domingo, 1 de abril de 2012

Arsenal velho:: Míriam Leitão

Há dúvidas sobre as causas da valorização excessiva do real. As hipóteses são de que ela é resultado da ação dos bancos centrais dos países em que crise, que emitem dólares, euros e ienes; é consequência natural da valorização das commodities que o Brasil exporta; acontece pelo fato de o país ser hoje mais atraente ao capital estrangeiro; e, por fim, reflete a atração irresistível que o investidor sente pelos juros altos, no mundo de taxas negativas.

Qual é a melhor resposta? Todas as alternativas anteriores. O fenômeno definido pela presidente Dilma com a expressão "tsunami monetário" - os US$ 8,8 trilhões emitidos pelos bancos centrais dos Estados Unidos, Japão, Europa e Inglaterra - evidentemente altera os preços de todas as moedas. As dos países emissores perdem valor em relação as dos outros países. E não há como lutar contra um tsunami.

O Brasil também se beneficia de fenômenos virtuosos. De um lado, a melhora dos termos de troca, que inverte a situação em que o país se encontrava nos anos 1980. Atualmente, o que exportamos tem preço maior, e o que importamos caiu de preço. De outro lado, as reformas, mudanças, avanços do Brasil nas duas últimas décadas ajudaram o país a se tornar uma economia olhada com atenção por investidores dos mais variados setores, seja no mercado de ações, de investimento direto, nas áreas de serviço, indústria e agronegócio. Por fim, num mundo de juros zero, os nossos, mesmo cadentes e com IOF, tornam as aplicações lastreadas por títulos públicos uma boa oportunidade.

A primeira conclusão que se pode chegar é que o real continuará se valorizado por muitos e muitos anos. Sua desvalorização tem menos a ver com as ações dos formuladores de política econômica no Brasil e mais com a conjuntura internacional. Quando há momentos agudos de incerteza o dólar sobe e a moeda brasileira perde valor, como aconteceu no fim do ano passado por causa do agravamento da crise europeia.

A segunda conclusão é que o arsenal usado pelo Ministério da Fazenda não terá efeito sólido. A Fazenda quer desvalorizar a moeda brasileira e proteger a indústria da competição internacional. Por isso, toma medidas como: aumento do IOF sobre capital estrangeiro, redução de impostos de alguns setores industriais, elevação da alíquota contra produtos importados. A gigantesca renúncia fiscal, que o "Estadão" calculou em quase R$ 100 bilhões desde 2007, ou as medidas de proteção e benefício de setores escolhidos não têm tido o resultado desejado e têm criado numerosas distorções.

Seriam defensáveis se fossem medidas de curto prazo para atender emergências enquanto se pensa em mudanças mais estruturais, reformas mais permanentes. Mas o governo pensa apenas no imediato e não constrói o longo prazo. Como o país não está em crise, o mercado interno continua forte, o mercado de trabalho oferece emprego e o crédito se expande, a economia vai levando.

Os economistas Marcelo de Paiva Abreu, da PUC-Rio, e Armando Castelar, da FGV, sustentam que o diagnóstico do governo está errado. A indústria não está encolhendo, mas apenas crescendo relativamente menos do que outros setores. Marcelo lembra que a comparação que o governo gosta de fazer é com a indústria, como percentual do PIB, dos anos 1980. Naquela época, o Brasil era fechado, importava apenas 3% do PIB, ao contrário dos atuais 11%, tinha reserva de mercado e um arsenal protecionista fora de propósito.

Hoje, lembra Castelar, o governo começa a recriar aquela lógica através de concessões feitas aos setores que vão pedir socorro. É muito mais fácil, diz ele, pegar um avião e ir a Brasília pedir benefícios e barreiras contra o competidor do que se esforçar para aumentar sua competitividade.

Marcelo pondera que o governo tem adotado medidas contrárias às normas internacionais de comércio que se comprometeu a seguir na Organização Mundial do Comércio (OMC). O que é permitido, explica o professor, é elevação da tarifa de importação até o limite estabelecido na OMC. Mas é proibido pelas regras do comércio internacional elevar as alíquotas de impostos internos para produtos importados e não cobrá-los dos produzidos internamente. O Brasil pode, portanto, subir o imposto de importação, mas não pode cobrar IPI diferenciado.

Mas é o que o governo voltará a fazer nos próximos dias no seu pacote de benefício: escolher setores, criar impostos que só incidem sobre o produto importado, reduzir impostos para os que pegaram avião e foram a Brasília pedir ajuda.

Tudo o que precisa ser feito para elevar os fatores estruturais de competitividade tem sido adiado. São políticas de efeito demorado, mas em algum momento precisamos começar a adotar essas medidas que permitirão ao país continuar o seu processo de modernização iniciado após a estabilização.

O governo tem sido cada vez mais protecionista, alerta Marcelo de Paiva Abreu, e está recriando um modelo que já nos trouxe muitos prejuízos e atrasos. É preciso repensar a política econômica, antes que os "instintos animais" do empresariado, que a presidente Dilma diz estar invocando, repitam o que sempre fizeram com seus dentes afiados: morder parcelas cada vez mais carnudas do dinheiro público. Foi isso que transformou o Brasil no país fechado, inflacionado, com renda concentrada que a democracia herdou do governo militar.

FONTE: O GLOBO

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