quinta-feira, 19 de abril de 2012

Rumo à plataforma central:: César Felício

O tempo na Colômbia se mede à moda dos Estados Unidos: é comum encontrar cartazes de shows ou anúncios de jornal em que na data coloca-se primeiro o mês e em seguida o dia em que acontecerá o evento. Não há lugar na América do Sul mais influenciado por Washington.

É uma tradição que vem de longe: a Colômbia foi o único país latino-americano arrastado para a Guerra da Coreia, nos anos 50. O ex-presidente dos Estados Unidos Bill Clinton, que celebrou com o colombiano Andrés Pastrana em 2000 o plano que garantiu ao país o terceiro maior orçamento de ajuda americana no mundo, desfruta de vez em quando de uma confortável mansão em Cartagena de Indias, no litoral caribenho. Não há ecossistema mais favorável ao conservadorismo político.

Aristocrata no sentido pleno da palavra, o presidente Juan Manuel Santos é sobrinho-neto de um presidente, primo de um vice-presidente e integrante da família que controlava o maior grupo de mídia até 2007. Graduou-se na Universidade de Kansas e tem mestrado em Harvard. Foi chanceler, ministro da Defesa e do Comércio e presidente de uma instituição da ONU. Antes de eleito em 2010, nunca tinha ocupado cargo eletivo. Guardadas as proporções, é tão próximo aos setores populares como é no Brasil o ex-ministro Celso Lafer.

Colômbia se move da direita, com políticas sociais

Por isso mesmo a guinada que o "establishment" proporciona neste país surpreende. Ao se eleger, Santos era ministro de Defesa de Álvaro Uribe, um conservador exacerbado. Participou como ministro da gestão de políticas que sepultou como presidente. Um exemplo foi sua decisão de colocar em fogo morto o acordo militar que permitiria aos Estados Unidos usarem sete bases no país, normalizar as relações com o venezuelano Hugo Chávez e propor uma lei de restituição de terras a famílias atingidas pelos grupos de extermínio alimentados por grupos de extermínio e guerrilhas, terreno em que o narcotráfico transita dos dois lados.

Na Colômbia, a violência política constante foi o maior motor do processo de concentração fundiária. Começou na guerra entre liberais e conservadores que durou de 1948 a 1957. "Nasceram grande fazendas porque, durante a violência, os que tinham homens a seu comando, derramaram o sangue para comprar barato ou invadir a propriedade daqueles que fugiram, deixando para trás pais, filhos ou irmãos mortos na terra dos cafezais", narrou em 1975 o jornalista Germán Castro Caycedo, autor do livro "Colombia Amarga". Nos anos 80, liberais e conservadores foram substituídos por novos chacais.

As estimativas da população que seria beneficiada pela lei de reparação são disparatadas, mas o menor número citado é o de 500 mil famílias (cerca de 2,5 milhões de pessoas), nada inexpressivo para um país de 46 milhões de habitantes. É algo como 5% da população colombiana. Nos últimos 17 anos, a avaliação oficial é que camponeses foram forçados a apenas uma área de 8,5 milhões de hectares. Deste total, 60% estão nas mãos de bandos armados e 40% foram negociado por grileiros para novos proprietários que supostamente agiram com boa fé. Obviamente, a reforma agrária começará por esta fatia menor.

É uma nota de corte brutal em relação ao antecessor Álvaro Uribe, mas não se trata de revolução socialista nenhuma. O presidente colombiano pouco mudou a política de mercado aberto que caracteriza o país desde a década de 90, e que tem como uma de suas principais alavancas a mão de obra barata e a partir de agora, o acordo de livre comércio com os Estados Unidos. "É um oligarca com certa sensibilidade social, eleito por uma base política que rapidamente busca a sustentação em uma base mais ampla. Um processo que não ocorreu apenas na Colômbia", comenta Arlene Ticker, professor de Relações Internacionais da Universidade de Los Andes, em Bogotá.

Santos mantém o modelo econômico e desenvolve políticas sociais, isolando em uma ponta ao antecessor e na outra, à esquerda institucional. Cresce em meio ao vazio partidário. Ao ir para o centro, o presidente colombiano passou a ser o astro que atrai para sua órbita todo o sistema. "Os principais aliados de Uribe hoje estão encarcerados e acusados de corrupção e a esquerda se desmoralizou em função de uma série de escândalos à frente da prefeitura de Bogotá", diz Ticker.

Vindo de outra direção, o presidente colombiano parece fazer o mesmo movimento que o desenvolvido por Luiz Inácio Lula da Silva no Brasil em 2002. Também no Brasil, houve a eleição de um candidato originário de um polo ideológico claro que, uma vez eleito, realizou um movimento em direção a política opostas a que seu apoiadores iniciais sempre defenderam.

Uma das diferenças mais importantes entre um caso e o outro é o fato de que o movimento de Lula para o centro precedeu a eleição, na escolha de um empresário como candidato a vice e na assinatura de uma carta de compromisso com a continuidade econômica. Ao estruturar políticas sociais amplas, por um lado, e manter, ao menos em seu primeiro mandato, a alma da estratégia econômica de seu antecessor, Lula retirou estas vertentes de um espectro ideológico.

Subsiste uma oposição popular considerável ao petismo, que fez com que Lula e Dilma Rousseff não atingissem a maioria absoluta dos votos nas últimas três eleições presidenciais, mas este é descontentamento que não se traduz mais na representação política, etapa em que o DEM parece reverter do estado sólido para o gasoso e o universo etéreo de onde o PSOL nunca saiu.

O Brasil chegou ao centro de forma simultânea ao Uruguai do presidente José Mujica, o ex-tupamaro que preside sua nação no momento em que ela é promovida na classificação de risco das agências. Assessorado por petistas, o peruano Ollanta Humala ganhou a eleição em seu país no ano passado e também promove o mesmo movimento. O mesmo pode-se dizer, pela via da esquerda, em relação ao salvadorenho Mauricio Funes e pela direita, em relação ao guatemalteco Otto Pérez. A lista tende a aumentar.

FONTE: VALOR ECONÔMICO

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