry Summers, FHC afirmou que o peculiar sistema político brasileiro é constituído por "um Congresso forte e partidos fracos".

DROGAS E CHÁVEZ

Em outro telegrama, de 2000, FHC manifestou à secretária de Estado dos EUA, Madeleine Albright, preocupações sobre as operações, financiadas pelos americanos, de combate ao narcotráfico na Colômbia. Disse que o Brasil "tem procurado pressionar a Colômbia para impedir que as operações extravasem para a região vizinha".

Segundo o telegrama, FHC contou ter pressionado o presidente do Peru, Alberto Fujimori, a fazer "mudanças no processo democrático".

Sobre o venezuelano Hugo Chávez, Albright disse que "tudo indica que ele esteja indo longe demais", referindo-se ao anúncio de que visitaria os ditadores Saddam Hussein e Muammar Gaddafi.

FHC minimizou o comportamento do colega, qualificando-o de "certa exibição, sem maior conteúdo".

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

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