segunda-feira, 4 de junho de 2012

Como perder:: Ricardo Noblat

"Eu não vou permitir que um tucano volte à Presidência do Brasil." (Lula)

Pegue um prefeito de capital candidato à reeleição, líder das pesquisas de intenção de voto, mas com popularidade modesta. Faça-o disputar uma prévia com um candidato apoiado por três dos quatro deputados federais do seu partido, quatro dos cinco estaduais, o único senador do partido, o governador do estado e um ex-presidente da República.

Uma vez que espantosamente ele ganhe a prévia, arranje uma desculpa para anulá-la. Então marque outra. E, na véspera da nova prévia, faça com que o adversário dele renuncie à disputa. Despache emissários para convencer o prefeito a abdicar da reeleição e a apoiar um terceiro nome. Ameace expulsá-lo do partido. Por fim, convoque-o para uma reunião em outro estado.

Qual será o desfecho dessa história? Não sei. Ela teve início no Recife há dois meses. Poderá amanhã em São Paulo ganhar um ponto final. O prefeito atende pelo nome de João da Costa. É do PT. Seu adversário na prévia anulada foi o deputado federal Maurício Rands. O destino de João está nas mãos da Executiva Nacional do PT. Menos...

O destino de João também está nas mãos dele mesmo. Pesquisas aplicadas nos últimos dez dias para consumo interno de vários partidos registram o crescimento de sua candidatura. Eleitores que nunca votaram no PT começam a admitir que possam fazê-lo. A cidade com fama de rebelde está inquieta. Detesta que decidam por ela. Se João bater o pé e resistir...

A memória política do Recife não registra episódio semelhante. Durante dois meses, o prefeito da cidade foi achincalhado pelos principais líderes do seu próprio partido. Os líderes dos outros partidos ouviram satisfeitos. Acusaram-no até de ser ladrão. Ao fim e ao cabo, nada do que se disse contra ele restou provado. O que explica então tamanha manifestação de fúria?

Ambição política, ora. Existe combustível mais poderoso? Ambição da parte de vários atores. A começar por outro João que mandou no Recife durante oito anos e indicou João da Costa para suceder a ele. João Paulo, deputado federal, patrocinou a candidatura de João da Costa contra a vontade de Lula e da tendência Construindo um Novo Brasil (CNB), majoritária dentro do PT.

João da Costa havia sido Secretário de Planejamento do governo João Paulo. Era um técnico antes de tudo. Assim como Dilma, jamais enfrentara uma eleição. Ganhou com o slogan "João é João". Os dois Joões brigaram menos de um ano depois da vitória de Costa. A porta do inferno abriu-se para o atual prefeito quando João Paulo anunciou que desejava suceder a ele.

O governador Eduardo Campos (PSB) ambiciona escolher quem irá suceder a ele daqui a dois anos. João Paulo é o nome do PT com mais larga aceitação no estado. Caso voltasse a ser prefeito, nada mais natural que aspirasse à vaga de Eduardo. João Paulo acabou saindo de cena por obra e graça de Eduardo e de Lula, que se juntaram contra ele.

O lance seguinte dos dois foi torpedear a reeleição de João da Costa — Lula, porque nunca gostou dele; Eduardo, porque teme que alguns partidos que o apoiam concorram à prefeitura do Recife com candidatos próprios diante de uma eventual fragilidade da candidatura de João da Costa. Abusaram tanto do prefeito que ele resolveu encará-los.

"A maioria do Diretório Municipal me apoia. Se houver uma convenção, eu venço", garante João da Costa. "Assim como venci a prévia anulada. Assim como venceria a prévia cancelada". A direção nacional do PT sabe disso. O assunto será examinado pela Executiva do partido, formada por 22 membros — 11 da CNB, tendência que se opõe ao prefeito. E por que se opõe?

Por ambição. Lula quer o senador Humberto Costa como candidato a prefeito do Recife. Humberto é da CNB. Eduardo topa. Com apenas dois anos como prefeito, ele não abandonaria o cargo para tentar se eleger governador. João da Costa não tem cacife para se impor sozinho a toda essa gente. Mas, contra ele, toda essa gente perderá a eleição.

FONTE: O GLOBO

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