segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

A semana que abalou dogmas do PT

PT discute a relação e atropela dogmas

O PT comemorou seus 32 anos tendo que encarar a queda de alguns dogmas que o marcaram como um partido de massa: a privatização, a repressão a grevistas e alianças com partidos de centro-direita

José Genoino: "A paisagem da janela que se vê da oposição é diferente da que se vê quando se está no governo"

Maria Lima, Isabel Braga

BRASÍLIA. Ferido na alma com a doença que tirou seu principal líder do palco, o PT comemorou seus 32 anos de fundação sem a figura do ex-presidente Lula.

Tem ainda que administrar ironias e questionamentos sobre três temas caros aos petistas em sua origem e que sofreram fortes guinadas desde que o partido chegou ao poder central, há nove anos: privatizações, movimentos grevistas e alianças com partidos da chamada centro-direita.

A queda de alguns dogmas que marcaram o PT como partido de massas, dos trabalhadores organizados e dos movimentos populares, dizem hoje líderes petistas, faz parte das "dores do crescimento e do amadurecimento no governo". Para a oposição, os petistas só agora admitem que mentiram por muito tempo.

Ao longo da última semana, os dirigentes petistas renegaram com veemência o termo privatização para as concessões à iniciativa privada dos aeroportos de Guarulhos, Brasília e Viracopos.

E classificaram de necessária a repressão vigorosa, coordenada pelo governador petista Jaques Wagner e pela presidente Dilma Rousseff, à greve da Polícia Militar na Bahia. Porém, terminaram a semana sem uma justificativa consensual para a iminente aliança com o PSD de Gilberto Kassab, em São Paulo, em benefício da candidatura de Fernando Haddad, patrocinada por Lula.

Ex-presidente do PT, hoje assessor especial do Ministério da Defesa, José Genoino alega que o PT sempre disse que greve armada não é greve. Admite que o PT mudou algumas bandeiras. Parte do amadurecimento, diz.

— Não é que abandonamos nossas bandeiras. É que a paisagem da janela que se vê da oposição é diferente da paisagem que se vê quando se está no governo.

Na construção desses 32 anos de história tivemos muita dor, muitas derrotas, mas construímos uma história vitoriosa e muito forte, com erros e equívocos.

Mas isso não prejudicou a ideia de um projeto nacional que está mudando o Brasil.

— Não é fácil reconhecer que mentiram por tanto tempo. O discurso contra as privatizações foi uma arma eleitoral poderosa contra nós nas duas últimas eleições.

Agora não é mais. O PT dos movimentos sociais, da defesa da ética, das greves e da mobilização popular morreu — diz o presidente do PSDB, deputado Sérgio Guerra (PE).

Poucos petistas assumem a nova realidade.

— Não me incluo entre aqueles que estariam envergonhados com essa decisão. Só privatizamos a estrutura de prestação de serviços em terra, não vendemos patrimônio. A Anac (agência que regula a aviação civil) continua regulando e a Infraero continua sócia — diz o senador Humberto Costa (PE).

Batizada no governo FH como "musa das privatizações", a então diretora de desestatização do BNDES, Elena Landau, foi uma das responsáveis por elaborar o modelo de privatização da Vale do Rio Doce. Semana passada, ela se divertiu com a reação de petistas às críticas contra a privatização ao estilo Dilma.

— Só lhes resta a discussão semântica. É privatização, sim! Venderam o controle e bateram o martelo. A Light e as telefônicas também foram privatizadas pelo modelo de concessão por tempo determinado, e o BNDES continua sócio. A privatização de Dilma é a mesma coisa, a Infraero continua como sócia, mas minoritária, com 49% das ações.

E, no caso do petróleo, que venderam poços para a OGX? — pergunta Landau.

Ela diz que não se importa de passar para Dilma a faixa de musa das privatizações: — Estou me divertindo muito agora, porque sofri muito. Não podia botar a cabeça para fora que levava uma cacetada e não tinha ninguém no partido para me defender. O PSDB não conseguiu sair das cordas. Agora até abro mão do posto de musa das privatizações para a presidente.

Outro ex-presidente do PT, o deputado Ricardo Berzoini (SP) diz que o partido mudou, mas insiste no discurso comum: — Que o PT mudou, é óbvio.

Nasceu pequeno, aguerrido, com muito sectarismo, e, ao longo de sua vida, foi aperfeiçoando sua visão sobre a política. Modificou sua política de alianças e assumiu muitos governos. Claro que isso impacta. Mas, nesses três temas, a imagem é mais enganosa que o fato.

Outro momento difícil para o PT foi explicar a gestão do petista Jaques Wagner na greve da PM. O manifesto de criação do PT, em 1980, diz sobre greves: "Não existe liberdade onde o direito de greve é fraudado na hora de sua regulamentação (...), onde os movimentos populares são alvo permanente da repressão policial e patronal, onde os burocratas e tecnocratas do Estado não são responsáveis perante a vontade popular." Mas, diante do motim armado dos policiais, Wagner, sem ter como atender as reivindicações, recorreu ao Exército.

— O Jaques Wagner me disse esta semana: Pinheiro, não estou dormindo! Não gostaríamos de ter passado por isso.

Mas passamos. E foi uma prova de fogo — disse o líder do PT no Senado, o baiano Walter Pinheiro.

Sobre alianças políticas, o senador Jorge Viana (PT-AC) admite o risco de uma guinada forte: — Temos que ter cuidado. O fato de termos chegado ao governos nos deixa um pouco reféns quando se trata de governabilidade.

Daí a importância de repactuarmos nossos compromissos sempre.

Alianças com ex-adversários, como Gilberto Kassab, poderão criar muitas dissidências, mesmo com Lula à frente dessa operação.

Dos vários discursos que o presidente nacional do PT, Rui Falcão, fez nas comemorações dos 32 anos do partido, duas frases calaram na militância: — É importante que não sucumbamos à aliança fácil, que quebra a nitidez do nosso programa.

O partido não pode se deixar levar pelo pragmatismo exagerado.

FONTE: O GLOBO

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