quinta-feira, 1 de março de 2012

A espantosa boca-livre da banca:: Clóvis Rossi

No total mundial, as injeções de recursos públicos chegaram ao equivalente a dois Brasis

O Banco Central Europeu promoveu ontem mais uma fenomenal boca-livre, doando a cerca de 800 bancos € 529,5 bilhões (US$ 712,8 bilhões, R$ 1,2 trilhão). Em dezembro, apenas três meses antes, portanto, outra colossal boca livre havia oferecido € 489 bilhões aos bancos (523 naquela ocasião).

Quando digo "doação", não estou exagerando: os juros cobrados pelo BCE (1%) não existem nem em operações de pai para filho nos tempos modernos. Em contrapartida, os bancos podem comprar, por exemplo, títulos da dívida de países encalacrados, que lhes rendem cinco, seis, sete, oito vezes mais -uma remuneração que muito dificilmente se encontra em qualquer outro negócio lícito.

As cifras do BCE já seriam, isoladamente, espantosas. Mas empalidecem diante dos dados apresentados anteontem ao Senado pelo presidente do Banco Central do Brasil, Alexandre Tombini.

No mundo rico em conjunto, o que Tombini chamou de "programas de expansão de política monetária não convencionais" promoveu um derrame de US$ 4,6 trilhões entre a quebra do Lehman Brothers, em 2008, e o ano passado.

US$ 4,6 trilhões (R$ 7,8 trilhões) é um desses números que ninguém consegue entender realmente, tal a sua sideral dimensão. Em todo caso, vale dizer que, se você quer ter uma ideia aproximada, basta imaginar tudo o que o Brasil produz por ano de bens e serviços, multiplicar por dois e, pronto, você estará perto do tamanho da boca-livre mundial ou da, digamos, Bolsa-Banca.

Um escândalo que, no entanto, passa em silêncio. Faz-se um baita escândalo, inclusive na mídia, em torno do pacote europeu para a Grécia, o mais recente deles de € 130 bilhões.

Os líderes europeus passaram meses e meses discutindo o programa, impondo condições, derrubando um governo legitimamente eleito. Já o BCE, em uma única penada, de um único dia, doa à banca quatro vezes mais -e não pede nada em troca, nadica de nada.

Na Grécia, como em outros países socorridos pela União Europeia/Fundo Monetário Internacional, cortam-se até gastos com saúde pública, conforme aliás pacote aprovado na véspera da nova boca-livre do BCE. A banca, no entanto, mesmo quando recebe doações tão suculentas, nem sequer se dá ao pudor de reduzir as remunerações de seus dirigentes.

Nesse cenário, é difícil discordar de Michel Rocard, ex-primeiro-ministro francês (socialista), e do economista Pierre Larrouturou, que, em artigo recente, afirmaram: "Estamos vivendo uma crise do capitalismo desregulado que pode ser suicida para nossa civilização".

Ou de Timothy Garton Ash, acadêmico da moda na Europa, quando escreve: "Não estou dizendo que necessitamos de uma alternativa ao capitalismo. O que necessitamos é um capitalismo alternativo, com mais Escandinávia e menos cassinos de baixa qualidade".

Alguma surpresa, ante tais análises de homens do establishment nada radicais, que surjam grupos como os "indignados" ou os vários "Ocupe Wall Street" (ou a Wall Street de cada capital financeira)? A única surpresa é a passividade dos demais.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

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