segunda-feira, 19 de março de 2012

A autonomia do Congresso

Mais que afinação com o Executivo, o Legislativo precisa se consagrar como poder independente de fato

O presidencialismo brasileiro tem padecido de um desequilíbrio crônico na relação entre Executivo e Legislativo. Mutilado por cassações e um esvaziamento de prerrogativas pelo regime militar, cuja estrutura foi em boa parte mantida pela Constituição de 1988, o Congresso Nacional tem exercido um papel subsidiário em nossa cena política. Um exemplo bastante citado: os parlamentares mal discutem o Orçamento, principal peça política do Estado, apenas as célebres "emendas", um reservatório para abusos e desvios de todo tipo. Em vez de formulador de leis e políticas, o Congresso Nacional tem funcionado como uma espécie de cancela no caminho do Executivo – que abre ou fecha passagem para as políticas formuladas no Planalto, ao sabor dos acertos políticos de ocasião.

É nesse contexto que devem ser vistos os episódios simultâneos de demissão do senador Romero Jucá (PMDB-RR) e do deputado Cândido Vaccarezza (PT-SP) das funções de liderança do governo no Senado e na Câmara. Vaccarezza foi um dos mais ativos articuladores da aliança que elegeu Dilma Rousseff em 2010, mas não conseguiu manter as alas descontentes do PT próximas do governo. Ao indicar o deputado Arlindo Chinaglia para o lugar de Vaccarezza, Dilma tenta apaziguar esses movimentos classificados como oposição interna.

A saída de Jucá, líder do governo no Senado pelos últimos 12 anos, já estava resolvida havia algum tempo. Empenhada em abrir espaço para uma fatia renovada do PMDB, no final de 2011 Dilma aguardava a chance de promover o senador Eduardo Braga, ex-governador do Amazonas e adversário da velha guarda do partido. Ao sabotar a manutenção de Bernardo Figueiredo à frente da Agência Nacional de Transportes Terrestres, Jucá fez uma aposta contra Dilma – e perdeu. Ela não atua por impulso, mas por cálculo. No afã de aplacar ainda mais aliados descontentes, nomeou para o improvável Ministério da Pesca o senador Marcelo Crivella (PRB-RJ), medida sob medida para agradar a uma fatia dos evangélicos. Em todos esses casos, Dilma procura apoio para projetos controversos que precisam de aval do Congresso – do Código Florestal aos royalties do pré-sal.

Na visão de Dilma – como, de resto, dos presidentes anteriores –, o papel do Congresso parece se resumir a referendar a agenda ditada pelo Executivo. Não é por outro motivo que o Planalto tanto fez para manter viva outra distorção: o trâmite mais célere das Medidas Provisórias, criadas para enfrentar situações de "urgência e relevância". Em boa hora o Supremo Tribunal Federal tomou uma decisão certa ao exigir que, antes de ir a plenário, uma MP seja examinada e julgada admissível por uma comissão parlamentar.

Toda democracia equilibrada exige um Legislativo autônomo e atuante – e cabe, em primeiro lugar, aos próprios parlamentares exercer seu papel de contrapeso ao Executivo. É certo que a presença numerosa, em Brasília, de parlamentares que nada expressam além de interesses inconfessáveis representa um obstáculo a isso. Há uma longa lista de deputados e senadores que são motivo de constrangimento e vergonha. Não custa lembrar, porém, que a responsabilidade pela presença de maus parlamentares no Congresso é do próprio eleitor.

FONTE: REVISTA ÉPOCA

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