quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

Fora de foco:: Míriam Leitão

A atriz Angeline Jolie definiu como "bizarras" as primárias do Partido Republicano. É difícil achar outro adjetivo mais apropriado. Há propostas como a de contratar alunos de escolas públicas para que eles limpem a própria escola, para, com isso, economizar dinheiro com funcionários. Essa sugestão, feita por Newt Gingrich, foi aplaudida em Carolina do Sul, onde ele ganhou a disputa.

O mesmo e notório Gingrich exaltou no debate o presidente americano responsável pela política de remoção indígena, Andrew Jackson, que governou os Estados Unidos de 1829 a 1837:

- Ele sabia o que fazer com os inimigos: matá-los.

A guerra étnica simbolizada por Jackson, há quase 200 anos, ser apresentada como proposta política no século XXI é assustador, principalmente porque é o resultado da forte radicalização que tornou a direita americana "bizarra".

Os pré-candidatos do Partido Republicano - quatro homens brancos - se apresentam como sendo a "verdadeira face da América" e atacam um inimigo incorpóreo: as "elites de Washington". O mesmo ser que foi escolhido como adversário na campanha passada por Barack Obama. Assim, de um lado e de outro do quadro eleitoral polarizado dos Estados Unidos, os candidatos atacarão a "elite de Washington", da qual todos fazem parte.

No debate promovido pela CNN, no sábado, o âncora da emissora, John King, iniciou o programa perguntando para Gingrich sobre a denúncia feita por sua ex-mulher, de que ele teria proposto a ela um "casamento aberto".

O ex-presidente da Câmara dos Deputados reagiu ofendido e criticou o jornalista por trazer um tema como aquele para um debate presidencial. Acusou a imprensa de ter uma natureza destrutiva. Foi ovacionado. No programa que se seguiu ao debate, o jornalista Anderson Cooper perguntou ao colega por que ele tinha decidido começar com uma "pergunta totalmente inadequada". King não soube o que dizer, exceto que a escolha era prerrogativa dele.

O curioso é que King não usou o melhor argumento para justificar sua pergunta: o de que o casamento indissolúvel faz parte do ideário do Partido Republicano; e que Gingrich tem uma vida oposta aos valores que os republicanos dizem encarnar. No primeiro debate na Flórida, na noite da segunda-feira, o ex-governador Mitt Romney tocou nesse passado, quando disse que Gingrich teve o privilégio de liderar o partido e terminou seu mandato "em desgraça". Isso aconteceu quando se descobriu que ele tinha atacado Bill Clinton pela infidelidade conjugal, apesar de ter uma amante havia oito anos. Ele submergiu depois do escândalo e se casou com ela, em terceiras núpcias.

Nada disso tem relevância, mas os americanos adoram discutir o tema infidelidade conjugal dos políticos e o fazem mesmo quando se empilham questões urgentes. A economia está em crise desde o governo George Bush, com alto desemprego, alto endividamento, déficit público realimentando a dívida. Desafios e dilemas não faltam para os Estados Unidos, mas o debate prévio do partido da oposição se dá como se fosse em outro país.

Isso deixa ao presidente americano, Barack Obama, a chance de brilhar fazendo propostas de relançar a economia em cada oportunidade, como a que teve ontem com o terceiro discurso do "Estado da Nação", feito anualmente na abertura dos trabalhos legislativos.

Barack Obama é atacado não pelas promessas que descumpriu - o fechamento da base de Guantánamo, por exemplo - mas sim pelas que cumpriu, como a reforma da saúde. Os candidatos definem a nova lei como sendo o "Obamacare", o acusam de ter sido o presidente do "Food Stamps" - o velho programa de assistência social americano. Como Obama recebeu um país com alta taxa de desemprego, a transferência de renda iria mesmo subir. Romney critica a reforma do sistema de saúde, que é parecida com a que ele mesmo implementou como governador de Massachusetts.

Na briga interna, Romney é acusado de ter tido lucros financeiros demais e ter recolhido pouco imposto. De fato, ele só pagou US$6 milhões de imposto entre 2010 e 2011, 15% do que ganhou. O estranho é que o Partido Republicano é o grande defensor de que ganhos de capital tenham imposto mais baixo. Eles criticam a política social de Obama como sendo a tentativa de importar o modelo europeu de Estado, mas ao mesmo tempo criticam o lucro de Romney.

No debate de sábado, tendo oportunidade de recuar da proposta de trabalho infantil nas escolas, Gingrich a confirmou. "A Cidade de Nova York paga aos zeladores das suas escolas uma quantia absurda de dinheiro por causa do sindicato. Você poderia tirar um zelador e contratar 30 crianças para trabalhar na escola pelo preço de um zelador. Elas poderiam ter dinheiro, e aprenderiam a aparecer para trabalhar. Elas poderiam trabalhar na lanchonete, na recepção, na biblioteca. Elas ganhariam dinheiro, o que é bom se você é pobre. Só a elite desdenha dinheiro."

Além de contradições e temas fora do tom da campanha republicana, eles precisam explicar como erraram numa simples contagem dos votos em Iowa.

FONTE: O GLOBO

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