O encerramento do mandato de Cezar Peluso à frente do Supremo Tribunal
Federal pode significar uma mudança positiva no rumo daquela Corte? É difícil
supor que subitamente o STF passe a agir de forma republicana, cumprindo suas
funções constitucionais. O clima interno é de beligerância. A cerimônia de
posse do presidente Ayres Britto sinalizou que o provincianismo continua em
voga. Foi, no mínimo, constrangedora a presença de Daniela Mercury cantando
(mal) o Hino Nacional. Mas pior, muito pior, foi o momento em que a cantora
recitou um poema do presidente recém-empossado, já chamado de ministro
pirilampo: "Não sou como camaleão que busca lençóis em plena luz do dia.
Sou como pirilampo que, na mais densa noite, se anuncia." Mas como tudo o
que é ruim pode piorar, o discurso de posse foi recheado de metáforas. Numa
delas disse algo difícil de supor que seria pronunciado naquele recinto (e mais
ainda por um presidente): "A silhueta da verdade só assenta em vestidos
transparentes."
O clima circense (os mais otimistas dirão: descontraído) da posse é uma
mostra de como as instituições republicanas estão desmoralizadas. Teremos uma
curta presidência Ayres Britto. Logo o ministro vai se aposentar. Pouco antes,
Cezar Peluso também vai seguir o mesmo caminho. A presidente Dilma Rousseff
dificilmente vai nomear dois ministros para preencher as vagas. Assim, teremos
um STF com 9 membros, paralisado, com milhares de processos para julgar. E,
para dar mais emoção, tendo na presidência Joaquim Barbosa. Ah, teremos um
segundo semestre inesquecível naquela Corte.
Peluso saiu da presidência atirando. Foi sincero. Demonstrou o que é:
autoritário, provinciano, conservador, corporativista e com uma questionável formação
jurídica. Fez Direito na Faculdade Católica de Santos. Depois teve na USP como
orientador Alfredo Buzaid, ministro da Justiça do presidente Médici. Não viu
nada de anormal. Devia comungar das ideias de Buzaid. Afinal, a tese foi feita
quando ele era ministro do governo mais repressivo da ditadura. Com a
redemocratização, Peluso buscou outras companhias. Acabou se aproximando dos
chamados setores progressistas. O poder tinha se deslocado e ele, também.
Na entrevista ao site Consultor Jurídico, disse que organizava reuniões
domésticas com os teólogos Leonardo Boff e Gustavo Gutierrez. Relatou que ficou
impressionado quando Gutierrez alertou sobre a importância do ato de comer na
Bíblia. Sim, leitor, o que chamou a atenção de Peluso, na Bíblia, foi a comida.
Sem nenhum pudor, disse que uma carta do cardeal Dom Paulo Evaristo Arns foi
determinante para sua escolha para o STF pelo ex-presidente Lula. Como se um
assunto de Estado fosse da esfera da religião, esquecendo que a Constituição (e
desde a primeira Carta republicana, a de 1891) separou a Igreja do Estado.
Atacou frontalmente a ministra Eliana Calmon, corregedora do CNJ. Afirmou
que sua atuação estava pautada pela mídia e pelo desejo de fazer carreira
política. E, mais, que não obteve nenhum resultado prático da sua ação. Fugiu à
verdade. Se não fosse a corajosa atuação da corregedora, por exemplo, não
ficaríamos sabendo dos fabulosos "ganhos eventuais" dos
desembargadores paulistas (Peluso incluso - teria recebido 700 mil reais).
Peluso foi descortês com os colegas do STF. Na votação sobre as atribuições
do CNJ, fez de tudo para ganhar a votação. Interrompeu votos, falou diversas
vezes defendendo seu ponto de vista e mesmo assim perdeu. Imputou a derrota à
ministra Rosa Weber, que teria dado o voto decisivo. Deixou no ar que ela votou
sem ter conhecimento pleno do processo. Nos ataques aos colegas, não poupou o
ministro Joaquim Barbosa. Insinuou que ele não gostava de trabalhar. Era
inseguro. Que frequentava bares. E que não tinha nenhuma doença nas costas. O
estereótipo sobre Barbosa é tão vil como aqueles produzidos logo após 13 de
maio de 1888.
Apontei em três artigos no GLOBO alguns problemas do STF ("Um poder de
costas para o país", "Triste Judiciário" e "Resta, leitor,
rir"). O mau funcionamento daquela Corte não deve ser atribuído somente
aos bate-bocas de botequim ou a alguma questão conjuntural. O STF padece de
problemas estruturais. Deveria ser um tribunal constitucional, mas não é. Virou
um tribunal de última instância. É lento, pesado. Tem de melhorar o desempenho
administrativo. E o problema, certamente, não é a escassez de funcionários. São
3 mil. Os ministros tiram muitas licenças. Tudo é motivo para a suspensão dos
trabalhos. E não é de hoje. A demora para a indicação de vagas abertas no tribunal
também é um complicador.
Tudo indica que a questão central para o bom funcionamento do STF é a forma
de como são designados os ministros. De acordo com a Constituição, a iniciativa
é do Executivo. O nome é encaminhado, também segundo o rito constitucional,
para o Senado. E lá deveria - deveria - ser sabatinado pelos senadores. São
dois problemas. Um é a escolha presidencial. Não tem se mostrado o melhor
método. Os nomes são questionáveis, as vinculações pessoais e partidárias são
evidentes. E o selecionado geralmente está muito abaixo do que seria aceitável
para uma Corte superior. Já a sabatina realizada pelos senadores não passa de
uma farsa. A última, da ministra Rosa Weber, foi, no mínimo, constrangedora. A
ministra mal conseguia articular uma frase com ponto final. Disse que estava
muito nervosa. Foi dado um intervalo para café. No retorno, infelizmente para
nós brasileiros, o desempenho da senhora Weber continuou o mesmo. Já passou da
hora de o STF tomar jeito.
Marco Antonio Villa é historiador.
FONTE: O GLOBO
Fantástico!Corajoso, mas levo fé em Ayres Brito.
ResponderExcluirComo bom Pirilampo iluminará o STF com luz fosforescente.
Jurandir da Glória