segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

Lucro de bancos bate variação da Selic

Ganho obtido na concessão de crédito pelos cinco maiores bancos aumentou 316%, ante variação de 233% da Selic e de 55% do IPCA

Leandro Modé

Ao destinar mais recursos para o crédito, os bancos brasileiros conseguiram nos últimos anos o que muitos críticos do setor duvidavam: elevar o lucro em uma proporção superior à variação da taxa básica de juros (Selic). De 2003 para cá, os ganhos das cinco maiores instituições financeiras do País saltaram 316%, ante 233% da Selic e 55% da inflação (IPCA) acumuladas no período. Em compensação, a rentabilidade é menor do que antes.

Os empréstimos começaram a deslanchar na economia a partir de 2003. Até então, o setor financeiro era acusado por observadores de depender apenas do juro básico estratosférico para garantir resultados fortes. Uma visão que era rechaçada pelos banqueiros. Diziam eles, à época, que a melhor forma de um banco lucrar era concedendo empréstimos. O tempo passou e há argumentos que sustentam parcialmente as duas hipóteses.

O pano de fundo dessa história é o avanço da relação entre crédito e Produto Interno Bruto (PIB) na economia brasileira. Em 2003, era de 26%. No fim do ano passado, estava em 49,1%. No mesmo período, o crédito livre - basicamente aquele que é concedido pelos bancos comerciais - avançou de 16,3% para 31,5% do PIB. As raízes para essa evolução distribuem-se entre diversos fatores.

Um deles é a estabilidade da inflação, que permitiu aos agentes econômicos, como o consumidor pessoa física, planejarem sua vida em um horizonte de médio e longo prazos. Um segundo fator é a redução da própria taxa Selic - em janeiro de 2003, o juro básico era de 25,50% ao ano, ante 11% no fim do ano passado. O custo do dinheiro menor aumenta a propensão de pessoas e empresas para tomar empréstimos.

Uma terceira razão é a melhora institucional no segmento de crédito imobiliário. A partir de 2004, a legislação facilitou a recuperação de imóveis pelos bancos em caso de inadimplência por parte do mutuário. O resultado é que esse segmento do crédito é o que mais tem crescido nos últimos anos no Brasil.

"O aumento dos lucros de 2003 para cá comprova que o negócio bancário é interessante no País, uma vez que supera o nível da taxa básica de juros", diz o analista de instituições financeiras da Austin Rating, Luís Miguel Santacreu. "Em qualquer área de atuação, o empresário manterá seu empreendimento apenas se o retorno superar a taxa com que o governo remunera os papéis de sua dívida pública."

O professor de finanças da USP de Ribeirão Preto, Alberto Borges Matias, crítico de longa data do sistema bancário nacional, reconhece que os bancos foram bem sucedidos na migração do modelo antigo para o novo. Mas ressalva: "Não podemos esquecer que, em 1994, tínhamos 16 grandes bancos privados de varejo. Desses, sobraram dois."

Matias também observa que grande parte dos lucros é explicada pelo alto spread bancário - diferença entre o juro que o banco paga na captação do dinheiro e o que cobra ao emprestá-lo para os clientes. Ele também cita as tarifas e taxas elevadas em áreas como a administração dos fundos de investimento.

Empecilho? Santacreu pondera que o comprometimento da renda dos brasileiros com dívidas pode ser um empecilho à manutenção do crescimento do crédito na economia. Segundo dados do Banco Central (BC), em novembro, o endividamento das famílias brasileiras com o sistema financeiro alcançou o recorde de 42,51% da renda acumulada nos 12 meses anteriores.

Para o analista, há duas possibilidades à vista: ou os bancos reduzem a velocidade de expansão dos empréstimos (20% ao ano, em média, entre 2003 e 2011) ou os juros cobrados pelos bancos caem. Quanto mais alta a taxa, maior é a prestação e mais rapidamente sobe o comprometimento da renda com dívidas.

Uma queda do juro depende da redução do spread bancário. "Há vários fatores que compõem o spread", diz Santacreu. Entre eles, o custo básico do dinheiro, dado pela taxa Selic, a carga tributária que incide sobre os empréstimos e a inadimplência.

Em outras palavras, as taxas cobradas de pessoas físicas e empresas só recuarão se um ou mais desses fatores ocorrerem. Do contrário, continuarão nos níveis atuais (ainda altos para os padrões internacionais) e os bancos serão obrigados, por prudência, a tirar o pé do acelerador.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

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