terça-feira, 15 de maio de 2012

O clube do Nextel:: Merval Pereira

Um balanço dos depoimentos dos delegados das operações Vegas, Raul Alexandre Marques, e Monte Carlo, Matheus Mella Rodrigues, à CPMI do Cachoeira mostra para onde essas investigações podem ir, pois eles nada mais fizeram do que reproduzir o que está na íntegra dos inquéritos que comandaram.

O deputado Chico Alencar, que participa da comissão na qualidade de líder do PSOL, chama a atenção para um fato: existem nada menos que 60 números em série de aparelhos Nextel, relação que a Polícia Federal ficou de enviar à CPMI, assim como das pessoas que ligavam para esses números.

A verificação desses nomes é fundamental para se definir nível de vínculo com a organização, pois tais aparelhos, habilitados nos EUA e supostamente à prova de monitoramento e grampos, eram "exclusivos para a diretoria".

Usuários checavam habitualmente a "blindagem" das conversas sobre seus negócios escusos: "É seguro mesmo? Posso falar?"

Ainda está em análise, por peritos, material de "malotes" originário de 28 locais de busca, com cerca de 150 mídias: CDs, DVDs, pen drives, notebooks. Novos indícios, nomes e vínculos com a organização criminosa ainda podem surgir.

Pelo que a Polícia Federal descobriu, a organização criminosa de Cachoeira inicialmente explora jogos ilegais e, mediante propina, monta rede de proteção "oficial", envolvendo policiais civis, militares e federais, além de apoio político e busca de influência na Justiça.

A base inicial em Anápolis expandiu-se para Goiânia, Brasília e vários estados. Valparaíso e Águas Lindas eram chamadas pela organização e usuários de "Las Vegas do entorno".

Detectada, na investigação, prática dos crimes de corrupção ativa e passiva, peculato, contrabando, evasão de divisas, sonegação fiscal, violação de sigilo funcional, formação de quadrilha.

Entre autoridades públicas vinculadas à organização, segundo os delegados, são corriqueiros o tráfico de influência e a exploração de prestígio.

O faturamento bruto médio por casa de jogos era de R$ 1,2 milhão por mês, montante que no fim de ano subia para R$ 3 milhões. O Capo Cachoeira fica com 30% do lucro (assim como famiglia Quiroga, do "entorno").
A Polícia Federal identificou que, em parceria com a empreiteira Delta Construções, se promoveu um projeto de diversificação de atividades.

O dinheiro das atividades ilegais era depositado em contas-correntes de empresas em nome de laranjas: J.R. Construções, Alberto e Pantoja e Brava Construções. Com todo mês uma nova empresa de fachada sendo aberta: empresa laranja no Uruguai; Souza Ramos Corporation nas Ilhas Britânicas. É necessária investigação detalhada sobre cada uma delas.

Cachoeira tirou seu nome do quadro societário das empresas, só ficando com uma. Sua declaração de Imposto de Renda, em vista dos seus multinegócios "empresariais" e dos recursos de que dispunha e ostentava, é pífia.

Mas a disparidade entre a declaração e os gastos não é considerada crime, o que deve mudar na reforma do Código Penal.

A empreiteira Delta fazia depósitos sistemáticos e frequentes nas contas das empresas de laranjas da organização criminosa. O diretor de Goiás da empreiteira, Cláudio Abreu, que está preso, tinha conversas diárias e diversas com Cachoeira: "eram sócios em tudo".

Para a Polícia Federal, a tese de que Abreu fazia negócios sem conhecimento da direção da Delta é impossível. Há indícios de que ele reportava-se a seus colegas da direção da empresa, entre eles, Fernando Cavendish, envolvendo-a diretamente nos negócios da organização. Delta e Cachoeira aparecem nas investigações entrelaçados, em parceria societária oculta crescente.

Os contatos e referências da organização criminosa envolveram empresários, jornalistas ("setor" de comunicação era importante para ela) e agentes públicos de níveis municipal, estadual e federal, como secretários, prefeitos, vereadores, deputados estaduais, distritais, federais, ministros (também de tribunais superiores), funcionários de agências reguladoras e assessores. Eram as "pessoas politicamente expostas".

Inequivocamente, a autoridade pública mais íntima da organização era o senador Demóstenes Torres. "Ao angariar contratos para Delta no Centro-Oeste e em outras áreas do país, ele tornava-se sócio oculto da empresa", informa a Polícia Federal.

"Colocava-se sempre à disposição para usar sua influência política, em todas as esferas de poder, em favor dos negócios da organização". Cachoeira tinha grande articulação política, "suprapartidária", procurava influenciar vários detentores de mandatos.

Também se movimentava no campo eleitoral, discutindo candidaturas, sugerindo nomes e tratativas entre potenciais candidatos, em especial com o senador Demóstenes Torres.

Os vínculos políticos e a proteção policial mediante suborno davam a Cachoeira a sensação de intocabilidade: "Todo mês falam que estão me investigando, vão me pegar... e nada acontece", comentava no telefone Nextel supostamente inviolável.

Até aqui, o governo de Goiás, do tucano Marconi Perillo, foi aquele sobre o qual a organização criminosa mais ampliou seus tentáculos, podendo se falar mesmo, segundo a Polícia Federal, de um "governo paralelo": até o corregedor da Secretaria de Segurança Pública era do esquema.

A Organização tinha "cota" de indicações políticas no governo. O governador Marconi Perillo, citado 237 vezes em conversas, teve encontros diretos com Cachoeira, tratava-o amistosamente e vendeu sua casa para o próprio, recebendo cheques assinados por Leonardo Ramos, sobrinho do capo
.
As investigações mostram também intensas gestões para negócios com o governo do Distrito Federal, através de busca de contratos, legalização de terras (Ibran, Terracap, Incra) e outros "serviços".

Não foi detectado, até aqui, qualquer diálogo do governador petista Agnelo Queiroz com Cachoeira, mas há, porém, gestões de intermediários para que Agnelo e Cachoeira se encontrassem e indícios de que os encontros podem ter ocorrido, mas não havia autorização para investigação e eventual registro.

FONTE: O GLOBO

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