terça-feira, 29 de maio de 2012

Crise trimestral, crise secular:: Vinicius Torres Freire

Gritos de apocalipse ou de boas-novas escondem a natureza desta crise, que é uma transição dolorida

Pelo menos desde 2007, antes mesmo da explosão financeira de 2008, a biruta dos ânimos, de economistas, governos e "mercados" vira a cada três meses. Um trimestre separa cada temporada de alardes de apocalipse ou de renascimento.

Daqui a pouco, a mania muda. O medo das consequências do pandemônio grego baixa na medida em que os partidos gregos pró-euro sobem nas pesquisas sobre o voto de junho.

Ignora-se que a banca da Espanha esteja indo à breca. Para que não vá, o governo espanhol terá de estatizar parte dela. Ficará assim mais quebrado, pronto para estrelar a "crise" do próximo trimestre. Ou não, caso o BC Europeu doe mais dinheiro aos bancos, como o faz desde o final de 2011, evitando estatizações e empurrando a crise com a barriga por mais três meses.

Cinco anos de ciclos maníaco-depressivos talvez bastem para sugerir a pessoas sensatas que essa história é mais complexa do que contos de fada do ciclo econômico. Nessa fantasia, após peripécias angustiantes, a bruxa ou a madrasta da recessão enfim é punida (basta o príncipe fazer a coisa certa) e a economia volta a crescer como antes.

Não se trata de dizer que a crise não tem fim. Mas de perceber que a crise é outra, como os pensadores mais profundos dessa história já explicaram, alguns em livros escritos mesmo antes do tumulto.

Americanos e europeus viveram de excesso de crédito, em parte financiado por um excesso de dinheiro de fantasia criado pela oligarquia financeira mundial, história que começou lá nos 1990. No fundo, suas economias não eram capazes de crescer o bastante para pagar essa conta, a europeia em particular.

Por que não conseguiam crescer muito? Porque seus custos ficaram altos (benefícios sociais, salários), porque envelhecem, porque a distribuição de renda piorou (em especial nos EUA e no Reino Unido), porque, enfim, são economias maduras e civilizadas. O crescimento foi para China e cia.

O trabalho asiático abundante e barato foi um golpe em economias já algo esclerosadas. Além disso, a inclusão dos deserdados da Ásia na economia mundial vai tornar a transição euroamericana ainda mais difícil.

Americanos e em particular europeus terão não apenas de reduzir o bolo, mas reparti-lo de modo mais equânime em tempo de escassez maior. No fundo, trata-se de discutir quem vai pagar a conta do excesso de endividamento e de repensar o pacto social-democrático.

É disso que tratou a eleição grega. A francesa. Etc.

Isso leva tempo, talvez cause tumulto político. Cinco, seis anos (momento em que a China vai parar, segundo Kenneth Rogoff estimou em entrevista no domingo à Folha)? Até lá, a China será 20% maior que Alemanha, Reino Unido e França juntos (hoje é 20% menor). Disputará mais mercados sofisticados. Mas seus vizinhos ora pobres (Indonésia, Bangladesh, Vietnã etc.) podem ocupar o lugar chinês na manufatura mais primitiva.

O mundo euroamericano terá de pagar dívidas enormes, reformar suas economias e refazer o pacto social (como nós também!) em meio a essa transição brutal, a da inclusão asiática. Isso lembra não histórias de fadas, mas as que Marx contava.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

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