sexta-feira, 6 de abril de 2012

Tolstoi às avessas? :: Monica Baumgarten de Bolle

O "Princípio de Anna Karenina", articulado numa das frases de abertura mais famosas da literatura universal, diz que "todas as famílias felizes são iguais, enquanto as infelizes o são ao seu próprio modo". Aplicado à indústria, esse princípio parece funcionar às avessas. Todas as indústrias felizes o são ao seu próprio modo, enquanto todas as indústrias infelizes são iguais...

Digamos que a "felicidade" da indústria seja medida pela sua participação no PIB do país de origem. A ideia reflete o raciocínio atual do governo brasileiro, a julgar pelas recentes declarações e medidas para proteger a indústria nacional da tal concorrência predatória alardeada pelo ministro Mantega. Indústria feliz, segundo o governo, é aquela que gera a maior parte dos empregos e da renda do País. É preciso, pois, cultivá-la, mesmo que para isso se introduzam impostos diferenciados para os produtos domésticos e os importados, uma prática no mínimo antipática. Também é necessário usar medidas emergenciais, como o alargamento das compras governamentais para priorizar a aquisição de bens e serviços nacionais, ainda que isso onere os cofres públicos e tenha efeitos indesejados sobre a inflação. Não faz mal. O que importa é ser feliz. Mas onde estão as indústrias mais felizes?

De acordo com a métrica proposta, a Coreia e a Alemanha são igualmente "felizes": ambas têm indústrias de mais de 30% do PIB. Já o Brasil e os EUA são menos felizes: suas indústrias correspondem a uns 20% do PIB (a participação da indústria de transformação no Brasil é ainda menor, uns 13%). Nesses dois países, a situação já foi muito diferente. Por aqui não faltam comparações com a década de 80, quando a indústria correspondia a pouco mais de 30% do PIB, como na Coreia e na Alemanha. Mas os saudosistas de plantão se esquecem de que esses foram anos de brutal desarranjo macroeconômico no País, além de a economia ser muito fechada, a indústria era pouco exposta à competição internacional.

Os EUA também tiveram lá o seu grau de felicidade industrial à Alemanha e Coreia no início do século 20. O vigoroso capitalismo industrial que impulsionou a economia, tornando-a uma das mais importantes do mundo, sobretudo depois das duas grandes guerras e da débâcle dos regimes comunistas, perdeu fôlego. Ao longo do tempo, foi cedendo um espaço cada vez maior à ascensão do capitalismo financeiro, o modelo de crescimento econômico baseado no crédito farto e desregulado que culminou na crise de 2008.

Há muito pouco em comum entre a redução da participação no PIB da indústria brasileira e da americana. Mas há uma semelhança importante entre os dois modelos de industrialização. Tanto lá quanto aqui se optou pela diversidade, pela ampla gama de produtos industriais, de aviões a calçados, de engenharia e mecânica a móveis e utensílios domésticos, da siderurgia a têxteis, de automóveis a tecnologia de informação. Evidentemente, não é possível ser competitivo em todos esses setores simultaneamente. Tome-se como exemplo a indústria automobilística americana, o grande símbolo da revolução industrial dos EUA, o país que inventou o Modelo T, carinhosamente conhecido como Tin Lizzie. Tin Lizzie não resistiu aos Hondas, Subarus, Daihatsus, Toyotas - mais baratos, mais econômicos, mais resistentes.

E a Alemanha e a Coreia? Bem, esses países concluíram não ser possível competir em pé de igualdade com o resto do mundo em todos os setores. Resolveram priorizar um modelo de industrialização baseado na capacidade de produzir um determinado bem a um custo unitário menor, o que os economistas chamam de vantagem comparativa. A Alemanha, e sua inigualável engenharia, concentrou-se na indústria de processamento. A Coreia direcionou seus esforços para a capacitação tecnológica, tornando-se um dos polos mais importantes de fabricação de eletrônicos no mundo. Foram igualmente felizes na especialização. Enquanto isso, continuamos aqui, a discutir a proteção à nossa indústria universal. Parece que continuaremos infelizes na nossa diversidade.

Economista, é professora da PUC-RJ e diretora do IEPE/CASA DAS GARÇAS

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

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