quinta-feira, 12 de abril de 2012

O plano de cargos e salários do PT:: Cristian Klein

Passada a tensão, é hora de tentar entender quais teriam sido as "causas técnicas" - ou melhor políticas - para a turbulência que chacoalhou, no mês passado, a relação entre a presidente Dilma Rousseff e sua base no Congresso Nacional.

As explicações proliferam: falta de zelo com a vaidade dos parlamentares; desequilíbrio na distribuição de cargos aos partidos aliados; retenção das emendas individuais; uso da máquina para favorecer o PT na eleição municipal; excesso de tecnocracia para preencher os postos de governo e o ressentimento acumulado de caciques expurgados pela "faxina ética" promovida pela presidente.

Tudo isso procede e faz sentido. Mas um novo fator vem se juntar agora ao complexo emaranhado: as dificuldades de Dilma teriam a ver com a existência de uma crise de carreiras políticas no PT.

Enquanto o ex-presidente Lula amalgamava os interesses e contemplava as ambições individuais dos principais "artífices da vitória" - a chegada ao poder federal em 2003 -, faltaria à Dilma exercer o papel de líder de um "projetão" coletivo de longo prazo do partido. É esta a tese de um dos dirigentes nacionais da legenda, para quem a grande habilidade de Lula foi a de ser uma espécie de capitão ou técnico do time, que sabia distribuir as camisas, sobretudo para os fundadores e o então chamado "núcleo duro" do governo.

"Esse pessoal pesava. E ele [Lula] dava um norte. Escalou o Palocci para a Fazenda, para o Chininha [o ex-ministro Luiz Gushiken] reservou um papel mais estratégico e assim por diante. Era um projeto coletivo para uma década. Isso agora está meio desmantelado", afirma este dirigente.

Dilma na Presidência teria levado à desfiguração do modelo original e gerado "uma decepção no PT do tamanho de um Amazonas". Com ações aparentemente ambíguas, num primeiro momento a presidente teria preterido uma ala da tendência majoritária do PT, a Construindo um Novo Brasil (CNB), representada pelo deputado federal Ricardo Berzoini, para agora afagá-la. Sem espaço no ministério no início do governo Dilma, Berzoini abriu uma dissidência na CNB e aliou-se ao ex-presidente da Câmara, Arlindo Chinaglia, da corrente Movimento PT. Em meio à crise recente, Dilma fortaleceu Chinaglia ao torná-lo o novo líder do governo na Casa.

Para o dirigente petista, a presidente de fato optou por um lado na luta de facções do partido. "Em política, o que parece é", assegura, afirmando que a coalizão Berzoini-Chinaglia teria sido o sintoma mais evidente da crise de carreiras.

O primeiro, diz, foi presidente do PT, ministro duas vezes. O segundo, dirigiu a Câmara dos Deputados. "O cara tem que crescer. E vai ser o que agora: prefeito da capital, governador?
Na próxima eleição para o Senado só há uma vaga e tem o [Eduardo] Suplicy para mais uma reeleição", diz o dirigente, lembrando que os expoentes partidários são pressionados pela base, formada por prefeitos e deputados estaduais que também querem subir. Se o líder estaciona, perde-se o poder de influência.

"No PT, há a visão de que a fila anda. Os delegados têm expectativa, a base quer que mude", explica. Reflexo desse clamor por renovação foi a aprovação no congresso do partido, no ano passado, de um limite para a reeleição a cargos proporcionais. A partir de 2014, petistas só poderão exercer dois mandatos seguidos como senador e três como deputado ou vereador.

Mais do que diferenças programáticas entre as tendências do PT, o que estaria em questão é a ambição política individual. "O Berzoini tem visão diferente do [Cândido] Vaccarezza [ex-líder do governo na Câmara]? Não...", diz.

A vantagem é que o PT tem boa margem de manobra para a solução de conflitos. No comando da imensa máquina federal, "há espaço para todo mundo". O dirigente lembra que a "grande maioria dos ministérios e dois terços dos cargos de segundo e terceiro escalão" pertencem ao PT. "Os aliados dizem que estamos tomando conta de tudo? É verdade!", constata o petista, ressalvando que, em muitos casos, no entanto, um secretário-executivo é do PT, mas "não é nosso", e sim fruto da vontade dos ministros e da presidente. Diferentemente de Lula, Dilma estabeleceu um recrutamento baseado mais na qualidade do currículo do que nas relações políticas do indicado.

Por outro lado, a presidente também introduziu um novo critério, o de gênero, que dificultaria os planos de ascensão de medalhões paulistas como Berzoini e Chinaglia. É mais uma dimensão a se levar em conta, além das duas já tradicionais: a partidária e a federativa. "Se [o pretendente] é do sexo masculino e de São Paulo, já tem um monte [no ministério]", afirma o petista.

Estes são exemplos de como o estilo Dilma de governar mexeu com o que um dia o cientista político americano Joseph Schlesinger chamou de estrutura de oportunidades. "O sistema político incapaz de fomentar as ambições por cargos corre tanto perigo de se quebrar quanto um sistema incapaz de restringir as ambições. (...) Os homens precisam ter suas ambições políticas tanto estimuladas como restringidas", escreveu Schlesinger, no livro "Ambition and Politics" (1966).

Instituições políticas são essenciais para regular esse fluxo, bem como a habilidade dos líderes políticos. Se Lula organizava o "projetão do PT", outro mestre nesta arte era o ex-governador da Bahia, Antônio Carlos Magalhães (ACM), como lembra o ex-deputado federal do PFL e hoje secretário-geral do PSD, Saulo Queiroz. "O ACM tinha um comportamento muito interessante. A fila realmente andava. Vários governadores, ministros, senadores e um bando de deputados competentes surgiram debaixo da asa dele", diz, citando figuras do carlismo como Paulo Souto, César Borges, Raimundo Mendes de Brito, Benito Gama e José Carlos Aleluia.

Para garantir sua hegemonia, contudo, ACM fazia um rodízio pelo qual os deputados, por exemplo, jamais cultivavam um reduto eleitoral por muito tempo. "É verdade. O dono da base era ele. O ACM tinha o comando total. Mas ele operava bem a escada [política]. Deu oportunidade a muitos", afirma Saulo, acrescentando que o mesmo não ocorre em São Paulo, onde nada cresce à sombra do domínio dos tucanos Geraldo Alckmin e José Serra.

FONTE: VALOR ECONÔMICO

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