terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

Os pacotes e a ambulância:: Clóvis Rossi

A suposta ajuda europeia está apenas sangrando países à beira da exaustão em todo o continente

A União Europeia discutia ontem o segundo pacote de ajuda a Grécia. Ops, eu disse ajuda? Deveria dizer mais um passo para sufocar um país já exangue.

Os grandes números sobre as consequências dos sucessivos pacotes europeus para a Grécia são eloquentes: o país entra no quinto ano consecutivo de recessão; o desemprego estourou dos 7,4% quando eclodiu a grande crise global de 2008 para os 21% atuais; a renda familiar caiu 30% nos anos de "ajuda".

Pelo menos foram corrigidos deficit e dívida, que o raciocínio convencional aponta como os problemas da Grécia? Não. A dívida saiu de 109% do PIB, no primeiro trimestre de 2007, para os atuais 159%, ao passo que o deficit, que deveria terminar 2011 em 7,6%, bateu em 9%, como proporção do PIB.

Passemos dos grandes números para o cotidiano. O jornal "El País" visitou Portugal, um dos países "ajudados", e recuperou o drama de João António Espadeiro, 84 anos, marca-passo no peito, que vive em Morão, no Alentejo, a uns 200 km de Lisboa.

Quando se sente mal, o que não é raro em uma pessoa dessa idade, ainda mais com problemas cardíacos, "seo" João não pode pedir uma ambulância para levá-lo ao hospital mais próximo, em Évora, a 70 km. Não pode porque a "ajuda" europeia a Portugal foi condicionada a cortes até na gratuidade do transporte em ambulância para necessitados como ele.

Pagar a ambulância roubaria € 36,50 (R$ 83) de sua única fonte de renda, a aposentadoria de € 475 (R$ 1.076). Ah, por favor, não venha me dizer que a aposentadoria de "seo" João é generosa, na comparação com padrões brasileiros. Os padrões brasileiros é que são miseráveis.

Também não venha me dizer que os "joões" de Portugal, da Grécia, da Espanha etc. são os responsáveis pela crise, porque viveram à tripa forra (para usar uma expressão bem portuguesa). Conforme seu gosto e sua visão de mundo, você pode listar uma dúzia de culpados -dos políticos irresponsáveis aos banqueiros gananciosos, passando por vários outros suspeitos-, mas não incluiria aposentados e a grande maioria dos assalariados.

Que, no entanto, pagam o custo até mais que os verdadeiros culpados. Basta ler até quem aprova os pacotes de austeridade, caso de Jean Pisani-Ferry, diretor do Centro Bruegel de pesquisas sobre políticas econômicas europeias, em artigo para o "Monde" de ontem: Pisani-Ferry começa lembrando que entende que os tecnocratas do FMI só pensem em programas como os que estão sendo aplicados. Mas, completa, "a União Europeia é uma entidade política que fez da justiça social um de seus objetivos fundamentais. Ela não pode demandar uma redução do salário mínimo e ter como secundário o fato de que a evasão fiscal dos 10% mais ricos se traduza por uma perda de um quarto das receitas do Imposto de Renda" [caso da Grécia].

O economista afirma que não se trata de negar a necessidade de um programa de austeridade, mas fecha o raciocínio com a observação de que o programa em curso "é tardio, mal concebido e iníquo".

Está explicado por que é errado dizer que se trata de "ajuda"?

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

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