sexta-feira, 25 de maio de 2012

Áreas de sombra :: Rogério Furquim Werneck

Aos trancos e barrancos, o Brasil avança. A Lei de Acesso à Informação representa notável passo adiante, com implicações de grande importância para a gestão das finanças públicas e para os desafios de reforma fiscal que o país tem pela frente. Merece louvor a firmeza com que a presidente Dilma Rousseff, por meio de decreto assinado na semana passada, determinou que, em obediência à nova legislação aprovada em novembro, sejam divulgados, de forma individualizada, os salários de todos os servidores do Poder Executivo Federal. O exemplo dado pela presidente foi seguido pelos poderes Legislativo e Judiciário e deverá abrir caminho para que, aos poucos, a divulgação abranja salários dos funcionários dos estados e municípios.

É preciso agora assegurar que, no espírito da Lei de Acesso à Informação, a agenda da transparência continue a avançar, para que se possa lançar luz sobre outras áreas cruciais das finanças públicas que ainda permanecem envoltas em desinformação e, portanto, resguardadas de acompanhamento criterioso por parte do cidadão e da opinião pública. Há duas áreas de sombra que merecem tratamento prioritário.

Uma medida singela que, por si só, representaria enorme avanço, seria dar ao cidadão informações claras e precisas sobre a carga de tributos indiretos que incide sobre os bens e serviços que adquire. Em qualquer país minimamente civilizado - o que, no caso, inclui vários vizinhos sul-americanos - a nota emitida pela caixa registradora explicita de forma inequívoca a parcela da conta que corresponde à tributação. Já é tempo de se adotar prática similar no Brasil. Não é de hoje que propostas nesse sentido vêm sendo feitas. E há até um projeto de lei nessa linha pronto para ser posto em votação no plenário da Câmara. Se a opinião pública tiver consciência clara da importância crucial dessa medida, é difícil que a coalizão de interesses obscurantistas que ainda conspiram contra esse avanço possa resistir por muito tempo.

É também fundamental dar transparência ao gigantesco orçamento paralelo que o governo vem mantendo no BNDES, alimentado por transferências diretas do Tesouro, bancadas por emissão de dívida pública e feitas por fora do processo orçamentário, sem contabilização nas estatísticas de resultado primário e de dívida líquida. Desde 2008, o Tesouro emprestou quase R$ 300 bilhões ao BNDES. Acrescida dos novos empréstimos programados para este ano, tal cifra deverá alcançar algo próximo a R$ 330 bilhões, montante equivalente a pouco menos da metade da receita tributária com que o governo federal espera contar em 2012.

Tudo que se sabe é que são empréstimos de longo prazo, a taxas de juros pesadamente subsidiadas. O governo se recusa a revelar detalhes sobre as operações, alegando - pasmem - que estão protegidas por sigilo bancário. Pouco também se sabe sobre como e em que condições os recursos do Tesouro vêm sendo emprestados pelo BNDES em operações de longo prazo e a juros subsidiados, concentradas em grandes empresas e pautadas por controvertida política de escolha de "campeões nacionais".

Nas últimas semanas, na esteira dos desdobramentos da CPI do caso Cachoeira-Delta, ganhou destaque na mídia a desgastante aquisição da Delta Construções pela holding do grupo JBS-Friboi, numa operação que marca memorável entrelaçamento dos dois troncos principais do frondoso capitalismo de compadrio que, há anos, vem sendo nutrido pelo governo com fartos recursos do Tesouro. O que o governo alega é que o mundo é mesmo pequeno. E que, por incrível que possa parecer, foi mera obra do acaso o fato de a maior empreiteira do PAC ter sido resgatada às pressas, mas em boa hora, por "decisão privada de natureza empresarial", exatamente pelo grupo que mais recursos obteve do BNDES nos últimos anos.

Com algum esforço, o leitor pode até acreditar nesta história. Mas é difícil que seja a favor de que o faustoso e problemático orçamento paralelo que o governo montou no BNDES continue sendo uma área de sombra.

Rogério Furquim Werneck é economista

FONTE: O GLOBO

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