quinta-feira, 17 de maio de 2012

Grécia, democracia e vampirismo:: Clóvis Rossi

Se a Europa tivesse aceitado o plebiscito, economizaria seis meses de muito sangue

A chanceler alemã Angela Merkel e o ex-presidente francês Nicolas Sarkozy deveriam telefonar hoje mesmo para George Papandreou e pedir desculpas por terem forçado a saída dele do governo grego no fim do ano passado.

Sumária recapitulação: Papandreou ameaçou tascar democracia no jogo da crise, na forma de um referendo para que o eleitorado grego decidisse se queria ou não o dinheiro europeu, acompanhado de rígida austeridade.

A sugestão surgiu quando os líderes do G20 começavam a se reunir em Cannes. Merkel e Sarkozy convocaram o então premiê grego ao agradável balneário francês para ouvir um pito em regra, sem nenhuma consideração pelo protocolo entre chefes de Estado ou pelos ralos cabelos brancos do colega.

Não restou alternativa a Papandreou a não ser renunciar. O que veio depois todo mundo sabe: um governo não eleito, comandado por um tecnocrata oriundo da banca e da burocracia internacional, a aceitação do pacotão europeu, o agravamento da crise, até a Grécia voltar exatamente ao ponto em que estava quando a Europa decapitou Papandreou.

Ou seja, de volta ao ponto em que tem que decidir se continua no jogo como está posto ou se sai do euro.

Se o plebiscito tivesse sido realizado seis meses atrás, haveria uma de duas hipóteses: ou os governantes gregos -legitimados pelo referendo- convenceriam os colegas europeus a dar pelo menos uma cenoura para que a sociedade grega aceitasse o imenso porrete a que está sendo submetida; ou preparar-se-ia a saída do euro de uma forma menos atabalhoada.

Economizar-se-iam seis meses de dor e sangue para os gregos e, de quebra, poupar-se-iam países como a Espanha de chegar ao limite da quebra.

Mariano Rajoy, o presidente do governo espanhol, apareceu ontem na TV aterrorizado e avisando que a Espanha está para ser cortada inteiramente do mercado de crédito, o que a obriga a viver só do que arrecada, o que é impraticável no curto e médio prazo.

Na Grécia, é pior: o presidente Karolos Papoulias contou aos líderes partidários com os quais vem se reunindo que, só na segunda-feira, fugiram dos bancos locais imponentes € 700 milhões, sem contar € 800 milhões em ordens de compra recebidas pela banca grega de títulos alemães.

Como, em março, os bancos gregos tinham em caixa meros € 165,36 bilhões, se esse vampirismo financeiro continuar no ritmo de segunda-feira, os fundos acabam em apenas oito meses e a banca quebra. O mais lógico é supor que, ante a instabilidade política, as retiradas só aumentem doravante -e a quebra virá antes.

Não quero dizer, como é óbvio, que o plebiscito teria resolvido todos os problemas e que os gregos, os espanhóis, todos os europeus seriam hoje felizes e assim ficariam para sempre. Claro que não há saída indolor para a crise.

Só quero dizer que, um, democracia é sempre melhor que a força -e há poucas coisas mais democráticas que referendos. Dois, que saudades dos grandes e visionários estadistas que construíram o sonho europeu, hoje um pesadelo.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

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