quinta-feira, 29 de março de 2012

Ao sabor do próprio veneno:: Raquel Ulhôa

Demóstenes Torres sempre agiu em público como se não tivesse rabo preso. Articulado, conhecedor da Constituição e das leis, costumava tratar com firmeza colegas acusados de corrupção ou irregularidade. Todo mundo tem uma história para contar, ilustrando a "coragem" e a "ousadia" do senador.

Como quando atuou pela cassação de Renan Calheiros, então presidente da Casa. Ou por ter sido o primeiro a usar a expressão "mensalão do DEM", seu próprio partido, e pedir a expulsão do então governador José Roberto Arruda (DF) da legenda. Mais recentemente, por ter dito que ministros do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) estavam "dançando na boquinha da garrafa", na análise do registro do PSD.

Até o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, foi vítima. Quando as representações contra Antonio Palocci foram arquivadas, Demóstenes disse que Gurgel havia se "acovardado", com receio de não ser reconduzido ao cargo.

Em dezembro, o senador, ao microfone, acusou José Sarney, presidente do Senado, de "burlar", de maneira "torpe", acordo entre as lideranças, para facilitar a votação da Desvinculação de Receitas da União (DRU). Dedo em riste, Sarney cobrou "respeito". A reação foi um pedido de desculpas.

O presidente do Senado já havia sido cutucado com vara curta por Demóstenes, quando a imprensa revelou que, sob seu comando, a administração do Senado adotou "atos secretos" para nomear parentes, criar cargos e aumentar salários. Da tribuna, o demista defendeu que Sarney se afastasse do caso, porque não ter condições de comandar a apuração.

Ex-procurador-geral de Justiça de Goiás por duas vezes e secretário de Segurança Pública do Estado em gestão anterior de Marconi Perillo (PSDB), Demóstenes foi eleito a primeira vez senador em 2002, aos 41 anos. Articulado, logo ganhou espaço na mídia. Sua gestão à frente da Comissão de Constituição e Justiça é elogiada até por adversários.

Por essas e outras, Demóstenes cumpria papel importante para a oposição, já abatida pela drástica redução numérica em 2010 e pela perda de figuras destacadas no enfrentamento ao governo, como Arthur Virgílio, Tasso Jereissati e Heráclito Fortes. Aliados mais empolgados falavam até em candidatura de Demóstenes para presidente da República.

Hoje, ele luta para não perder o mandato. Quem o vê, constrangido, envergonhado, quatro quilos mais magro desde que surgiram os primeiros vazamentos de informação mostrando sua proximidade com Carlos Augusto Ramos, o Carlinhos Cachoeira - acusado de chefiar exploração ilegal de jogos em Goiás -, pensa que Demóstenes não tem estrutura para aguentar o que vem por aí: inquérito no STF e provável processo por quebra de decoro parlamentar.

A hipótese mais considerada é a de uma renúncia. Ou cassação, se ele enfrentar o processo. O demista se indispôs com tantos colegas, que há um gostinho - inconfessável- de vingança por parte de alguns. Ele está nas mãos de quem acusou e de outros que se sentem traídos. Por telefone, está pedindo compreensão e prometendo dar, em momento oportuno, explicações para os sinais de proximidade com Cachoeira e ter tirado vantagem dessa relação.

A contratação de Antônio Carlos de Almeida Castro, mais conhecido como Kakay, advogado de políticos bem encrencados, revelou o tamanho da preocupação. Não se sabe o que revelam as cerca de 300 escutas telefônicas feitas pela Polícia Federal de conversas entre ele e Cachoeira. O volume de ligações, por si só, é estranhíssimo. O senador não explicou por que ganhou celular habilitado nos Estados Unidos, com sistema antigrampo, exclusivamente para falar com o "amigo", a quem pede dinheiro em uma conversa.

Para Randolfe Rodrigues, líder do PSOL, é grave o "provável envolvimento junto a uma organização criminosa". Ontem, protocolou representação na Mesa Diretora para que o Conselho de Ética abra processo disciplinar, que pode levar à cassação. O conselho nem tem presidente. E o regimento dá brechas a várias manobras protelatórias. Mas, lançar ou não mão delas depende dos interesses políticos.

Demóstenes está isolado. Depende da proteção de Sarney, que comanda a Casa, e Renan, líder da maior bancada. O DEM tem apenas cinco senadores e o comando do partido, abatido por mais esse escândalo, não está disposto a sofrer o desgaste da defesa do seu ex-líder.

Para a oposição, a ruína de Demóstenes - que já aconteceu, independentemente do seu destino - é mortal. "Não podia ser pior para a gente", diz Jarbas Vasconcelos, único pemedebista que é oposição ao governo do PT. Jarbas lembra a redução numérica da oposição em 2010, a perda de pessoas importantes no enfrentamento do governo - como Arthur Vigílio, Tasso Jereissati e Heráclito Fortes - e a morte do ex-presidente Itamar Franco, com seis meses de mandato, período no qual se destacou na oposição.

"E agora acontece isso com Demóstenes? É de clamar aos céus", diz o pernambucano.

O Senado já deu muito vexame. Um presidente da Casa aliou-se ao então líder do governo para fraudar a violação do painel eletrônico, na votação de uma cassação de mandato. Outro presidente sofreu processo por quebra de decoro ao ser acusado de ter contas pessoais pagas por lobista de empreiteira. Um senador foi cassado e vários renunciaram. Cada novo caso aumenta o descrédito nos políticos. E fica a expectativa sobre quem será o próximo a ter que deixar o Senado pela garagem, para fugir dos fotógrafos.

FONTE: VALOR ECONÔMICO

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