sexta-feira, 4 de maio de 2012

Poupança: simplesmente complexa:: Vinícius Torres Freire

Mudança na remuneração da caderneta parece complexa, mas normas evitarão novos problemas

Mesmo antes de o governo divulgar a mudança da remuneração da poupança, dizia-se que as novas normas eram "complexas". Uhm. Pode ser, se lhe parece.

Pode parecer difícil para milhões de brasileiros que mal sabem ler, que mal sabem aritmética, que não têm acesso a jornais e outros meios de informação por falta de dinheiro ou capacidade de digestão cultural.

Ou a mudança pode parecer complexa para quem não tem interesse em pensar no que fazer do seu dinheiro poupado.

Ou pode parecer assustadora para quem não quer pensar na remuneração real das cadernetas, mesmo quando a poupança perdeu dinheiro, em anos de inflação alta.

De mais imediato, o governo precisava remover um empecilho para a redução da taxa básica de juros do país, que eram os juros tabelados da poupança. Ressalte-se o "de imediato". Os juros da poupança fazem parte de problema maior, o da reforma geral do sistema brasileiro de financiamento habitacional.

Lembre-se de que 65% do dinheiro depositado na poupança deve ter de financiar imóveis, via Sistema Financeiro de Habitação.

Novas contas e novos depósitos na poupança renderão 70% da Selic quando esta taxa básica da economia ("decidida" pelo BC) cair a 8,5% ao ano ou menos.

Por que não 70% de qualquer Selic? Imagine-se que a Selic suba. Também subiria, pois, o custo do financiamento imobiliário do SFH (os bancos não poderiam cobrar menos do que o seu custo de captação, que é o da remuneração da poupança).

Com taxas amplamente variáveis de remuneração para a poupança, haveria mais problemas de descasamento de taxas nos bancos (entre as que recebem pelos empréstimos e as que pagam para levantar dinheiro). Os juros da casa própria (no SFH) subiriam ou talvez o financiamento devesse ser concedido a taxas variáveis, um risco horrível para assalariados.
Em suma, a remuneração da poupança não é um problema simples. Tem a ver com o assunto mais amplo das taxas tabeladas de juros e lembra o esgotamento dos sistemas de financiamento habitacional.

Hoje, imóveis são financiados com subsídios do governo e pelo FGTS (habitações sociais), pelo SFH (dinheiro da poupança) e do mercado de taxas livres. Um desses fundos (governo e FGTS) é limitado, outro está acabando, pois o ritmo da demanda de crédito supera o dos fundos disponíveis (caso das cadernetas, do SFH), e outro sofre com a pequenez geral da poupança e do mercado de crédito.

A baixa geral da taxa básica de juros, a Selic, e, pois, das remunerações das aplicações financeiras mais seguras (fundos de renda fixa com papéis do governo), pode levar investidores a procurar mais rentabilidade (com mais risco), como aplicações em papéis privados, de empresas ou mesmo de fundos de investimento imobiliário.

O crédito imobiliário livre e privado poderia, assim, se expandir. Mas, no ainda pobre Brasil, com poupança escassa, essa é uma solução para o futuro. Que começa a chegar com decisões como essa da poupança e com possíveis quedas adicionais da Selic. Apenas começa. O caso da poupança, que financia o SFH, mostra como precisamos de muita mudança institucional ("reformas") para destravar a economia do país.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

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