quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

À procura de viver:: Janio de Freitas

Mais por incúria que por benevolência, o Brasil sempre foi indiferente à entrada ilegal no território

O conselho que vai aprovar ou não, dizem que hoje, as propostas do governo para prevenir a entrada ilegal de haitianos pela Amazônia, é aquele que tem o poder de estabelecer decisões para serem seguidas ou não o serem, sem diferença entre um resultado e outro.

Você o conhece, sim. É aquele, sob o imponente nome de Conselho Nacional de Imigração, ou Cnig no tatibitate burocrático, que decidiu pelo pedido da Justiça italiana de extradição de Cesare Battisti, e o Supremo Tribunal Federal disse que sim, mas que não, e Lula ignorou os três. A palavra inútil do Cnig é exigida por lei.

O caso dos haitianos merece consideração. Mas o que saiu do governo é uma confusão de fantasia, contradições e breve sinal de sensatez.

Fixar uma quota mensal para concessões de vistos ainda no Haiti é sensato, a depender da quantidade e da eventual seleção. Entender-se com países de trânsito dos haitianos ilegais, para prisão dos intermediários exploradores/ladrões, os tais "coiotes", justifica mais realce e empenho do que se nota na proposta do governo.

A ideia de "fechar as fronteiras" é apenas fantasiosa. Ainda bem que, até onde se sabe, ninguém se lembrou do Muro de Berlim, do muro não menos vergonhoso que se ergue entre os Estados Unidos e o México, e do muro de Israel contra os palestinos. Feche o governo a porta ou o buraco que quiser, a fronteira amazônica vai continuar como espaço aberto, à falta de sistema que a torne vigiável.

Nos Estados Unidos, fazendeiros e governantes estaduais mantêm milícias homicidas, em trecho de fronteira muito menor que o utilizável na Amazônia, e nem assim nem com o seu "muro de berlim" impedem as entradas. Aqui será pior, porque as alegadas dificuldades novas vão explorar e roubar ainda mais os haitianos.

Mais por incúria que por benevolência, o Brasil sempre foi indiferente à entrada ilegal no seu território, de passagem ou para instalar-se. De vez em quando, há uma grita, de uns três ou quatro dias, sobre a exploração de bolivianos e paraguaios sem visto e sob condições de vida e trabalho semelhantes à escravidão, em cidades de São Paulo.

Nas fazendas e agroindústrias da fronteira, o sistema se repete em larga escala, mas não é citado na imprensa/TV. Muito menos pelos governos federal e estaduais.

Por que, como se propõe o governo, os haitianos sem vistos de entrada e permanência serão presos e extraditados? Não seria mais justo e humano, já que sofreram todo o necessário para chegar até aqui, submetê-los aqui à mesma seleção eventual que teriam ainda em Porto Príncipe, e proporcionar-lhes condições legais de vida?

Exigir-lhes comparecimento regular a certas verificações não implica violência nem discriminação, e pode ser eficaz para avaliar sua permanência. O mesmo ficaria bem para bolivianos, paraguaios e outros.

Ruim seria o que se passa com angolanos que também estão aqui, por preferência em Rio e São Paulo, em grande e crescente número.

A maioria sem sinal de que trabalhe, e, como sabe a polícia, muitos integrando quadrilhas internacionais de drogas. As prisões são frequentes, mas insignificantes em comparação com a colônia e a atividade.

Mas, no caso dos haitianos, começa-se por pensar em prendê-los, ainda na Amazônia, e extraditá-los?

Há mais gente cruzando fronteiras, e não de hoje, em busca de vida nova na América Latina. Por certo há no governo quem tenha ouvido algo sobre os brasiguaios.

Pouco depois da posse de Evo Morales na Presidência boliviana, seu país e o Brasil tiveram até um momento atritoso: fortalecidos pela posse do governo, bolivianos queriam a expulsão (e antes a prisão) dos brasileiros que se instalaram em seu país.

Na Bolívia e no Paraguai, menor número no Peru, esses brasileiros vão de trabalhadores comuns a grandes fazendeiros, controladores de jazidas de minério e fortes comerciantes. Será prudente não esquecer em que condições legais chegaram e se instalaram nos países vizinhos, e muitos vivem ainda. Os haitianos não são um caso à parte no trânsito da procura de oportunidades.

Só os ricos mudam de um país a outro por prazer.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

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