domingo, 4 de março de 2012

Pedras no caminho:: Míriam Leitão

Não há tarefas fáceis na política econômica. Conter o tsunami de dólares usando regras, impostos, pedágios, quarentenas ou a compra da moeda americana no mercado é muito difícil. Uma forma de reduzir a atratividade de capitais de curto prazo seria a queda forte dos juros, e isso é o que se busca, mas devagar e a médio e longo prazos para não realimentar a inflação. Além disso, está ainda sem resolver o dilema da remuneração da poupança.

O Ministério da Fazenda está estudando como enfrentar o limite de queda dos juros produzido pela remuneração fixa da poupança, que é atrelada à Taxa de Referência (TR) mais 6% ao ano. É um rendimento pequeno, mas levando-se em conta que a caderneta de poupança não tem imposto, acaba representando um pouco mais. Qualquer mudança nesse ponto, no entanto, esbarra em vários problemas. Um deles é que esta é a forma de poupança que mais atrai o pequeno aplicador, o que não tem outras opções ou maiores informações. O segundo é que esse investidor sofreu um golpe que deixou um trauma difícil de superar quando teve seu dinheiro preso no Plano Collor. Hoje, qualquer decisão que possa ser entendida como "mexer na poupança" é vista como uma heresia. Em 2009, quando os juros chegaram no nível mais baixo dos últimos anos, 8,75%, o Ministério da Fazenda chegou a lançar uma proposta de baixar um imposto sobre as maiores aplicações. Deu muita crítica e o assunto foi arquivado. Agora, com luvas de pelica, voltam a estudar o tema. Que não tomem nenhuma medida apressada.

Mas, mesmo que caia bastante, a taxa de juros que está hoje em 10,5% continuará alta demais num mundo de juros zero. O Brasil fica sendo, com esses juros, um local irresistível para investimento. Representa um risco muito menor de calote do que está expresso na nota imprecisa que recebe das agências, e remunera o capital estrangeiro com uma das maiores taxas do mundo. Para instituições aqui sediadas, tomar empréstimo no exterior para reemprestá-lo no Brasil é uma tentação irresistível. O Banco do Brasil acabou de fazer uma captação assim para oferecer crédito para pessoas e empresas internamente. Mesmo com o IOF incidindo sobre toda operação de empréstimos externos com menos de três anos, vale a pena pelas altas taxas cobradas em qualquer modalidade de crédito no Brasil.

O tsunami se forma não apenas pela montanha de dólares e euros emitidos pelos bancos centrais dos Estados Unidos e Europa. Acontece por outros desequilíbrios da economia brasileira, como o custo de capital, que abre possibilidades de inúmeras operações lucrativas para bancos e grandes empresas, sejam nacionais ou estrangeiras.

Se dinheiro tivesse carimbo e destino conhecido, seria mais fácil. O governo poderia estabelecer que se ele fosse especulativo não poderia entrar; se fosse para o setor produtivo poderia. Mas como definir um dinheiro captado por um banco comercial - como o fez o BB - para reduzir o custo de oferta de empréstimos no mercado brasileiro? Isso será mais dólares entrando no país, ajudando a apreciar a moeda brasileira, mas ao mesmo tempo alimenta o consumo que tem mantido a economia com algum crescimento no meio da crise externa.

Um dos principais problemas da política econômica brasileira hoje é como evitar a desvalorização do dólar, mas isso está fora da nossa jurisdição. Há inúmeros fatores que o Brasil não controla e que afetam o preço da moeda americana. Tudo o que se pode fazer tem sido feito, mas o dólar sobe e desce puxado ou empurrado por eventos sobre os quais o governo brasileiro não tem qualquer influência. Uma onda de pânico faz com que toda essa massa de liquidez que anda pelo mundo corra para títulos do Tesouro americano, e aí o dólar sobe abruptamente provocando desequilíbrios; uma onda de otimismo faz com que os capitais procurem outros mercados, diminua a aversão ao risco, como se diz no mercado, e isso faz o real se apreciar fortemente.

Além de impostos e outras barreiras normativas, o que mais o país pode fazer no curto prazo? De vez em quando as autoridades fazem declarações ameaçadoras do tipo: "não assistiremos impassíveis" ou "temos arsenal e o usaremos". Isso produz alguma pequena ondulação, para logo depois tudo voltar para a tendência indesejada. No "Financial Times" de sexta-feira, uma das matérias era sobre a decisão do Brasil de travar "uma guerra" contra a "guerra cambial". Mas a munição pode ser mais do mesmo protecionismo com que o Brasil enfrentou em sua história, recorrentemente, qualquer ameaça sobre a indústria.

As soluções são de mais longo prazo e conhecidas - aumentar a taxa de poupança, reduzir o custo Brasil, diminuir os juros de equilíbrio, derrubar o déficit. Tudo faz parte daquela lista de tarefas que o Brasil vem adiando.

Neste momento, o que acontece é que quando o mar de liquidez sobe o barquinho da moeda brasileira também sobe. Como o país teve de fato avanços o real se apreciaria mesmo, mas parte da alta é efeito da grande onda que se formou. E não podemos deter a onda. Surfá-la não será fácil. Os dilemas da política econômica hoje são complexos e o arsenal do governo é de armas obsoletas ou muito óbvias.

FONTE: O GLOBO

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