domingo, 17 de junho de 2012

BNDES libera mais recursos que Bird e BID

Criticado por seu gigantismo e pela estratégia de eleger "campeões setoriais", o BNDES, que completa 60 anos esta semana, desembolsa mais que o dobro dos financiamentos do Banco Mundial e do BID.

BNDES na encruzilhada da ‘melhor idade’

Aos 60 anos, banco deverá dar espaço à iniciativa privada no crédito de longo prazo. Desembolsos superam os de Bird e BID

Marcio Beck, Danilo Fariello

RIO e BRASÍLIA. Prestes a completar 60 anos, o BNDES faz parte da elite dos órgãos de fomento nacionais de 61 países. O BNDES desembolsa anualmente mais financiamentos do que as principais instituições internacionais de fomento da economia, o Banco Mundial (Bird) e o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). Sua estratégia de apoiar operações de grandes empresas, elegendo "campeões setoriais" e tornando-se sócio de algumas por meio do BNDESPar divide economistas, que são unânimes, no entanto, em afirmar que a queda dos juros, se sustentada, abrirá espaço para que o mercado privado participe mais ativamente do crédito nesse setor.

Apenas 5% das 90 instituições listadas pelo Bird na Pesquisa Global de Bancos de Desenvolvimento, realizada entre janeiro e junho de 2011, são consideradas "megabancos", com carteira de projetos acima de US$ 100 bilhões: o BNDES é uma delas, com estoque R$ 427 bilhões de financiamentos.

Completam a lista o Banco de Desenvolvimento da China e os alemães Banco da Renânia do Norte-Vestfália e o Instituto de Crédito para Reconstrução (KfW, na sigla em alemão).

Em 2010, os desembolsos de Bird e BID foram, respectivamente, de US$ 26,7 bilhões e US$ 10,3 bilhões — que, à taxa média de conversão do período, somam R$ 63 bilhões (US$ 37 bilhões).

Naquele ano, o BNDES forneceu R$ 168 bilhões em empréstimos.

No ano passado, foram R$ 138,9 bilhões, concentrados nas empresas de grande porte (64,1%).

Investimento não segue o desembolso, diz economista

Professor do Ibre-FGV, Maurício Canêdo afirma que o BNDES está deslocando o crédito que poderia ser fornecido pelo mercado privado.

— Os aportes do BNDES aumentaram significativamente nos últimos anos, mas a taxa de investimento praticamente não se mexe. Ou seja, são investimentos que seriam feitos de qualquer maneira, mas, com o banco público, saem mais baratos. Isso gera um grande esforço fiscal.

Ex-presidente do banco, Demian Fiocca contesta os argumentos de Canêdo: — Fazer um financiamento de oito anos para um projeto de capital intensivo a juros de 10% ao ano não seria sustentável — exemplifica. — O aumento da oferta de crédito privado de longo prazo que pode ocorrer com a redução da Selic tende a reduzir a pressão para que o BNDES atue nessa área quase sozinho.

Definindo-se como "radical", o ex-presidente do banco Edmar Bacha diz que o BNDES deveria ter "participação zero" em aquisições e fusões e na "escolha de campeões" setoriais, além de se desfazer de toda a carteira da BNDESPar, que não se justifica atualmente devido ao volume do mercado de ações brasileiro: — Governo ser sócio de empresa é algo que não dá certo, gera conflitos de interesses. A possibilidade de o banco participar do capital se justificava quando havia menos recursos no mercado de ações. É preciso preparar grandes grupos para a competição internacional, mas o BNDES não tem que fortalecer monopólios nem criar outros.

Dar "dimensão internacional" aos grandes grupos é uma das principais tarefas do banco, diz o economista Carlos Lessa, que presidiu a instituição no início do governo Lula, mas o banco precisa estimular formas de organização do mercado, como os Arranjos Produtivos Locais (APLs). Para Bacha, o banco querer fazer "um pouco de tudo" atrapalha: — O BNDES tem que fazer menos coisas, e mais importantes.

Temos uma deficiência extraordinária em saneamento, e o BNDES poderia usar seus recursos e expertise nesta área — diz ele, que defende o foco em infraestrutura e inovação.

Para Antonio Corrêa de Lacerda, economista da PUC-SP, ainda que sejam favorecidas poucas empresas ou setores, há efeitos multiplicadores que ampliam os benefícios: — É um dos poucos instrumentos de financiamento de longo prazo do país e, desde 2008, tem cumprido um papel relevante para executar políticas anticíclicas diante da crise externa.

Aportes do Tesouro custaram R$ 19,2 bilhões

Mansueto Almeida, economista do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), afirma que é relevante o custo das operações do Tesouro Nacional para repassar recursos ao BNDES que serão entregues a juro mais baixo. Esse diferencial de juros, informou o governo ao Tribunal de Contas da União (TCU), custou R$ 19,2 bilhões em 2011 aos cofres públicos.

— É um custo alto e não há limite para esse endividamento da União, enquanto para se elevar um gasto orçamentário é necessário indicar a fonte de receita — disse Almeida. — É muito mais fácil construir o trembala com dinheiro do BNDES hoje do que aumentar os gastos com saúde ou educação.

Uma decisão com dinheiro público deveria considerar o interesse público de forma mais transparente, diz o economista Amir Khair, da FGVSP, lembrando que boa parte do orçamento do BNDES provém do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT): — Não vejo sentido em o BNDES financiar multinacionais, mas é mais fácil aprovar empréstimo para uma empresa grande.

Em 2011, grandes empresas receberam 64% do crédito do BNDES.

O BNDES pode estar prestes a entrar em uma nova fase, em que a redução entre as taxas de juros de curto e longo prazos no Brasil pode fazer deslanchar a participação privada no financiamento da infraestrutura e da indústria.

Hoje a Selic, parâmetro de curto prazo, está em 8,5% ao ano, e a Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP), cobrada pelo BNDES, em 6% ao ano. Essa diferença de 2,5 pontos é a menor que já existiu.

— É um processo, mas a médio e longo prazos. O nosso prognóstico é que o BNDES vai poder sair dessa estrutura em que a participação privada é pequena (no crédito de longo prazo), deixando essa posição demasiada do banco, que ficaria com um tamanho menor, mas atuando ainda como indutor do crescimento — prevê Arno Augustin, secretário do Tesouro Nacional.

FONTE: O GLOBO

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