O sucesso da introdução e difusão dos medicamentos genéricos no Brasil pode ser avaliado a partir de alguns números simples: são 17 mil produtos registrados, que representam 25% do total das vendas no mercado farmacêutico; seu preço médio se situa 50% abaixo do dos remédios de marca, possibilitando uma economia acumulada, nos últimos 12 anos, de R$ 22 bilhões para a população brasileira.
O governo Itamar Franco chegou a emitir um decreto a respeito dos genéricos, dando destaque nas embalagens ao nome do princípio ativo dos remédios, em detrimento do nome de fantasia. Melhoral (lembram-se dele?), por exemplo, passaria a se chamar Ácido Acetilsalicílico, a Novalgina seria Dipirona. Antes disso, em 1991, o deputado Eduardo Jorge já havia apresentado projeto nessa linha, removendo o nome de fantasia. O objetivo era a redução do preço dos medicamentos, aumentando a concorrência e diminuindo o efeito da publicidade direta (quando permitida) ou da promoção de vendas por meio das amostras grátis. Mas o decreto não pegara e o projeto de lei ainda rolava no Congresso em 1998, quando assumi o Ministério da Saúde, no governo FHC.
O então vice-líder do governo na Câmara, deputado Ronaldo Cezar Coelho, sugeriu que déssemos prioridade ao assunto. Estudando o tema, concluímos que a remoção do nome fantasia, por si, não daria a um medicamento a condição de genérico, ao contrário do que muitos acreditavam. Isso só ocorreria se ele fosse idêntico ao produto de marca, totalmente intercambiável. Do contrário, os médicos e os hospitais o rejeitariam. Assumimos, então, a causa e preparamos um substitutivo completo, que navegaria no Congresso a bordo do projeto original. Isso seria facilitado por Eduardo Jorge, que fora um dos grandes incentivadores de minha ida para o ministério e cooperava com todas as boas políticas de saúde, independentemente de diferenças partidárias.
De acordo com o substitutivo, que virou lei, o genérico deveria passar por testes de bioequivalência e biodisponibilidade em relação ao produto de referência, tendo exatamente as mesmas eficácia, segurança, qualidade e efeito do medicamento original.
A possibilidade de implantar os genéricos no País dependia da criação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária, a Anvisa, cujo projeto também enviamos ao Congresso. Concebida a partir do modelo da FDA, dos EUA, ela deveria ser formada por diretores aprovados pelo Senado, técnicos e independentes. A ela caberia arrumar e revigorar todo o setor que (mal) cuidava da vigilância sanitária no Brasil.
Os testes de bioequivalência e biodisponibilidade custam caro e precisam ser muito bem feitos. Por isso a Anvisa patrocinou a criação de laboratórios especializados, em universidades e instituições públicas. Mais ainda: impôs práticas rigorosas de boa fabricação de genéricos.
A batalha mais visível pela implantação dos genéricos foi motivada pela resistência tanto de produtores de medicamentos "de referência" (os originais) como dos produtores de medicamentos que a lei denomina como "similares", cujos princípios ativos são os mesmo dos outros, mas não são submetidos aos exames de bioequivalência e biodisponibilidade. Não são intercambiáveis. A própria lei estabeleceu que os similares devem ser sempre identificados pelo nome comercial ou marca, não pelo princípio ativo, pois não são genéricos.
A oposição inicial dos produtores de similares não se deveu a questões de preço, pois eles podiam vender até mais barato, mas ao receio de que fatias do seu mercado fossem capturadas pelos genéricos, cuja qualidade é testada. De todo modo, foi precisamente da área dos similares que saíram os primeiros empresários dispostos a fabricar genéricos, cuja expansão fortaleceu notavelmente a presença de empresas nacionais na área farmacêutica.
Estudamos a fundo e aproveitamos a experiência da Inglaterra e dos EUA, onde os genéricos perfazem 60% do mercado. Atraímos investimentos de empresários da Índia e de Israel, os mais avançados nessa área. Fizemos campanhas educativas mostrando a vantagem da adoção desse tipo de medicamento. Até tarja amarela foi introduzida nas embalagens, para facilitar a identificação do produto pelos consumidores. A letra G foi-me sugerida por um passageiro anônimo durante um voo comercial para Brasília...
Em janeiro de 2000, eu disse em entrevista: "Muitas empresas resistem não só a produzir, como fizeram até campanha contra. Mas quem produzir primeiro vai ganhar mais dinheiro. A concorrência acabará prevalecendo e, pouco a pouco, o volume de genéricos aumentará. Em menos de cinco anos, poderá absorver entre 30% e 40% do mercado".
A previsão foi acertada, exceto quanto ao volume, pelo fato de que os genéricos perderam prioridade na política de saúde no Brasil a partir de 2003. A Anvisa foi loteada entre partidos e grupos. Até o atual governador de Brasília ganhou uma diretoria na agência, depois de ter perdido uma eleição em 2006. Nesse mesmo ano foi desfeita a equipe da agência que cuidava exclusivamente do licenciamento de genéricos. O tempo para aprovação de novos produtos foi esticado duas ou três vezes, chegando a até 18 meses, mesmo para os remédios cujas patentes expiraram e ainda não há outros genéricos no mercado. Há conjecturas de que hoje não existe o mesmo rigor na fiscalização das plantas. As campanhas do Ministério da Saúde de esclarecimento sobre os genéricos foram extintas. Isso facilita práticas ilegais de muitas farmácias, que substituem a prescrição pelo similar, e não pelo genérico.
De todo modo, graças ao próprio setor privado, os genéricos se firmaram. Avançariam muito mais se o governo passasse a praticar o que está sempre a predicar: dar prioridade efetiva ao acesso da população a medicamentos essenciais, começando por reprofissionalizar a Anvisa e retornar ao ativismo pró-genéricos, visando a duplicar sua participação no consumo nacional de remédios.
Ex-governador, ex-prefeito de São Paulo
FONTE: O ESTADO DE S. PAULO
Acho muito bem que o governo tenha um decreto onde os doutores devam receitar medicamentos genéricos como o propatilnitrato sempre e não esses de referencia que todos conhecem pelo laboratório.
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