segunda-feira, 5 de março de 2012

O Matriarcado:: Ricardo Noblat

A eleição em SP terá o peso da máquina a favor de Serra. Haddad terá a força do Lula, do PT. (Deputado Arlindo Chinaglia, PT-SP)

De passagem por Fortaleza na semana passada, disse Dilma Rousseff sobre a próxima eleição para prefeito de São Paulo: "Sou presidente da República, não sou prefeita de São Paulo nem tenho nenhum pronunciamento a fazer a esse respeito." Era Dilma em estado puro! Por óbvio, diria a mesma coisa a propósito da eleição em qualquer outra cidade.

Portanto, a dar o dito pelo não dito, isso significa que Dilma, pelo menos publicamente, decidiu tentar ficar à margem das eleições municipais de outubro. Caso resista à pressão dos aliados para que se envolva com elas, será uma mudança e tanto no comportamento do servidor número um da República. A conferir.

Conferindo: um dia depois de dizer o que disse em Fortaleza, Dilma promoveu a ministro da Pesca o senador Marcelo Crivella. O PRB dele tem candidato a prefeito de São Paulo. A Igreja Universal dele bate em Fernando Haddad, candidato de Lula imposto ao PT. Não o perdoa por causa do "kit-gay". É mais um percentual, sabe...

Da comissão que Dilma paga à Lula por ocupar a vaga dele. Lula meteu-se sem nenhuma cerimônia em todas as eleições municipais que pode. Subiu em palanques e esgoelou-se pedindo votos para seus candidatos. Deu-se bem em alguns locais. Em outros colecionou desastres, apesar de sua popularidade.

É o que ele pretendia fazer mais uma vez este ano. Porém... Mesmo extirpado, o câncer na laringe descoberto em outubro último deverá conter o ímpeto de Lula. Ninguém dribla o fantasma da morte e continua a viver como se nada tivesse acontecido. Nem mesmo São Lula, o padroeiro dos sobreviventes.

De resto, é previsível que a voz de Lula acabe afetada pelas sessões de quimioterapia e de radioterapia destinadas a pulverizar o tumor. Na melhor das hipóteses, o PT contará com a ajuda pela metade do seu mais precioso cabo eleitoral. Falta carisma a Dilma para escalar palanques, recomendar candidatos e eleger uma parte deles.

Falta-lhe também o gosto pela política. Mas não é apenas isso que a leva a ensaiar a postura de "presidente magistrado". Na verdade, Lula só existe um — capaz de atrair o apoio de 14 partidos e de ajudar uns em detrimento de outros. E de pedir votos para o seu em prejuízo dos demais. E de mesmo assim conservar o apoio dos 14.

Se Dilma ousasse fazer o mesmo se daria mal. Perguntem aos líderes de partidos se estão felizes com ela. A resposta, sob a condição de não terem seus nomes publicados, é "não". A insatisfação tem duas razões principais: Dilma não governa com eles. Dilma se faz de surda à maioria dos seus pedidos.

Para não governar com eles, Dilma criou um modelo novo de administração e de falso compartilhamento de poder. Os partidos indicam nomes para os ministérios. Dilma costuma aceitá-los. Mas é ela que emplaca os secretários-executivos dos ministérios. E é com eles que governa.

O modelo não vai bem. Ministros e secretários-executivos se encaram com desconfiança. As engrenagens da máquina pública rangem e ela não se mexe — a não ser devagar. Então Dilma tem mais um ataque de nervos e distribui desaforos. Depois esperneia porque o ataque vazou para a imprensa. Salve-se quem puder!
O Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) desacelerou. O pré-sal jaz adormecido nas mais inexpugnáveis e indômitas profundezas. O Código Florestal passou no Senado e emperrou na Câmara dos Deputados. Dilma cometeu a proeza de se atritar com o presidente da Câmara, Marco Maia (PT), seu eventual substituto.

O primeiro ano do governo Dilma foi um ano opaco. Não serviu para dar partida a nada de relevante. Dilma trocou a fantasia de gerente pela de faxineira ética e desmontou o que havia montado. Este será um ano curto. Os políticos irão cuidar das eleições a partir de junho. E o governo sofrerá as restrições impostas pela lei em ano eleitoral.

Aguardemos o terceiro ano do que os senadores passaram a chamar com ironia de "O Matriarcado".

FONTE: O GLOBO

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