domingo, 18 de março de 2012

Fala que eu não escuto:: Vinicius Torres Freire

Um roteiro para pensar as enganações e as conversas fiadas das notícias políticas e econômicas da semana

"o que você faz é tão gritante que não consigo ouvir o que você está dizendo", escreveu em algum lugar Henry Adams, fino memorialista, historiador e aristocrata bostoniano, neto e bisneto de presidentes dos EUA e de milionários, 1838-1918.

Não importa lá muito quem foi Adams, mas sua frase reaparece na memória quando a gente ouve esses gritos e esturros que passam por notícias da política e da economia -a frase é uma versão elegante e ampliada do "não é o que parece".

Exemplos:

1) O governo quer colocar mais dinheiro no BNDES, a fim de emprestar mais para a indústria, que assim cresceria mais etc. Mas a indústria tem pedido menos e menos empréstimos ao BNDES, até porque não cresce nem vê muito por onde crescer. Do que se trata, então?

2) O governo quer desvalorizar o real. Bom ou ruim, viável ou inviável, desvalorizar a moeda implica reduzir o nível real dos salários (é assim que aumentaria a "competitividade" da indústria).

Não dá para o governo gritar tal coisa por aí, mas é isso que estará fazendo se puder desvalorizar o real: baixando os salários reais;

3) Mas ao mesmo tempo em que vive obcecado com a conversa da desvalorização, o governo se agita como louco a fim de aumentar o consumo, nem que para isso tenha de ordenhar crédito barato dos bancos públicos e ainda que um aumento de consumo já esteja posto no forno, dada a queda nos juros etc.;

4) É gritante o quanto diminuiu a gritaria sobre a "política heterodoxa" do Banco Central (juros baixos, inflação ainda altinha), sobre o "descontrole inflacionário", sobre o desarranjo terminal das "expectativas inflacionárias" etc.

Tem muito economista de banco ora mais manso, na defensiva ou na muda. Qual o motivo? Um banqueiro de um dos dois maiores bancos privados brasileiros responde: "Ih, esses rapazes, nem tanto os meus economistas, são muito radicais, teóricos. As coisas vão se ajeitando".

5) A gente se ocupa da indústria, que vai mal, blá-blá-blá; muito se diz que o país padece de desindustrialização precoce etc. Pode ser. Mas o Brasil vive um momento de "pleno emprego", como se orgulha de dizer o ministro Guido Mantega.

Há portanto uma coisa esquisita ou problemática aí nessa "desindustrialização" com "pleno emprego".

Se a indústria estivesse indo bem, onde buscaria trabalhadores adicionais, dado que o país vive um momento de "pleno emprego"? Manicures seriam transformadas em soldadoras? Importaríamos chineses?

6) Há uma "crise política" no Brasil. Uma das facetas (caretas) da "crise" era uma disputa entre Ideli Salvatti e Romero Jucá. Para quem não sabe, trata-se respectivamente da ministra das relações políticas de Dilma Rousseff e do ex-líder do governo no Senado. Sim, chegamos a um estado crítico quando nos ocupamos de Salvattis e Jucás e assemelhados. Essa é a crise de fato.

Outra faceta da "crise" é o PR, partido que, entre outras honras, foi e é o lar de próceres do mensalão.

No Senado, o PR "rompeu" com o governo; na Câmara procura manter a boquinha, tudo isso enquanto ainda regateia um ministério perdido (Transportes) por meio de ameaças à presidente da República.

Em suma, a gente trata essa turumbamba no cafofo do biscate político como "crise política".

Não é.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

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