sexta-feira, 20 de abril de 2012

As interventoras:: Vinicius Torres Freire

Perto das intervenções de Dilma, as de Cristina soam revolucionárias; mas é tudo tão errado assim?

Quem não gosta das "broncas", "irritações", das intervenções econômicas e de outras expansões típicas de Dilma Rousseff talvez fique menos agastado ao pensar em Cristina Kirchner ou, ainda mais alarmante para certos espíritos, ao considerar as manhas do kirchnerismo.

Os alarmados ("liberais") acham ruim que a presidente ralhe com os bancos em público e lhes dê um calor, na prática? Que na prática ameace intervenção na Bolsa de futuros de câmbio e diga que seu governo vai bater no dólar quando der na telha? Que ela crie estatais ou quase isso para fazer obras e serviços recusados por empresas privadas?

Se não conseguem dormir com um barulho desse (mas, enfim, dormem), teriam insônia fatal se vivessem sob o governo da presidente "hermana".

Não se trata de dizer que "ruim aqui, lá ainda pior". Embora a vida e as cabeças andem meio lerdas por aqui, enfim o Brasil vem andando num ritmo inédito em mais de 30 anos -ruim não é: é medíocre.

O caso dos vizinhos é mais radical. Vários setores da sociedade argentina tentam destruir o país pelo menos desde os anos de 1940 (e ainda não conseguiram), inclinação suicida que entrou em ritmo frenético nos anos de Carlos Menem (1989-99) e nos dois seguintes.

A Argentina era então amada pela finança global, pelo FMI e outros papagaios de fórmulas entre simplórias e idióticas de mercadismo.

Desde 2003, pelo menos, o país saiu da horrenda depressão que começara no colapso de 2001. Sim, cresce de modo destrambelhado, eternizando medidas que faziam sentido em emergências. Aplicam cada vez mais remendos que, mesmo para um observador simpático, não devem segurar as rachaduras do sistema por muito tempo.

O sistema político decerto entrou em colapso (pudera, depois de meio século de tumulto contínuo e do mandarinato menemista). Não se recuperou até hoje. A oposição é ainda mais escassa que no Brasil. O personalismo extremado, dramático e de estilo populista sobrevive forte e sacudido (num país, porém, mais instruído que o Brasil, afora no caso de ciência e tecnologia, em que os argentinos incompreensivelmente marcaram passo).

Isto posto e considerado, a Argentina ainda cresce velozmente. Se a prova do pudim está em comê-lo, os argentinos estão enchendo a barriga. Porém o kirchnerismo já começa francamente a se descabelar.

Confiscar a YPF tende a ser apenas contraproducente. De onde vai sair o dinheiro do investimento, que o Estado não tem? Vão reprivatizar a empresa? A fraude louca do índice de preços e a tolerância de uma inflação altíssima (25%) são um problema social, econômico e político muito sério. No mais, o governo intervém à larga e adoidado nos dinheiros do Banco Central e da Previdência; taxa irracionalmente exportadores; deprime os preços das prestadoras de serviços públicos a ponto de dar tiros no pé (apagões, falta de investimento no petróleo).

É uma crítica "liberal"? Tanto faz, mas não é bem assim. O que está em risco sério na Argentina é o prestígio da ideia de que é possível fazer uma política econômica autônoma, específica, preocupada com os problemas típicos e históricos do país, um programa que substitua o besteirol da aplicação mecânica de clichês mal pensados da teoria econômica, que é o mercadismo.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

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