sábado, 3 de março de 2012

'Não cabe investigar ações da resistência'

Para secretário de Justiça, prioridade da Comissão da Verdade é localizar desaparecidos

Evandro Eboli

BRASÍLIA. A investigação sobre as circunstâncias em que se deram a tortura e o desaparecimento do ex-deputado Rubens Paiva, assim como a identificação de seus torturadores, é tida como um dos casos prioritários a serem tratados na Comissão da Verdade. Esta é a opinião de integrantes do governo da presidente Dilma Rousseff, também uma ex-perseguida política.

O surgimento de novos personagens do episódio que envolvem o ocorrido com Rubens Paiva, revelados pela Globonews e pelo GLOBO, reforçam, para setores do governo, que a elucidação do que ocorreu com o ex-deputado deve ser tema central da comissão.

O secretário nacional de Justiça, Paulo Abrão, que também é presidente da Comissão de Anistia, considera que a Comissão da Verdade terá, como primeira missão, justamente a localização de desaparecidos e a identificação dos responsáveis. Depois, vai investigar as demais violações, como mortes e torturas. Numa outra etapa, vai identificar as estruturas da repressão, a cadeia de comando e a colaboração do setor privado com a ditadura.

- Não cabe investigar as ações da resistência. Estavam no direito legítimo de lutar contra a ordem ilegítima e a opressão. A Comissão da Verdade serve para investigar os crimes de Estado. Aqueles cometidos pelo ente que deveria proteger os cidadãos e não persegui-los - disse Abrão.

Para o coordenador-geral do Projeto Direito à Memória e à Verdade da Secretaria de Direitos Humanos , Gilney Viana, que também foi preso e torturado pela ditadura, o caso de Rubens Paiva é emblemático:

- É um caso simbólico e que vai ser tratado pela Comissão da Verdade com o seu tamanho devido. Há testemunhos, como ficou demonstrado agora, que são bastante evidentes e esclarecedores.

Sobre as declarações do general Luiz Eduardo Rocha Paiva, de que deveriam ser julgados supostos crimes cometidos pela esquerda - onde cita a presidente Dilma - Gilney afirmou que o objetivo da Comissão da Verdade não é esse:

- A comissão terá a finalidade de apurar os crimes cometidos pelos agentes do Estado. Os outros (dos grupos de esquerda) já foram apurados, objetos de inquérito e de processos judiciais. As pessoas cumpriram pena.

Dilma irritou-se com as declarações do general Rocha Paiva, ao GLOBO, levantando dúvidas sobre se ela foi de fato torturada. O presidente da OAB do Rio, Wadih Damous, condenou as declarações do general Paiva:

- O que deverá ser apurado pela futura Comissão da Verdade é a atuação e a responsabilidade de agentes públicos civis e militares, que, se valendo de suas funções e remunerados pelos impostos pagos pelos cidadãos, mataram, torturaram e sequestraram perseguidos políticos pela ditadura militar instaurada em 1964.

Dilma está com dificuldade em fechar a relação dos integrantes da Comissão da Verdade. Já se passaram cem dias da solenidade de sanção e até agora esse grupo não foi criado. Ela discutiu o assunto com o ex-presidente Lula anteontem.

Para Iara Xavier, ex-perseguida política e da coordenação do Comitê Pela Verdade, Memória e Justiça de Brasília, Dilma se isolou na escolha e não recebeu dirigentes de movimentos sociais:

- Cobramos uma audiência com a presidente, mas não fomos atendidas. Esse já é um tema que a sociedade brasileira não tem interesse e a Dilma ainda evita interlocução com os movimentos... Assim, ela se enfraquece.

FONTE: O GLOBO

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