domingo, 1 de abril de 2012

É a política, estúpido!

Essa é a nova resposta formulada por uma dupla de economistas dos Estados Unidos para uma velha questão: por que algumas nações prosperam e outras fracassam?

Juliano Machado

Existem duas cidades chamadas Nogales – uma no México e outra nos Estados Unidos. São vizinhas, estão localizadas no mesmo deserto, e suas populações compartilham vários hábitos, entre eles o gosto por pratos apimentados. Mas os habitantes de uma das Nogales levam uma vida bem diferente dos que vivem na outra. Eles têm um sistema público de saúde que funciona, trafegam com seus carros em vias asfaltadas e podem andar tranquilamente pelas ruas – a cidade não registra um só homicídio há quatro anos. Na outra Nogales, os hospitais são superlotados, há muitas ruas de terra, e o risco de sofrer com a violência é bem maior – foram 76 homicídios em 2011, ou 34 para cada 100 mil habitantes. Não é difícil imaginar qual delas é a mexicana e qual a americana. Mais complicado é explicar por que elas são tão diferentes, mesmo separadas apenas por uma cerca. O economista turco Daron Acemoglu, do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT, na sigla em inglês), e o americano James Robinson, da Universidade Harvard, usam o exemplo de Nogales para tentar responder a uma pergunta que mobilizou, ao longo dos séculos, vários pensadores: afinal, por que alguns países se tornam desenvolvidos e outros não avançam?

O escocês Adam Smith, pai do liberalismo econômico e autor do célebre A riqueza das nações (1776), disse que "pouco mais é preciso para um Estado prosperar do que paz, um sistema tributário simplificado e leis razoáveis". Smith só não explicou como alcançar esse "pouco mais". Antes dele, o francês Charles de Montesquieu, cujo livro O espírito das leis (1748) estabeleceu a divisão de um Estado em três Poderes – Executivo, Legislativo e Judiciário –, teorizou sobre o fracasso dos países de clima tropical: eles não se desenvolviam porque o calor deixava as pessoas indolentes, sem espírito de inovação. No século XX, o sociólogo alemão Max Weber, em seu Ética protestante e o espírito do capitalismo (1905), lançou a ideia de que os países de maioria protestante eram mais prósperos porque seus valores religiosos glorificavam o trabalho e a acumulação de riquezas (leia o quadro abaixo).

Os argumentos dessas teorias, porém, não conseguem contemplar o caso de Nogales. As duas cidades cresceram sob o mesmo clima escaldante do deserto de Sonora. Elas eram uma só até o meio do século XIX, quando os americanos tomaram essa parte do território do México. Mais de 40% da população da Nogales americana é formada por estrangeiros hispânicos e católicos. Culturalmente, é uma extensão do México. O que explica, então, o fato de a renda per capita ali ser de US$ 14.570 e do outro lado da cerca não passar de US$ 10 mil?

A contribuição de Acemoglu e Robinson para esse debate está em Why nations fail: the origins of power, prosperity and poverty (Por que as nações fracassam: as origens do poder, prosperidade e pobreza), lançado nos EUA, com previsão de chegada ao Brasil em agosto. O exemplo das cidades-irmãs, que abre o livro, busca mostrar que a razão da disparidade reside nas instituições pelas quais são governadas. E são elas, as instituições de cada nação, a chave para entender o que leva ao sucesso ou ao fracasso econômico.

Em 1993, o americano Douglass North ganhou o Prêmio Nobel de Economia por mostrar a importância das instituições para o sucesso de um país. A principal inovação do trabalho de Acemoglu e Robinson está no peso que eles conferem às instituições políticas no processo de desenvolvimento de uma nação. "North foca principalmente nas instituições econômicas, como o direito à propriedade e outros instrumentos que reduzem os custos das transações. Para nós, essas instituições desencadeiam o potencial bruto de uma nação, mas só funcionam com a sustentação política", disse Acemoglu a ÉPOCA.

A prosperidade de uma nação, portanto, não se dá por abundância de recursos naturais ou por valores éticos e religiosos em tese mais voltados à acumulação de riqueza. Para Acemoglu e Robinson, ela ocorre por contingências históricas que levam um país a fundar instituições políticas "inclusivas", que propiciam oportunidades ao maior número possível de pessoas e estimulam a inovação. É o caso dos EUA.

Quando os colonizadores ingleses chegaram ao território americano no século XVII, encontraram grupos dispersos de indígenas, sem uma estrutura hierárquica e de exploração de mão de obra. Bem diferente do que ocorreu na América espanhola, onde civilizações avançadas como os maias no México e os incas no Peru eram demograficamente bem concentradas e já haviam estabelecido o que Acemoglu e Robinson chamam de instituições "extrativas", em que uma elite política controlava o resto da população e era a única beneficiária das atividades produtivas. Os espanhóis basicamente dominaram os nativos e reproduziram seu sistema, sem nenhuma preocupação de dar direitos políticos ou incentivos econômicos aos colonizados. Os ingleses tentaram fazer o mesmo na América do Norte. Mas, como não conseguiram, foram obrigados a estimular seus colonizadores a começar do zero, sem privilégios a uma determinada classe. Aí estaria, dizem os pesquisadores, a razão para os EUA terem se tornado a maior potência econômica do mundo, enquanto os países latino-americanos, em sua maioria, permaneceram atolados no subdesenvolvimento.

Segundo Acemoglu e Robinson, um líder ou uma elite espoliadora não veem problemas em saquear o Estado se não houver um contrapeso institucional para seus abusos. O surgimento das instituições inclusivas só ocorre quando há uma "conjuntura crítica", que proporcione uma redistribuição de poder político e econômico. O livro cita o Brasil como um exemplo positivo de país que evoluiu para ter instituições mais inclusivas. Para os dois economistas, as greves de metalúrgicos no final dos anos 1970 foram determinantes por ter conduzido à formação de uma "ampla coalizão com o objetivo de recriar a democracia". Na sequência, a ditadura militar caiu, e o cenário político se abriu a ponto de permitir que um ex-operário pudesse se tornar presidente da República.

O grande desafio à tese das instituições políticas defendida por Acemoglu e Robinson está na China. Deng Xiaoping tirou o país do atraso econômico com suas reformas, mas manteve o monopólio do poder político nas mãos da cúpula do Partido Comunista. O país não parou de crescer, mesmo com instituições políticas extrativas. Para Acemoglu, isso não invalida sua tese. Ele diz que democracia não é garantia de sucesso econômico, mas estabelecer instituições mais transparentes é fundamental para sustentar a prosperidade. "A China pode até seguir crescendo pelos próximos dez, 15, até 20 anos, sem fundamentalmente criar inovação, apenas empreendendo altos investimentos e importando tecnologia. Mas, em algum momento, isso vai acabar”, afirma.

Ainda que bem fundamentados e elogiados por cinco detentores de Prêmio Nobel, Acemoglu e Robinson admitem que é impossível fazer projeções sobre quem vai prosperar ou fracassar, pela própria natureza da política. "Não podemos prever o futuro. O Brasil está no rumo correto. O poder político agora está muito mais bem distribuído, mas quem garante que não possa haver um processo de reversão por alguma contingência?", diz Acemoglu. Sua teoria é mais constatatória do que propositiva, uma vez que a mudança das instituições é, muitas vezes, resultado de algum rearranjo inesperado. Se não há resposta definitiva à pergunta, ao menos fica a esperança de que nenhum país está condenado a ser pobre – assim como o alerta de que nenhum país seguirá rico apenas por inércia.

FONTE: REVISTA ÉPOCA

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