domingo, 27 de maio de 2012

Falsos remédios :: Suely Caldas

Há dias a presidente Dilma Rousseff prometeu fazer a reforma tributária com um novo modelo de ação: em vez de anunciar, vai executar; em vez de uma proposta global, medidas pontuais. Na gestão Lula o governo passou anos negociando com governadores e parlamentares, foi cortando aqui e ali, aceitou desfigurar e minguar a proposta inicial até ser reduzida à unificação do ICMS apenas. Ainda assim, desistiu de enviar a proposta ao Congresso, porque seria rejeitada no ato. Dilma cansou e vai seguir outro caminho. Deu como exemplo a tarifa de energia elétrica, que prometeu desonerar de impostos. Anunciou, mas até agora não executou.

Seu ministro da Fazenda parece ter entendido o recado assim: a reforma tributária precisa ser pontual, pragmática e flexível - desonera o imposto hoje e eleva a alíquota amanhã, ao sabor da conjuntura do momento. E a estrutura tributária segue intacta, inalterada. Se o pátio das montadoras está lotado de automóveis, corta-se o imposto, a indústria vende, desova os estoques e três meses depois volta o que era antes. Se há outros setores industriais estocados e com a produção em queda, que arranjem empresários e trabalhadores com força de pressão política em Brasília. Como tem a indústria automobilística.

A reforma tributária pode e deve ser fatiada, como quer a presidente. Ela não avançou nos governos FHC e Lula porque seguiu um ritual errado, de tentar negociar o conjunto, dando margem a barganhas políticas com um e outro tributo que a tornavam inócua ao final da negociação. Mas é absolutamente indispensável ela ser pensada no conjunto, reduzir não só a carga tributária, como também a quantidade de impostos, buscar a simplificação, facilitar a cobrança e a arrecadação e dificultar a sonegação.

Não dá para fazer reforma mantendo a mesma estrutura tributária, sem corrigir um sistema que se transformou num monstro justamente porque rombos momentâneos superaram a racionalidade fiscal desde os tempos da ditadura militar. Para falar mais claro, nos últimos 40 anos um imposto era criado sempre que o Orçamento federal abria um novo rombo, gerado por sucessivos governos que gastavam mais do que podiam. Assim nasceram o PIS-Cofins federal, as nove taxas embutidas nas contas de luz, a taxa de incêndio municipal e por aí vai. E o contribuinte segue pagando para sustentar governos cada vez mais caros. E a indústria segue perdendo, cada vez mais, poder de competição.

O estilo pragmático do governo Dilma é bem-vindo no momento certo e em situações adequadas. O problema é que a equipe econômica mistura alhos com bugalhos e confunde reforma tributária com desonerações temporárias. Em vez de aperfeiçoar a regulação para incentivar o investimento privado em infraestrutura, enche o caixa do BNDES com dinheiro subsidiado para financiar a produção dirigida ao consumo. O imediatismo esconde o problema real.

Dilma precisa ser assessorada por gente que pense mais longe, que enxergue os dilemas estruturais do País, os gargalos que freiam o crescimento, sufocam a produtividade e enfraquecem a competitividade da indústria. Isso não será resolvido com desoneração episódica e dirigida a só um setor industrial. Esse fôlego momentâneo não resolve e ainda deixa todo o resto da indústria padecendo dos males de sempre.

Com o novo pacote, instalou-se a discussão sobre se o modelo de crescimento via consumo está ou não esgotado, se dá ou não para recuperar um crescimento entre 3% e 4% este ano. O debate está fora de foco, até porque o real objetivo do pacote foi esvaziar os pátios das montadoras e evitar demissões de trabalhadores. Está longe de ser capaz de reverter o desaquecimento econômico. Mas é essa a agenda que o governo oferece.

Em conta-gotas de falsos remédios para retomar o crescimento, o governo Dilma abandona o eficaz e verdadeiro caminho: tocar as reformas, investir em infraestrutura e educação para o trabalhador, reduzir o custo de produzir no Brasil, elevar as taxas de poupança e investimento. E, sobretudo, o governo economizar dinheiro, racionalizar seus gastos e ampliar seus investimentos.

Suely Caldas, jornalista; é professora da PUC-Rio

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

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