sábado, 28 de janeiro de 2012

O júbilo, o luto e as lições:: Mauro Malin

A hipótese mais forte para explicar o desabamento do Edifício Liberdade, no Centro do Rio de Janeiro, tem relação com obras em andamento em dois andares. Remoção de partes estruturais e acúmulo de entulho teriam provocado o colapso da estrutura, segundo engenheiros e professores ouvidos.

Um operário da obra, Alexandro da Silva Fonseca, salvou-se voltando instintivamente para o elevador, que despencou. A estrutura da caixa do elevador impediu que ele fosse esmagado por escombros.

Alexandro tornou-se o personagem mais conhecido da tragédia. Estava feliz porque acreditava ter nascido outra vez e até pretende comemorar duas datas, a do desabamento e a de seu nascimento biológico, não metafórico, em fevereiro.

A nenhum repórter ocorreu perguntar-lhe se, como disseram duas ou três pessoas ouvidas, de fato houvera remoção de algum elemento de sustentação da estrutura.

No Jornal Nacional, a apresentadora Patrícia Poeta acabara de dizer: “(...) uma obra no nono andar é uma das causas mais prováveis desse desabamento. Um sobrevivente do desastre trabalhava exatamente naquela obra. E a forma surpreendente como ele escapou da morte a gente vai ver agora na reportagem de Mônica Teixeira”.

Alexandro estava feliz. E os telespectadores mentalmente sãos estavam felizes com ele. Mas isso não exime o operário de ter participado, com sua humilde atividade, de uma obra que pode ter causado a morte de muita gente. Possivelmente, mais gente do que no incêndio no Edifício Andorinha, em 1986 (20 mortos), também um prédio antigo, situado na Avenida Almirante Barroso, a pouco mais de trezentos metros do Edifício Liberdade.

Felizardo, mas cidadão

O operário não é menos cidadão do que ninguém. Interessa-lhe, como às demais testemunhas próximas ou remotas, entender o que ocorreu, para tirar lições – não foi por implicância malsã que a mídia internacional repercutiu o desastre.

O desabamento teria deixado centenas de mortos se tivesse acontecido três horas antes, quando ainda não se havia encerrado o horário rotineiro do dia de trabalho. Teria sido o acidente mais mortífero da história do Brasil, superado apenas pelo desastre de chuva e imprevidência da Região Serrana do estado do Rio, um ano atrás, que deixou milhares de mortos, muitos ainda soterrados em lugares que não foram escavados.

O que aconteceu depois da tragédia em Friburgo, Teresópolis e Petrópolis ensina que a vida ainda vale pouco no Brasil, apesar da transição demográfica em curso, da qual resultará uma escassez de braços e cérebros no mundo do trabalho que o país só poderá enfrentar abrindo (muito) mais as portas para imigrantes. Com as consequências que o episódio dos haitianos no Acre deixa entrever.

Isso vai ocorrer nos próximos trinta, quarenta anos, que são nada em perspectiva histórica ou em análise demográfica.

Luto, emoção, reflexão

O noticiário captou também o luto dos parentes e amigos de pessoas mortas. Entre a exibição de lágrimas ou sorrisos, tão própria do infotainement reinante na televisão e alhures, com que ficamos?

Com nem um, nem outro, se pretendemos obter jornalismo.

Jornalismo não exclui emoção, alvo quase exclusivo do infotainement, mas seu foco é descrever, para informar, e analisar, porque toda informação desperta uma reflexão.

A Folha de S. Paulo (27/1) e o Globo (mesma data) cumpriram melhor a missão.

Entenderam que se abre um capítulo na história da engenharia brasileira. Que, por exemplo, as chamadas autoridades não poderão mais fazer vista grossa, por negligência ou suborno, como até agora, à vontade dos proprietários de imóveis ou responsáveis por eles. Que a condenação da opinião pública, se não da Justiça, as levará a pensar duas vezes antes de “dar um jeitinho”.

Não se entenda que negligência ou suborno vão desaparecer, apenas que serão menos rotineiros, talvez, ou, quem sabe, custarão mais caro, nos dois sentidos (punição mais expedita, no primeiro caso, e somas mais elevadas, no segundo).

Principalmente em São Paulo, no Rio e em mais algumas capitais, existem edifícios altos construídos há décadas. Nunca um deles tinha vindo abaixo como o Liberdade. Os incêndios do Andraus (1972, dez anos depois da inauguração) e do Joelma (1974, três anos depois da inauguração), em São Paulo, provocaram mudanças normativas e de rotinas de fiscalização.

Aprender com os erros

A engenharia vive de sucessos e erros. Henry Petroski (To Engineer Is Human, 1984, não publicado em português) escreveu (em tradução livre):

"Acredito que o conceito de falha – mecânica ou estrutural, no caso – é central para entender a engenharia, já que o projeto de engenharia tem como primeiro e mais importante objetivo prevenir a falha. Os desastres colossais que ocorrem são em última instância falhas de projeto. Mas as lições que eles deixam fazem mais para avançar o conhecimento de engenharia do que todas as máquinas e estruturas bem-sucedidas do mundo. Falhas, de fato, parecem ser inevitáveis na esteira do sucesso prolongado, que encoraja margens de segurança menores. Quando ocorrem, levam a aumentos das margens de segurança e, assim, a novos períodos de sucesso. Entender o que é a engenharia e o que fazem os engenheiros é entender como as falhas podem ocorrer e como podem contribuir mais do que o sucesso para fazer avançar a tecnologia."

Um dos episódios tratados por Petroski no livro é o colapso construtivo que provocou, até aquele momento, a maior perda de vidas na história dos Estados Unidos: a queda de passarelas suspensas por cabos do Hyatt Regency Hotel, de Kansas City. Morreram 114 pessoas e cerca de duzentas ficaram feridas. Calculou-se que metade da população da cidade foi direta ou indiretamente atingida pela morte, invalidez ou sofrimento de parentes e amigos.

Petroski entra em detalhes sobre as investigações que se seguiram (existe um tópico a respeito na Wikipedia). O fato mais notório é que os hotéis Hyatt nunca mais tiveram as passarelas suspensas que eram uma de suas marcas visuais. Nesse plano, o aprendizado pode ter sido radical e exagerado, mas pelo menos evitou a repetição do mesmo erro.

FONTE: OBSERVATÓRIO DA IMPRENSA

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