sexta-feira, 4 de maio de 2012

Poupança renderá menos para os juros caírem mais

O governo anunciou ontem uma mudança ousada nas cadernetas de poupança, que reduzirá o rendimento para quem fizer novos depósitos já a partir de hoje. A medida, no entanto, é considerada indispensável para abrir caminho para uma queda maior da taxa básica de juros no país, hoje em 9% ao ano. Pelas novas regras, quando a taxa básica (Selic) ficar igual ou menor do que 8,5%, a poupança terá rendimento equivalente a 70% da Selic mais a Referencial (TR). Na prática, um depósito de R$ 10 mil, pelas regras atuais, renderia R$ 616,78 ao fim de um ano. Com a nova regra e Selic a 8,5%, esse mesmo depósito renderia R$ 582,91. Para angariar apoio político para a cruzada pela redução dos juros, a presidente Dilma Rousseff reuniu-se ontem com políticos, empresários e centrais sindicais. A oposição criticou

Uma nova poupança

Para prosseguir com corte de juros, Dilma muda remuneração da caderneta a partir de hoje

Martha Beck, Vivian Oswald, Gabriela Valente e Luiza Damé

O DILEMA DOS JUROS

O governo retirou ontem o último obstáculo para que o Banco Central (BC) dê prosseguimento à redução dos juros básicos da economia, a taxa Selic, hoje em 9% ao ano. Numa medida ousada, a presidente Dilma Rousseff apresentou a líderes políticos, centrais sindicais e representantes do setor produtivo as novas regras de rendimento da caderneta de poupança, que entram em vigor hoje. Os depósitos realizados pelos poupadores a partir de hoje passarão a ter um rendimento menor do que o atual sempre que a taxa Selic ficar igual ou abaixo de 8,5% ao ano. Nesse caso, a remuneração da poupança será de 70% da Selic, mais a Taxa Referencial (TR). Para os depósitos feitos até ontem, nada muda. Continuam sujeitos à remuneração de 6% ao ano mais TR.

Na cruzada contra os juros altos, a presidente Dilma resolveu mexer, em pleno ano eleitoral, no principal instrumento utilizado pela população de baixa renda para guardar seu dinheiro, decisão que vinha sendo adiada desde 2009, quando o mesmo foi tentado, sem sucesso, pelo governo Lula.

Agora, o governo deixou muito claro que novas mudanças estão sendo estudadas para reduzir os custos financeiros no país. A presidente tem adotado uma postura agressiva nas críticas ao sistema financeiro e em defesa de taxas de juros que os bancos cobram compatíveis com os países do primeiro mundo. Durante as três reuniões de ontem - com políticos, sindicalistas e políticos -, Dilma abriu a apresentação sobre a alteração na caderneta reconhecendo os riscos da decisão.

- Sei que estou tomando uma medida ousada, mas ela tem que ser tomada - disse a presidente.

A presidente chamou os principais setores da economia para apresentar as mudanças, buscando apoio político para a medida impopular. Durante as reuniões, Dilma não enfrentou fortes resistências à proposta do governo. Até o presidente do Bradesco, Luiz Carlos Trabuco, ofereceu apoio para ajudar a sociedade a entender as alterações. Tanto empresários quanto sindicalistas reconheceram que a medida é positiva e necessária para permitir a redução dos juros.

Eles ouviram da presidente que a poupança precisava ter um rendimento menor ou começaria a atrair as aplicações feitas hoje em fundos de investimento. Isso causaria um desequilíbrio que poderia resultar num aumento de juros, já que os títulos públicos que compõem os fundos teriam de pagar taxas mais altas de retorno para o investidor, o que aumentaria a dívida pública.

- É uma medida corajosa, porque mexer na poupança, à primeira vista, pode parecer impopular, mas acho que quem vai sair ganhando é o trabalhador brasileiro, que continuará tendo segurança para investir na poupança - disse o presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Robson Andrade,

"Sem semelhança" com confisco

Segundo o presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Paulo Skaf, as regras da poupança são de 1991 e refletiam uma realidade inflacionária e de juros elevados deste período:

- A medida é positiva. Não mudou o essencial, a segurança da poupança, a proteção contra a inflação e ainda um ganho real.

As duas principais centrais sindicais - CUT e Força Sindical - saíram da reunião com a presidente Dilma Rousseff satisfeitas com as novas regras para a poupança, mas não gostaram do fato de a presidente ter empurrado para depois as discussões sobre a redução do Imposto de Renda sobre participação dos trabalhadores nos lucros das empresas, demanda negociada há meses.

- Tentamos discutir (o IR) com a presidente, mas ela não quis discutir isso hoje - disse o presidente da Força Sindical, Paulo Pereira da Silva., destacando que as centrais não vão condicionar o apoio à proposta às reivindicações do movimento sindical.

Já o ministro da Fazenda, Guido Mantega, desconversou ao ser perguntado sobre os riscos políticos da medida.

- O governo tem fazer as reformas necessárias. Nos pautamos pelo interesse da população brasileira, que quer emprego e juros mais baixos - disse, ao explicar as mudanças na caderneta.

Mantega fez questão de ressaltar, entretanto, que a medida nada tem a ver com o confisco realizado, em 1990, durante o governo Collor:

- Não vejo a menor semelhança. Garantimos todos os direitos.

Mantega: caminho livre para juro menor

A decisão de fixar os novos rendimentos em 70% da Selic, segundo o ministro, ocorreu com base na média histórica da poupança como proporção da Selic nos últimos 10 anos. Pelas novas regras, os depósitos realizados a partir de hoje voltam ao modelo antigo caso o BC precise subir os juros acima de 8,5% ao ano. Ou seja, o cliente terá sempre o menor rendimento. Mesmo assim, Mantega insistiu reiteradas vezes que "a caderneta continuará sendo a melhor opção de poupança para maior parte da população do país".

- As mudanças são mínimas e não afetam os interesses e benefícios dos correntistas. Não há rompimento de contrato, usurpação da renda, nem prejuízos - destacou o ministro.

O texto da MP prevê um benefício para o poupador que já tinha recursos aplicados até ontem. Sempre que for sacar dinheiro da poupança, o banco será obrigado a levantar primeiro os recursos da aplicação que tiver o pior rendimento. O ministro disse que os bancos não terão dificuldade em operacionalizar as mudanças.

- O banco vai ter de prestar contas para o aplicador dos saldos. É como se você, na sua própria conta bancária, fizesse duas aplicações diferentes. Não tem dificuldade para os bancos - afirmou.

Durante a longa explicação das novas regras no Palácio do Planalto, Mantega afirmou que a mudança era fundamental para que os juros continuassem caindo:

- Não queremos ser responsáveis pela Selic não cair por causa da poupança. Temos que deixar o caminho livre para que a mudança ocorra. E, se as condições forem favoráveis, o BC poderá baixar os juros ainda mais.

Sobre uma possível redução da Selic, Mantega disse que isso é assunto que deve ser tratado pelo Banco Central.

- Não tenho a menor ideia do que vai acontecer com a Selic. Se vai baixar ou não, essa não é uma pauta minha. Mas acredito que, pelo cenário da economia brasileira, temos de deixar pronto o sistema para que, se puder, caia a taxa.

Em nota publicada após o anúncio, o presidente do BC, Alexandre Tombini, afirmou que a decisão do governo é um passo fundamental na direção de remover resquícios herdados do período de inflação alta. "Ao tempo em que preserva integralmente os depósitos já feitos, a medida adapta a caderneta de poupança ao novo cenário brasileiro e com isso consolida as bases para o crescimento econômico sustentável", afirmou na nota.

FONTE: O GLOBO

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